A Voz das Estrelas - Capítulo 1
⚝ 1 ⚝
Lentamente os olhos do garoto se abriram.
“Onde… estou?”.
Rapidamente ele reconheceu as estrelas no céu noturno.
“Que frio…”.
Repetindo piscadas demoradas, contemplou por um momento os pontos brilhantes que preenchiam o firmamento azul escuro. Seu olho esquerdo estava coberto com sangue que escorria de uma ferida aberta em sua testa, caindo até o seu queixo e sujando um pouco de seu cabelo encaracolado.
Sentindo uma forte dor de cabeça, seus sentidos iam sendo recobrados. Seu tato reconheceu a grama úmida na qual estava deitado, o paladar queria rejeitar o gosto de terra que recheava sua língua. O olfato e a audição foram restaurados no mesmo instante, captando sons de fogo crepitando e cheiro de queimado vindo de sua esquerda.
Ele tentou se virar, mas seu braço parecia estar quebrado e isso lhe custou uma dor que o fez ranger os dentes. Sentiu seu corpo inteiro cansado e também ardências na perna e no torso.
A falta de força que ele tinha para se levantar se assemelhava a correntes prendendo todo o seu corpo no chão sujo. Contudo ele sentiu que precisava sair daquela situação, não importasse a dimensão de suas dores.
E assim ele fez.
Seus ossos pareciam estalar e os músculos com leves rasgos em diversas áreas gritavam. O garoto conseguiu se erguer, sentindo o desconforto de seu braço esquerdo pêndulo enquanto girava seu torso. Olhar para a fratura interna em seu cotovelo lhe causou náuseas, porém ele aguentou e mirou o clarão que vinha daquele lado.
Por não conseguir apoiar o pé esquerdo completamente no chão, imaginou que o mesmo também estava lesionado. Quando começou a avançar arrastando sua perna da forma que podia, tentou reorganizar suas memórias.
Haviam algumas lacunas borradas e praticamente o restante estava todo apagado. Não conseguir se lembrar trouxe uma ânsia ao seu peito, seu coração pareceu ser apertado e passou a bater com mais força. Ele queria chorar por algum motivo, mas não conseguia.
Seus pensamentos se dissiparam no momento em que ele tropeçou em um pedaço de tronco e caiu de bruços. Engoliu um pouco mais de terra e sentiu o cheiro da grama, se mantendo firme por conta das dores em todo o seu corpo que evitaram seu desmaio.
Estava sem forças até mesmo para soltar palavras de infortúnio, apenas resmungando em um tom baixo. Tentou se levantar com a força de seu braço direito, fazendo o que podia para continuar em frente.
“Tenho que prosseguir… tenho que continuar”, ele repetiu em sua cabeça para não entrar em síncope, flexionando sua perna direita ferida com agonia para se levantar. Assim que conseguiu, parou arfando por um momento e tratou de recuperar o fôlego.
A iluminação alaranjada estava mais forte, indicado que ele havia se aproximado. A pouco passos de alcançar o brilho estranho, se deparou com um corpo caído próximo de uma árvore. Parecia um homem de meia idade, com uma camisa social branca e uma mancha de sangue redonda cobrindo a barriga.
Mesmo sem reconhecer o rosto sem vida, sentiu uma estranha familiaridade. Seu coração acelerou por um motivo que ele não compreendia, seus olhos verdes se recusavam a deixar de olhar para aquela pessoa. Se esforçou para virar seu rosto junto ao seu torso, alcançando a luz com mais alguns passos.
O fogo trepidava com intensidade, suas chamas alaranjadas envolviam um automóvel destruído.
Sem que percebesse, lágrimas escorreram por seu rosto ao visualizar mais dois corpos entranhados nas ferragens do carro em chamas. Estavam ambos carbonizados da cabeça aos pés.
Tudo naquele cenário lhe era familiar.
Em um instante, imagens borradas passaram por sua cabeça causando um novo incômodo. Levou sua mão até a área lacerada em sua testa conforme a dor em sua cabeça ficava mais forte, sentindo uma pontada ardente ao tocar a ferida que formava um rastro de sangue até seu rosto.
Vozes ecoaram por sua cabeça em uma velocidade anormal, trazendo um declínio para sua sanidade. O garoto não aguentava mais ficar de pé por muito tempo, recaindo com seu corpo inclinado para frente até que uma voz singular ressoou:
Liberte-se.
Seus olhos arregalaram com as lágrimas esvoaçando pelo ar, notando que uma das árvores ao lado também estava tomada pelas chamas. Parte de seu maior galho podre ruiu e tombou para onde ele estava.
Com sua ausência de mobilidade, acabaria esmagado e se tornaria a nova vítima daquele cenário.
Mais uma vez escutou aquela mesma frase pronunciada em uma voz doce e suave, antecedendo a queda do tronco. Uma fraca luz azul emanou do corte em sua testa e, naquele mesmo instante, o tronco da árvore parou em pleno ar.
O garoto subiu seu rosto e entendeu aquele estranho momento, vendo seu braço direito erguido com a palma da mão direcionada à madeira queimada para se proteger. Ele não sabia que ação tomar após aquele testemunho incompreensível, então moveu o braço para o lado.
Entretanto o tronco seguiu aquele movimento, desviando para a direita e tombando na grama com força. Antes de conseguir pensar em mais alguma coisa sua dor de cabeça chegou a um nível grotesco, semelhante a um choque poderoso. Todas as suas funções falharam e seu corpo caiu de volta conforme a consciência se esvaía.
A última informação que seu cérebro captou antes de adormecer por completo foram sons de sirenes se aproximando.
★★★
O garoto despertou em uma cama confortável. Não reconheceu o teto.
Ainda sentindo as dores em seu corpo, olhou para a claridade que vinha da janela e notou que estava em um leito de hospital. Suas feridas foram tratadas e enfaixadas, o corte em sua cabeça estava suturado e o braço esquerdo quebrado suportado por uma tala.
