As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 27
“Olhar para a cova é como olhar para o abismo. Ao adentrá-lo, jamais será possível deixá-lo. É como um presságio do Vão da Inexistência para o qual todos vamos um dia” – Pulget, o pequeno
— Ora, seríamos sortudos ou azarados por permanecermos acordados em meio a essa situação? — Paul jogou no ar o questionamento.
O trio e Igor caminhavam pela rua Du Marché, observando várias e várias pessoas caídas ali em um sono profundo.
— Depende, jovem Paul — Victor disse, com as mãos no bolso do jaleco, desanimado. Igor caminhava ao seu lado — se estivesse dormindo e acordasse como uma criatura, acharia melhor que sentir a transformação em tempo real?
— É um bom dilema, mas preciso de tempo para decidir.
— Será que a gente pode se atentar a coisas que realmente importam? — Archie os cortou, impaciente — coisas tipo: esse sono generalizado é realmente obra do Weezy? Porque se for, ele é invencível.
— Eu já disse, Becker. O efeito das misturas quando não feitas da forma certa pode ser bastante imprevisível — Victor explicou — é bem provável que isso tenha acontecido no mesmo momento em que Weezy despertou, com o raio criando uma onda de choque. Talvez por isso seus aliados tenham tido a impressão de que foi obra dele.
— Se você diz — Archie olhou para mão enfaixada, ferida durante o combate contra Dominic, que ainda por cima quebrou seu relógio, o qual guardou no bolso da calça, pois mesmo quebrado, ele ainda valia alguma coisa — então essa lógica também serve para uma mistura diferente ter dado certo em mim?
— Confesso que até eu fiquei surpreso com isso. Arthur Becker deixava bem claro para não tentar nada do tipo, pois a morte era certa.
— Ele devia estar equivocado, com certeza eu não sou especial nem nada do tipo — Archie disse, querendo acreditar que só teve sorte — então, ele relata algum exemplo dessas misturas que deram errado?
— Humm — o cientista procurou alguma em sua mente, o que não era difícil, já que tinha lido aquelas anotações de cabo a rabo muitas vezes — bem, eu lembro de uma bastante cômica até. Era a respeito de um homem ganancioso chamado Vagner Von Herbert, que conseguiu colocar as mãos na Pedra Filosofal e assim preparar o Elixir da Vida. Pois é, essas coisas existiam mesmo — ele acrescentou, ao ver a expressão surpresa de Paul — porém, ele cometeu um engano na hora de fazer a mistura e seu resultado foi uma dor de barriga seguida de hemorragia interna. Seus órgãos e entranhas saíram pelo reto. Uma morte lenta e dolorosa.
Os irmãos contraíram os rostos diante do nojento e terrível relato. No entanto, o que mais surpreendeu Archie foi a serenidade com a qual o cientista contou a história, como se fosse mais uma terça-feira. Esse cara deve ter uns podres imorais, certeza.
— Beleza, fico feliz de não ter sofrido o mesmo destino desse cara — Archie tentou rir, engolindo em seco só de imaginar outros possíveis efeitos negativos.
— É realmente perturbador, mas é como Pulget dizia “O Inevitável e fatal desfecho” — Paul comentou.
Por que o jovem Paul idolatra tanto esse filósofo medíocre? Frankenstein indagou-se, mas jamais falaria aquilo em voz alta, pois quem era ele para julgar o ídolo de outrem?
Continuaram caminhando pela rua nobre da cidade, aquela onde Jack Ulysses havia desaparecido. Archie já começava a sentir saudades de quando seu objetivo era apenas mostrar ao pai que poderia ser um bom detetive e não se envolver em desventuras surreais para encontrar uma forma de derrotar uma espécie de quimera ambulante.
Naquele momento, uma dúvida veio em sua mente a respeito daquilo:
— Ai, Frankenstein, pra onde a gente tá indo mesmo? — tomou cuidado ao quase pisar em um homem caído e roncando alto — já temos a bala de revólver, mas você ainda não falou qual é o próximo ingrediente da mistura executora.
— Não falei? — Victor se surpreendeu, mal raciocinando direito na tentativa de esvaziar a mente e ser objetivo — certo, nosso destino é o Cemitério Raimi, que fica a algumas quadras daqui próximo a uma grande floresta. Lá iremos encontrar o próximo ingrediente: osso humano.
Esse cara só pode estar brincando.
