As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 26
“Deixem eu lhe contar uma antiga lenda grega, as moiras: eram as três irmãs que determinavam o destino, tanto dos deuses, quanto dos seres humanos. Eram três mulheres lúgubres, responsáveis por fabricar, tecer e cortar aquilo que seria o fio da vida de todos os indivíduos” – Pulget, o pequeno
O caos pairava por todo lado na cidade de Londres. Os monstros atacavam e os humanos se protegiam. Alguns até tentavam enfrentá-los, mas na maioria das vezes não tinham sucesso.
A lua continuava quase coberta. Aquela noite de terror parecia longe de terminar.
Mas foi nesse momento que algo chamou a atenção de todos. Um vulto deslizou velozmente pelo céu, sobrevoando a cidade. Esse ser era diferente, mesmo não sendo possível enxergá-lo direito. Sua silhueta era humanoide e possuía longas asas negras.
O rumo de seu voo não poderia ser outro senão o Palácio de Westminster, que não parecia ter sofrido com o pandemônio do resto da cidade.
Weezy iria tomar seu trono, então junto de Damon — Kennedy havia preferido ficar em um castelo em Genebra — adentrou os limites do palácio, sobrevoando pela região da Torre do Relógio, apreciando sua arquitetura. Todo aquele lugar era digno de ser sua estadia.
Logo houve resistência, com várias balas de canhões tentando lhe acertar. Mas usando sua imensurável força, Weezy partiu todas ao meio. Logo foi até os que operavam esses canhões e lhes abençoou com seu toque purificador.
Pousando nos jardins esbeltos da propriedade, foram recebidos por vários soldados reais, sacando seus sabres militares e armas de fogo contra a imponente criatura.
— Renda-se, coisa horrorosa — o capitão deles disse, tentando esconder seu pavor.
— Em meu reino não haverá retaliação, anátema — Weezy disse, olhando com desprezo aqueles humanos que pensavam ter algum tipo de chance contra ele.
Os soldados tentaram, mas nada era capaz de ferir Weezy, mesmo que as balas lhe dessem um leve impacto.
O que se considerava Deus purificava a todos um por um, tornando-os seus sentinelas.
Então marcharam para o interior do palácio, que era gigantesco. A maioria não tentou interferir, apenas se ajoelhando para o tirano, enquanto alguns poucos tentaram sem sucesso o atacar, com Damon usando as ataduras pertencentes ao seu corpo mumificado para executá-los.
Caminharam no objetivo de encontrar uma sala real, mas à medida que Weezy cruzava os cômodos, via que as pessoas já aceitavam que ele era o novo imperador da Grã-Bretanha.
Ao chegarem no aposento escolhido, Weezy abriu a porta e viu como era um lugar belo, digno de ser sua estadia. Damon matou os soldados que a guardavam, em seguida liberando caminho sobre o carpete escarlate para o seu senhor.
O duque, que era um homem velho e baixinho, se pôs de pé, com seus escudeiros desembainhando a espada. O nobre estava visivelmente trêmulo, era impossível não estar diante da horripilante visão da criatura a sua frente.
— Então é… vós quem lidera essas malignas criaturas que sitiam o reino? — ele conseguiu perguntar — foi o diabo quem os mandou? Uma punição de Deus pelos pecados da nação? Pois saiba que só há pecadores fora deste distrito.
Weezy fitou o duque com desprezo. Só conseguia sentir pena por ele desconhecer quem estava diante dele.
— Não estou aqui para punição, apenas para a purificação de todos os seres neste mundo — o tirano disse, apontando para o duque em seguida — ouça e não esqueça, sou o enviado do Inominável, o próprio Deus encarnado, o Weezy.
Houve silêncio, onde o duque e seus sentinelas pareciam confusos, afinal, era a primeira vez que ouviam aqueles nomes.
— Se ajoelhem, hereges! — Damon ordenou, pois tudo o que mais odiava naquele mundo eram esnobes que se achavam acima de tudo e todos.
— Já chega, o diabo não reinará aqui — o duque disse, a voz falhando em seu tom raivoso — MATEM ESSA BESTA!
Os soldados avançaram contra Weezy. O sacerdote estava prestes a defendê-lo, mas seu senhor fez um gesto para ele não intervir, pois o próprio decidiu demonstrar sua força para o insignificante humano da alta cúpula.
