As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 25
“A coragem é um mal que devemos carregar, para garantir que sobrevivemos em alguns momentos, ou para garantir a morte certa em outros” – Pulget, o pequeno
O garoto estava sentado no chão, processando a pergunta do tutor com um dedo no queixo.
— Pense, Archie — O tutor era um senhor de idade, de expressão rígida. Ele observava o aluno com atenção, agachado — só precisa me dizer qual a produção total da colheita nos três primeiros dias conforme a tabela.
O pequeno Archie olhava a tabela sem conseguir prestar atenção nela propriamente dita. Encontrou mais interesse no texto que elaborava a questão de exatas.
— Aqui diz que é a maior fazenda de Cambridge. Qual o tamanho da fazenda e qual lugar de lá caberia uma fazendona? — O garoto perguntou entusiasmado, pois nunca havia visitado a cidade e queria saber mais.
A reação do tutor à pergunta foi de reprovação. Ele sentia que aquilo já estava se tornando repetitivo, pois não importava qual questão propunha, o garoto sempre arrumaria um jeito de desviar do objetivo. Às vezes pensava que ele estava gozando da sua cara.
— Não importa o tamanho da fazenda nem onde ela fica, Archie — ele suspirou — estou aqui para lhe ensinar exatas, aritmética. Os exemplos são meramente ilustrativos.
— Mas é muito mais legal que ficar vendo os números — Archie foi espontâneo, apesar de temer o semblante do tutor.
— Aprender sobre os números será importante para o seu futuro.
— Como? Como eles vão me ajudar a conhecer mais o mundo, Sr. Loomis?
Parece que ele realmente não tem jeito. O tutor concluiu, se colocando de pé.
— Tudo bem, Archie, nossa sessão terminou — E dizendo isso, deixou a sala.
Archie aproveitou para fazer o que mais gostava. Pegou um livro de charadas que sua mãe havia lhe dado e um quebra-cabeças com milhares de peças. Mas antes que começasse a brincar, ouviu vozes vindo da porta entreaberta pela qual o Sr. Loomis havia saído.
Não contendo a própria curiosidade, se esgueirou até lá para ouvir melhor. Reconheceu a voz do pai conversando com o tutor:
— Eu tentei, Sr. Becker, com toda a honestidade — O Sr. Loomis disse em um tom de funeral — mas o garoto tem um notável problema de foco e interpretação para a lógica do meu ensino, infelizmente não poderei mais o instruir, peço perdão por isso.
— Não há necessidade de desculpas, Loomis — o pai disse, franco — apenas fez o seu trabalho.
Em seguida ouviu passos, então decidiu retornar a brincadeira. Porém, não conseguiu sentir nada exceto um misto de paranoia e ansiedade. Archie nunca havia experimentado aqueles sentimentos, então não sabia como lidar, mas tentou ao máximo não chorar nem gritar.
Uma vez ouviu o pai dizendo que “um homem jamais deveria perder o controle, demonstrar sentimentos e externar a sua fraqueza interna, pois isso é nada mais que uma perda de tempo”.
Então ele continuou ali, fingindo que brincava, até seu pai aparecer na sala. Quando o olhar dos dois se cruzaram, Henry nada disse, apenas lançou um olhar de puro desgosto para o filho e foi embora em seguida.
Archie passou o dia inteiro segurando a crise interior, mas na hora de dormir, simplesmente não conseguiu. Ele passou aquela noite inteira chorando, se lembrando para sempre daquele dia.
***
Seus olhos abriram lentamente. Demorou alguns segundos até retomar o foco da visão e perceber em que situação estava. Archie se viu estatelado num local cheio de plantas. Vidro, ervas e terra o envolviam e ele sentia as costas doloridas.
Ele se surpreendeu ao notar que seu rosto estava marejado de lágrimas, provavelmente devido às lembranças ruins. Sacudiu a cabeça, decidindo que tinha assuntos mais urgentes a tratar naquele momento.