— Cemitério, Frankenstein?! — Archie perdeu as estribeiras, se segurando para não avançar contra o outro — TINHA A PORCARIA DE UM CEMITÉRIO DO LADO DA SUA CASA, POR QUE DIABOS NÃO PEGAMOS UM OSSO LÁ? SERIA COMO MATAR DOIS COELHOS COM UMA CAJADADA SÓ!
— Não creio nisso — Victor aproveitou que eles pararam para acariciar o gato — Primeiro, teríamos que retroceder caminho naquela longa subida. Você queria fazer isso? Pois eu não.
— Mas… — Archie sentia seus argumentos se esvaindo, mas não iria se dar por vencido — e se tiver um inimigo nesse cemitério? Não seria melhor ter pego logo o outro ingrediente naquele lá e evitado esse?
— Sabe, quando eu pensei que você era um imbecil, Becker, foi equívoco da minha parte, pois você consegue ser mais — Victor ajeitou os óculos — o que você acha? Que vai ter inimigos em vários pontos de nossa jornada? Acha que Weezy mandou uma corja inteira para um lugar onde todos estão dormindo? Não me parece fazer muito sentido.
Droga, esse desgraçado tem um ponto. Archie pensou, convencido a contra gosto.
— É, Archie, acho que ele tem um ponto — Paul disse.
Eu mereço.
— Obrigado, querido irmão — Archie disse de forma sarcástica, com um sorriso sádico.
— De nada.
Sem mais nada a dizer, eles continuaram caminhando rumo ao novo destino: o cemitério Raimi.
Paul notou como aquela rua era esbelta, dividida em vielas e becos largos, com estabelecimentos e edifícios da mais alta finura. Sem dúvida era um dos lugares a qual desejaria visitar em outras circunstâncias.
Não, Paul, pare de pensar nisso. Ele disse para si, diante da ansiedade que poderia tomar conta dele caso decidisse se focar no passado. Preciso me lembrar do minimalismo, adaptá-lo para a minha situação atual: tudo que eu preciso é da minha vida, meu único objetivo é proteger ela e dos meus próximos.
O garoto pôs a mão na fivela, onde guardava o sabre militar. Decidiu ficar com ele após considerar que poderia ser útil contra possíveis outros inimigos. Nem Archie, nem Frankenstein contestaram, pois qualquer suporte seria importante naquela situação.
Aos poucos, iam deixando a rua Du Marché. Era impressionante o número de pessoas caídas que ali havia, mesmo tarde da noite.
Logo a entrada do cemitério Raimi ia se tornando mais nítida. Um grande portão adornado com um símbolo de ferro no formato de corvos guardava o local.
Certo, minha pesquisa falhou, eu ainda não superei isso, por mais que tente. Victor pensou, odiando a si profundamente. Mas não quer dizer que a falha foi completamente minha, esses dois que me acompanham… se eu não tivesse sido interrompido… McAlister não poderá rir de mim, na realidade, espero que tenha adormecido bem na hora que descia uma escada e batido a cabeça.
Victor sabia que aquele era um pensamento horrível, mas pouco se importava. O destino havia reservado algo terrível a ele, havia brincado com sua esperança ao entregar a caderneta de Arthur Becker em suas mãos.
Tudo isso para tomar a minha Criação Perfeita no último segundo. Involuntariamente, cerrou os punhos de forma violenta. Eu não acredito em Deus, não em qualquer concepção de Deus inventada pelo homem. Mas está muito claro que há uma força que aponta quem deve ter sucesso e fracasso, quem deve viver ou morrer, quem escreve todos esses acontecimentos. Eu certamente estou do lado do fracasso e da morte, o lado fatalista das coisas. Porém, eu preciso ao menos eliminar todos os resquícios da minha maldita pessoa deste mundo antes de morrer. Nenhum rastro da minha existência sobrará. Principalmente um tão odioso quanto essa criatura.
O cientista decidiu se agarrar a esse objetivo como uma espécie de motivação, ou era aquilo, ou desistir de uma vez. Talvez seja meu instinto de sobrevivência falando mais alto. Quem sabe?
Enfim, estavam na fachada do cemitério, um lugar pouco mórbido, considerando que toda a cidade sofria da mesma atmosfera ali presente.
— Olha, para um cemitério esse aqui tá no lucro, literalmente — Archie apontou para um túmulo folheado a ouro e ornamentado com estátuas de serafins — esses caras gostam de se exibir até depois da morte.
— Para um cemitério no meio da cidade, acho que é natural uma aparência menos… mórbida — Paul concluiu.
Victor tratou de abrir o portão, o qual cedeu com facilidade. Não duvidaria se aqui fosse um ponto turístico também, considerando todos esses túmulos extravagantes de pessoas da nobreza.
