As Bestas de Brydenfall - Capítulo 25
Niall não conseguia respirar. O desespero por ter que matar inocentes estava drenando seus últimos resquícios de sanidade.
Coragem, esperança, força de vontade, todos esses conceitos pareciam nada mais do que bobagem em seu estado atual.
Decidiu que se sacrificaria em prol de um bem maior.
***
O pequeno Timmy estava no melhor dia de sua vida. Tinha acabado de fazer dez anos e havia, pela primeira vez, recebido um presente.
Dormia abraçado com sua espada de madeira, quando foi despertado por um som macabro.
Ouviu o grito de sua mãe.
Correu para fora do quarto ainda a tempo de ver seu pai ser estripado e devorado por um monstro que fedia a peixe.
Grey voltou-se contra o garoto perplexo, divagando se quebraria o pescoço do jovem ou esmagaria sua cabeça.
Desistiu quando se lembrou da única restrição dada pelo infectado dos fungos. As crianças deveriam ficar intocadas.
***
Cael dominou a mente de Corven.
Seus esporos fizeram os músculos de Skar lutarem contra a própria vontade, rastejando na lama fresca.
A dupla se aproximava de um casebre onde todos dormiam em paz.
— Mais rápido, seu verme. São os últimos pratos do dia.
***
O tenente Vesper aproveitou o caos que Grey instaurara na parte oeste da cidade.
Esgueirou-se pelas muralhas até chegar ao portão leste, onde dois lanceiros faziam a ronda.
Saiu de um arbusto, surpreendendo os homens. Mesmo com a aparência horrenda, tentaria dialogar com seus antigos colegas.
Os soldados entraram em guarda, sem esconderem as feições de medo.
Niall ergueu os braços em sinal de paz.
— Não vim aqui para lutar! Vocês precisam pegar os cavalos mais rápidos e partir para Neverfall agora mesmo, por favor!
Trocaram olhares de confusão. Não conseguiam acreditar nas palavras de um monstro insectoide com quatro braços.
— O que vocês querem conosco?!
— Eu não sou um deles. Só fujam daqui e digam ao marechal que…
Antes que finalizasse a ordem, foi calado por um estrondo.
Viu uma sombra enorme cair contra os dois lanceiros, esmagando-os.
Quando o vulto tomou forma, Niall enxergou o que parecia um primata colossal, com pelugem negra e músculos inchados. Os dois braços do monstro eram desproporcionais à estatura, grandes demais para se manterem erguidos por muito tempo.
Lucius, após abater os lanceiros usando apenas seu peso, observou as próprias mãos e percebeu que estavam encharcadas de miolos. Experimentou um pedaço, mastigando com a boca aberta e saboreando cada célula.
Niall tombou, vomitando o pouco alimento que suas entranhas continham.
Quando recobrou a postura, percebeu que o comandante das bestas lhe oferecia um braço decepado.
— Sua aberração…
— Coma enquanto está quente.
— Por que você não me mata de uma vez?
— Eu faria se pudesse — Lucius foi lentamente desfazendo as mutações e voltando à aparência humana. — Mas você não pode ser desperdiçado. Devia aprender uma coisa ou outra com seus amigos. Um deles já uniu toda a população das fazendas. O outro parece estar se divertindo bem perto daqui.
Niall aceitou o presente grotesco. Segurava-a com desgosto, lutando para ignorar o cheiro maravilhoso de sangue fresco.
— Tudo bem… Você venceu.
— Já era hora.
O comandante se abaixou para arrancar uma costela repleta de carne. Vesper aproveitou o momento para arremessar o braço contra o assassino.
Atingiu a nuca da criatura, mas não ficou para analisar os danos.
Correu o mais rápido possível, ultrapassando as muralhas. Desnorteado, saiu da rua principal, passando por uma viela enevoada e depois saltando para dentro de uma vala.
Caiu no esgoto.
Na escuridão, entre dejetos e ratos, o tenente se arrastou por dezenas de metros até encontrar um cano que o levaria ao ar livre.
A água fétida escorria até uma lagoa, onde o infectado mergulhou para tentar perder o cheiro que atraía seus raptores.
Olhou em volta e percebeu que ainda estava na cidade, próximo ao aterro sanitário. Enquanto recobrava o fôlego, ouviu um som curioso.
Asas cortando o vento.
Antes que pudesse se voltar contra o farfalhar, foi erguido do chão sem poder contestar. Se debateu até perder as energias, mas a força de Lucius era inabalável.
O comandante voava baixo e balançando muito, para que Niall ficasse desorientado. Ultrapassou os muros do aterro e soltou o tenente em pleno ar.
Após uma queda de cinco metros, o tenente se chocou contra um poste, apagando a luz da lamparina e escurecendo a rua em seria subjugado.
Sua carapaça negra amorteceu o impacto, mas não resistiu ao primeiro golpe de Lucius.
Um chifre ósseo atravessou a armadura natural de Vesper, perfurando suas costelas sem qualquer dificuldade.
— Você é uma piada. E vai continuar assim enquanto não se unir aos fracos.
— Eu não vou fazer nada até saber os planos desse seu Deus!
— Meu papel não é contar histórias sobre o que Ele deseja fazer quando unir o mundo. O único propósito desse teste é ensiná-lo um pouco sobre obediência.
O comandante agora tinha um par de asas colossais que lembravam as de um morcego.
Aos poucos, elas retornaram ao interior de seu sobretudo rasgado. Suas mutações não pareciam seguir qualquer lógica evidente. Observou o tenente caído e se conteve para não iniciar uma sessão de tortura.
Sorriu quando percebeu que não estavam sozinhos.
— E por mais que eu não possa simplesmente matá-lo… — Deu um passo ao lado, permitindo que Niall enxergasse a aproximação do monstruoso Grey. — Ele fará isso por mim.