As Bestas de Brydenfall - Capítulo 16
Quando não têm o que temer, os predadores se tornam presas fáceis.
A precaução é a chave para a sobrevivência, como os humanos descobririam em breve.
Investir recursos em atacar ao invés de defender só valeria a pena se eles conhecessem todos os riscos. Se temessem a Deus. Outrora submersos em suas guerras egoístas, pensavam estar no topo da cadeia alimentar, enquanto o verdadeiro alfa ainda digeria seu último banquete.
Você quer ser um vencedor ou uma vítima? Precisa escolher antes que seja tarde demais.
Os pensamentos apocalípticos não saíam da mente de Niall Vesper.
Sempre que questionava se deveria fugir ou se matar, uma voz gutural lhe visitava para dizer que não valia a pena encurtar uma atração que ainda não chegou ao clímax.
Trancafiado em uma masmorra escura, com paredes de pedra maciça e uma única porta de aço, o tenente ainda não fazia ideia do que lhe acontecera após a traição de Vortius.
Nas primeiras horas, sua cabeça doía sem parar, como se estivesse sendo apunhalado repetidas vezes no crânio. Os lábios rachados pela sede já começavam a ganhar feridas. Seus dentes doíam como se algo os devorasse de dentro para fora.
Porém, o que mais lhe machucava era a certeza de que foi um completo inútil, no momento mais crucial de sua vida.
Não conseguiu ajudar Griggs ou ser útil para Gwyn.
Encolheu-se em um canto escuro e continuou ouvindo pensamentos obscuros sobre a morte da humanidade.
Era como se algo quisesse o acostumar com a ideia do fim.
Caiu no sono — ou desmaiou — devido ao tédio e a sede. Não ouvia mais vozes em sua cabeça. Nem um único ruído chegava aos confins de onde estava enfurnado.
Por um breve momento, pôde sentir a calma que tanto desejava. Como se suas dores, necessidades, impulsos e preocupações tivessem simplesmente se esvaído.
Após a chance de um suspiro tranquilo, Niall gritou e urrou em agonia. A metamorfose havia começado.
Seus olhos estouraram, com uma gosma negra inflando em suas órbitas. Os ossos do nariz começaram a estalar, enegrecendo e se calcificando para cima, como um chifre.
A barriga de Niall se juntou à orquestra de ruídos perturbadores. As costelas quebraram, com seus fragmentos sendo direcionados a novos membros, mais úteis.
— FAÇA ISSO PARAR!!! — gritou, enquanto coçava os braços, rasgando a pele como se já estivesse morta.
O aço da porta foi amassado pelo seu primeiro golpe após uma transformação dolorosa.
Um segundo já finalizou o obstáculo, derrubando-o entre uma cortina de poeira.
Niall cambaleou para fora. Seu corpo estava completamente preto, tomado por uma carapaça resistente. Havia dois novos pares de braços repousando em seu tórax, mas eles pareciam mortos, completamente amolecidos.
Cada segundo apresentava uma dor diferente ao infectado.
Respirar, caminhar, pensar, tudo lhe causava um ardor traumatizante, como se suas células estivessem morrendo aos poucos.
Duas figuras o observavam no fim de um corredor estreito, iluminado por tochas.
— Já estava na hora. — Cael sorriu. — Esse aí demorou em sair da forja.
O antigo imediato de Lucius se preparou para uma eventual arremetida do tenente. Seus olhos com mais intensidade que o fogo das tochas.
Bastien deu um passo à frente, em direção ao confuso Niall, que analisava os dois raptores. Estavam trajados com mantos negros que os assemelhavam a ocultistas insanos.
Enxergava-os com uma clareza sobre-humana, adquirida após o descarte de seus antigos olhos. Os novos podiam ver os fungos que nasciam na pele de Cael, emanando esporos que geravam uma aura azeda, com um fedor embolorado que já dominava todo o ambiente.
Bastien sentiu um calafrio ao se recordar de sua metamorfose.
— Forja? Que jeito mais frio de chamar esse estado maldito. Eu ainda acordo gritando, em algumas noites.
Niall não conseguiu encontrar anomalias no segundo estranho.
Não tinha cogumelos nas mãos e na face, como o imediato. Tinha feições jovens, com olhos heterocromáticos, um preto e um branco.
Seu rosto parecia perfeito como uma estátua esculpida em mármore. Sua voz melodiosa vinha com um sotaque estrangeiro.
Vesper recuou.
— Quem são vocês?
— Seu nome é New, não é mesmo? — Bastien esboçou um sorriso.
— Niall! — Deu mais um passo para trás, quando um dos suspeitos tentou se aproximar.
— Ah… Isso! Certo, nos desculpe. — Olhou para o antigo imediato. — É melhor bater menos no Vort, da próxima vez. As palavras dele estavam literalmente incompreensíveis! — Voltou seu olhar para o tenente, levantando as mãos em um gesto de pacifismo. — Meu nome é Bastien. Já deve ter notado meu sotaque thandriano, não é mesmo? Não espere violência vinda de mim. A única coisa que eu quero é saborear algumas drogas, comida boa e ficar a vida toda assistindo algum espetáculo interessante. Eu sou só um espectador aqui, tudo bem?
Pôs sua mão no ombro do companheiro.
— Mas esse cara aqui é o Cael. Ele não é tão amigável quanto eu, sabe? O cara quer tudo muito fácil, então prefere tomar ao invés de conquistar.
Niall socou a parede e seu punho afundou na pedra.
Quando retirou a mão dos destroços, abriu e fechou suas novas garras, percebendo a força que adquirira.
Não sentia mais dor.
Fitou seus raptores com um olhar assassino, repleto de fome.
— Forte — Bastien constatou, com escárnio na voz. — Não foi um bom começo para a nossa amizade. Quer tentar de novo?
O primeiro-imediato cuspiu no chão.
— Já chega disso, velhote. Você falhou, então agora é minha vez. Eu só preciso mover um dedo para derrubar ele. — Cael tentou se aproximar de Niall, mas foi detido pelo companheiro, que parecia muito mais jovem.
— Calma, seu troglodita. — Seus olhos exóticos fitaram o novo infectado. — Haja paciência! Niall, querido… já ouviu o nome “Corven Skar”?
— Foram vocês, não foi? Aquelas coisas no Porto… são algum tipo de monstro criado por Wymeia? E Thandriam ajudou nisso?! Corven morreu para uma daquelas aberrações!
Bastien não controlou sua crise de riso, frente às teorias do militar.
— Não é bem por aí, senhor tenente. E seu amigo não está morto. A proteção de Deus vem dos nossos próprios méritos. Diferente dos que serviram de alimento no Porto de Carvalho, o capitão Skar mereceu a ascensão. Agora… por que não saímos desse corredor imundo, para que eu possa lhe provar? E juntos, tanto você quanto seu amigo, nos farão um grandessíssimo favor. — Abriu um largo sorriso e sua voz se tornou monstruosa, como o rugido de uma fera. — Uma vila precisa ser varrida do mapa. E vocês vão cometer o massacre.