As Bestas de Brydenfall - Capítulo 30
Arthur terminava de polir um explosivo feito de ferro e pólvora. Havia passado suas últimas três semanas trabalhando em uma sala lotada de ferramentas para forja e tecelagem, junto do ex-comandante Evan.
Construíram novas armas, armaduras e até meios de amplificar a força de um soldado.
Enquanto os últimos retoques eram dados, um tenente do exército adentrou a divisão de tecnologia avançada, entregando dois frascos a Hollow.
— São as primeiras doses, senhor.
— Já era hora.
Evan dispensou o soldado e entregou a parte de Arthur, abrindo seu frasco e examinando de perto uma goma thandriana.
— São realmente fedorentas. Como você aguenta isso?
— O gosto é tão ruim quanto, mas você se acostuma depois de um tempo.
Eles mastigaram a droga e sentiram uma dormência se espalhar por seus corpos, agora sonolentos e pesados.
Enquanto Hollow não controlava suas caretas de nojo, Blake sentiu o alívio fluir em seu interior.
— Ei, Evan! Acho que deram um calote no marechal, acredita nisso?
Com o equilíbrio se esvaindo, Hollow teve de se segurar em uma cadeira.
— Por que diabos você acha isso?!
— Eu peguei uma bem fraquinha. A sua também deve estar.
O ex-comandante já estava caído no chão, com o mundo girando e se deformando à sua volta.
Sentiu como se estivesse afundando em areia movediça, com a gravidade lutando contra si.
Usou suas poucas forças para rastejar até Arthur.
— Não fala isso nem brincando. Eu acho que vou vomitar…
— Sabia que isso ia acontecer! Uma pena que eu não tenho nenhum jeito de imortalizar esse momento.
Evan agarrou o major pelas botas, de forma deplorável.
— Pegue os relatórios na minha mesa. Você vai ter que apresentar sozinho… meu amigo. — Sentia a pressão de seu corpo despencando em queda livre enquanto o mundo escurecia. — Eu tô morrendo…
— Era só o que me faltava.
***
Arthur demorou quase uma hora para encontrar os relatórios que Hollow mencionara.
Enquanto o companheiro jazia inconsciente no chão da sala, o major reuniu todos os itens que havia fabricado até então.
A porta da sala foi aberta novamente. Blake derrubou um frasco de pólvora ao ver a tenente que se aproximava.
Era Gwyn.
Ela caminhou até seu único amigo, com o auxílio de uma prótese de aço e ferro, escondida pela armadura de couro. Sua perna rangia a cada passo, executando movimentos limitados que, com toda a certeza, a prejudicariam nos combates.
— Você parece bem calmo para um comandante de divisão. Algum bicho te mordeu enquanto eu me recuperava?
Arthur não conseguia parar de sorrir.
— Quer parar com o falatório e me dar um abraço de uma vez?
Os dois não tardaram em se unir.
Enquanto um sentia o calor do outro, perceberam o laço que haviam formado através de suas forças, dores e traumas.
Suas lágrimas se misturaram no chão.
Eram os únicos que haviam enfrentado diretamente o inimigo. E todas as memórias vieram à tona novamente.
Os sentimentos causados por estarem diante de uma carnificina brutal e sem sentido, causada por aberrações deformadas que, assim como eles, também eram vítimas de uma trama obscura.
Ninguém mais poderia entender a angústia que compartilhavam.
Definitivamente não era um abraço motivado por amor ou carinho, por mais que parecesse a quem olhasse de longe. Ambos sentiam apenas melancolia e desespero por consolo.
Gwyn só conseguia pensar no paradeiro do irmão.
Arthur planejava estrear suas invenções contra o assassino de Corven.
***
Com a ajuda da tenente, Blake carregou os equipamentos até a Torre Real, onde logo chegou ao Salão do Conselho.
Todos os membros, com exceção de Hollow, estavam presentes na sala de mármore branco, repleta de quadros com cada membro da família Brydenfall.
Cercando a extensa mesa de carvalho repleta de documentos, o marechal Orion, a rainha Nyxia e a princesa Oriana deixavam transparecer o desconforto causado pela primeira experiência com erva thandriana. Tinham olheiras profundas e suavam frio, com tremidas ocasionais.
O Rei Maximus era o único que permanecia sereno e sóbrio.
— Podemos começar a reunião.
Gwyn ergueu a mais nova arma de fogo. Tendo mais de um metro e pesando apenas cinco quilos, a divisão de tecnologia avançada apelidou o equipamento de “espingarda”.
Arthur exibiu um exemplar do projétil de chumbo que o equipamento utilizaria. Afirmou que agora as novas balas são lixadas até ficarem perfeitamente esféricas, permitindo que ultrapassem mais de duzentos metros.
O comandante lia os relatórios de Evan em voz alta, com uma dicção questionável.