— Vamos logo com isso, ainda temos que cavar um túmulo — o cientista se virou, apontando para Archie — e vê se toma essa droga de elixir na hora certa, Becker!
— Tá, tá — Archie respondeu, na defensiva.
Ele até pensou em retrucar dizendo “acha mesmo que cometeria o mesmo erro duas vezes?”, mas decidiu que não queria ouvir a resposta.
Eles avançaram em busca de um túmulo mais modesto, onde seria fácil escavar e encontrar uma ossada, quando…
— Salve, salve, meus nobres senhores.
A voz veio de algum lugar, confundindo o trio. Archie olhou para todas as direções, se certificando de que estavam sozinhos no vasto cemitério. Colocou a mão em um dos bolsos das vestes, localizando o frasco contendo o elixir de poder.
Igor grunhiu, revelando as garras e as usando para subir em uma árvore próxima dali.
— Espere, senhores, não sou uma ameaça… NÃO QUERO VIRAR COMIDA DESTE FELINO!
Foi então que eles notaram o dono da voz: um pombo-correio pousado em um dos galhos da árvore próxima, acanhado com a chegada de Igor, que parecia furioso.
— Igor, não ataque — Frankenstein disse.
O felino obedeceu, descendo da árvore, mas sem tirar os olhos do pássaro amedrontado.
— Quem é você? — Archie perguntou, decidindo não se surpreender com a capacidade de um pássaro falar.
— Meu nome é Gaibora Karpa, meu senhor — A ave fez uma reverência com a asa direita — pela descrição da senhorita, o senhor só pode ser Archie Becker e o baixinho, seu irmão, Paul.
Archie se surpreendeu com suas palavras. Espera, ele está com um rolo de papel amarrado na pata, será que é o que eu tô pensando?
— Quem mandou essa carta? — Paul foi mais rápido em interrogá-lo.
— Oh… esqueci o seu nome, perdão, tudo que posso dizer é que era uma senhorita de cabelos loiros e que fui enviado do Palácio de Westminster em Londres.
Archie e Paul se entreolharam, não acreditando no que ouviram. Só podia ser uma pessoa, mas por qual motivo ela se encontrava no palácio de Westminster no meio de todo aquele caos?
— Ei, deixa eu ver essa carta aí — Archie exigiu, ansioso.
— Seria demais pedir um pouquinho de educação? Que seja — Gaibora Karpa usou seu bico para desamarrar o rolo da pata, pois não se atreveria a descer mais um pouco com Igor ali.
O rolinho de papel caiu até as mãos de Archie, que sem perder tempo verificou o que estava escrito.
Frankenstein observou a cena, apático, sabendo que provavelmente era algum parente ou amigo, o que o surpreendeu de verdade era essa pessoa viver na área parlamentar da Grã-Bretanha.
O manuscrito do rolo dizia:
“Querido Archie, espero que você e Paul estejam lendo isso. Não posso acrescentar tantos detalhes quanto gostaria, mas tá um caos aqui em Londres. Tem monstros por todos os lados. Eu e o papai tentamos achar uma forma de comunicação, mas não conseguimos. Papai cometeu uma loucura, tentou atirar no tirano que causou tudo isso, mas eu consegui o convencer a não o matar e agora estou aqui no palácio que ele tomou para si como sede e o papai trancado nas masmorras. Eu não sei se vamos conseguir sair dessa, mas eu pretendo descobrir uma forma de fugir daqui com meu pai. Por favor, proteja Paul. Fiquem vivos, é tudo que eu peço. Te amo”.
Archie não podia acreditar no que leu, era como um milagre. Desde que Dominic revelou que a estadia de Weezy era em Londres, ele não parava de pensar sobre a segurança da noiva. Mas alguma coisa dentro dele dizia que ela ficaria bem, o que acabou se confirmando.
Obrigado por estar viva. Archie pensou, sorrindo e sentindo os olhos marejaram. Você sempre me surpreende não é, Mary?
Ele entregou a carta a Paul, que a medida que lia seu conteúdo um sorriso ainda mais largo que o do irmão estampava seu rosto.
— Ela tá viva, Archie, a Mary tá viva e ainda enganou o monstro! — Paul disse empolgado, segurando a manga das vestes do irmão — isso foi incrível!
— Não é? — Archie se deixou envolver por aquela sensação, a sensação de que nem tudo estava perdido.
