Anti-herói Invocado - Capítulo 4
— E-ei não precisa chorar, tá tudo bem, a gente tá aqui.
“Unh? Tem alguém chorando?”
Enquanto o garoto que havia acabado de acordar tentava abrir os olhos, os baixos sons de choro e soluços podiam ser ouvidos por ele.
“Não quero incomodar, vou abrir meus olhos devagar. Hó! são algumas meninas, não posso ver muito bem então não sei quem é”.
Mesmo turva, a visão de Miguel o permitia enxergar três garotas, aparentemente duas estavam consolando outra.
“Que barulho logo cedo. Não parece ter ninguém aqui dentro, devem ter saído para procurar comida ou algum lugar para tomar banho, já estamos fedendo”.
— Miga todos nós estamos na mesma situação, estamos aqui para você, nós te entendemos, — disse a garota que da direita.
— Obrigada, mas é horrível pensar que não vou mais ver minha família, nós tínhamos nossas desavenças mas eu os amava.
A garota tentava enxugar as lágrimas com as mãos as colocando em seu rosto, uma tentativa falha.
— Eu entendo vocês, também tinha um namorado eu o conheço faz pouco tempo mas realmente gostava dele.
— Sim sim, o mesmo que todos os outros seis né?
“Espera, como alguém pode ter 7 namorados, eu nunca nem abracei uma garota”.
Miguel agora já podia ver melhor, ele já podia reconhecer as vozes e tinha certeza que eram o grupo das três piranhas.
— Miga, não se preocupe tente se acalmar, não leu aquele livro lá? Tem elfos aqui, podemos sair com eles.
— Be-bem é verdade, tudo bem vou tentar me acalmar. E vocês, então bem com tudo isso?
“Ela realmente foi consolada por isso!?”
— Bem, não estou tão mau com tudo isso. Quero dizer, é incrível podermos fazer todas essas coisas aqui né! E também, sempre odiei meus pais.
— Eu vivo com meus avós desde de criança, então só fico um pouco triste por eles hehe.
Diferente da garota anterior que não demonstrou empatia, essa não podia esconder o peso de seu sorriso forçado.
— Está tudo bem fiquem calmas. Ah sim, lembrem que temos que tomar banho. A Bianca avisou que eles acharam uma cachoeira para sul, não sei muito bem, mas ela apontou para trás da gruta, então acho que temos que contornar essa montanha.
Contornado a situação com suas poucas palavras a garota tirou grande parte daquele peso no ar.
“Eles finalmente acharam uma fonte! Quero tanto ir tomar um banho, mas não acho que poderei sair daqui agora”.
Miguel agora estava mais desperto, ele sabia que grandes movimentos poderiam alertar as garotas, que não estavam tão longe.
— Ei, para aliviar a cabeça, que tal falarmos sobre os meninos que tem aqui!?
— Você só pensa em garotos mesmo em, mas tudo bem, eu primeiro. Eu acho o Willian bem bonito, vocês viram aqueles músculos?
“Eu realmente acertei quando fui dar o nome do grupo”.
— Bem não tem como não ver, mas ele é o mais quieto do seu grupinho, eu gostei mais do Cassian, vocês viram como ele jogou aquela pedra no urso, ele é super forte também.
— E aquele garoto salvando a Clotilde ontem, foi muito heroico, não? Hahaha!
A garota não parecia ter intenção alguma de esconder sua ironia, que era quase palpável.
— Pfff, hahaha! Você e suas piadas Rebeca. É verdade, afinal nem lembrei de perguntar quais são suas classes.
“Eu realmente fiquei com esperança de falarem sobre mim. Pelo menos vou aproveitar essa chance para saber essas classes, já que no meu livro só tem informações sobre a minha”.
— Bem eu peguei paladino nunca tinha ouvido falar sobre isso, mas parece que eu uso uma espada. Contanto que eu possa ficar com um elfo, não ligo muito.
— Sério!? minha classe também usa uma espada, aparentemente sou uma guerreira, vou tentar aprender a usar uma se isso quer dizer que poderei sair daqui, queria ver meus pais… E também comer algo gostoso. E você Helena, qual classe ganhou?
— Eu fiquei com mago de ar, mas isso parece tão inútil. Eu sou tipo um ventilador?
Ignorando a piada da garota, só continuaram com a conversa.
— Tiveram alguns outros que já mostraram suas classes, mas não sabemos a maioria né?
— Sim, tipo o lindo do Willian, nem faço ideia do que possa ser.
“Piranha. Mas é verdade ele pareceu estranho ontem na floresta…” — puuf
Antes que pudesse impedir, Miguel havia soltado uma leve bufada, mesmo fraca era o suficiente para alertar as garotas.