Merda, o efeito do elixir acabou, foi isso. Ele pensou, relembrando o fracasso que fora sua tentativa de investir contra Dominic.
E o pior de tudo, o outro frasco com elixir estava com Frankenstein e, na melhor das hipóteses, eles estavam fugindo de Dominic naquele momento. Archie se encontrava sem opções. Não possuía os ingredientes necessários para fazer a sua mistura, e, se lembrava bem, Frankenstein havia dito que só havia uma mistura funcional para cada pessoa.
Não é possível, tem que haver um jeito. Archie entrou em desespero. Se eu não fizer nada eles vão morrer.
Então uma ideia maluca veio a sua mente, uma ideia totalmente baseada em sorte e achismo. Mas que outra escolha tinha? Se não tentasse nada, Paul e Frankenstein morreriam. Além de ser bem provável que o lobisomem tentaria encontrá-lo para finalizar o serviço.
Não tem outra saída, só Frankenstein sabe os ingredientes da mistura para executar Weezy.
Sua ideia genial então era: fazer uma mistura completamente diferente. Para isso precisava se atentar ao que tinha ali que servisse como ingrediente. E o que mais havia ali eram plantas.
Eu não conheço nenhuma dessas plantas, mas preciso ser rápido.
Archie arrancou um fio de cabelo, tendo como uma lógica rasa de que se tivesse algo seu na mistura, as chances de morrer iriam ser reduzidas. Em seguida concluiu que pegaria a primeira planta que conhecesse o nome.
Vasculhando aquela loja de plantas, ele percebeu como era ruim em botânica, e nem sequer um girassol ou lírio havia ali para lhe dar a possibilidade de reconhecer algo.
Mas logo encontrou o que queria, uma erva, mais especificamente, erva-cidreira. De repente lembrou o quão bem conhecia a erva, pois sua mãe já preparou um chá dela algumas vezes quando ele estava com insônia.
Contanto que o efeito disso não seja eu dormir, tá tudo certo.
Archie catou um punhado da erva e então começou a fazer a mistura.
Adicionando o cabelo em um balão e a erva em outro, percebeu que não havia líquido naquela mistura para que ela se tornasse um elixir de fato, mas não tinha tempo para aquilo, faria a mistura mesmo assim.
Frankenstein não disse que precisava de água para fazer as misturas.
Aos poucos, enquanto transitava os ingredientes entre os balões, via a mágica acontecendo.
Aparentemente o vidro nos quais os balões eram compostos não parecia comum, pois logo a mistura se tornou líquida, em uma tonalidade verde-musgo. A aparência não era muito agradável, tampouco a textura, mas achou que deveria se acostumar com aquele aspecto nos elixires de poder.
Ao fim do processo, a mistura estava pronta para ser ingerida. Archie olhou sua obra de arte improvisada com total receio, seu coração começando a bater mais forte, pois aquela seria uma golada sem volta.
Ele cruzou os dedos firmemente, e, sem querer pensar muito, virou todo o elixir de uma vez.
O gosto horrível foi o primeiro passo. Era como se o esgoto de toda a Grã-Bretanha estivesse descendo pela sua garganta. Mas logo a bebida desceu até o seu estômago. Archie decidiu se sentar no soalho, aguardando a etapa final.
Eu me arrependo de todos os meus pecados, Deus, só quero deixar claro.
Por alguns segundos ele aguardou a morte com toda a certeza, ele sabia que o que fez não era nada mais que uma decisão totalmente instintiva e irracional, para não dizer estúpida mesmo.
Não tinha como dar certo…
Porém, não foi a morte súbita que veio em seguida, mas sim a sensação mais excêntrica que sentiu na vida.
Sentiu seu braço leve, como nas ocasiões em que dormia com a cabeça em cima dele, bloqueando a circulação sanguínea e fazendo ele não conseguir senti-lo direito, nem sendo capaz de o mexer.
