As Bestas de Brydenfall - Capítulo 32
As pernas de Vortius se moveram na direção dos braços abertos. Os outros membros de Lissandra já haviam retornado às profundezas do manto e ela continuava mantendo seu sorriso de calma.
— Meu amor, eu preciso mesmo te dizer que se quer uma coisa, é preciso você mesmo alcançá-la? Se eu esperasse que os outros cumprissem os meus propósitos, nós dois estaríamos mortos agora.
— Esse é o momento que você encontrou para me dar uma lição? Cercado por cadáveres?
— Foi você que os chamou aqui.
Faltavam cinco passos para que chegasse ao abraço.
— Desde que essa coisa entrou em você, os perigos desapareceram, não é? Vocês se tornaram praticamente imortais.
Os braços da mãe se fecharam contra o corpo do filho. A pele de Lissandra escorreu para fora do manto, unindo suas células com as de Vortius.
— Por que você diz isso? Acha que não temos problemas o bastante?
— Não é isso… quando se tem tanto poder quanto vocês, um exército brydeniano é só um galho a se quebrar. Subestimar os inimigos virou algo incontrolável.
Vortius sentiu a dormência se espalhar por seu corpo. Sua individualidade começava a se desfazer.
Ele sorriu pela última vez.
— É por isso que você e o seu Deus vão morrer agora.
— Do que você está… — Antes que ela terminasse a pergunta, sua resposta foi concebida.
Seu corpo paralisou, enquanto os músculos murchavam e o sangue se tornava tão letal quanto ácido.
A pele começou a escurecer e rachar, como uma rocha esfarelando.
O QUE VOCÊ FEZ?!
Vortius já não podia mais responder. Metade de seu corpo estava sendo tragado de volta ao da mãe.
Enquanto seu organismo começava a endurecer e cristalizar, Lissandra repeliu Vortius para longe de si.
O padre tombou contra a areia, mas o estrago já havia sido feito na adversária. Foi tomado por um riso descontrolado.
— Você já foi mais inteligente do que isso. Nem pensou em checar o que estava comendo, não é mesmo? — Saboreava cada segundo desse momento. — Agora aproveite a indigestão!
Lissandra cambaleou dois passos em direção ao filho, mas percebeu que suas pernas já estavam enrijecidas demais. O corpo, agora cinzento e repleto de veias negras, adotava cada vez mais a aparência de uma estátua milenar.
Sua face começou a quebrar.
Tomada pela cristalização, a devota de Deus terminou com a boca aberta para o céu, como se presa a um grito mudo por socorro. Já não se movia mais.
Vort suspirou, caminhando até o corpo de um soldado. Teria de se alimentar para cruzar o deserto.
Estacou no meio do trajeto, ao ouvir um ruído semelhante ao da casca de um ovo se quebrando.
A garganta da estátua começou a estalar. Duas mãos surgiram pela boca escalando para a liberdade.
Os restos de Lissandra foram rompidos por uma jovem de cabelos castanhos, curtos e brilhantes. Sua pele imaculada dava espaço a grandes lábios vermelhos e olhos penetrantes.
Ela saiu do corpo petrificado e deixou que os restos se tornassem pó.
Abriu um sorriso que fez Vortius desistir de tudo. Sem mais forças ou estratégias, ele pôde apenas cair de bruços e se lamentar:
— Isso não é justo…
A mulher vestiu seu manto negro novamente.
— Trazer doze homens para me matar também não foi nada justo.
As lágrimas do padre afundavam na areia abaixo de seu rosto. Todas as suas cartas foram desperdiçadas em vão.
— Pode me apagar, se você quer tanto… Não tem mais sentido continuar assim. Não tinha nenhuma chance de eu te matar aqui e agora, não é mesmo?
— Também não tenho certeza se ainda posso ser morta. Mas essa foi definitivamente a sua melhor chance de descobrir isso. Eu estaria em apuros, se não fossem essas doze oferendas tão frescas.
A infectada foi até o filho para limpar suas lágrimas.
— Nove meses não foram o bastante para você. E a culpa… é toda minha. — Ela recomeçou a união, agora se certificando de que ele não carregava uma maldita goma thandriana. — Eu nunca vou te machucar, você sabe disso, não é? Agora durma um pouco e nós vamos conversar mais tarde.
Quando Lissandra se ergueu para devorar os corpos, já não havia mais Vortius.