Mais tarde foi visitado pelos médicos responsáveis por seus cuidados e interrogado por um psicólogo. O garoto alegou não se lembrar de nada além do momento em que despertou por pouco tempo e viu o carro em chamas, além dos corpos mortos, para desmaiar de novo em seguida.
O psicólogo contou sobre o acidente que culminou na morte de seus pais e de seu irmão mais novo, o que estranhamente não afetou o garoto. Ele aceitou a notícia sem muitas reações, mas seguia sem lembrar do ocorrido.
— É um caso de amnésia parcial. O trauma do acidente causou a sua mente um bloqueio de memórias, mas pelo que parece não o afetou totalmente. Você ainda se lembra de seus pais e seu irmão que faleceram na tragédia, apenas não remete aos momentos antes e durante o acidente.
Explicou um dos doutores com sua prancheta em mãos e olhando de cima para o garoto que assentiu sem força. Ele estava presente no momento de um dos interrogatórios que ocorriam diariamente para checar a evolução do jovem acamado.
— Não se esforce muito. Descanse e qualquer coisa nos avise pelo dispositivo. Voltarei à noite. – O médico se virou e saiu do quarto junto do psicólogo que não retornaria mais.
Quando os dois saíram, o garoto deitou e puxou o lençol até a altura de seu rosto.
Ficou sob observação por mais alguns dias no hospital com uma recuperação um pouco demorado por conta das lesões. Após três dias já conseguia andar com ajuda de uma muleta, evitando o contato do pé esquerdo engessado com o solo.
Os corpos de seus pais foram identificados e já estavam prontos para serem levados pela funerária, para receberem um enterro apropriado. Ele queria sair de uma vez daquele lugar para que todas as burocracias fossem atendidas, porém não tinha ideia do que fazer após essa fase.
Pela primeira vez ele estava sozinho.
Até mesmo nos corredores do hospital ele não se encontrava com muitas pessoas, sempre caminhando nos horários de baixo fluxo. Sua dificuldade de dormir havia aumentado conforme sua recuperação procedia, portanto ele saía de seu quarto toda madrugada para fazer um tour pelo hospital em busca de pegar no sono sem problemas.
Diferente dos últimos dias, ele encontrou uma outra pessoa no caminho. Parou de andar ao enxergar a garota sentada em um dos bancos do pátio, passando os olhos pelo cabelo branco que estava preso em um curto rabo de cavalo. Seus olhos estavam fixados nas estrelas do céu e tinham uma coloração parecida com a do firmamento noturno.
Ele ficou por algum tempo a contemplando sem perceber, sendo atraído pelo misterioso encanto da garota. Sua observação durou até o momento que ela virou o rosto e o enxergou, esboçando um sorriso puro que trouxe nervosismo ao jovem.
— Boa noite. – Ela falou, sua voz era graciosa. – É raro ver um paciente acordado nesse horário. Quer se sentar?
Ela usou suas mãos para mover seu corpo e abrir um espaço no banco alabastrino, convidando o garoto para se juntar a ela. Ele tentou recuar, mas a muleta o atrapalhava.
— Vamos, não se acanhe. O céu está muito bonito hoje, venha ver. – Ela insistiu.
O garoto ainda relutou por um tempo, mas acabou aceitando o convite indo até o banco. Ele se sentou ao lado da garota, ficando bem próximo dela por conta do tamanho reduzido do assento.
A jovem deu uma risadinha ao ver a expressão tímida do menino, fitando seu encaracolado cabelo castanho e seus olhos verdes como esmeraldas.
— Qual o seu nome? – Ela tentou puxar assunto.
— Norman. – Ele respondeu, desviando seu olhar.
— Entendo. Eu me chamo Layla. É um prazer. – Ela sorriu para ele.
— Sim, prazer…
“Layla, é? Nome bonito”, guardou aquela opinião em sua própria mente.
Norman levantou seu rosto e também permaneceu um bom tempo admirando as estrelas e as constelações que podia identificar naquela época do ano, como se estivesse se conectando com todas elas. Mesmo estando tão longe, era como se ele pudesse tocá-las.
— São lindas, não acha? – Layla voltou a olhar para o céu.
Norman teve sua divagação interrompida e olhou de canto para a garota.
Ele se considerava complicado com relação a garotas, não conseguindo gostar com facilidade de alguma. Mesmo assim, aquela Layla parecia ser diferente. Sentia que ela transmitia uma sensação fria que adentrava seu corpo, mantendo a proximidade dos dois.
— Eu amo ver as estrelas. É tão incrível pensar que somos nada comparado à imensidão do universo. – Layla continuou, Norman a observando. – Todo o nosso destino, toda a nossa história. Até mesmo o que nos faz humanos. Absolutamente tudo passa por esses pontinhos brilhantes no céu.
Escutando em silêncio, Norman voltou a encarar o céu. Ele também queria admitir que era um belo hobby gastar um tempo enquanto olhava para o alto concordando com tudo que a garota disse.
Todavia ele nunca mais olharia para as estrelas como antes da tragédia de dias atrás, quando acordou naquelas condições adversas, contemplando seus pais e irmão mortos em um acidente. A primeira imagem que vinha até sua mente ao olhar para as estrelas era a daquele momento.
“Mesmo que eu tente esquecer, não sai”, Norman divagou, colocando a mão direita em sua testa chamando a atenção de Layla.
— Você sofreu algum tipo de acidente? – Layla questiono, retraindo o garoto. – Certamente foi complicado. Sinto muito por sua família.
A voz da garota soou fraca para seus ouvidos, Norman estava mais uma vez imerso em pensamentos naquele momento. Ele, porém, paralisou tudo o que refletia quando enfim se deu conta sobre a última frase que ela exprimiu.