— Mesmo assim, eu não recomendo que os soldados a utilizem em uma distância maior do que cento e cinquenta metros, tudo bem? Até porque essa arma é de tiro único.
Tomou uma pequena bola de ferro e mostrou a todos.
— Esse aqui é um explosivo personalizável. Além da pólvora, nós podemos colocar fragmentos de aço, vidro, pregos ou qualquer outra coisa.
Sorriu de forma maliciosa para Oriana, como um irmão prestes a proferir um “eu te disse”.
— Como, mais uma vez, nós descobrimos que eu estava certo e que a erva thandriana não só funciona como um remédio, mas também como uma arma, podemos até mesmo implementá-la aos explosivos. O problema é que, com a quantidade atual de recursos, podemos fazer só três dessas bombas de erva.
Após inúmeras torturas com o infectado aprisionado no poço, descobriram que a droga, quando despejada contra ele, funcionava como uma espécie de ácido corrosivo.
Quando estouraram as gomas e escorreram o fluido no braço da criatura, ela o arrancou usando os próprios dentes. Se não tivesse sacrificado o membro, a corrosão poderia ter se espalhado para o restante de seu corpo.
Naquela pequena e perigosa especiaria haviam encontrado a arma suprema contra os infectados.
— E depois de todos os experimentos, nós temos certeza de mais uma coisa: mesmo sem a droga, essas criaturas podem ser mortas se submetidas a ferimentos brutais. Nossa cobaia parou de reagir depois que testamos o que aconteceria se ele comesse uma bomba. Não foi nem um pouco bonito de se ver.
Sendo assim, decidiram que todos os trajes deveriam ter algum tipo de explosivo acoplado à armadura.
Gwyn vestia o traje produzido por Evan, com um tipo especial de bomba que só seria acionada quando o soldado a queimasse com uma pederneira.
O Rei pareceu surpreso com a novidade, mas permaneceu sorrindo de um jeito impassível, refletindo sobre o futuro.
— Então, caso os soldados vejam que a morte é iminente, eles devem se sacrificar? Acha que essa ideia não iria abalar a moral de nosso exército?
— Eu concordo. E é por isso que vamos precisar de um pelotão de elite para usar os equipamentos. Quero aquela pequena parcela que não tem medo da morte.
Arthur voltou a ler os relatórios.
— Todas as vestimentas são seladas para que não entrem em contato com a praga. Também possuem um reforço extra na parte torácica, para fazer com que os fragmentos dos explosivos atinjam somente os alvos na frente do soldado.
— E o que mais temos?
— Antes de partir para o próximo item, eu queria deixar uma recomendação: seria bom se distribuíssemos seringas para todos os soldados que vão para a batalha. Todas com fluidos anestésicos ou estimulantes, porque só assim eles vão ter alguma chance contra a velocidade e resistência dos infectados.
— Pois bem, levarei em consideração.
Blake estranhou que ninguém se absteve contra a sua ideia de expor os soldados a mais drogas. Finalmente os aliados deixaram seus preconceitos de lado?
— Alguma pergunta até agora?
O marechal, a rainha e a princesa conservaram o aspecto abatido, tentando manter a compostura, mesmo longe da sobriedade desejada.
Não puderam dizer nada, pois nem mesmo pensavam direito. Permitiram que Gwyn vestisse o último acessório: uma máscara de couro, com filtros de ar que poderiam ser cobertos por uma camada da erva thandriana.
A rainha falhou em prender um riso.
— Parece a cabeça de um corvo!
Blake perdeu a paciência.
— Vocês entenderam alguma coisa do que eu acabei de falar?!
Oriana se engasgou com um gole de água.
— Espera aí… Você estava falando?
O marechal estendeu o braço para Arthur.
— Me passe os relatórios e eu poderei entender melhor!
— Como se você pudesse ler nesse estado!
— O que disse?!
— Nada, eu espirrei.
Maximus se ergueu com a mesma feição serena e perturbadora que mantinha desde que retornara.
— Eu entendi perfeitamente. A nova divisão agiu de forma maravilhosa, como era de se esperar. E sua ideia de amplificar as forças dos soldados, mesmo que temporariamente, pode nos tirar da desvantagem. Meus parabéns, Arthur.
O comandante sentiu um calafrio.
— Valeu… Mas você anda bem estranho, alguém já te falou isso?
— Se chama confiança. — Levantou da poltrona, parecendo subitamente apressado. — Agora, sem mais delongas, você pode ordenar a produção imediata dos equipamentos. E eu mesmo faço questão de selecionar os soldados que vão utilizar os novos trunfos. Eles irão formar o seu esquadrão de caça às bestas, o que acha?
Blake não sentiu confiança alguma.
Agora que sua tarefa principal havia sido concluída, ele e Gwyn poderiam executar uma missão secreta: investigar o Rei.