As espadas dos escudeiros atingiram os ombros de Weezy, mas elas sequer arranharam a superfície de sua pele. Eles olharam incrédulos a cena, o suor e o pavor surgindo em seus rostos.
O tirano sorriu, um sorriso de pura satisfação em ver que era imbatível. Em seguida, suas garras atravessaram o estômago dos sentinelas com extrema facilidade. Ele foi levantando as mãos até os soldados serem partidos ao meio, com tripas e sangue sujando o carpete real.
O duque ficou tão amedrontado que seu grito agudo ecoou por todo o palácio. Desprovido de qualquer dignidade e honra. Agindo por puro instinto de sobrevivência, ele saiu do trono e deixou a passagem aberta para a criatura. Em seguida se ajoelhou, mostrando que havia se rendido.
Em total êxtase, Weezy caminhou até o trono, cada vez mais convencido de sua divindade, como o ser supremo, dono de tudo. Ao passar pelo duque, o tocou, lhe purificando e transformando-o em uma gárgula viva.
Se assentou ali, testificando de vez seu reinado global.
— Que gratificante sensação — o tirano comentou, se acomodando naquela superfície macia — o privilégio da divindade. Aposto que nenhum outro governante ou autoridade neste mundo o dominou de forma tão ligeira.
— Sem dúvidas, meu Senhor, toda a honra e título para vossa majestade — Damon o reverenciou.
Em um primeiro momento estranhou o fato do Weezy estar tão impressionado com seu próprio feito, porém, se lembrou que como ele era o próprio Deus, se gabar dos seus feitos devia ser natural.
— Me diga, sacerdote, vós que conhece melhor esse antro de anátemas. O que eu devo fazer quanto aos despertos nesta grande cidade, já que fui capaz de adormecer todo o resto deste mundo? — Weezy chegou àquela conclusão refletindo que tal fenômeno surgiu após seu nascimento, logo, só podia ter vindo de sua natureza divina.
— Meu senhor viajou por toda a cidade de Genebra para formar uma corja, para o caso de haver alguma possibilidade de retaliação externa, mesmo que mínima — Damon recordou — porém, as pessoas nesta cidade estão despertadas. Muitos se tornaram criaturas, prontas para servi-lo como sentinelas reais. Meu palpite é que meu senhor vá até o centro da cidade e dê um discurso, para anunciar a sua soberania.
— Humm — Weezy considerou, apesar de querer ficar naquele trono e pedir para que algum servo trouxesse um livro — declararei minha soberania, e, a qualquer um que se opor a isso, irei arrancar a existência.
— Como desejar, meu Senhor. No fim, o fatalismo era concreto para esses humanos.
— Defina, fatalismo — Weezy perguntou, interessado naquela palavra.
— É uma corrente filosófica humana, meu Senhor. Nela, acredita-se que os acontecimentos ocorrem de acordo com um destino fixo e inexorável, sem interferência humana. Em outras palavras, as coisas acontecem porque devem acontecer.
O tirano sorriu, pois aquela ideia o agradava. Era uma sensação positiva, uma que nenhum outro ser naquele mundo jamais experimentou. Ele era o pilar da existência, o único sentido de tudo, o protagonista da história do universo. O fatalismo apenas confirmava aquilo.
Logo, não só o palácio, como todo o distrito de Westminster foram tomados à força. A realeza foi purificada no palácio de Buckingham. Weezy havia oficialmente sitiado o território britânico.
***
Fogo e calamidade cobria quase por completo as ruas londrinas. Algumas horas haviam se passado desde o início do motim.
Alguns transformados em monstros atacavam as pessoas, outros eram apáticos. Mas o contrário também acontecia, mesmo os não transformados cometiam atrocidades, se aproveitando do caos instaurado.
Por outro lado, o único grupo organizado que pareciam felizes com a situação era uma seita de mascarados. Eles marchavam pela cidade em um coro ininteligível, erguendo tochas e algo semelhante à colheres gigantes.
Foi próximo ao Museu Britânico que uma multidão se reuniu para receber um discurso. Naquele momento, houve trégua entre os monstros e humanos ali reunidos, pois parecia ser alguém a temer.