Pela primeira vez Norman a olhou diretamente nos olhos, já que o rosto da garota permaneceu virado em sua direção. Os olhos verdes do jovem encontraram os escuros como a noite da menina, mantendo seu sorriso enigmático.
— O que… você disse? – Ele tentou não demonstrar abalo.
— Você sabe falar, que meigo. – Ela brincou, mas logo voltou a conversar. – Bom, mas finalmente achei um assunto que faça você conversar comigo. É meio chato falar as coisas e não ser correspondida, sabia?
— Você – ele insistiu –, como sabe sobre meus pais?
Norman tentou se afastar, mas a aura da garota parecia agarrá-lo. Ele cerrou seu punho direito que estava acima da parte do assento que os separava, começando a suar frio.
Layla fechou seus olhos por um instante, pensando no que deveria responder a ele. Norman ficou apenas mais nervoso diante da paciência intrigante da garota, que voltou a abri-los lentamente após divagar. O garoto imaginou ter visto pontos brilhantes como estrelas em suas írises escuras, já não sabendo mais se estava realmente enxergando com plenitude.
Ele pensou em pressioná-la para responder, mas logo imaginou que algum doutor poderia ter contado a ela ou algo parecido. Ele tentou desviar seu olhar, mas agora era o efeito contrário. Não conseguia tirar seus olhos dela, que parecia o dominar com os seus olhos que pareciam com a pura essência da noite.
Após algum tempo, Layla enfim respondeu:
— Porque eu vi… – assim que ela começou, os olhos de Norman se arregalaram ainda mais – no momento em que passei pelo local, você estava de pé. E um tronco de árvore que pegava fogo iria cair acima de seu corpo.
Norman nem piscava conforme escutava as palavras comedidas de Layla.
— Então fiquei abismada com o que ocorreu em seguida.
Layla relembrava a cena de seu ponto de vista enquanto respondia. A garota que estava apenas passando pela calçada de uma estrada na subida de um morro do local, identificou a luz das chamas próximas por acaso e se adiantou até as proximidades da ribanceira para então contemplar aquele cenário.
Ela revivia, enquanto respondia ao garoto, a sua surpresa no instante em que parou no local e observou uma fraca luz azul saindo da testa ferida de Norman no meio do mato. Ele estava prestes a se tornar a nova vítima da tragédia.
Porém…
— Você parou aquele tronco. Sem nem tocar nele.
Ela deu a resposta para o maior dos questionamentos de Norman.
Uma situação que detonava a lógica e o deixou remoído para entender o que havia acontecido naquele instante. Lembrar com mais intensidade graças às palavras de Layla fez retornar sua dor de cabeça. Uma leve ardência perturbou a ferida da testa suturada, que estava coberta por uma gaze com esparadrapos.
O garoto se levantou da cadeira e quase caiu por conta da falta de equilíbrio que seu pé esquerdo fraturado proporcionava. Ele não conseguia se afastar, respirando ofegante enquanto tentava responder Layla.
— Como? – ele murmurou – Por que?…
— Eu queria te encontrar. E falar com você. – Layla também se levantou do assento, ficando de frente para Norman.
— Como aquilo… pôde acontecer?
Norman não conseguia escutar nada do que Layla dizia, chocado ao saber que tudo aquilo não foi apenas um pesadelo.
E constatando que o garoto sofria para buscar a verdade, a garota de cabelo branco resolveu dar a resposta que ele procurava:
— Porque você foi escolhido pelas estrelas. – Ela complementou, estendendo sua mão direita para ele. – Você é um dos Marcados.
⚝ 2 ⚝
Norman estava paralisado.
A dor na área suturada de sua testa se agravou, fazendo ele cambalear alguns passos para trás. Segurou firme em sua muleta para não cair, buscando manter seus olhos fixados no rosto plácido da garota à sua frente.
Layla abaixou sua mão, virando seu rosto para observar novamente as estrelas. Seu sorriso plácido trouxe mais calafrios para a espinha de Norman, que cogitou qual seria a melhor opção para aquele momento.
Certamente ele devia entrar para seu leito e tentar dormir.
O problema era exatamente esse. Nos últimos dias o jovem passou por experiências traumáticas e seus sonhos eram muito estranhos, podendo até serem chamados de pesadelos. A outra opção era ficar e buscar saber mais, já que parecia ter encontrado a pessoa certa para lhe contar.
A questão era…
— Quem… é você?
Sua voz ecoou deturpada, mas o conteúdo da pergunta alcançou os ouvidos de Layla.
Ela estreitou seus olhos escuros, fazendo elevar a ansiedade de Norman, e começou a se aproximar dele com passos silenciosos. O garoto tentou se afastar, porém suas condições não permitiram uma ação contundente e ele só pôde esperar para ficar cara a cara com a menina.
Percebeu que Layla era quase de sua altura, talvez dois centímetros mais baixa. Suas narinas captaram um aroma agradável em sua direção, parecendo ser um perfume de lavanda. Por conta de sua ânsia, ele demorou para notar que o rosto dela estava muito próximo, corando no mesmo instante.
Contudo ele não conseguia desviar seus olhos dela, se sentindo engolido por aquela cor escura. Com um sussurro, ela respondeu:
— Eu sou igual a você – levou sua mão até a gaze protetora na testa do garoto – Está doendo, não é?
— Ei, espe…
Norman não conseguiu completar, sentindo o toque gracioso dos dedos de Layla trespassarem a proteção. Parecia que ela estava diretamente conectada com aquela área específica da testa do garoto, que engoliu em seco esperando pela próxima ação dela.
Que foi usar seus dedos indicador e médio para puxar o primeiro esparadrapo que mantinha a gaze acima da ferida suturada. Ele esperou sentir a dor de ter seus pontos sendo puxados, porém nada veio além de um brilho branco que iluminou um pouco os olhos escuros de Layla.
“O que?”, Norman tentou olhar para sua própria testa, mesmo sabendo que não era possível. Coube a ele se atentar aos olhos e ao sorriso mais largo de Layla, demonstrando satisfação.