Victor observou o momento de felicidade dos irmãos, decidindo não interromper. Porém, não pôde deixar de notar como fazia diferença ter pessoas as quais se importar. Conseguiu pensar apenas nos pais, que provavelmente haviam adormecido em algum lugar de Berna. Mas não conseguia se importar com eles depois de tudo que havia acontecido, o que era um sentimento mútuo.
— E então, já terminaram? — ele decidiu interromper após alguns minutos — ainda temos um objetivo, não temos?
— Ah, talvez queira saber disso, Frankenstein — Archie disse, com um semblante animado — quem mandou essa carta foi a minha noiva. Ela disse que Weezy tomou o palácio de Westminster como sua sede. Ela conseguiu se infiltrar lá.
— Humm, então quer dizer que nosso destino é realmente a cidade de Londres — Victor não parecia tão animado quanto eles com a informação — imaginem que tenhamos apenas três dias para chegar lá, até o fim do eclipse, daqui da Suíça até a Grã-Bretanha, acham possível?
Os irmãos Becker foram anestesiados com a realidade, deixando toda aquela empolgação de lado. Talvez os “três dias de eclipse antes da purificação global” não fossem verdade, mas era fato que quanto mais tempo passasse, mais difícil seria chegar até Weezy, com as fronteiras da cidade ainda mais protegidas.
— Tem razão, seria uma viagem até a França e de lá pegar um navio para atravessar o Estreito de Dover e chegar no Reino Unido — Paul concluiu, desesperançoso.
— Touché! Mas uma vez o jovem Paul mostrou sua sagacidade — Frankenstein assumiu novamente um semblante confiante, como se ele próprio soubesse conduzir um expresso — para a nossa sorte, eu sou capaz de conduzir um expresso e um navio, mesmo eu estando um pouquinho enferrujado, verdade seja dita.
— Mas porque diabos você saberia conduzir um expresso? E por acaso já foi da marinha para saber pilotar um navio? — o detetive perguntou, estreitando os olhos.
— Ora, Becker, talvez não saiba, mas às vezes você aceita fazer qualquer coisa para sobreviver. Fora isso, acredito que todo conhecimento uma hora se prova útil — Victor se virou, observando os túmulos espalhados pela várzea — mas tá, vamos logo pegar esse osso humano e dar o fora desse lugar, pode ser?
Os irmãos acenaram positivamente, mais radiantes.
— Não haverá nenhum agradecimento formal pelo meu serviço? — ouviram Gaibora Karpa dizer, em um tom pomposo exigente.
— Ah, sim, valeu por entregar essa carta, pombo, foi muito útil, de verdade…
— MEU NOME É GAIBORA KARPA, ME TRATE COMO GENTE! — o pássaro se revoltou, em seguida respirando fundo para se acalmar — parece que me exaltei, mais alguma exigência, senhor?
— Apenas diga para Mary que eu e meu irmão estamos bem e acordados — não vou dar mais detalhes, ela não precisa ficar preocupada sabendo que eu e Paul estamos indo para lá, não por enquanto.
E então Gaibora Karpa deixou o cemitério, voando pelo céu sem estrelas e com uma lua quase coberta. Igor lamentou ao ver uma possível refeição indo embora.
O trio seguiu com o plano, adentrando mais o cemitério. O perímetro era preenchido por túmulos e árvores de porte médio, conectado diretamente a uma floresta densa.
Victor já havia localizado um pequeno túmulo, o qual seria fácil de se escavar. Archie encontrou uma enxada próxima à cabana do coveiro — que estava em sono profundo.
Assim, Victor começou a escavar. Os irmãos observaram com certa inquietação a frieza que o cientista executava tal tarefa. Chutaram que o cadáver usado para criar Weezy não foi o primeiro que ele usou em um experimento.
— Sabem, é preciso ir com calma, deve-se primeiro saber a profundidade a qual o cadáver se encontra enterrado — ele explicou, enquanto labutava casualmente — assim, não corremos o risco de o danificar.
— A forma como você fala, Frankenstein… não tem nenhum respeito ou receio de mexer em cadáveres? — Archie perguntou, como uma afronta mesmo.
— Deve-se temer e respeitar apenas os vivos, pois só eles reagem a isso — enfim o corpo surgiu, sem nenhum pudor o cientista agarrou a mão e o puxou — as pessoas costumam querer manter a honra dos que amam os enterrando após a morte, mas o corpo já não é nada mais que uma casca.
Os irmãos o fitaram, pouco convencidos com seus argumentos insensíveis e niilistas.
