As Bestas de Brydenfall - Interlúdio
O Monte Wymeia.
Região onde apenas os fortes sobrevivem, tendo de enfrentar temperaturas congelantes e tempestades diárias.
Onde os deficientes são sacrificados ao nascer e os jovens plebeus devem matar seus pais quando completarem dezoito anos.
Apenas os que viram militares estão livrados deste fardo.
Uma nação onde o exército sempre estaria em vantagem numérica contra a plebe. Os fortes protegiam os fracos, que deviam suas vidas aos defensores.
Não havia conceito de liberdade, apenas dever.
Aqueles que não conseguiam visualizar seu propósito nessa sociedade de dominadores e dominados, não tinham outras opções além da guilhotina ou exílio.
Em sua capital, Wynna, o Imperador Kato acordou gritando, com lágrimas nos olhos.
Seus pesadelos estavam cada vez mais frequentes.
O coração palpitava intensamente, drenando suas forças cada vez mais escassas. Cambaleou até a janela, por onde contemplou os primeiros raios solares que penetravam as torres de sua cidade-fortaleza.
Estava nevando e ele jazia ensopado pelo próprio suor.
Seus cabelos prateados colavam na face magra, marcada por olheiras que lhe davam a aparência de quarenta anos, quando tinha apenas vinte.
Fazia dois anos desde que Kato decapitara o próprio pai, em uma cerimônia de honraria a todos os rituais de sacrifício que os plebeus tinham de arcar.
Ainda não possuía a mínima noção de como ser um governante admirável, mas sabia que estava suportando algo que nenhum outro monarca precisou enfrentar.
Manter seu povo afastado da ira de Deus.
Foi atingido por um calafrio que reverberou por todo o corpo. Algo voava sob a tempestade de neve, se aproximando em alta velocidade.
Era um dos anjos que o atormentavam.
Lucius pousou na janela do Imperador, enquanto o jovem se vestia com um robe de lã.
— Chegou a hora.
— Eu sonhei com você.
— Não tenho interesse nos sonhos de um mascote.
O infectado saltou para dentro do quarto, movido pela pressa e ira.
— Nós queremos os equipamentos até amanhã. Todos entregues no local combinado.
— Como quiser, vossa santidade.
— E não tente me bajular — O anjo deu dois passos na direção do Imperador, que tratou de recuar até a porta. — Não se esqueça que foi você que implorou para continuar sendo fraco. A única coisa que ganhou foi mais tempo como um covarde, ao invés de ser como nós.
Kato aceitou as humilhações em silêncio.
A besta o surpreendeu com um elogio:
— Mesmo assim, você ainda é honrado. Escolheu a liberdade acima de tudo. — Virou as costas para saltar a janela. — E sua hora ainda não chegou. Aproveite esse tempo restante para encontrar um jeito de sentir algo além de medo.
— Sim, senhor. E eu… queria perguntar uma coisa antes de você partir.
— Seja rápido.
— Faz alguns dias que eu não ouço os pássaros cantarem. Pode me dizer o que fizeram com os animais?
— Não se preocupe com isso. Eles estão bem, eu garanto. Já os inimigos mortais de seu reino… eles irão cair em breve.
Lucius retornou à tempestade.
O Imperador esperou que ele estivesse longe para finalmente vomitar no chão e cair em um choro soluçante.
Brydenfall estava à beira da queda. Wymeia venceria a guerra.
E sua vitória não valeria de nada, pois seriam os próximos.