Mary e seu pai estavam no meio da multidão, no meio dos não-transformados. Após muito explorarem, não encontraram um rádio funcionando, tampouco um telégrafo para verificar a situação internacional.
Refletindo um pouco, a garota deduziu que aquele fenômeno certamente fora planejado por alguém, alguém que possuía um conhecimento e poderes ocultos.
Isso só se confirmou quando ali estavam, aguardando o provável responsável por aquilo aparecer. Pelo que corriam as notícias, ele havia sitiado Westminster e feito os monarcas se renderem. Então só pode ser aquele vulto misterioso que atravessou os céus há… o quê? Uma hora atrás?
Enquanto eles aguardavam, o embaixador do tal tirano — uma gárgula viva — explicava por cima a situação. Apesar da barulheira, pai e filha se esforçaram para ouvir o que ele dizia:
— Todos se acalmem, não se exaltem, pois logo vosso imperador chegará e vocês terão o privilégio de conhecê-lo.
O gárgula falava em cima de um pedestal, enquanto diversos membros da seita sinistra se reuniam ao redor, guardando o local de discurso para ninguém da multidão tentar invadir. Pelo menos uns vinte haviam tentado, os religiosos mataram todos a colheradas.
— Quem será esse tirano? — Maxwell indagou, a escopeta firme nas mãos — se ele é o responsável por tudo isso, já sabemos quem precisa morrer.
— Não se precipite, pai — Mary o avisou — nem sabemos o que ele é ainda.
— É mais um covarde, conheço bem o tipo. Enviou seus lacaios para fazerem o serviço, duvido que seja mais que qualquer um desses zumbis imundos.
Em meio ao tumulto do aguardo — onde mais alguns monstros e humanos ousados eram mortos pelos membros da seita — algo se destacou no céu escuro.
“Olha lá, é o próprio diabo”, alguns resmungaram apontando para cima.
Mas mesmo à distância, já era possível perceber a natureza aterradora do ser de longas asas negras. Quando ele pousou no pedestal, todos contemplaram a visão da criatura de quase três metros.
Meu Deus, o que é isso? Mary pensou, horrorizada.
De fato, não imaginava que o tal tirano fosse humano, mas tampouco veio a sua mente uma imagem tão medonha quanto aquela.
Uma múmia viva seguia o tirano. Para Mary nada mais fazia sentido. O gárgula foi chutado do pedestal, com o verdadeiro imperador se apresentando diante da multidão, que instantaneamente ficou em silêncio.
— Saudações a todos, por menos merecedores que sejam — Todos tremeram diante do tom gutural de sua voz — durante séculos a palavra foi espalhada, mas ninguém deu ouvidos, porém, eu estou aqui. Sou o salvador deste mundo, o príncipe e o rei, aquele que ascende…
— Pera, então você é Jesus? — alguém da multidão que estava mais perto do palco o interrompeu.
Damon e todos os membros da seita se viraram para o indivíduo, raivosos. O homem levantou as mãos, engolindo em seco.
Receio que isso seja uma profanação, quem será esse Jesus? Weezy refletiu. De qualquer modo, preciso mostrar imponência e respeito diante de meus servos. Mas o que importa? Que valor tem a vida inútil de um profanador que nem sequer conhece o verdadeiro Deus?
— Punição — Weezy ordenou friamente aos vassalos.
Logo o homem que o interrompeu teve a testa empalada pela colher gigante de um dos religiosos. Seu cadáver se juntou à pilha dos demais que tentaram invadir a fachada do museu.
Todos ficaram ainda mais temerosos, exceto Maxwell, que já começava a ficar enraivecido com o tirano. Mary segurou seu braço, para evitar que ele fizesse alguma besteira.
— O homem é mau e desobediente — Weezy continuou — ouçam o que digo, este mundo inteiro jaz sitiado, suas autoridades afora estão adormecidas. Vós que residem nesta capital foram os únicos a terem o privilégio de ver-me antes da purificação absoluta deste mundo. A partir de hoje, irão adorar apenas a mim, o Weezy, enviado do Inominável. Retaliações serão inúteis. As autoridades desta cidade servem a mim agora.
— Que arrogantezinho de uma figa, não passa de uma criatura demoníaca — Maxwell resmungou, suas têmporas pulsando. Mary o segurou com toda a sua força, sabendo que ele não iria se controlar — ele vai descobrir que nem todas as autoridades se renderam a ele, apenas os covardes!