Mas ali era um pouco diferente. Ainda conseguia mexer o braço, porém ele parecia ter perdido todos os ossos, músculos e sangue. A sensação se espalhou por todo o corpo. Por mais sinistra e desconfortável que fosse, não era como se ele estivesse morrendo.
Assim que o efeito pareceu ter chegado ao fim, se sentiu apenas leve. Tão leve que precisou se levantar e forçar os pés a ficar no chão, pois eles pareciam responder de forma diferente à gravidade.
Que diabos está acontecendo comigo?!
Fato era, Archie não estava morto. De alguma forma a mistura havia dado certo e seu efeito fora totalmente inesperado.
Ele decidiu testar uma coisa. Levantou o punho e deu um soco no próprio rosto. Porém, não houve impacto, sua cabeça apenas foi para frente e para trás freneticamente como…
Uma bexiga de borracha. Ele concluiu. Certo, o que importa é que não estou morto. Eu posso usar essa habilidade para acabar com o lobisomem de algum jeito.
Archie decidiu deixar o local, porém como não podia caminhar normalmente graças ao seu peso, foi saltitando pela rua.
***
Paul e Victor encontraram refúgio em uma biblioteca abandonada quase no fim da vila, após uma longa fuga em que tentaram despistar o lobisomem entrando em becos e locais estreitos.
Não estavam exatamente em uma situação favorável, já que Dominic conseguiu bem de longe os ver adentrando o local. Então a única opção que tinham era se esconder e torcer para não serem encontrados, pois não havia como sair dali de forma discreta.
Ambos chegaram a uma área cheia de estantes, um verdadeiro labirinto e um paraíso para Paul se as circunstâncias fossem outras.
— Jovem Paul, precisamos nos esconder — Victor disse, ofegante — o armário ali é meu, procure um lugar, rápido.
Frankenstein rapidamente entrou em um armário gigante atrás de uma fila de estantes, o fechando em seguida.
Paul analisou o local, suando frio. Ele não esperava que as coisas fossem dar errado daquele jeito. Não era capaz de vencer nenhum oponente. Só alimentaram alguma expectativa graças ao fato de Archie poder usar o elixir de poder, o que não havia dado muito certo.
Entre a morte e a tentativa, pensava que era jovem demais para morrer. Determinado após lembrar de uma citação de Pulget envolvendo coragem, avistou uma armadura decorativa próximo a uma estante. Mas o que o chamou a atenção foi que em sua bainha havia um sabre de esgrima.
Dominic poderia ser poderoso, mas seu corpo não parecia ser de aço. Ele correu até a armadura, removeu a espada e a bainha. Após colocar a fivela sobre a cintura, retirou a grande agulha que era o sabre, porém aquele tinha uma ponta afiada.
Deve ser um sabre militar. Concluiu, já que no esporte o objetivo não era ferir o adversário.
De qualquer forma, não precisaria usar dos fundamentos da esgrima, apenas lembrar do básico a respeito do manuseio de espadas daquele porte.
“Uma das partes mais frágeis do ser humano é a região do abdômen, pois é lá que estão os órgãos vitais e não há ossos que dificultem o empalar da lâmina”, lembrou o professor Richard explicar de forma trivial em uma das suas aulas de esgrima.
BAM!
A porta do enorme cômodo foi escancarada, em seguida um uivo arrepiante ecoou. Paul se esgueirava atrás da estante. Iria apenas aguardar o lobisomem se aproximar para investir, porém, sua mão tremia mais que o normal.
Eu preciso me acalmar, eu só vou ter uma chance.
— Apareçam de uma vez — a voz do oponente era séria e perigosa — não adianta mais se esconderem. Como esperado, Milord venceu. Eu os farei perecer como merecem, pois viveram suas vidas insignificantes de forma vã e vazias de sentido.