— Então você é o Marcado de Altair. Como eu previ. – Ela deslizou seus dedos sobre a marca brilhante na testa de Norman. – Você é o pastor.
— Quê? Altair? Pastor?
Norman levou sua mão até a testa e acidentalmente tocou os dedos suaves de Layla. Ele corou e mais uma vez se deparou com os olhos mais próximos da garota, conseguindo enxergar o que vinha daquele brilho branco que reluzia no seu profundo azul escuro.
Um losango conectado a uma linha reta que se assemelhava a um pássaro com asas abertas. Norman logo percebeu o significado daquela forma poligonal, o buscando em sua memória ainda um pouco falha.
“Uma constelação… a Águia”, ele conseguiu se lembrar.
— Parece que você notou. – Layla murmurou. – Conhece a Lenda da Sétima Noite? É o tema de um grande festival no Japão, que ocorre na sétima noite do sétimo mês do ano.
— Já ouvi falar… – Norman respirou fundo.
— Havia uma deusa chamada Orihime. – Layla se afastou um pouco. – O Senhor Celestial, seu pai, lhe apresentou a um pastor chamado Hikiboshi. Os dois se apaixonaram e viveram juntos por um tempo, porém o Senhor Celestial os separou. Então ele permitiu que os dois pudessem se encontrar apenas uma vez por ano, na sétima noite do sétimo mês.
Layla apontou com o indicador direito para Norman, cuja testa seguia emitindo o brilho branco da forma da Constelação da Águia.
— Você é Hikiboshi, a estrela Altair. Eu sou…
Ela levou a mão para sua blusa branca, a puxando para baixo e mostrando a sua marca brilhante em seu peito esquerdo.
Norman rapidamente reconheceu aquele símbolo que brilhava na coloração azulada, com a mesma intensidade que o de sua testa.
“A constelação… de Lira”, ele arregalou seus olhos e a garota completou:
— …Orihime. A Marcada de Vega.
A marca do retângulo com uma linha reta puxada no ponto direito de cima, onde o brilho estava ainda mais intenso em uma pequena esfera que marcava a estrela mais brilhante da Constelação.
— Como… – Norman mal conseguia falar, ele estava perdido. – Isso é…
— Compreendo sua confusão. Portanto, permita-me explicar.
Layla voltou a se sentar no banco e convidou Norman para retornar ao seu lado. Agora não tinha mais volta, ele precisava escutar o que a garota tinha a falar.
O nível da esquisitice já havia passado dos limites. Ele ao menos precisava saber sobre o significado de tudo aquilo; a marca em sua testa, a conexão com estrelas que Layla sempre abordava e sobre o que aconteceu há dias naquele acidente.
O garoto voltou a sentar ao lado de Layla tentando manter uma distância considerável dela, mesmo já se habituando com seu perfume de lavanda. Seu rosto corava só de olhar para o rosto dela, contudo ele não conseguia desviar seus olhos dela.
— Aparentemente existe um evento que reúne pessoas escolhidas para portarem o que chamam de Maldição das Estrelas.
— Maldição?…
— As pessoas escolhidas recebem uma marca dessa, referente à constelação da estrela que lhe marcou. – Layla apontou para a testa de Norman e para seu peito. – A cada passagem do Cometa Halley, esse evento tem seu início. Ou seja, a cada setenta e quatro ou setenta e seis anos.
— Mas o que é esse evento? E como eu… – Norman se lembrou mais uma vez daquele instante durante o acidente.
— A Maldição das Estrelas – respondeu Layla – se caracteriza por escolher pessoas que portem suas marcas. Cada um dos Marcados desperta uma habilidade denominada Áster. Pelo visto, seu Áster lhe permite a utilização de psicocinese.
“Psico…, mas isso é…”, Norman novamente remeteu ao momento que se salvou da queda de um tronco, movendo sua mão direita e jogando a árvore para seu lado. “Impossível”, ele não conseguia acreditar em tudo que estava escutando e vivenciando.
Maldição das Estrelas, Marcados, Áster, a marca brilhante de sua testa. E agora uma habilidade psíquica ligada ao controle de objetos pela mente que ele estava acostumado a ver nas histórias que lia em quadrinhos ou assistia em desenhos animados.
Aquele deveria ser um pesadelo, um devaneio pós experiência traumática. Ele ainda sentia a dor de perder sua família, ainda sentia as dores de ter sofrido o acidente e estava guardando todas as lamúrias dentro de seu coração. Por mais que ele estivesse demonstrando indiferença por fora, por dentro ele desejava gritar e chorar o mais alto que podia.
— Mas que merda de história é essa… – falou indignado – como posso acreditar nessas coisas de ficção? Esse é o mundo real, isso não pode…
— Então você nega que viu minha marca? – Layla o interrompeu. – E a sua própria na testa onde deveria estar uma sutura. Onde ela está agora, eu me pergunto.
Norman rapidamente levou seus dedos até a área marcada em sua testa e não conseguiu identificar os pontos que fechavam a ferida. O garoto estremeceu por inteiro.
— Você me perguntou sobre o que se trata esse evento. – Layla fez uma pausa e respirou. – Testes.
— Hã? – Norman ergueu sua sobrancelha direita. – Testes?
— Aqueles que possuem as marcas da Maldição das Estrelas devem passar por Testes durante três anos. – Layla falou sem nenhum pesar e Norman arregalou seus olhos. – De acordo com o calendário terrestre, a cada fenômeno astronômico acontecerá um teste selecionado pelo Senhor Celestial.
— Hã? Espera, esse cara não era daquela tal lenda? – Norman não fazia mais ideia do que estava acontecendo.
— Assim como na lenda, existe um. Ele é o responsável por controlar os Marcados e os Testes. – Layla respondeu como se não fosse nada demais. – Além dos Testes, os Marcados também podem se enfrentar, se unir ou ficarem escondidos evitando os outros. Mesmo que essa última opção seja quase impossível de ser realizada.
