A Sétima Guerreira - Capítulo 6
Depois de havermos saído da sala trono, Handgrich e eu caminhamos em direção ao seu quarto real. Ela disse que precisava levar alguns dos seus pertences antes de abandonar o castelo.
“O quarto dela é muito luxuoso, nossa!”
Me joguei naquela cama enquanto olhava para o teto pintado de branco em contraste com as paredes cor de rosa.
“É, tem mesmo a vibe de um quarto de princesa.”
Ela colocou suas joias mais caras na sacola, e uma espada que lhe havia sido deixada pela sua prima (filha daquele rei), entre muitas e outras coisas.
— Como conseguiu suportar aquele rei lixo esse todo tempo?
— Sabe… — Ela colocou a sacola sobre as costas e eu levantei daquela cama confortável. — Ele nem sempre foi assim. Tudo começou quando ele foi perdendo cada membro da família. Depois que a Efrite se foi, o estado dele só piorou.
— E ele pretendia acabar com a única coisa que havia lhe restado? É um louco com certeza. No meu mundo ele já estaria em um hospital psiquiátrico.
— O que é hospital psiquiátrico?
“Eu sempre esqueço que não estou mais na terra, então muitos dos termos que eu usar serão desconhecidos para essa elfa.”
— É um local onde se coloca pessoas que não tem parafusos.
— O que são parafusos?
— Esquece, você nunca vai entender. — Peguei na sacola sobre a cama e caminhei até a porta onde estava Handgrich com uma sacola enorme. — Agora que temos o que precisamos para sobreviver, vamos dar o fora daqui. Esse castelo é perigoso demais para nós duas agora.
— Mas o rei e os soldados não podem te fazer nada.
— Na verdade, podem sim.
Me encostei na mesinha de cabeceira próxima à porta.
— Hã? Como?
— A voz do mundo disse duas coisas na sala do trono: “É proibido eliminar seu representante, isso resultará na extinção da raça.” E, depois, “A perca do representante antes da guerra resultará na eliminação da raça.
— Não entendi onde você quer chegar.
— Aí como você é lerda, Handgrich! — continuei. — Mas eu vou te explicar de uma forma muito simples. — Ela balançou a cabeça positivamente. — Na primeira fala é uma proibição aos elfos, ou seja, eles não podem tocar em mim. Na segunda fala é um simples aviso, ou seja, se eu tivesse me matado naquele momento, não teria acontecido nada a raça dos elfos. Entendeu?
— Então isso quer dizer você não estava falando a sério?
— É… — assenti, ainda mantendo contato visual com Handgrich. — E ao que parece o rei e nem os outros perceberam, por enquanto.
— Mas mesmo se perceberem, não poderão te tocar.
— Eles não, mas outras pessoas que não sejam da raça élfica podem.
— E agora?
— Vamos fugir, obviamente, e nos esconder. Na verdade, já deveríamos ter feito a bastante tempo. — Desencostei daquela mesinha e toquei o ombro da Handgrich, que estava prestes a sair por aquela porta. Em seguida, apontei para aquela janela gigante aberta, que dava acesso a uma pequena varanda afora.
— Consegue usar magia do vento o suficiente para nós sairmos por aquela janela?
— É um pouco arriscado, mas se eu conseguir combinar a minha mana com o elemento vento, eu acho que consigo.
— Então do que estamos a espera?
— Então vamos! — Avançamos em direção à janela, adentrando àquela pequena varanda e subimos no muro prateado que cercava a varanda. Um forte vento soprou sobre os nossos rostos enquanto observamos aquela linda paisagem que o reino de Evelgrand nos proporcionava. Uma paisagem formada por colinas e nuvens acima e algumas casas abaixo.
Suspirei, Handgrich e eu demos as mãos enquanto olhávamos uma para outra.
— Pronta?
— Eu nasci pronta!
Com as mãos entrelaçadas, saltamos ao mesmo tempo, daquela altura de aproximadamente dezessete metros. As nossas madeixas flutuaram, batendo algumas vezes contra o nosso rosto. Aquele vento sibilante apalpava as nossas vestes e causava um leve arrepio na minha pele.