Lentamente, Dominic caminhou pelo ambiente silencioso e mal iluminado. Ele parecia andar na ponta dos pés, pois seu passo era suave. Paul fechou os olhos e respirou fundo, na tentativa de se acalmar.
Era bem provável que ele tivesse sentido o seu cheiro, pois os passos chegavam mais perto de Paul que de Frankenstein.
Cinco metros… quatro… três… dois…
— Achei você, Paul Becker — ele disse, escorado na armadura — o que o fez pensar que aqui seria um bom lugar para se esconder?
Sem perder tempo, Paul investiu, gritando. A ponta do sabre perfurou em cheio o abdômen do licantropo. Dominic arregalou os olhos para o garoto, cuspindo sangue em seguida. A lâmina havia o empalado de tal forma que a ponta saia pelas costas.
Vendo que teve sucesso, Paul puxou o sabre militar. A fera pugilista caiu, se apoiando com um dos joelhos e a luva de boxe direita. Mas o garoto não ia cessar o ataque. Estava disposto a garantir que derrotaria o oponente.
Mas de forma repentina, Dominic ergueu uma das luvas, bloqueando a investida de Paul. Agora era o garoto quem arregalava os olhos e o licantropo com um sorriso triunfante no rosto.
— Boa tentativa — ele disse, observando a criança paralisada diante do fracasso — você tem perícia em manejar isso, mas não lembrou direito das lendas. Elas costumam dizer que o único ponto fraco de um lobisomem é uma bala de prata. Porém, eu te digo, a minha fraqueza em si é a prata, material que é feita sua lâmina, porém só posso morrer se meu coração for perfurado. Hi Ho!
Não pode ser, se eu tivesse perfurado um pouco mais em cima… devia ter dado ouvidos ao ditado de Pulget que diz “um homem totalmente cético é um homem prepotente, que, portanto, já perdeu”.
E sem perder mais tempo, Dominic desferiu um soco em Paul.
O ataque foi tão poderoso quanto o que Archie recebeu. Paul foi defenestrado do museu por uma janela fechada, cujo vidro parecia bastante resistente. No fim, acabou parando no meio da rua. Tinha certeza que pelo menos um dos ossos de seu corpo havia quebrado.
Ele sabia que ia morrer quando viu o lobisomem pugilista se aproximando. Dominic não o pouparia de jeito algum. Sua espada estava longe demais, não havia qualquer chance. Sendo adepto da filosofia, Paul entendia que havia a hora para tudo, até para a desistência.
— Pare agora mesmo, criatura horrorosa — disse uma voz, mais que familiar — deixe meu irmão em paz, ou eu te mato… bom, eu vou fazer isso de qualquer jeito.
O lobisomem se voltou para o dono da voz, que era ninguém menos que Archie, que apontava um dedo para Dominic de forma acusatória.
— Impressionante — Dominic disse, notando o quão intacto o detetive parecia, mesmo após levar seu soco supremo — sabe, já coloquei em coma vários oponentes com meu nocaute supremo. É impressionante você ter se recuperado tão rápido, Archie Becker.
— Digamos que eu sou um cara resistente — ele se gabou, revelando a Dominic os balões de funda redondo escondidos por seu sobretudo — e claro, com uma ajudinha das misturas.
O quê?! Paul fitou surpreso o irmão. O que ele quer dizer com isso? Será que ele fez outra mistura e a tomou? O Dr. Frankenstein não disse que isso poderia matar?
— Certo, já que clamou, o matarei primeiro — Dominic avançou.
Archie estava preparado, e assim que o pugilista peludo tentou um direto, usou a leveza corporal para saltar, desviando do ataque e ficando às costas do inimigo.
O quê? Foi a vez do licantropo se perguntar, porém, decidiu que não perderia tempo processando o que Archie havia feito. Isso só pode ser um tipo de magia, algo que inimigos do Inominável usariam.