— Espera, espera. E o que acontece caso falhemos em um desses Testes? – Norman balançou seus braços.
“Hã? Por que eu perguntei isso? Eu deveria ter feito outra…”, Norman tentou se corrigir, mas antes disso a garota de olhos escuros o respondeu:
— Depende – diante da resposta dela, Norman bufou – Bem, o máximo que conheço das regras são essas. Creio que os Marcados possam morrer dentro ou fora desses Testes.
“E como você consegue falar nisso tão naturalmente!?”, Norman quase desmaiou, mas se manteve firme no banco.
Aquela dor que vinha de sua testa, da marca da Constelação de Aquila que brilhava onde deveria estar a sutura de sua ferida, era mais do que um simples devaneio.
— Isso é loucura… – Norman murmurou. – Mesmo diante dessas provas, não posso simplesmente engolir isso. Afinal, como você sabe sobre tudo isso?
— Acredite, eu também fiquei surpresa ao descobrir que era uma das escolhidas. – Layla suspirou profundamente. – Minha avó também participou, na última passagem do cometa. Foi ela que me contou sobre tudo que lembrava.
Norman não soube o que responder para a garota, que pela primeira vez havia desfeito o sorriso de seu rosto.
— E a última coisa que ele me falou foi que… – fez uma breve pausa – aqueles que são marcados devem passar por uma provação.
— …
Norman voltou a olhar para a expressão pesada de Layla.
— A sua foi o acidente que levou sua família. – Ela murmurou com pesar e Norman engoliu em seco.
— E… a sua? – Ele ainda conseguiu a questionar.
Layla ficou em silêncio, sem dar-lhe uma resposta. Norman achou aquilo muito estranho e sentiu pela primeira vez um frio pesar vindo da garota, despertando nele a vontade de abraçá-la. Ele chegou a mover seus braços um pouco, porém se deu conta do que estava prestes a fazer e se interrompeu.
“Ué… por que eu…”, ele olhou para suas próprias mãos, sentindo um desconforto indescritível. “O que eu devo fazer agora?”, ele semicerrou seus olhos enquanto fechava seus punhos.
Porém uma nova dúvida foi despertada em sua cabeça. Obviamente as explicações ainda não estavam muito claras, sabendo que a partir dali ele teria de arcar com as consequências. Sua vida nunca mais seria a mesma, fosse por conta da perda repentina de seus pais e seu irmão, ou de ele ser um dos Marcados pelo Senhor Celestial.
Ainda haviam muitas perguntas que ele queria fazer, mas ele fazia uma ideia de que elas não seriam perfeitamente esclarecidas. Então ele decidiu ir na mais óbvia, mas…
— Prometo que um dia eu lhe conto. – Layla resolveu responder à pergunta anterior dele, após tanto silêncio.
Norman se assustou e respirou fundo, assentindo com a cabeça. Layla sabia que ele ia falar alguma outra coisa, então permaneceu olhando nos olhos verdes do garoto.
— Então, me diga uma coisa. Como você soube sobre mim? – Norman pensou um pouco. – Digo… como veio parar no mesmo hospital que o meu?
Layla ficou olhando para ele por um tempo sem dizer absolutamente nada, o que fez Norman dar uma nova engolida em seco.
— Eu estava fazendo meu almoço e queimei meu braço. – A resposta dela quebrou todo o clima. – Olha só, está vendo?
Ela ergueu seu braço direito e mostrou para ele as faixas que o cobriam. Norman se sentiu um idiota por não ter notado aquilo depois de tanto tempo conversando com a garota, lembrando que ele só havia prestado atenção nos olhos, no sorriso e no aroma de lavanda que vinha dela desde o encontro.
“Sério isso?…”, porém ele também não acreditava que tudo aquilo foi uma simples obra do acaso, e sua expressão entregou sua decepção. Layla deu uma risada abafada com aquilo e resolveu dizer a verdade em seguida:
— Eu fiz isso propositalmente. Para me encontrar com você.
Norman abriu sua boca e nem mesmo percebeu.
Layla parecia estar sempre um passo à frente. Ela conhecia algumas das regras dos Testes que ele não fazia ideia de como funcionariam – com exceção do que ela já havia explicado –, sobre os próprios Marcados e toda a lógica por trás daquele ocorrido que ultrapassava as leis da realidade.
“Ela disse que a avó dela também foi uma escolhida. Então ela sobreviveu a essa loucura toda”, pensou Norman.
— Ei. – Ele a chamou. – Quando você diz que fez isso para me encontrar. Estaria se referindo a tal lenda de mais cedo?
— Sim. – Layla respondeu sem pensar muito.
— Acho que estou começando a aceitar um pouco melhor essa maluquice.
— É estranho no começo. – Layla sorriu de novo. – Quando minha avó contou sobre, também achei que era apenas uma brincadeira que ela tinha feito com os amigos quando mais nova. Ou então uma lenda mesmo.
Norman sentiu agrado ao testemunhar o retorno do sorriso de Layla, virando seu rosto com vergonha de si mesmo. Após se recuperar ele olhou de novo para Layla, com um semblante mais sério.
— Por falar nisso… – Norman murmurou. – Layla. Qual é o seu Áster?
Layla manteve o silêncio até que uma brisa gelada bateu percorreu o espaço entre os dois, fazendo seus cabelos oscilarem no ar.
O olhar de Norman dizia que ele não a deixaria passar por aquele questionamento como antes, então a garota não viu outra escolha em responder. Não que ela pretendesse esconder aquilo dele, porém antes que ela pudesse dizer algo…
— Está na hora. – Ela murmurou, se levantando do banco.
— Ei, voc…
— Venha comigo, Norman. – Layla estendeu sua mão para o garoto, o interrompendo com um tom mais profundo em sua voz. – Depois irei lhe responder o que quiser.
