As Bestas de Brydenfall - Capítulo 9
Para vencer o duelo contra Arthur, Herion só precisava de mais um golpe.
Sua visão prejudicada notou a perna de Blake, dominada pela hemorragia. A besta se surpreendeu ao ver o homem caminhar em sua direção, como se não sentisse qualquer dor.
Insultado, o lobisomem investiu contra o cavaleiro, que enxergava cada abertura do oponente. Os braços abertos e as garras extensas planaram rumo à presa.
Arthur não desviou.
No lugar disso, correu contra o infectado, que dilacerou seu ombro com as garras afiadas. A aberração rompeu a armadura de aço, alcançando as costas do soldado, que logo ficaram ensopadas de sangue.
O subcomandante e sua espada recém-roubada aproveitaram a proximidade para atravessar o único olho funcional de Herion.
E quando o monstro pensou que alcançaria a espinha do inimigo, sua visão foi interrompida pela ponta da lâmina.
***
O gigante que confrontava Gwyn tinha sua face derretida como cera velha. Ele desceu uma de suas lâminas contra a cabeça da arqueira, que conseguiu desviar por pouco, mas não se manteve intocada.
Rangeu os dentes quando sentiu sua perna ser atacada por ratos que infestavam o solo.
Corven gritou:
— Se abaixa!
O cavaleiro acertou sua alabarda contra a garganta do ceifador. Desceu a lâmina com toda a força, rasgando a barriga do brutamonte e libertando toneladas de vísceras.
O capitão pensava estar com sorte, antes de seu cavalo se desesperar com os infindáveis ratos.
Skar tentou segurar as rédeas, mas era inútil. A montaria correu para longe, quando o cavaleiro desmontou para lutar até o fim.
***
Herion tentava ignorar a dor de ter uma espada cravada em seu olho.
Guiava-se pelo cheiro do sangue e continuava atacando às cegas, com mordidas e cortes. Já não acertava mais nenhum golpe. Investiu pela última vez, depositando toda a fúria na arremetida.
Arthur controlou sua respiração, mantendo a calma enquanto esperava o momento certo.
Quando percebeu que a espada cravada já estava ao alcance, desferiu um chute contra o cabo da arma, afundando-a ainda mais na cabeça do lobisomem.
Herion auxiliou em sua própria morte.
No momento em que atingiu a perna do subcomandante, a força de sua investida criou o impacto necessário para que a espada lhe perfurasse o rosto ainda mais, alcançando seu cérebro.
O corpo do infectado tombou contra o de Blake, sendo acometido por impulsos nervosos, cores vibrantes e a confusão da morte.
Pensou em como ficaria Liene agora que ele havia perdido a batalha de sua vida.
Morreu sem lembrar que havia a devorado.
Vitorioso, Arthur desistiu de se erguer. Suas pernas estavam quebradas.
***
Quando o Rei se aproximou, os súditos afastaram-se, acometidos pelo pavor.
A aberração era maior do que qualquer outra. Seus olhos rubros enxergavam o topo dos álamos. As pinças de crustáceo pesavam toneladas, após tantas vítimas. Sua boca alaranjada transbordou de saliva ao ver as presas quase intocadas.
Larosse riu como o monstro que era.
Foi atraído pela fêmea humana que jazia no chão, cercada de ratos mortos. Já estava praticamente dominada. Não deixaria que ela alcançasse o arco e diminuísse ainda mais seus homens.
O Rei interrompeu sua caminhada quando um homem repugnante entrou em seu caminho, sob uma armadura pesada.
Armado com sua alabarda de guerra, ceifadora de milhares de vidas e portada há gerações pela família Skar, Corven se sentia indefeso.
Não segurou um grito de desespero quando Sullyvan atacou com sua pinça, fechando-a em um golpe de desmembramento.
A alabarda foi destruída em instantes, assim como quatro de seus dedos.
Sentiu o formigamento percorrer a mão ensanguentada. Sabia que devia aproveitar a ausência de dor, pois em breve estaria desmaiando.
Com um rolamento desesperado, Corven desviou da segunda pinça, passando por baixo das patas de Larosse. Exausto, correu em direção à Gwyneth.
A arqueira havia aproveitado a deixa para chegar até Arthur, que estava sendo esmagado pelo lobisomem.