Archie tentou desferir um golpe em Dominic, mas tal qual seu corpo, seus socos eram leves, e tudo que conseguiu foi acariciar seu focinho de lobo. O licantropo igualmente não perdeu tempo, desferindo um gancho contra o outro, mas que não teve impacto algum, fazendo o detetive ser arremessado para longe como uma bexiga de borracha.
Assim ele concluiu que seria mais desafiador do que ele imaginava.
— Esse é o seu soco mais forte, pugilista de segunda? — certo, por enquanto estamos em um impasse, preciso pensar em uma estratégia antes dele.
Dominic não retrucou, apenas avançando com um urro de lobo. Eles continuaram na vã tentativa de ferir um ao outro com socos, enquanto possíveis viradas viajavam em suas mentes.
Fora de combate, Victor deixou a biblioteca pela janela destruída. Não havia como ele ajudar, então pegou o sabre militar caído e o levou até Paul. Em seguida o ajudou a levantar.
— O que aconteceu? O que diabos Becker está fazendo? — o cientista perguntou ao ver o detetive não respondendo exatamente às leis da física — não me diga que… ele ingeriu uma mistura diferente?!
— Eu pensei nisso — Paul disse, com o sabre em mãos, mas sem qualquer coragem de interferir no embate por ora — mas ele deveria estar morto se for isso, não é?
— Está correto — Victor observava tudo com muita curiosidade — mas não pode ser outra coisa, aquilo é certamente o efeito de uma mistura. O imbecil deve ter feito uma de forma improvisada. Sorte que não morreu, mas… Arthur Becker deixou bem claro que apenas uma mistura servia para o organismo de cada pessoa, e que não havia um caso de sobrevivência após ingerir uma diferente. Tanto que havia um elixir que poderia expandir esse conceito chamado O Elixir da Vida, mas ele nunca foi preparado. Seu irmão é certamente diferenciado, Jovem Paul.
Enquanto confabulavam, Archie e Dominic já estavam cansados de não progredirem no combate, até enfim cada um montar suas estratégias.
Apesar de ser leve como um balão, Becker ainda é resistente a superfícies pontudas, preciso prensá-lo contra uma parede, ao menos uma parte do seu corpo, assim o prendo e posso esmagar a sua cabeça com meus dois punhos, e ela vai estourar igual uma bexiga, Hi Ho!
A ideia de Archie era um pouco mais mirabolante, mas precisava testá-la. Para isso, decidiu ver o que o oponente tentaria.
Porém, Dominic não parecia estar seguindo qualquer lógica de combate, apenas lhe desferindo socos e o jogando para longe. Isso perdurou por algum tempo, até Archie se ver encurralado contra a parede do pub.
O que ele está tramando?
— Isso acaba aqui, Archie Becker! Hi Ho!
Dominic então mirou seu golpe no lugar mais inesperado possível, uma das mãos do detetive. O direto atingiu em cheio a mão esquerda de Archie, consequentemente estourando-a no meio, com sangue jorrando freneticamente de lá.
Droga, então foi isso que ele pensou. Archie fitou a mão esquerda, amedrontado. Preciso agir rápido, é agora ou nunca.
Notando que as pernas do licantropo estavam bem abertas, ele conseguiu desviar do ataque fatal, com as duas luvas de Dominic em cheio no seu rosto. Saiu agachado por debaixo do oponente, conseguindo o que queria em seguida.
Archie descobriu que seu poder era mais que apenas ser leve como um balão, ele podia controlar o peso, mas apenas de forma a deixá-lo mais leve. Então simplesmente agarrou a cauda do licantropo, eliminando todo o peso do corpo e assim flutuando, como se gás hélio fluísse em suas veias.
— EI, O QUE ESTÁ FAZENDO?! — Dominic bradou, irritado — ME COLOQUE NO CHÃO, SEU HEREGE MALDITO.
Sua estratégia era simples: segurando a cauda de Dominic, poderia levá-lo a uma altura considerável, assim o deixando se espatifar no chão em seguida. A cauda era justamente o que impediria qualquer resistência da parte do oponente.