— Dos quatro elementos da natureza, rogo a Ti, Ó Criador, que me concedas dos quatro cantos do mundo, um vento impetuoso que ampare a minha queda, geração de vento!
Um vento ainda maior surgiu ao nosso redor, como se fosse uma esfera, nos envolvendo mais e mais. A nossa queda livre foi contida antes mesmo que chegássemos ao chão. O ar havia sido suavizado pela magia de vento da Handgrich. Conseguimos pousar com perfeição naquele gramado repleto de alguns arbustos.
— Que incrível! — Os meus olhos brilhavam como se fossem diamantes, enquanto eu olhava para aquela elfa habilidosa que sacudia suas vestes.
— Acha mesmo?
Balancei a cabeça positivamente com um sorriso e ela sorriu de satisfação. Mas logo retomei minha postura de uma mulher fria e calculista.
Esse momento pedia isso.
— E agora, para onde fugimos?
— Quital para o vilarejo de Evel? — Handgrich sugeriu.
— Lá seria o primeiro alvo do rei.
— Na verdade, acho que só por termos estado lá é que o rei não vai nos procurar.
— Que lógica é essa?
— Além do mais, eu tenho um amigo lá no vilarejo que pode nos ajudar a nos escondermos do rei.
— Já que você diz, vou confiar.
Ela sorriu.
Então começamos a caminhar em direção à porta traseira do castelo. Não podíamos correr riscos de tentar passar pelo portão principal, já que o rei pode ter dado ordens para impedir a nossa passagem por lá.
Tínhamos que nos esgueirar dos soldados elfos que faziam as rondas pelo castelo. Isso parecia uma daquelas fugas que só acontecia nos filmes.
— Srta. Handgrich, para onde pensa que vai?
Uma voz feminina ressoou nos nossos ouvidos. Viramo-nos, contemplando uma senhora de cabelos prateados presos em coque. Trajava um uniforme de empregada. E aparentava ter meia-idade.
Suspiramos de alívio, enquanto colocávamos a mão no peito.
— Essa Milena, é a elfa Margareth, ela é quem tem cuidado da família real por séculos e séculos — Handgrich apresentou.
— Séculos e séculos?
“Quantos anos tem os elfos nesse mundo mesmo?”
— Não vai responder, Srta. Handgrich?
Ela cruzava os braços.
— Bem, é complicado dizer, mas eu estou abandonando o castelo.
A Srta. Margareth arregalou os olhos.
— O que?!
— É isso, o rei não aceita essa mulher como a sétima guerreira. — Handgrich apontou para mim e eu retirei o capuz, causando espanto naquela mulher.
— Quase pensei que fosse um elfo negro!
Ela pressionou o peito e suspirou.
— Elfo negro?
Handgrich e eu fizemos a mesma questão.
— Ah, sim. Mas não é nada com que devam se preocupar.
“Agora que começou termina.”
— Isso mesmo, agora que começou termina! — Handgrich balançou a cabeça positivamente.
— Se eu contar, irei morrer. — Os traços da Srta. Margareth se contorceram em uma expressão triste.
— O que?
— Há uma magia que nos impede de contar o verdadeiro segredo dos elfos negros.
— Por que?
— O rei é que colocou. Se ousamos abrir a boca para falar sobre esse assunto, teremos os nossos corações ceifados.
— Não pode ser… — Handgrich lamentou pela maldade do tio.
“Que rei miserável.”
— Mas com a sua habilidade, podemos saber do segredo, Handgrich.
— Como assim?
— Leitura mental, elfa lerda — soltei um leve sorriso. — Leia a mente dela.
— Oh, é mesmo… — Ela apalpou a cabeça levemente e trocou olhares com aquela elfa.
— Não vai resultar.
— Por que? — questionei.
— Tenho um anti-leituramental que protege a minha mente de qualquer leitura mental.
