As Bestas de Brydenfall - Capítulo 19
Após um curto descanso que lhe garantiu a sobriedade, Arthur se encaminhou ao hospital na maior velocidade que suas muletas permitiam.
Ignorou os pedintes da Praça Central e quase derrubou a porta do edifício, ao chegar.
O dia parecia caótico na capital, como de costume. Enfermeiros corriam de um lado ao outro, carregando bacias de água ensanguentada e frascos com óleos medicinais.
Blake subiu ofegante até o terceiro andar e encontrou o quarto de Gwyn barrado por dois guardas.
— Saiam da frente!
— Ninguém pode entrar durante uma operação.
Arthur arrancou a insígnia em seu ombro, exibindo-a para os soldados.
Ambos permaneceram impassíveis e ameaçaram sacar as espadas.
— Sua encarregada está em situação crítica, major. Não podemos atrapalhar a cirurgia.
— Qualquer erro pode ser fatal — o colega completou.
Derrotado, Blake se sentou na cadeira mais próxima e começou a pensar em como se livraria da ansiedade interminável.
Amaldiçoou-se por não ter comprado mais uma goma thandriana. Sentiu a ansiedade e a abstinência vencerem sua sanidade em uma batalha injusta.
Durante as duas horas de operação, a porta da sala abriu apenas uma vez, para que um dos enfermeiros saísse com a água suja e voltasse com ataduras.
As roupas do homem deixaram um rastro de sujeira pelo caminho. Era o sangue de Gwyn.
Arthur desistiu de esperar.
— Eu vou abrir essa porta de um jeito ou de outro.
Os guardas desembainharam as armas.
— Por favor, major. Não queremos machucá-lo!
Apertou firme as muletas que usaria para derrubar os homens.
Quando estava prestes a atacar, foi surpreendido por uma presença inesperada.
— Major Blake! Que surpresa vê-lo por aqui.
Os soldados permaneceram em guarda.
Arthur se voltou ao imprevisto, pronto para xingá-lo pelo atraso. Arregalou os olhos ao reconhecer um homem que deveria estar morto.
— Vort…
— Nós precisamos conversar.
***
Dos vinte panos que foram encomendados para a cirurgia de Gwyn, apenas dois não estavam encharcados de sangue.
Padre Hector pegou um deles e usou para secar a quantidade absurda de suor que escorria no seu rosto.
Nunca viu uma paciente piorar tão rápido.
Conseguira amputar a perna infeccionada, mas de nada adiantou. A jovem continuava pálida e inconsciente, com uma febre intensa o suficiente para causar danos irreversíveis ao cérebro.
Sem novas ideias, o padre fez uma breve reza:
— Deus Pai, Todo Poderoso… Criador de todas as vidas e único forjador de milagres… por favor… livrai sua filha dessa morte prematura.
Ela não duraria mais de um dia, ao que tudo indicava
***
O pátio externo do hospital estava vazio. Arthur se aproveitou disso para interrogar Vort.
— Como você sobreviveu?!
— Eu nunca fui o alvo. Os infectados não se atraem pela minha carne.
— Então realmente é uma doença?!
— A pior que já existiu. Primeiro, ela causa uma febre alta. Depois, o corpo vai perdendo a circulação sanguínea, enquanto a respiração fica cada vez mais afetada. O último estágio é a hemorragia interna.
Por reflexo, o major pôs a mão na testa. Não estava mais com febre.
Vort sorriu.
— Quando seu corpo perde para essa infecção… ele realmente muda. Eu, por exemplo, consigo sentir o cheiro de uma pessoa infectada há quilômetros de distância. É um fedor que fica mais intenso sempre que eu viro na direção desse pobre coitado.
Arthur pôs a mão no cinto, mas percebeu que não saíra armado. Estava diante de um infectado e não tinha meios de matá-lo que não envolvessem duas muletas de madeira velha.
— Quer dizer que você é um deles…
— A Gwyn também. E você.
O sangue de Blake gelou.
Sua teoria estava certa. De fato, estava próximo do fim.
Mas não era a morte calma, como desejava. Se tornaria uma aberração.
Com a respiração descompassada, apoiou-se na parede mais próxima, sendo acometido por uma crise de ansiedade e abstinência.
— Acalme-se, major. Eu vim para a cidade o mais rápido que pude. Pretendia matar todos que estivessem infectados, incluindo você. — As palavras não acalmaram o soldado de nenhuma forma. — Mas algo mudou. Seu corpo está reprimindo a vontade de Deus.
— Para com essa baboseira! — Agarrou o padre pela batina. — O que Deus tem a ver com tudo isso?!
— Não é o Deus que os teístas convencionais acreditam. Ele não prega pelo amor ao próximo e o ganho de saúde através da reza. Mesmo assim, ele é Deus… Consegue criar vida e controlar ela… É só lembrar das coisas que você viu na última missão. Foi apenas uma amostra do que vai acontecer se não acreditar em mim.
A mão de Arthur perdeu a força.
— E quando isso vai terminar?!
— Eu não sei o que ele quer. Só me disseram que resolveria todos os problemas do mundo. Não só os criados pela Humanidade, mas literalmente todos. — O padre se desvencilhou do soldado. — Se quer esperar para descobrir, então se prepare para rever toda a desgraça do Porto. Caso contrário… nós precisamos descobrir por que você não está morrendo.