Aos poucos, eles subiam, vendo de longe a vila e toda a cidade. Só assim, Archie constatou que não havia qualquer sinal de atividade em Genebra. Pelo visto todos estavam realmente adormecidos.
— Eu sei o que pretende, Becker — ouviu Dominic dizer, apático, mesmo a metros acima do chão — só lhe digo uma coisa, não vai funcionar, porém, não revelarei o porquê.
— Isso é o que veremos — Archie disse, era bem provável que o inimigo estivesse blefando, então seguiu com o plano.
Subiram mais um pouco, até praticamente toda a cidade estar à vista. Archie só precisava ter certeza. Certeza de que a altura seria fatal.
E após milhares de metros do chão, soltou seu oponente.
Dominic caiu de forma desajeitada, porém aos poucos ele juntou as partes do corpo, girando como uma bola até o solo. Archie desceu um pouco para observar o estrago. O licantropo aos poucos se tornava um pontinho.
Mas diferente do que ele imaginava, o pugilista estava na realidade muito mais confiante do que parecia. Mal ele sabe da minha real fraqueza, essa altura só poderia me matar se eu caísse de frente, Hi Ho.
BOOM!
Uma pequena cratera foi aberta no solo da vila. Muita poeira voou, embaçando a vista do local. Archie diminuiu a leveza, receoso do que veria quando a poeira sumisse…
— Só pode ser brincadeira! — Archie exclamou, ao ver o oponente não só intacto, como em uma pose gloriosa de pugilista, revelando todo o seu ego.
— Eu falei que não adiantava, Archie Becker, eu venceria de qualquer jeito, pois sou invencível! — Dominic então começou a gargalhar alto — Hi Ho, Hi Ho! Venha, vamos ir até o fim, só sairei daqui quando todos estiverem mortos — Dominic observou os arredores, procurando pelo irmão de Archie, que deveria estar jogado em um canto — espera, onde está o pirralho… AHHHHH!
Sem qualquer aviso, sentiu a lâmina perfurar as costas, dilacerando seu coração. Dominic não queria acreditar, mas ele foi pego de surpresa. Eu fui prepotente, subestimei o garoto ao contar para ele meu ponto fraco.
Não havia mais o que fazer, o licantropo caiu sem forças no chão, cuspindo muito sangue e sentindo a lâmina sendo removida. Logo viu seus oponentes o rodeando, notando a mão de Archie ferida e a espada ensanguentada na mão de Paul.
Eu estava tão perto. Foi seu último devaneio. Mas nem tudo está perdido. Eu dei tudo de mim, honrei meu Senhor até o fim. Essa foi a luta da minha vida, uma luta a qual valeu totalmente a pena. Eles jamais derrotarão o Weezy… adeus, mundo, logo estarei em um lugar melhor com meu pai, eu mereço.
Dominic Kessler fechou os olhos para sempre.
Archie e os outros se sentiram cansados após toda aquela adrenalina. Porém, não deveriam comemorar ainda, pois aquele era o primeiro de muitos desafios naquela jornada.
Paul parecia atônito com o que acabara de fazer. Por mais que soubesse que não tinha outro jeito, se lembrou que ainda havia humanidade em Dominic.
— A culpa não é sua, Paul, ele era mal — Archie tentou consolar — era a gente ou ele.
— Bem ou mal, ele possuía um objetivo, ele fez o que acreditava… não dá pra ignorar isso.
— Esqueçam ele, nós precisamos sair desse lugar antes que mais um apareça — Frankenstein disse, sem qualquer sensibilidade — vou logo pegar a bala do revólver e nós damos no pé.
Victor os deixou, com Igor em seu encalço.
Mas Paul decidiu ficar lá mais um pouco, observando o cadáver do oponente, em meio a devaneios filosóficos e um medo do que mais teriam de enfrentar.