— Gwyn… — Já não tinha mais forças.
A tenente tentou erguer o monstro desfalecido, mas era impossível. Corven a alcançou, apreensivo.
— Não seja idiota! — Segurou a arqueira pelo braço. — Vamos dar o fora daqui!
— Fuja então, seu covarde! — Se desvencilhou. — Vá se juntar ao meu irmão, se você acha que é o certo.
Arthur tentou protestar, mas não conseguia nem mesmo respirar.
Sentia os pulmões serem tomados pelo sangue farto. Pôde ver Sullyvan se aproximando, enquanto os súditos malditos cercavam o grupo.
Corven relembrou seu passado e refletiu profundamente sobre o que faria a seguir. Decidiu que não fazia sentido abandoná-la.
— Droga, Gwyn… Então que se foda!
Tomado por uma coragem repentina, o cavaleiro desarmado correu na direção de Larosse, soltando um urro suicida.
Uma das pinças se preparou para o golpe fatal.
O Rei dos Monstros sentiu seu sangue ferver.
***
As dezenas de aberrações alcançaram Arthur e Gwyn.
Os soldados se viram cercados por cães, porcos, touros, todos com corpos humanos, repletos de infecções, tumores e mutações. Eram combinações doentias de diversas espécies, resultando em feras grotescas.
Pesando toneladas, os mais fortes dos infectados não tardaram em engordar ainda mais, devorando a carcaça de Herion e abaixando a guarda.
Uma flecha atravessou a boca do porco, enquanto um virote de besta estourou o olho do touro. Após os dois disparos mais rápidos de sua vida, Gwyneth soltou as armas, concentrando toda a força restante em seus braços.
Puxou Blake até perder o fôlego e conseguiu libertá-lo.
— Consegue andar?! — Suava frio, vendo os inimigos terminarem a refeição.
— É óbvio que não. Você tem que correr daqui agora mesmo!
— Quem diria que os papéis iriam se inverter… — A ruiva lutou contra o cansaço, erguendo Arthur nos braços. — Você não tem mais moral para me dar ordens.
***
As pinças de Sullyvan erraram duas vezes, antes de finalmente alcançar a presa.
Corven não foi poupado.
Sentiu a maior dor de sua vida quando as armas de Larosse lhe atravessaram na vertical, rasgando um braço, um olho e metade do rosto. O capitão sentiu seu corpo ficar mais leve, junto da maior dor de sua vida.
Caiu no frio da inconsciência.
A hora de brincar acabou. Retorne ao Porto.
Larosse tremeu no campo de batalha, ao ouvir a voz de Deus.
— Mas… eu… ainda não terminei esse aqui…
Então prossiga. Mas esteja preparado para as consequências que virão de sua desobediência.
Todos os súditos circundaram seu rei, esperando para traí-lo, se fosse necessário.
Corven jazia estirado em uma poça do próprio sangue, morrendo aos poucos. Era a presa já conquistada de Larosse e serviria para deixá-lo mais forte.
O Rei dos Monstros se curvou diante do desejo de Deus, sem coragem de ir contra as consequências desconhecidas.
Desistiu de devorar o capitão.
Não sabia as capacidades do ser que lhe emitia ordens e controlava suas mutações. Sentiu-se um verme ao abandonar a refeição antes mesmo de começá-la devidamente.
Acalme-se, criança. Haverá outras, em breve.
***
Mais uma oportunidade perdida.
E uma maldita vitória.
Arthur não suportava mais o peso de estar vivo, enquanto todos à sua volta continuavam morrendo. Corven e Alastor se juntariam ao exército de mortos que o atormentavam sempre que dormia.
Que o lembravam sobre a fragilidade e insignificância da vida humana.
Gwyneth, mesmo com as pernas feridas pelos ratos, carregou o subcomandante nos braços, ultrapassando as aberrações que entravam no caminho. A corrida lhe deixou tonta, com os pés ensanguentados.
Ambos escaparam da floresta sombria e terminaram caídos em uma planície gramada, quando perceberam que não havia perseguidores. Puderam respirar o ar gélido, recuperar os fôlegos e sentir o frescor do orvalho.
Enquanto recuperavam suas sanidades, não puderam enxergar o exército de monstros vagando rumo ao Porto de Carvalho.