— Pai, acalme-se — a filha disse — não adianta, ele não é humano, não temos certeza se ele pode ser ferido com um tiro.
— Bem, meu excepcional discurso chegou ao fim — Weezy concluiu — aos que já estão purificados, se apresentem ao meu exército no palácio, aos que não desfrutam de tal privilégio, eu digo que estão livres para lutarem por suas vidas contra os purificados que os atacarem. Ao fim do eclipse, todos estarão purificados, por ora devem se ancorar nesta esperança.
— Eu vou matar ele, esse demônio maldito!
— Pai, por favor, não faça isso, não pode agir sem pensar…
Mas de nada adiantou. Maxwell conseguiu se desvencilhar da filha, atravessando a multidão com uma escopeta nas mãos, obviamente todos abriram caminho.
— AHHHHHH DESGRAÇADO! — ele bradou ao se aproximar do pedestal protegido.
Alguns membros da seita tentaram lhe parar, mas foram atingidos por disparos letais. Os demais ao redor ficaram acanhados. Agora Maxwell estava de frente com Weezy.
Mary seguiu o pai, porém não se atreveu a chegar mais perto. Maxwell já havia estragado tudo.
— EU VOU MATÁ-LO, NÃO PERMITIREI QUE TOME ESTA CIDADE!
Weezy, que já havia se virado para ir embora, olhou de relance para quem o ameaçava, surpreso. Ora, parece que não fui capaz de fazer um tolo temer, que infortúnio. Porém, devo admitir, este um tem coragem, por mais que ela seja uma coragem patética.
Lentamente, a criatura que era o dobro do tamanho de Maxwell se virou para ele, sem demonstrar qualquer receio. O capitão da polícia tremeu um pouco, porém não podia dar para trás naquele momento.
— Você… VAI MORRER!
E disparou.
Considerando a proximidade do disparo, o impacto certamente seria pesado. Weezy tombou para trás, caindo ao chão. O silêncio foi quebrado, uma gritaria envolveu a multidão. Ninguém conseguia acreditar no que via.
Weezy havia aparentemente morrido. Tudo pareceu abrupto demais. Damon se ajoelhou, aterrado pela visão, era como se ele mesmo estivesse morrendo.
Maxwell tentou disparar de novo, para garantir, porém, havia esgotado todas as balas. Ele nem conseguia acreditar o quão fácil havia sido.
Apenas Mary notou um detalhe. Não pode ser!
O projétil da escopeta deveria ter aberto um buraco no peito da criatura, no entanto, ela atestou que ele estava intacto. Era como se tivesse absorvido apenas o impacto do disparo.
Repentinamente, os olhos de Weezy se abriram, fazendo todos próximos terem um sobressalto. Maxwell chegou até a tombar, ficando de cócoras no chão. O tirano se pôs de pé, mostrando que estava realmente intacto.
O brado de comemoração que ecoava por boa parte da multidão, cessou, trazendo o silêncio novamente à tona. Agora ele era ainda mais intenso, pois todos estavam convencidos da envergadura soberana de Weezy.
Mal sabem todos que eu apenas simulava ter sido atingido. Ele não evitou um sorriso malicioso. O fatalismo, como o sacerdote disse, agiu. Esse tolo cometeu tamanha tolice apenas para que fosse provada com veemência minha soberania. Não há outra explicação.
— Todos se ajoelham perante Weezy! — Damon disse, ainda mais maravilhados.
Assim, toda a multidão obedeceu, com temor, deixando o tirano extasiado. Maxwell ainda estava ali, agora suando completamente, pois os membros da seita se reuniram ao seu redor, bradando em alto “Sacrifício, sacrifício!”.
— Meu Senhor, mostre a eles o que acontece com os que o desobedecem — Damon sugeriu.
Weezy caminhou até o capitão da polícia caído, já que não lhe custava nada o matar. Os servos abriram caminho.
Não, não posso deixar… Mary decidiu cometer uma loucura, a maior de sua vida. Droga, por que ele tinha que fazer isso?
Sem pensar muito, ela apenas correu até o palco, que após o ato de Maxwell, não era mais protegido.
— Espere! — disse, se colocando entre o pai e a criatura imponente, sentindo um frio na espinha — não faça isso… por favor… Majestade.