“Então é possível proteger a mente, era isso que a Handgrich não queria me contar”, pensei, enquanto olhava para ela. E ela desviou os olhos, assobiando como se não tivesse lido o que eu estava pensando.
— A menos que… — Voltamos nossa atenção as palavras daquela elfa. — … Que o poder da Handgrich seja maior que a pessoa que aplicou o anti-leituramental, não será possível desbloquear a minha mente.
— Consegue, Handgrich?
Olhei para ela.
— Vou tentar. — Handgrich andou em direção a Srta. Margareth e colocou as mãos sobre a cabeça dela por alguns minutos, mas não gerou nenhum resultado. — Não dá, o meu poder mental é muito inferior.
— Nesse caso a pessoa que aplicou é mais forte que a Handgrich.
— Sim — Srta. Margareth assentiu, enquanto Handgrich retirava a mão da cabeça dela. — Nem mesmo eu sou capaz de desbloquear.
— Bom, não é como se precisássemos saber disso, não é?
— Bem, é verdade — Srta. Margareth concordou.
— Eu fiquei curiosa.
— Não temos tempo para curiosidade, Handgrich. Precisamos fugir!
— Então você é a sétima guerreira, não é?
Levantei a minha mão, mostrando aquela tatuagem de coruja carmesim e o número sete ao lado.
— Algo muito peculiar de se acontecer, mas se você foi escolhida como a sétima guerreira, algo me diz que não é uma coincidência.
— Creio que a Milena será a primeira guerreira de Evelgrand a levar a raça dos elfos a vitória!
— Não sei aonde você apanha tanta confiança numa humana sem poderes mágicos como eu.
— De fato, não sinto poder algum vindo de você.
— Mas ela tem a ciência — acrescentou Handgrich.
— Ciência?
Srta. Margareth levantou uma das sobrancelhas.
— Handgrich, estamos perdendo tempo. — Comecei a caminhar. — Se continuarmos aqui, seremos presas ou mortas muito em breve.
— Desculpa, Srta. Margareth. — Handgrich me seguiu com a sacola na mão enquanto acenava com a mão direita para Srta. Margareth. — Mas eu tenho que ir!
— Tudo bem, minha menina. Vá e se cuide.
As minhas questões sobre esse mundo apenas aumentavam.
Elfos negros, poderes mentais e voz do mundo? A minha mente estava uma bagunça, um bloco de notas seria bastante útil agora.
“Por agora, vou esvaziar a minha mente e focar em sair desse castelo antes que aquele rei maléfico tome alguma ação contra nós.”
Handgrich nos guiou por mais alguns caminhos que só ela, a dominadora do castelo, conhecia. E enfim, para o nosso alívio, conseguimos sair pela tal porta traseira. Nada mais era que um pequeno túnel que ela havia escavado junto das suas primas quando era pequena, para fugir do castelo.
O túnel nos levou a parte lateral do castelo, que ficava numa área isolada, apenas repleta de gramado e pequenas rochas.
Apalpei as minhas vestes, sacudindo um pouco de areia e poeira que havia se amontoado nela. Handgrich apenas usou sua magia de vento e em instantes tudo já estava limpo.
“Como é bom ter magia, não é?”
“A minha vida seria muito fácil.”
Suspirei.
— Agora, sim, vamos!
Ela sorriu e cerrou os punhos. E então, começávamos a andar por aquele gramado em direção ao centro de transportes da cidade capital de Evelgrand, lá pegaríamos uma caravana para o vilarejo de Evel. A viagem era de aproximadamente quatro horas, se o cocheiro usasse sua mana para reforçar o cavalo com velocidade, mas aí saía bastante caro.
Mas com isso não precisamos nos preocupar, já que tínhamos uma princesa que possuía uma sacola cheia de coisas caras e muitas moedas que ela havia colecionado em seu pequeno cofre
Chegando ao centro de transportes, Handgrich e eu pegamos a primeira caravana que vimos, antes que alguém acabasse por reconhecê-la e isso chamasse muita atenção.