Victor não se importou. Decidiu que não valia a pena retirar o cadáver inteiro de lá, pois ele ainda não fora totalmente decomposto. Abominando o cheiro, logo tratou de arrancar à força um dos dedos, que saiu facilmente com um tinido.
— Ugh — Archie e Paul sentiram um desconforto.
— Pronto — Victor sorriu, segurando o dedo podre — viu só? É só um cadáver, eles não podem te machucar.
Entretanto, uma atmosfera sinistra começou a pairar no cemitério. Eles conseguiam ouvir um grunhido bem abafado, como se tivessem vindo de…
Baixo da terra?! Paul engoliu em seco, colocando a mão sobre o cabo da arma branca.
O som abafado foi ganhando forma. A terra parecia se mexer. Victor segurou a enxada com firmeza…
— AHHHHH! — ele gritou, sentindo uma mão agarrar seu pé. Nem se tocou que estava próximo ao buraco de onde havia desenterrado a cova
Sem pensar muito, enterrou a enxada na testa do cadáver, que começava a se pôr de pé. Logo a criatura faleceu, deixando o cientista aliviado. Seja lá o que tenha acontecido, aparentemente foi só um susto.
— FRANKENSTEIN, CUIDADO.
O cientista se virou e teve um sobressalto. Não era só um, mas todos os cadáveres daqueles túmulos começavam a despertar, escavando com uma força impressionante para deixar suas covas. Agora o trio e Igor estavam cercados pelas criaturas.
Para piorar, não podiam nem fugir do cemitério, pois estavam distantes demais da entrada. A única opção que tinham era adentrar a floresta conectada ao cemitério.
— Cadê o seu ceticismo agora, Frankenstein? — Archie perguntou, logo localizando o frasco com elixir nas vestes.
— Não podemos enfrentar tantos — Paul disse o óbvio.
— Olha, eu acho que ficar parado aqui não vai adiantar de nada — Victor disse, apavorado — CORRAM!
Ninguém se atreveu a discordar, dando carreira para dentro da floresta. Os zumbis eram lentos, mas não tanto quanto nas lendas.
Igor foi o único a permanecer ali, já que as criaturas o ignoraram completamente.
— Miau — sentiu tristeza ao ver seu dono o deixando.
***
Mesmo dentro da floresta, as coisas não se tornaram menos tensas. Outros zumbis surgiam ali também, dificultando ainda mais a fuga junto da escuridão quase absoluta.
Archie acabou se separando dos outros, movido pelo único instinto de sobrevivência. Demorou até se tocar de que possuía o elixir de poder. Acho que agora é um bom momento.
Ele o ingeriu e fez o máximo para aguentar as reações incômodas. Enquanto corria, sentia a presença dos zumbis por toda parte.
Enfim sentiu aquela confiança causada pelo efeito do elixir. Agora eu posso acabar com alguns de vocês.
E foi isso o que fez, usando de sua super agilidade para desferir golpes contra algumas das criaturas em seu caminho. Porém, logo descobriu que não valia a pena, pois eram muitos que surgiam. Por que tem tanto cadáver enterrado nesta floresta?
Sem perceber, acabou tropeçando em uma raiz alta. Mas as coisas pioraram quando notou que havia um tronco oco enterrado no chão, onde caberia facilmente uma pessoa em sua abertura. Foi exatamente lá que ele caiu. Sem poder evitar, se estatelou em cheio numa superfície dura, em um breu completo.
Onde é que eu tô?
De forma repentina, sentiu mãos frias agarrando as suas, amarrando-as com uma corda. A queda havia o deixado atordoado o suficiente para não ser capaz de reagir. Suas pernas também foram amarradas, e, completamente imobilizado, ele foi colocado com violência sobre a parede.
— Quem é que tá aí? — Ele perguntou, assustado — Merda, me solta!
— Calma, meu amor — ouviu uma voz feminina suave, porém carregada com um tom de ódio.
Espera, eu conheço essa voz?
— Não tá lembrado de mim, Archie Becker? — uma vela foi acesa, o rosto do seu captor foi revelado.
Não pode ser!
Sua pele era de um tom verde-aspargo, os cabelos ainda ruivos e os olhos de um castanho vivo. Não tinha dúvidas, só podia ser uma pessoa. Mas não fazia sentido em sua mente, aquilo era muita coincidência, a mais infeliz possível.
— Mi… Midna…?
O olhar da mulher zumbi praticamente o assassinava. Um destino terrível havia sido reservado para ele, pois sem dúvidas ver ela ali era muito mais assustador que qualquer um dos outros mortos vivos.