— O que houve? Por que essa pressa?…
Norman aceitou e estendeu sua mão para a garota, que a segurou com força para levantá-lo enquanto respondia:
— Um Marcado está aqui. – Diante da resposta dela, Norman se espantou. – E ele está atrás de nós dois.
⚝ 3 ⚝
Norman e Layla seguiram para a parte interior do hospital que estava vazia, com exceção dos recepcionistas e de alguns seguranças.
Com a perna do garoto ainda engessada os dois não puderam ser muito rápidos, porém conseguiram subir todos os andares do local para chegarem ao topo do prédio onde estavam sendo tratados. Norman ficou impressionado ao ver que Layla tinha a chave da porta que os levava até a o terraço, mas decidiu guardar sua curiosidade para outro momento.
Ele sentia seu coração bater mais rápido e seu corpo ser tomado por adrenalina, sua boca produzia saliva excessivamente. Ele se lembrou das palavras da garota que estava junta dele, que eles poderiam ser mortos até mesmo fora de um dos Testes.
— Chegamos. – Layla abriu a porta e os dois entraram no terraço.
Norman podia ver as estrelas no céu mais de perto, porém não tinha certeza se conseguiria apreciá-las mais uma vez após descobrir onde havia se enfiado.
Ele pôs a sua mão na área da testa onde estava sua marca, que não brilhava mais. O garoto tentou se acalmar respirando o ar puro que vinha com a brisa gelada daquela madrugada, fechando seus olhos e imaginando o melhor cenário que ele e Layla poderiam construir.
Era o primeiro confronto que eles teriam com um dos Marcados, pessoas que foram escolhidas pelo Senhor Celestial como os dois. Ainda não sabia sobre os motivos de tudo aquilo estar acontecendo, mas independentemente disso Norman deveria enfrentar esse problema pelos próximos três anos em busca de sobreviver.
— Ok, agora é só esperarmos por ele. – Layla ficou ao lado de Norman.
— Oi? Esperar?
— Sim, ele irá aparecer aqui no terraço.
“Não pode ser… ela quer nos levar pro confronto direto”, Norman se desesperou e colocou as mãos na cabeça, tentando transformar aquilo tudo em um sonho novamente para acordar em sua cama sem que nada tivesse acontecido.
— Ah, ele chegou.
Layla se virou antes mesmo de Norman escutar o som da porta se abrindo. “Ela não trancou a porta”, parecia não acreditar naquela sequência de eventos, olhando para o rosto da garota e vendo a expressão confiante dela.
Ele pensou o quanto Layla era estranha, mas resolveu não dizer nada e apenas confiar naquela que se feriu propositalmente para encontrá-lo naquele hospital.
“Vamos, senhor destino. Mostre-me”, ele olhou para a porta, vendo uma pessoa com o rosto coberto por uma máscara se aproximando a passos lentos.
— Seja bem-vindo, senhor Leonard. – Layla falou e a pessoa parou de andar. Norman ficou surpreso e ela complementou: – Ou você prefere que eu lhe chame de senhor Polaris?
“Essa garota…”, o garoto por trás da máscara se desesperou e apertou seus punhos que estavam enfiados nos bolsos de sua jaqueta marrom.
Ele tirou a mão esquerda que estava brilhando em uma coloração branco-azulada no dorso, Norman pôde ver sem muitos detalhes a marca de um quadrado estreito com uma linha curva que ia até o pulso do garoto.
“Ursa Menor… a estrela mais brilhante é Polaris”, Norman olhou para Layla com vontade de perguntar como ela sabia sobre aquilo, porém quem agiu primeiro foi a garota ao se agachar puxando a camisa de Norman junto.
O garoto caiu e antes que pudesse reclamar…
— Lá vem.
Layla murmurou e o jovem de máscara pôs sua mão no solo, causando um tremor poderoso que balançou toda a estrutura daquele prédio.
Norman foi assolado ao sentir aquilo que parecia um terremoto, mas tratou de manter sua calma. Ele estava ao lado de Layla, que segurava em seu braço mantendo seu sorriso confiante enquanto encarava o garoto chamado Leonard.
— Isso é…
— Sim, isso mesmo. – Layla disse antes de Norman completar a pergunta. – É o Áster dele, a Vibração. Não se preocupe, esse prédio não irá colapsar. Mas o pessoal deve estar despertando com esse incômodo, então precisaremos pará-lo o quanto antes.
— Como você sabia o nome dele, a estrela que o marcou e até mesmo seu Áster!? – Norman elevou o tom de sua voz.
— Se concentre no adversário à frente. Ele realmente quer nos matar.
Norman engoliu em seco e voltou suas atenções para Leonard, que mantinha sua mão direita no solo e fazia o prédio inteiro vibrar. Ele sorriu por detrás de sua máscara e aproximou sua segunda mão do solo, o tocando e elevando a potência da vibração.
As janelas dos quartos começaram a explodir, causando preocupação em Norman sobre os pacientes que poderiam ser feridos pelos estilhaços de dentro dos leitos.
“Preciso pará-lo de alguma forma, mas como?”, ele olhou para todos os lados, naquele terraço não haviam muitos objetos úteis para se utilizar. Entretanto ele conseguiu observar uma chance assim que voltou a mirar Leonard.
Seus olhos miraram acima do mascarado, na parte superior de um bloco retangular onde ficava a porta de entrada do terraço. Norman lembrou do que viveu no dia da tragédia de sua família e respirou profundamente enquanto Layla mantinha sua atenção em Leonard, esticando um pouco seu sorriso silencioso.
Norman ergueu sua mão direita.
“Por favor”, ele pediu enquanto esticava seu braço, abrindo sua palma e mirando nas barras de ferro que estavam posicionadas ao lado de uma caixa d’água não muito grande. “Funcione”, ele fez força em seus dedos, os contraindo para baixo enquanto estreitava seus olhos e concentrava sua mente.