E lá fomos nós, ao som daquela brisa produzida pela caravana, rumo ao vilarejo de Evel a todo vapor. Já que havíamos pago mais para que o senhor usasse sua mana em seu cavalo. Até perguntei se não era possível o cliente usar a mana no cavalo do cocheiro, mas ele me deu uma resposta bem fria.
“Nesse caso, então o cliente deveria comprar sua própria caravana.”
Se bem que ele não estava errado.
A viagem havia nos custado 50 moedas de bronze.
“Que cocheiro careiro, não imagino o que os cidadãos elfos passam nas mãos desses cocheiros”, reclamei enquanto observava a caravana indo embora após ter nos deixado em uma rua com algumas casas perfiladas.
— Antes não era assim…
“Handgrich de novo lendo a minha mente.”
— Esses também foram os efeitos da devastação, a subida absurda das coisas.
— Agora que você diz, essa Devastação… Não tem uma origem concreta?
— Ainda não foi identificada, mas as nações das doze raças deixaram de investigar a origem da maldição para se focar na guerra pela sobrevivência.
— Quanta falta de compaixão dessas nações.
“No fim, não é muito diferente do mundo humano.”
— O mundo humano também é assim?
— Quero que aplique o anti-leituramental em mim agora. Agora mesmo! — exigi, se não eu não teria mais paz nem na minha própria mente.
Ela riu.
— Você se esqueceu? Eu não tenho mana.
— Aplicar o anti-leituralmenral leva tanta mana assim?
— Muita! Muita!
— Sinto um pingo de exagero nas suas palavras, mas enfim… Quando recuperar a sua mana, você vai ter que aplicar querendo ou não!
— Tá bom! Tá bom!
Ela balançou a cabeça positivamente.
“Por enquanto vou tentar pensar menos, se não eu me tornarei um livro aberto e todos os elfos poderão ler a minha mente.”
— Não se preocupe, Milena…
— Handgrich… — Franzi o cenho.
— O que eu quero dizer é que só os elfos da linhagem real tem o poder de ler a mente, e que a leitura da mente não acontece automaticamente.
— Sério?!
Agora fiquei feliz. Se for assim, não tem problema nenhum.
— Para um elfo ativar o seu poder de leitura de mente, precisa fazer contato com a cabeça da pessoa que quer ler. Daí por diante, se a pessoa não tiver uma proteção mágica, ela terá a sua mente lida a qualquer momento e hora.
— Então leitura de mente é uma habilidade exclusiva dos elfos da realeza?
— Exatamente.
— Mas e quanto ao anti-leituramental, ele pode ser aplicado por qualquer pessoa ou só os elfos da realeza?
— Aí você tá querendo saber demais.
— Se não quiser que eu procure outra pessoa, você vai ter que colocar o anti-leituramental em mim.
— Assim que eu estiver totalmente recuperada, eu coloco.
E assim, continuamos andando em direção à casa do elfo amigo da Handgrich, que ficava quase que no fundo do vilarejo, um pouco perto do bosque onde fui invocada.
Enquanto apreciava as ruas e os mercados do vilarejo de Evel, algo acabou acontecendo comigo…
Como um flash, vi uma imagem de três pessoas encapuzadas na minha mente. Elas estavam correndo por cima de alguns telhados. Arregalei os olhos, me perguntando o que havia acontecido. A possibilidade de finalmente eu haver ganho magia me deixava bastante animada.
Pensei logo numa habilidade descrita em um dos meus livros, como a “visão do futuro” em que a pessoa conseguia ver o futuro antecipadamente na sua mente.
Fiquei pensando sobre isso. Não sou louca o suficiente para ignorar algo tão importante quanto isso. Sorte a minha que a Handgrich estava distraída demais para invadir os meus pensamentos.
“Por enquanto, vou guardar esse segredo dela.
Não sei se é magia ou não, mas…
Graças a essa visão, vou poder ficar alerta.
Agora que eu sei que aquele rei mandou caças à nossa procura.”