Weezy parou, pego de surpresa por aquela aparição. Por um momento sentiu algo forte em seu interior. A garota diante dele era esbelta, desde os cabelos loiros, até seu rosto delicado; o relevo dos seus seios no tecido das vestes e suas pernas, que estavam à mostra debaixo da saia rasgada.
Era um sentimento inexplicável, o tirano consumia aquela visão com prazer, alimentando um misterioso desejo interior. Sua natureza parece divina, sem dúvida, ela só pode ter sido modelada a imagem da minha natureza soberana.
— Quem és? — ele decidiu quebrar o silêncio, pois ainda tinha coisas a resolver.
— Meu nome é Mary Robinson, senhor — ela conseguiu dizer sem travar. Era o momento de pôr todo o seu treinamento de Lady exemplar em prática — esse é meu pai. Majestade, peço perdão por sua conduta, ele interpretou errado seu discurso, se sentiu ameaçado e agiu sem pensar.
Weezy coçou o queixo, intrigado, mas sem tirar os olhos de Mary, pois não era capaz no momento.
— E como ele não compreendeu meu excepcional discurso minuciosamente planejado? — a criatura se agachou, para ficar na altura da garota.
Certo, eu consegui a atenção dele, preciso ter muito cuidado com as palavras, agora. Ela pensou, cruzando os dedos nas costas.
— Seu discurso é excepcional, senhor… porém, ele poderia melhorar, pois tudo sempre pode melhorar ainda mais, mesmo uma soberania e classe tão consolidada quanto a sua — Weezy estreitava os olhos enquanto a ouvia, sem sequer piscar. Fez um gesto para ela continuar — já ouviu falar em Maquiavel? Ele foi um filósofo e diplomata respeitadíssimo. Uma vez ele disse que era melhor ser amado e temido, mas como os homens jamais seriam capazes disso, era preferível ser temido… mas o senhor, majestade, é diferente, não é apenas um homem. Eu acredito que o caminho perfeito é ser amado e temido e só alguém perfeito seria capaz de ser as duas coisas ao mesmo tempo.
Eu gostei dela. Weezy refletiu. É inteligente, possui uma didática invejável, sua beleza se compara a minha divindade. Ouvirei sua proposta.
— O que propõe como serviço a mim, Miss Robinson?
— Senhor, não dê ouvidos a esta mulher — Damon surgiu às costas do tirano — ela não é confiável.
Weezy não tirou os olhos da garota, que começava a se incomodar com aquilo, mas não podia demonstrar. Enfim, ele apenas fez um gesto dispensando o sacerdote.
— Confabule.
— Certo — Novamente ela precisaria ter cuidado com as palavras, então respirou fundo — servirei ao senhor como governanta, já que estudei toda a arquitetura interna do palácio de Westminster. Sua estadia será mais confortável quando eu mapear uma planta de todo o perímetro — muito bem, Mary, apenas não vá com muita sede ao pote agora — Como condição, tudo que peço, se é que tenho direito, é que mantenha meu pai vivo, aprisionado no palácio.
Weezy sabia que poderia, sim, matar o homem, já que ele havia atentado contra sua integridade, porém já havia conquistado a confiança daquela mulher, e isso lhe dava uma sensação de conquista mais forte do que quando assentou ao trono.
No fim, a estupidez do pai dela serviu apenas para provar sua força diante do povo, então iria considerar aquilo como pilar de sua decisão. Além disso, queria ela por perto, e o que ele queria, deveria se concretizar.
— Está consumado — ele disse, se pondo de pé — vós ireis seguir meus vassalos até o palácio, seu pai será levado como prisioneiro às masmorras e será mantido minimamente vivo.
Dois esqueletos acorrentaram Maxwell. Ele olhou para filha como se dissesse “Você deveria ter fugido” e ela o fitou como se respondesse “Apenas siga a droga do plano”.
— E fique avisado, se algum de vós tocar na garota, eu não terei piedade — e dizendo isso, Weezy levantou voo para o seu palácio.
Mary e os demais vassalos começaram uma caminhada. É nossa única chance, deve ter um jeito de matar essa coisa e… preciso saber se Archie e Paul estão vivos.