“Lembre-se”, os borrões em sua mente foram limpos e as lacunas começavam a retornar, como se estivessem sido destrancadas de portas brancas. “Controle”, ele rangeu seus dentes e o brilho da forma poligonal de sua testa se revelou em um branco puro, que parecia crescer à medida que se esforçava.
Leonard pasmou ao ver aquilo por trás de sua máscara. Ele esperou por um momento e não sentiu nada de anormal em seu corpo mesmo com o garoto mirando em sua direção, porém se deu conta muito tarde. Ele não estava mirando em seu corpo.
“Acima?”, Leonard tentou olhar sem tirar as mãos do solo, contudo as barras de metal já estavam caindo acima de sua cabeça. O jovem mascarado chegou a iniciar um grito, mas as barras desabaram em seu corpo. Ao ser atingido, desmaiou no mesmo instante.
Leonard ainda conseguiu tirar suas mãos do solo, posicionando seus braços à frente do rosto para se defender. Apesar da tentativa, o garoto foi esmagado pelas duas barras pesadas e a vibração havia cessado no prédio hospitalar.
Norman quase sucumbiu no solo, sendo seguro por Layla que estava quase agarrada em seu braço esquerdo. Sua respiração estava pesadíssima e seus olhos esbugalhados pelo esforço excessivo, além de seu corpo estar perdendo muito líquido por conta do suor copioso.
— Você está bem?
Layla perguntou, mas o garoto ainda tentava retomar o fôlego e mal pôde escutar com o zunido intenso em seus ouvidos.
“Acho que exigi demais dele. Mas uma hora isso teria que acontecer”, ela pensou, olhando para frente e notando que Leonard ainda respirava. Essa tinha sido a melhor oportunidade para que ele pudesse entrar de cabeça naquele mundo.
Layla se levantou e ajudou Norman, que segurou em sua muleta enquanto trêmulo e quase caiu quando foi solto. A garota precisou segurá-lo mais uma vez, o abraçando pela cintura e passando seu braço livre por cima de seu ombro.
— Vamos, eu te ajudo.
A garota começou a andar carregando Norman, que acompanhou seus passos pulando com o pé direito ainda debilitado. Sua visão turva voltava ao normal e ele presenciou pela primeira vez o resultado de seu esforço; Leonard estava vivo, porém desacordado sob as barras de metal que haviam caído sobre sua perna direita e seu braço esquerdo.
Layla se agachou um pouco com Norman, levando sua mão direita até a máscara de Leonard e a removendo.
“Ele…”, recuperando seus sentidos pouco a pouco, Norman prestou atenção na marca do dorso da mão direita do adversário, representando a constelação da Ursa Menor.
“…é só um garoto”, lamentou ao ver o jovem rosto de Leonard, seu cabelo castanho escuro e liso que cobria parcialmente seus olhos fechados.
— Igual a nós… – soltou aquele murmúrio com remorso.
Layla olhou para ele por um momento, presenciando os olhos pesados de Norman. Ela voltou a encarar o corpo de Leonard e respirou fundo para dizer em seguida:
— O que você pretende fazer, Norman? – A pergunta dela atraiu a atenção do garoto. – Como eu disse antes. Mesmo não sendo um Teste, iremos passar por experiências que colocarão nossas vidas em jogo. Nós não poderemos nos livrar disso pelos próximos três anos.
— Mas mesmo assim, eu não posso matar uma pessoa a sangue frio. – Norman pensou alto.
Layla sentiu o peso daquelas palavras que saíram como um sussurro, fechando seus olhos. Ela pegou na mão que Norman utilizou para jogar as barras de metal em Leonard, o garoto sentiu a firmeza naquela palma que ao mesmo tempo era delicada.
Ela se agachou e fez um movimento com sua cabeça para que ele fizesse o mesmo, aproximando a mão de Norman até o peito de Leonard. Layla a segurou por cima e disse:
— Nesse fenômeno estranho, temos que lutar pelas nossas vidas com tudo que temos. Mesmo que seja injusto, mesmo que seja difícil… ainda sim precisamos dar nosso melhor – a voz de Layla soava triste – Eu compartilho de seu sentimento. Jamais conseguiria matar alguém a sangue frio. Talvez jamais conseguiria matar alguém mesmo em um confronto que pusesse minha vida em risco.
— …
Norman olhou para a sua mão sob a da garota, um brilho efêmero surgiu acima delas.
— Porém, minha avó me ensinou. – Layla ergueu sua cabeça, olhando para o céu. – Sua mensagem final para mim, após eu ter me tornado uma Marcada. Após aquele dia…
Norman encarou os olhos da garota, os mesmos olhos do momento que a encontrou sentada no banco do pátio, observando as estrelas.
Eram olhos firmes e decididos. Mas também eram olhos que transmitiam tristeza e dor.
O brilho nas mãos de ambos cresceu e Layla as levou até a testa de Leonard, que moveu seus olhos fechados como se um calor o possuísse.
— Ore para as estrelas, Norman. – Layla murmurou, fechando seus olhos. – Essa é a forma de levar a alma de um Marcado em paz.
Norman ficou impressionado e ao mesmo tempo encantado com o semblante puro de Layla. Seu rosto ficou levemente enrubescido enquanto admirava aquela garota de cabelo branco, mas não de vergonha como nas vezes anteriores.
Um calor aqueceu seu coração naquele momento.
O garoto também trouxe seus olhos para o céu, observando as estrelas que pulsavam sob o firmamento. Ele fechou seus olhos e orou como a jovem ao seu lado, conforme a luz ficava mais forte transmitindo aquela ternura para ambos. Leonard deu seu último suspiro e a marca no dorso de sua mão se desfez lentamente, até que sua alma partiu em paz para se juntar à constelação da Ursa Menor.
