As Bestas de Brydenfall - Capítulo 27
Gwyn estava pálida como um cadáver. Sua respiração era imperceptível. Seus dias estavam contados.
Arthur acomodou-se ao lado da cama, segurando a mão gelada de sua tenente. Havia feito com que ela engolisse uma goma thandriana, na esperança de que fizesse diferença em seu estado atual.
— Sabe, garota… eu senti um ódio profundo por você quando me salvou na floresta.
Ela não reagiu de nenhuma forma. Urros de agonia ressoaram pelos corredores do hospital, criando um clima fúnebre.
Blake tentou ignorar a vontade de erguer sua subordinada e fazê-la reagir à força.
— Quando a vida para de fazer sentido, a gente só pensa em como vai morrer. Têm os que preferem os jeitos mais rápidos e fáceis… E têm os iludidos como eu, que acham que ter uma morte heroica faz a nossa existência valer alguma coisa.
Lembrou-se de quando jazia esmagado pelo lobisomem, cercado por bestas que lhe dariam um fim digno. Naquele momento, Arthur sentia-se triunfante após vencer o desafio que parecia impossível.
— A verdade… é que se eu tivesse morrido ali, ninguém nunca saberia o que aconteceu. E nós dois nos encontraríamos do outro lado, provavelmente hoje ou amanhã. Mas você não deixou isso acontecer…
Apertou levemente a mão da mulher, tentando lhe passar um pouco do seu calor.
— E eu também não vou deixar!
Gritou mais alto do que planejava. Não tardaria para os guardas entrarem na sala e expulsá-lo.
— Acho que eu descobri um jeito de salvar as pessoas e fazer a minha vida ter algum sentido. E é você que vai me mostrar se isso é possível ou não!
Tentou identificar qualquer mísero sentimento no rosto pálido da tenente, mas não havia qualquer indício de que ela acordaria.
— A gente vai sair por cima dessa situação. Tá me ouvindo, Gwyn?! E depois… nós vamos atrás do Niall, eu prometo!
***
As horas se passaram e Gwyn não apresentou sinais de melhora.
Ou piora.
Para o padre Hector, isso já era um milagre e tanto.
Ao entardecer, o Conselho de Brydenfall havia se formado. No último andar da Torre Real, lar do rei e do marechal, reuniam-se Orion, Evan, Arthur, Oriana e a impassível Nyxia, conhecida como Rainha das Espadas.
A princesa foi direto ao ponto:
— Posso saber por que meu pai não está aqui?
A esposa do rei serviu-se com uma taça de vinho.
— Ele disse que precisava de um tempo sozinho e depois se tratou em seus aposentos. Os guardas ficaram de trazê-lo.
Mesmo estando no ambiente mais seguro da capital, a mulher trajava uma armadura completa, tingida de vermelho, para contrastar com seus cabelos tão negros que se tornavam azuis quando iluminados pelo Sol.
Com quase cinquenta anos, a Rainha das Espadas tinha a capacidade de surpreender todos que a conheciam pela primeira vez.
O motivo eram seus músculos que se destacavam nas brechas do traje, revelando um físico invejável a qualquer guerreiro.
Por mais que fossem marido e mulher, o rei e a rainha não escondiam a distância que possuíam um do outro.
Amor não era um elemento dessa relação que se mantinha através do poder de ambos.
A força de Nyxia — que servia como representante de Maximus nos campos de batalha — e a influência do rei, que oferecia todos os privilégios possíveis para a sua rainha; eram os verdadeiros pilares que sustentavam essa união.
Diante dos soldados que mais desprezava, a mulher se controlou para não desferir insultos gratuitos.
Exibiu um sorriso provocativo enquanto fitava a primogênita.
— Você precisa do papai para começar a reunião ou a mamãe já é o bastante?
Oriana lamentou silenciosamente por ter nascido na conturbada família real.
— Pode me dizer por que você chamou ela, marechal?
Arthur e Evan seguraram o riso. Orion se impôs:
— Major Blake, diga-nos as novidades que prometeu. Isso pode ser de suma importância a todos nós.
— Por onde eu começo? — Se remexeu na cadeira, com dificuldade em domar a ansiedade. — Certo. Vamos lá: eu acho que condenei essa nação inteira… sem querer.
— Não é hora para piadas de mal gosto! Se isso for uma de suas…
— Eu poderia continuar, por favor? Acho que todos aqui valorizamos o nosso tempo do mesmo jeito. Eu não vim aqui para brincar, estou sendo apenas objetivo. Nós já sabemos que os inimigos responsáveis pela chacina do Porto não se tratam de wymeicos ou mesmo humanos. Ou, pelo menos, é o que pensávamos até agora.
Foi a vez de Evan interrompê-lo:
— Você e seus raciocínios confusos. Vá direto ao ponto! Se lembrou de algo novo? Ou conseguiu encontrar uma pista no meio da capital?
— Todos aqui se lembram do suposto cardeal que preferiu ficar no Porto? Eu mencionei ele nos relatórios.
— O de nome excêntrico, eu imagino. Vortex, não é?
— Vortius. Mas eu fico feliz só de ver que você já consegue formar frases completas, Evan. Parabéns pelo esforço. Agora, prosseguindo…
Todos os olhos da sala analisaram Arthur, enquanto as mentes se efervesciam em julgar as informações.
Não duvidaram do fato de Blake ter sido abordado por um dos demônios, já que eles possuíam algum tipo de inteligência e lógica.
Mas se incomodaram quando ele disse que os inimigos eram nada mais do que humanos doentes. Na parte mais delicada do assunto, as desavenças começaram.