***
Algumas horas haviam se passado. Tanto o distrito quanto o palácio de Westminster estavam guardados por sentinelas de Weezy. Após o discurso, seu reinado era publicamente conhecido.
Dentro do minúsculo cômodo, chamado de Torre dos Poleiros, havia diversas aves. Uma delas observava tudo com devaneios deverás complexos. Antes ele só pensava com o que se alimentaria, onde faria suas necessidades e se retornaria em segurança para casa após uma viagem imposta por seu mandante.
Mas… qual é o sentido de tudo isso? O pombo-correio inquiriu, aflito. Será que eu devia deixar esses pensamentos para lá e viver em plenitude como essas outras aves? Talvez, mas ainda assim, preciso de um nome.
Esse foi seu desafio por alguns minutos. Achou difícil de decidir, pois eram tantos geniais que passavam por sua mente… Será que essas são as mazelas de se raciocinar?
— Já sei! — ele disse em voz alta, assustando outras aves ao seu redor — Gaibora Karpa!
Na mesma hora, a porta foi escancarada, fazendo algumas aves levantarem voo e deixando Gaibora Karpa apreensivo. Mas no fim era apenas uma mulher. Sua cabeça estava coberta por um capuz, junto de uma capa que envolvia suas costas.
Certo, preciso ser rápida. Mary pensou, retirando um pergaminho de um vão da sua capa.
Após se estabelecerem no palácio, Mary cuidou de montar uma planta dele, como havia prometido a Weezy. Porém, tudo isso não passava de uma desculpa para que ela conseguisse transitar pelo local livremente e acessar o poleiro, para enviar uma carta a Genebra.
Ainda não sabia se seu plano daria certo, mas o intuito era enviar a carta até o Hotel Overlook. Ela queria apenas uma confirmação.
Se bem me lembro, o monstro disse que as autoridades estavam em sono, mas e quanto às pessoas normais que não apresentam nenhuma ameaça? Preciso saber.
— Muito bem, com quem de vocês deixarei essa tarefa? — ela perguntou retoricamente, observando o acervo de aves dos mais diversos tipos dispostas ali, bem como os letreiros de seus poleiros, que informava a localização de seus ninhos originais.
— Ah, entrega? Sabia que essa hora chegaria — Gaibora Karpa comentou de forma despretensiosa.
Mary abafou um grito com a boca, pega de surpresa. Mas logo se recompôs, pois aquilo era a coisa menos bizarra que havia ocorrido naquela noite.
Porém, algo a intrigava.
— Você é uma pessoa transformada, ou um pássaro falante? — nem ela acreditou no que estava perguntando.
— Oi? Eu pareço um humano para a senhorita?
Um pombo-correio que ganhou consciência. Isso é uma ótima oportunidade, agora parando pra pensar.
Mary pigarreou, assumindo uma postura formal.
— Perdão, Sr. Pombo-Correio…
— Gaibora Karpa, esse é o meu nome — o pombo-correio a corrigiu, pois agora era um proletariado que merecia o mínimo de reconhecimento.
— Certo, Sr. Gaibora Karpa — que nome esquisito — eu vim aqui para pedir humildemente que entregue uma carta para mim.
Gaibora Karpa observou a moça sorrindo para ele e pensou que ela estava agindo de forma educada, diferente de outros que o tratavam como um mero animal de gaiola.
— Eu irei levar, senhorita — ele confirmou, pomposo, fazendo um gesto impaciente com a asa esquerda — passe essa carta para cá.
Ela encaixou a carta na patinha esquerda de Gaibora Karpa, decidindo acrescentar alguns detalhes, descrevendo a aparência de Archie e Paul para facilitar.
— Consegue fazer isso por mim? — ela perguntou, da forma mais meiga possível.
— Sem problemas, senhorita, sinto que tenho o mapa de toda a Europa gravado na minha mente. Mas alguma exigência?
— Sim — ela se lembrou de que ninguém poderia saber daquela carta, senão tudo estaria realmente perdido — seja discreto, ninguém além de mim, deve saber dessa carta, tudo bem?
O pombo fez uma contingência com a asa, em seguida levantando voo. Essa é uma clássica, quantas vezes já me enviaram com uma mensagem ultra secreta que ninguém poderia saber? Incontáveis.
Mary observou a ave sumindo no céu iluminado por estrelas, torcendo para que sua suposição estivesse correta.