As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 32
“Criamos tantos planos, desejamos moldar a nossa realidade, como se a existência nos respeitasse. Por isso nos frustramos quando a demanda transcendental nos mostra quem realmente molda as coisas” – Pulget, o pequeno
No salão, Victor e Paul aguardavam Archie retornar para dar seguimento ao plano. Mas para uma simples checagem, pensaram que ele estava demorando demais.
— Devíamos ir atrás dele? — Paul perguntou. A todo momento, com a mão no cabo do sabre.
— Do jeito que Becker é, aposto que foi checar mais do que devia e acabou encontrando um empecilho…
Antes que pudesse concluir, Archie surgiu no salão, parecendo abalado. Ele estava suado e ofegante quando se juntou aos amigos.
— Temos que sair daqui — ele disse em voz alta, tamanho o desespero — Weezy apareceu aqui… tem uma criatura perigosa com a Sra. Thompson!
— Espera, como assim? O que você viu? — Paul perguntou, tenso.
— Não dá tempo de explicar, só temos que sair daqui. Essa coisa é muito mais perigosa que qualquer coisa que enfrentamos até agora!
— Merda — Frankenstein reclamou, também receoso — mas e quanto aos cavalos? Ainda precisamos deles.
Ouviram uma carabina engatilhando. Ao se virarem, descobriram o Sr. Thompson apontando Nirvana para eles. Ninguém se moveu. O clima ficou tenso e silencioso, até que Hector pegou sua Magnum e também apontou para o trio.
Nicholas observava a cena, eufórico, esquecendo completamente de Igor, para a felicidade do felino.
— Parados — o Sr. Thompson ordenou.
E lá vamos nós de novo. Archie pensou, com as mãos para cima.
— Eu sei que estavam tramando algo desde o começo, sei que são amigos do governo americano — ele repetiu o discurso.
— Eu sei sobre o bebê, Sr. Thompson — Archie foi direto — nós não vamos ameaçar sua família, estamos aqui para pegar seus cavalos e prosseguir até Londres, para matar Weezy de uma vez por todas.
O ricaço o estudou por um tempo, como que o desafiando. Archie manteve o olhar firme. O Sr. Thompson então se aproximou, até estar bem perto do trio.
— Eu não faço a menor ideia de como sabe disso, Archie — ele disse.
— Não me subestime, padrinho — o detetive estava decidido a parecer confiante.
— Argh. De qualquer forma, o que os fez pensar que eu entregaria meus preciosos cavalos para isso? Weezy disse que tudo acabaria daqui a três dias, ele me parece ser um homem de palavra.
— E quem disse que iríamos pedir…
ZUIM!
Com a maior agilidade, Paul retirou o sabre da fivela, com a ponta raspando de leve o pescoço do Sr. Thompson.
A ação foi tão inesperada que todos ficaram em silêncio por mais um bom tempo. O aristocrata pareceu tenso, começando a suar, porém, era nítido seu ódio pela humilhação de ser rendido por uma criança.
— O que está fazendo, Paul? — Archie perguntou baixinho.
— Esse não era o aval para a execução do plano?
— Agora é — foi Victor quem disse — ESTÁ OUVINDO, THOMPSON, SEU PEDAÇO DE MERDA? LARGA ESSA ARMA.
A contra gosto e cerrando os dentes, o Sr. Thompson largou Nirvana, a qual foi recolhida por Victor.
— VOCÊ TAMBÉM, SEU VELHO, JOGA ESSA ARMA PRA CÁ!
— Não me diga o que fazer, bandido de merda — Hector disse, impassível, apontando o revólver para o cientista — devia ter desconfiado desde o início. Não hesitaria em meter uma bala em seus miolos!
— Faça o que ele diz, papai — Finn disse, sentindo a lâmina de Paul afundando de leve na traqueia sobre a pele, seu orgulho completamente ferido — por favor.