Para a sorte de Miguel o grupo apenas decidiu ignorar.
— Parando para pensar deveríamos estar tão perto desse garoto? Qual é seu nome mesmo?
— Acho que é Miguel, mas porque não deveríamos?
— Quero dizer…
“Não! Não! Não!”
— Ele…
“Por favor não”, — pensava Miguel enquanto apertava fortemente suas mãos.
— Matou seu pai não?
— O-o que? Você tem certeza do que está falando?
— Bem sim, meu pai é policial ele estava no caso, foi dele que ouvi. Mas também tiveram algumas pessoas da escola falando sobre.
— Mas como alguém assim poderia estudar na escola tranquilamente?
— Bem eu não sei dos detalhes, mas obviamente não quero perguntar.
— Gente, vamos sair, estou ficando desconfortável.
— Sim eu também, vamos.
Juntas as garotas saem rapidamente da gruta, deixando Miguel sozinho.
Agora com a liberdade que tinha Miguel podia levantar tranquilamente, ainda assim o garoto demora até se sentar.
Mesmo que esfregando seus olhos as lágrimas o impediam de ver claramente qualquer coisa a sua frente.
— O que vocês queriam? O que eu poderia fazer? em!?
A raiva do garoto era refletida pelo seu tom de voz, que mesmo grave ainda se mantinha baixo.
A culpa foi dele, aquele lixo! Pedaço de merda! Escória! Ele deveria pagar ainda mais pelo que fez.
26/07/2021. Mundo ainda em processo de vacinação contra a doença pandêmica.
— Filho acorda, já são 8 horas, nós precisamos ir ao mercado. Não é por que você não está tendo aulas que precisa dormir o dia inteiro.
— Unh, tudo bem mamãe.
O garoto sonolento se levanta vagarosamente enquanto caminha em direção ao banheiro.
— Se prepare, e não esqueça sua máscara.
…
— Aiai, hoje foi realmente cansativo ficamos o dia inteiro no mercado.
O garoto saia do carro com algumas sacolas nas mãos junto a mãe.
— Bem, ainda não podemos sair tanto como antes, então temos que nos prevenir.
— Sim, mas é realmente muita coisa, é muito pesado.
— Tudo bem, é só pedir ao seu pai que te ajude, vou levar isso para preparar o almoço, — disse a mulher, enquanto pegava algumas sacolas.
O garoto rapidamente abre a porta de sua casa e sobe pelas largas escadas.
Já no topo, estava num corredor com quatro portas, sem pensar duas vezes o garoto entra na última, aquele era o escritório de seu pai.
— Ei papai, você pode me ajudar com as-
— Cala boca.
— Pa-pai?
O garoto estava claramente assustado, aquele não era um tom de voz que ele ouvia frequentemente.
— Já não mandei calar a boca!?
O homem gritava enquanto saia do quarto escuro, seus cabelos eram castanho, o homem era gigante em comparação a criança.
Seus olhos amedrontadores estavam voltados para a criança, que parecia não conseguir nem mesmo se mexer.
Enquanto buscava por apoio, o garoto pode sentir a forte pressão em seu rosto, era a mão de seu pai que lhe dera um tapa.
O alto som do grito da criança ecoou pela casa, junto ao de sua queda no chão.
Pouco após os gritos da criança, os passos pesados nas escadas chegaram até eles.
— O que foi isso!? oque aconteceu!? — disse a mãe da criança ao ver seu filho caído no chão
Não era preciso muitas palavras para explicar ela já estava ciente da situação.
— O que você fez é culpa sua! Se não queria perder, então porque apostou tudo em ações.
Os olhos irritados do homem se voltaram para a mulher, que estava abraçada ao seu filho.
— Você também, se cale! Não vê que todo nosso dinheiro foi para o ralo com essa maldita doença!? A economia tá na merda. E você ainda faz tantas compras, Jasmine sua idiota!
Logo após os gritos do homem outro tapa foi desferido no rosto da mulher.
— O que você está fazendo? você não é assim. Só por ter perdido tudo não lhe da direito de bater em nós.
— Cala sua boca, sua imbecil. Estamos na minha casa, posso fazer o que bem entender!
— Certo, já que é assim que vai ser, então te dou adeus, Carlos.
Com a saída repentina da mulher a única coisa que pode pegar era seu filho, pouco atrás o homem corria até ela e a criança.
— Ja-jasmine, espera, me desculpe, não vou mais fazer isso, por favor me perdoe! — disse Carlos, enquanto se ajoelhava no chão da calçada.
— Ei… Olhe bem para a minha cara, se você fizer isso sequer mais uma vez, não haverá perdão algum.
— Entendi, tudo bem!
