A Rosa Fantasma - Capítulo 18
▸22h39min — Pensão da Abadia◂
Assim que a chuva começou, o frio devastador atravessou a pequena recepção. No entanto, nem o barulho da tempestade ou a destruição causada pelo vento foram suficientes para abafar o grito de Abadia e seus filhos que permaneciam atônitos, sem acreditarem naquilo que estavam presenciando.
A criatura na porta deu um rugido gutural, preenchendo o ar com sua sede de sangue, deixando claro que não possuía mais nenhuma gota de humanidade dentro de si.
— Léo, o que aconteceu com você…?
Normalmente, o primeiro sentimento que preenchia o coração de Abadia ao encontrar o seu marido era carinho e afeição, mas, dessa vez, foi diferente. Havia apenas medo e incertezas. Ela encarava o monstro de olhos cheios de ódio sem encontrar nenhum traço da pessoa gentil com quem se casou.
Já Owen, encontrava-se paralisado pelas dúvidas de como devia agir diante dessa reunião de família. No entanto, sabia que deveria tomar uma decisão rápido, antes de um desastre acontecer.
— Meu Deus!
— O que está acontecendo?!
— É um demônio?!
Várias pessoas desciam as escadas ao mesmo tempo e paravam assim que avistavam a figura sinistra bloqueando a saída. Menos de um minuto depois, já havia cerca de trinta pessoas se espremendo na recepção.
O legior entrou em pânico. Por já ter presenciado a força e agilidade de uma criatura igual a essa, ele temia que seria impossível proteger tantas pessoas em um espaço tão pequeno.
Diante de tanta hesitação, Léo gritou e deu um único passo para dentro da hospedaria. Uma ação estranha considerando o fato de que ele deveria ser uma besta irracional e incontrolável.
— Parece até um subordinado na linha de frente de um campo de batalha, aguardando a ordem do superior para atacar.
Apenas cinco segundos depois, essa ordem chegou.
A criatura cravou as garras dos pés no chão, pegou impulso e partiu em disparada. Em resposta, enquanto a multidão de moradores desesperados tentava subir as escadas novamente, Owen correu de encontro ao mutante.
— Roooaaaa!!
Léo lançou um golpe circular com as garras da sua única mão. Agilmente, o soldado desviou, segurou o braço dele e o arremessou sobre a mesa de chá que terminou em pedaços.
— Andem logo!! — Owen berrou. — Todos para fora, agora!!
Os cidadãos, em choque, perderam segundos preciosos antes de começarem a esvaziar o local. E, quando finalmente começaram a fazê-lo, foi na forma de um tumulto generalizado, com muitos empurrões, agressões e desespero.
— Não vou deixar você passar!
O legior ficou entre a criatura e o aglomerado de pessoas com a importante tarefa de assegurar que todos pudessem escapar.
— Grooooaaaaaaa!!
Léo levantou e tentou acertar Owen com um chute. No entanto, sua caçada foi mais ágil. Desviou do ataque e o acertou com vários socos rápidos no meio da face. Depois, aplicou um poderoso chute no tórax, mandando-o novamente para o chão.
Quando o soldado começou a imaginar que venceria facilmente, uma invasão inesperada mudou completamente o rumo da batalha.
Aqueles que tentavam atravessar a porta da pensão começaram a cair igual uma fileira de dominós, pisoteados por duas grandes onças-pintadas.
— Não, não, não!
Owen perdeu o foco e, no desespero para tentar acudir aquelas pessoas, deixou uma brecha para o ataque de Léo.
As garras afiadas capazes de despedaçar uma viga de concreto, avançaram tão rápido que era impossível desviar. Porém, pouco antes de atingirem o legior, uma lâmina preta dançou no ar e cortou o braço do monstro. Não foi o suficiente para desmembrá-lo, mas abriu um corte profundo que fez cuspir sangue coagulado por todos os lados.
— Aaaaaah!
Ellen girou a espada e a afundou no peito do seu inimigo. Em seguida, apoiou o pé direito no estômago dele e o empurrou, jogando a criatura no chão enquanto arrancava a lâmina da carne.