Em seguida o corpo do garoto também se desfez em pequeninos flocos de luz que pareciam mágicos, subindo lentamente até o céu. Ao olhar para o alto, Norman notou um novo ponto brilhante no céu, arregalando seus olhos de surpresa.
Ele voltou a olhar para baixo, apenas as barras de metal haviam sobrado. O garoto fechou seus olhos e completou sua oração enquanto sua mão ainda era segurada pela de Layla, desejando que a alma e o corpo de Leonard pudessem descansar em paz.
“Isso… agora eu consigo compreender”, o garoto divagou solitariamente.
Uma nova estrela havia nascido.
★★★
— Minha provação foi em um acidente doméstico. – Layla murmurou, observando o céu na beirada do terraço. – Minha casa pegou fogo e eu acabei desmaiando por inalar muita fumaça. As últimas lembranças que tenho são de meus pais, me pegando com suas últimas forças e me levando para o lado de fora. Eles morreram por intoxicação causada pelo monóxido de carbono, além das queimaduras graves.
Norman escutava tudo em silêncio, sentindo o vento bater em seu rosto e balançar os cachos de seu cabelo.
— Essa faixa cobre uma das queimaduras graves que sofri. – Ela mostrou o braço enfaixado de antes. – Eu volto nesse hospital semanalmente para checar minhas condições, parece que estou melhorando. Me desculpe por inventar que me queimei fazendo almoço.
— Não se preocupe…
— Obrigada. – Layla respirou fundo. – Ao retornar para a casa queimada, descobri que havia sido escolhida. A marca de Vega apareceu em meu peito e eu encontrei um antigo baú escondido no porão que foi pouco danificado. Lá estava uma carta.
— Sua avó que a deixou? – Norman andou com sua muleta, parando ao lado de Layla.
Ela assentiu positivamente com sua cabeça, mantendo o sorriso benévolo em sua face.
— Na carta estava tudo que ela não pôde me contar quando estava viva. Sobre a Maldição das Estrelas, os Testes e tudo que eu lhe disse mais cedo. – Ela revivia as memórias como se estivesse novamente naquele local. – Eu fiquei com medo. Não queria acreditar. Porém ela deixou uma última mensagem no final da carta.
Não desista de viver, querida Layla.
— Aquilo me acalmou de uma forma que não consigo explicar. E me encheu de forças. – Layla olhou para as ataduras de seu braço direito. – Meu Áster é a precognição. Posso ver momentos futuros com certas regras que ainda não consegui decifrar perfeitamente.
— Então foi por isso… – Norman murmurou.
— Eu previ a sua provação. Por isso estava lá. – Suas palavras foram um pouco pesadas para o garoto. – Eu previ que você viria para o mesmo hospital que eu. E também previ que enfrentaríamos o Marcado de Polaris e que você o venceria.
Norman olhou para a garota, contagiado pelo sorriso dela. Ele se sentiu culpado por não ter confiado nela nos momentos em que já sabia do desfecho por conta de seu Áster.
Mesmo que ela não tivesse contado para ele ainda, Norman sentiu que não deveria duvidar daquela que o acolheu em uma situação anormal como aquela. Ele estava prestes a entrar em um mundo que definiria o destino de sua vida e o da vida de milhares de pessoas, talvez do mundo inteiro.
Ele apertou os punhos de suas mãos frustrado, mas Layla os segurou para que ele não se machucasse com suas unhas.
— Eu tenho medo. – Layla estava estremecida. – Tenho medo de ver o futuro. Medo de perder essa batalha. De ver o pior acontecer e não conseguir mudar nada.
Norman estava vendo o outro lado da garota que demonstrava confiança e domínio sobre suas decisões. Ela também era um ser humano como ele, sentia medo e não conseguia esconder seus abalos emocionais. Aquele era um fardo enorme e, talvez, ela estivesse carregando o pior deles.
Pensando nisso, ele enfim se decidiu. Ele também segurou nas mãos afáveis de Layla, decidido a acompanhá-la enquanto compartilhavam seus fardos.
— Orihime, a princesa. Hikiboshi, o pastor. Você e eu. – Norman sorriu pela primeira vez. – Vega e Altair.
Layla viu naqueles olhos verdes do garoto a esperança. Ela não sabia como responder, porém Norman prosseguiu antes que ela pensasse em algo:
— Sei que acabamos de nos conhecer, mas… – Norman fez uma pequena pausa – você se esforçou tanto para me encontrar. Acho que não seria legal de minha parte deixa-la sozinha nessa. E eu também preciso de alguém experiente como você, que já sabe de algumas coisas pra me ajudar e tudo mais…
Layla arregalou seus olhos com o rosto corado, seu coração palpitou mais intensamente naquele momento. Ela ignorou tudo que Norman falava sem a intenção de fazê-lo, soltando uma risada que fez o garoto parar um pouco para suspirar.
Mesmo tendo medo, ela viu o futuro.
E o futuro lhe trouxe Norman, o Marcado de Altair.
Aqueles que estavam fadados pelo destino a se unirem, mas que sempre eram separados como na lenda. Apertando as mãos quentes do garoto, Layla decidiu que dessa vez seria diferente.
— Sim… eu esperei para te encontrar, Norman – Ela murmurou, sorrindo como sempre. – Para que possamos reescrever essa lenda.
— Vamos dar o nosso melhor, Layla.
Escutando seu nome ser chamado pelo garoto, Layla assentiu com a cabeça e aceitou aquele seu destino. Assim como Norman, que relembrando dos momentos finais sorridentes que teve com seus pais, aceitou o seu.
Aquele era o novo ponto de partida da vida de ambos.
Eles ergueram suas mãos para o céu, como para pegar aqueles pontos brilhantes que piscavam sem parar na escuridão celestial.
— Vamos fazer ecoar… a voz das estrelas.
Os dois fizeram aquele juramento em uníssono.
⚝⚝⚝