“E-eu sabia que meu pai havia feito alguma coisa ruim, mas nunca tinha os visto brigar”, — pensava Miguel, enquanto sentia as lágrimas escorrerem em seu rosto.
— Ei filho, não chore, vai ficar tudo bem, não iremos mais brigar.
— Tu-tudo bem, — disse a criança, ainda chorando.
14/09/2021. Cemitério.
Em meio a névoa que rondava o local frio, apenas duas pessoas eram vistas, mesmo que estivessem distantes olhavam para o mesmo local.
— Fi-filho, me per-
— Cale-se, a culpa é sua, foi sua culpa! — A criança gritava, com seus olhos que transmitiam apenas fúria.
— …
— Grr! Vou na frente.
O garoto abandona o homem e vai até o carro estacionado na rua.
“Eu fiquei por dias e dias esperando minha mãe voltar para casa, mas não podia fazer nada além de esperar. A cada visita ao hospital a via adoecer naquela cama, ainda assim, não era só ela que morria. Por causa de meu inútil e viciado pai, não tínhamos mais dinheiro para cuidar dela.
…
— Pai.
— …
— O arroz acabou, pode me dar dinheiro para ir no mercado?
Miguel estava se escorando na pia da cozinha, para alcançar os armários de madeira que ficavam presos na parede.
— Coma feijão, o dinheiro também acabou.
— O feijão acabou ontem pai. E como assim não tem dinheiro? Lembro de você ainda ter alguma coisa guardada.
— Já disse que acabou, fique quieto criança irritante.
— Você não era assim! Você piora a cada dia desde que a mãe morreu! Não consegue aceitar!? Então porque deixou ela morrer!?
— Ei seu retardado. Já não disse pra ficar quieto? Ou então eu vou ter que calar você?
O homem se aproxima da criança em fúria e com um olhar amedrontador, a criança andando para trás em busca de espaço para correr, bate suas costas na pia de louças.
— Pa-pai, o que você está fazendo?
— Vou tirar sua vontade de comer.
Antes que pudessem reagir, as mãos de Carlos estavam no pescoço da criança, que parecia cada vez mais sem ar.
— Pai. Alguém me ajude , socorro —
Mesmo que gritasse com todas as forças, a voz de Miguel já não saia mais.
Tudo que o garoto poderia fazer era mexer sua cabeça, o que já se tornará uma coisa difícil.
“Minha visão está turva, o que é isso, uma luz, eu vou morrer? Vou poder ver a mamãe?”.
Enquanto viajava em seus pensamentos, apenas um se destacou em sua mente. Mesmo que sua mãe já não fosse viva, passou a vida inteira o ensinado a não desistir e parar de ser fraco.
— “ “Vai ficar tudo bem filho”. “Não, é o reflexo da faca, eu posso alcança-la, só preciso me esticar mais um pouco.
Usando todas as suas últimas forças na tentativa de alcançar a faca na pia, o garoto finalmente a toca.
Pegando a faca na parte inferior da lâmina, o garoto consegue esfaquear a garganta de seu pai.
Quando o homem finalmente o solta, o mesmo começa a andar para trás até cair de costas na traseira do sofá.
— O-o que você fez seu merda, — disse o homem com as mãos no pescoço.
Os olhos do homem que a pouco tempo exalavam fúria agora estava fechamos.
…
— Polícia! Abra a porta senhor, recebemos denúncias de gritos e abuso infantil em sua casa!
Sem nenhuma resposta de alguém de dentro, o policial manda para que sua equipe arrombe a entrada.
Traaack — A madeira porta se quebra em pedaços.
— Mãos na cabeça!
Mesmo que as denúncias fossem de gritos nenhum som podia ser ouvido da casa.
O que é isso? — O policial vê um garoto com um olhar apavorado, estava encolhido enquanto olhava fixamente para o sofá.
— Rápido olhem lá encima. Garoto, tudo bem com você?
O policial anda vagarosamente até sentir a viscosidade e o som do líquido em seu sapato.
— Unh? Sangue, de quem é? Ei garoto você pode vir aqui comigo?
O homem continua caminhando em direção a criança, olhando para a traseira do sofá vê a origem do sangue caído no chão.
— Garoto, está tudo bem agora, venha comigo.
“A partir daquele dia não conheci nada de bom. Minha guarda foi passada para meu tio, que obviamente não queria ficar comigo. Por sorte ele tinha um cômodo desocupado dentro de casa, que foi onde morei até hoje. Quando pude voltar a escola fui excluído por todos, não pude sequer conversar com quase ninguém. Eu estava completamente sozinho.”
22/04/2024. Gruta
— Então foi por isso né! foi por isso que ganhei essa classe de merda!