Enquanto isso, Owen notou que as onças estavam vindo ao seu encontro, ignorando todo o restante da multidão.
— Estão focando em nós?! Por quê?! — Voltou-se na direção da sua parceira. — Ellen, preciso do sensório!
— É pra já!
Imediatamente, a garota de cabelos brancos devolveu a espada que foi aparada no ar com firmeza.
Assim que a onça na dianteira se aproximou o suficiente para atacar, foi recebida por um poderoso golpe nas costelas do lado sem fio da lâmina.
— Oaa!
E, antes mesmo do segundo animal conseguir uma oportunidade para mordê-lo, foi atingido no pescoço e rolou pelo chão até se chocar contra um sofá. Mais uma vez, o ataque do soldado não foi fatal.
— Owen, como você acha que as onças conversam entre si? — Ellen perguntou.
— Como é?
— Acompanhe o raciocínio! Os felinos de grande porte se comunicam através de rugidos, ganidos e, até mesmo, pelo ranger dos dentes. Agora, considerando o fato que um humano está controlando-os, qual meio estaria usando para manipulá-los? Rugindo, por acaso? Duvido muito! Nesse caso, eu arrisco que seja algo como telecinese!
— Está supondo que a pessoa de capuz envia ordens aos animais através de pensamentos? Isso é loucura!
— Qual é? Não estamos em um circo! Não tem como alguém ter adestrado um bando de gatos crescidos da noite para o dia! Óbvio que tem bruxaria envolvida!
Dessa vez, a dupla de onças, sedentas por sangue, saltaram ao mesmo tempo na direção de Owen. No entanto, o lado sem corte da espada avançou ainda mais rápido, atingindo a primeira no estômago e a segunda bem no meio da face. Ambas foram arremessadas para o outro lado da recepção.
— Tá, beleza! E onde você quer chegar com isso?! — O jovem de cabelos pretos perguntou.
— Estava me perguntando. E se essa comunicação funcionar igual ondas de rádio? O controlador precisaria estar por perto para conseguir enviar as ordens sem nenhum tipo de interferência.
— Ou, talvez, esteja apenas por capricho. Para ver com os seus próprios olhos o desastre que está causando.
— Sei lá, é um tiro no escuro. Não existe nenhuma garantia de que os meus palpites estão corretos.
— Bem, a sua intuição raramente falha, e não custa nada tentar.
Owen reparou que a maioria das pessoas já tinha deixado a pensão, restando apenas Abadia e seus filhos paralisados atrás do balcão da recepção.
— Ellen, preciso que os leve para algum lugar seguro. Enquanto isso, procurarei pelo controlador. — As duas onças já estavam de pé novamente, preparando-se para uma nova investida. — Vocês querem um pedaço de carne? Então, venham me pegar! Garanto que o meu corpo tem um sabor inigualável!
— Narcisista idiota. — Ellen deu um sorriso tenso. — Boa sorte.
— Pra você também.
O jovem de cabelos pretos correu, atraiu os animais selvagens e saiu da hospedaria com os dois em seu encalço.
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Sendo perseguido de perto pelas onças, Owen se afastou do tumultuado centro de Jothenville e procurou por algum lugar que propiciasse uma vista privilegiada da hospedaria. Logo chegou no fundo de um beco largo cuja escuridão ocultava um velho armazém que, curiosamente, estava com a porta de entrada aberta.
Soube que era o lugar certo quando, misteriosamente, os dois animais pararam de correr e se deitaram, agindo igual cães adestrados.
— Por que o figurante que anda trabalhando por detrás das cortinas não aparece para me dar um oi?
Atendendo ao chamado, uma pessoa saiu do armazém e se revelou. Um rosto já conhecido que deixou o soldado perplexo.
As pernas da mulher de cabelos pretos e olhos azuis tremiam, deixando explicito o medo e a hesitação que estava sentindo. Ou, quem sabe, fosse apenas o frio provocado pelo vestido encharcado que usava.
— Não se mova.
Ela ergueu uma espingarda de dois canos e a apontou na direção do soldado. O seu dedo indicador direito roçava nervosamente o gatilho.
— Bianca…?