— Infelizmente, eu tenho motivos para acreditar que todos aqui estão infectados. E não só isso, mas vocês provavelmente condenaram outras pessoas nos últimos dias. Eu e Gwyn… nos tornamos armas do inimigo, por assim dizer. E tenho motivos para acreditar que eles nos deixaram viver exatamente para que destruíssemos a capital de dentro para fora.
Nyxia trocou olhares com o marechal.
— Quais as chances do garoto ter enlouquecido?
— A maior das loucuras que ele relatou até agora se mostrou para nós como um fato. Todos viram a besta acorrentada.
Arthur se levantou da cadeira, retirando de seu peitoral uma sacola de drogas.
— Mas eu não sou só um portador de más notícias, pelo menos não dessa vez.
A princesa tentou manter a calma, mas sua paciência se esgotava rapidamente.
— Isso não é o que eu estou pensando, né?
— É exatamente isso. E foram adquiridas com o seu patrocínio, eu devo pontuar.
— Seu mentiroso imprestável de uma…
— Calma, CALMA! — Pegou uma das bolas de erva na mão. Segurou-a entre os dedos, para que todos vissem. — Antes, isso daqui era um tabu e tanto. Mas agora… eu pensaria duas vezes antes de cuspir no prato que vocês vão comer. O padre falso não foi até mim para contar que estávamos fadados à morte.
— Imagino que não.
— Ele queria saber por que eu não estava na mesma situação que a Gwyn. A doença age em poucas semanas, de acordo com o que sabe. Primeiro ela destrói a saúde da pessoa e depois se apossa do corpo. Mas, como podem ver, eu estou aqui firme e forte.
Evan abriu um sorriso de quem já sabia o que estava por vir.
— E você vai dizer que sobreviveu por ser um drogado de merda?
— Exatamente. — Depositou a sacola em cima da mesa, deixando as drogas rolarem pela madeira. — E se vocês prezam pelas suas vidas, então se preparem para engolir esses seus egos inflados e provarem o que há de melhor nessa vida.
A rainha não pôde esconder seu descontentamento ao encarar o marechal. Ele pigarreou desconcertado, antes de concluir:
— Talvez eu tenha me enganado sobre a sanidade dele. Não podemos simplesmente acreditar que uma droga thandriana tem o poder de salvar vidas! Mas não pretendo ignorar suas palavras, major. Vou encontrar um jeito de testar essa teoria absurda.
— Mas se o bastardo estiver falando a verdade, então seria necessária uma aliança. Entre nós e o imperador Shinobukaze de Thandriam.
Oriana formou outra estratégia formidável:
— Se o problema for uma infecção, então nós também precisamos de novas armas e armaduras. Caso contrário, todos que lutarem pegarão a peste. Eu presumo que, por ter tomado a droga, você não seja mais um perigo para os outros, Arthur. Estou certa?
— Você entendeu bem o recado.
— Posso realmente confiar nisso? Me garante que não vai sair do controle?
— Eu não posso prometer uma coisa dessas sem os testes do marechal. Mas foi o que Vortius me disse… e eu estou inclinado a acreditar nele.
— Compreendo — Ficou um tempo em silêncio, refletindo sobre sua próxima decisão. — Nesse caso, eu indico você para liderar uma nova divisão no exército. Feita especificamente para combater essa praga. O que me diz, marechal?
— Por mais que o major tenha nos dado informações valiosas, ainda não estou certo de que ele possui o discernimento necessário para liderar uma equipe tão importante. Eu aceito sua indicação, mas também nomeio Evan como subcomandante desse novo órgão militar.
Hollow achou graça da nomeação, até perceber que não se tratava de uma piada.
— Espera aí, eu vou ser rebaixado?!
— Seu intelecto é admirado por todos nesta sala. Mas ninguém conhece o inimigo melhor do que Blake. Você vai precisar confiar nas palavras dele, principalmente se essas novidades forem verdadeiras.
— Eu recusaria isso em praticamente qualquer circunstância. — Tentou esconder sua raiva, dando um sorriso falso para Arthur, que retribuiu o gesto. — Mas, somente dessa vez… eu vou te dar o prazer de me dar ordens, seu vira-lata.
— Vai ser maravilhoso trabalhar com alguém tão desprezível quanto você. Só não vem me pedir ajuda se a goma thandriana te der uns efeitos indesejados, tá bem?
A rainha se interpôs:
— Sobre essa questão, eu gostaria de levantar uma hipótese. Se a notícia absurda do capitão for verdadeira e não conseguirmos uma aliança com Thandriam, o que acham viável de se fazer? Quero saber como estão dispostos a combater uma peste.
Evan não precisou pensar para responder:
— Nós vamos ter que executar ou exilar todos aqueles que não forem úteis.
O sorriso de Blake desapareceu.
— Não tem como essas serem as únicas opções! Ambas as opções acabariam dando na mesma. O exército faria uma chacina com qualquer um que não fosse militar, é isso? Querem se tornar Wymeia?!
— Ou isso ou todos morreriam por sua culpa. Afinal, você disse que nos condenou, não foi?
O major se ergueu da cadeira, preparado para dar suas boas-vindas ao novo subcomandante.
Planejava acertar um murro entre os dentes perfeitos de Hollow, quando um guarda real invadiu a sala.
Encharcado de suor e ofegante, o homem caiu de joelhos, lutando internamente para organizar seus pensamentos. Segurou o choro, antes de admitir sua derrota:
— Por favor, me perdoem! Eu deixei que nossa majestade escapasse pelas muralhas. Ele… nos abandonou.
PARTE 2 – Ascensão
FIM