Mas após hesitar muito, ele obedeceu, jogando a arma em direção ao trio, mas não levantou as mãos. Archie coletou a Magnum. Ao que tudo indicava, o jogo havia virado.
Paul se afastou do Sr. Thompson, deixando a cargo de rendê-lo aos outros armados. Logo eles juntaram pai e filho no sofá. Nicholas parecia indiferente, assistindo à cena com uma expressão boba no rosto.
— Desculpa Sr. Thompson, não é nada pessoal — Archie disse — só precisamos dos cavalos.
— É PESSOAL SIM — Victor bradou, ainda agressivo — VOU ACABAR COM ESSA SUA VIDA LUXUOSA SE NÃO PASSAR OS CAVALOS, OUVIU?!
— Quer parar com isso, Frankenstein? — Archie pediu, entredentes.
— Eles precisam sentir medo, Becker.
Os Thompson não contestaram, tampouco disseram algo. Ficaram em silêncio durante todo o momento da mobilização do trio para os prender ali no sofá.
Paul encontrou uma grande corda ao vasculhar as gavetas na cozinha. Com ela, eles amarraram bem as mãos dos dois, além de cortar uma parte para servir de mordaça. Demoraram um tempo até concluir o serviço, graças a teimosia de Hector.
No final, ali estavam os Thompson, ferozes e presos. Decidiram deixar Nicholas ali, pois ele não parecia um problema sem uma arma.
— Cão que ladra não morde, não é mesmo? — Victor debochou, com uma expressão triunfante.
O detetive não conseguia entender o ódio de Frankenstein aos Thompson, mas decidiu que não era um tópico importante no momento. Ele mesmo não era muito fã do padrinho.
— Vamos dar o fora daqui — Archie disse, um tanto culpado por ter que chegar àquele ponto.
— Logo descobrirá a verdade, Sr. Thompson — Paul disse — há coisas que valem mais que dinheiro e cavalos.
E dito isso, deixaram a residência pela porta dos fundos.
Victor improvisou uma lamparina usando seu truque de fazer fogo com dois gravetos.
Eles caminharam pelo breu que era o campo extenso dos Estábulos Thompson. Em meio a grama havia corpos de zumbis, abatidos pelo Sr. Thompson provavelmente, mas não eram muitos.
Logo localizaram um estábulo largo ao extremo leste do terreno. Uma fileira de outros se estendia horizontalmente.
Chegaram até o portão de madeira e, sem muita dificuldade, conseguiram abri-lo. Lá dentro, encontraram diversas baías. Como não queriam perder muito tempo, foram certeiros na escolha de três puro-sangue ingleses. As placas nas baias informaram seus nomes: Wes, Stanley e John.
— Esses vão servir — Archie confirmou, tomando a rédea do seu Stanley
— Sabe cavalgar não é, Frankenstein?
— Claro que sei cavalgar. Muito bem, se quer saber.
— Veremos quem cavalga melhor — o espírito canastrão do jovem retornava.
— Já dizia Pulget: “o melhor de cavalgar, são os amigos que fazemos no caminho” — Paul citou, tomando a rédea de Wes.
Ao saírem do estábulo, o trio montou em seus cavalos. Igor, que os acompanhava, miou para Frankenstein.
— Venha, amigo, suba aqui, sem medo — ele disse ao bichano, que mesmo receoso o obedeceu.
Prontos para a partida, observaram por um tempo a noite sem estrelas do eclipse e sua lua quase coberta por completo.
— Vamos por onde? — Archie indagou, lembrando do objetivo deles antes de ter roubado os cavalos.
— O castelo de Bran fica ao norte, só precisamos entrar pela floresta e sair para um vale — Victor explicou — é um lugar pouco habitado, então chegaremos lá sem problemas.
E dito isso, eles avançaram.
Pelo raciocínio de Victor, após o castelo estariam mais próximos da estação de Genéve. Parando para pensar, ele concluiu o quão perigoso eram as coisas que estavam se metendo, começando a achar que não havia nenhum lugar seguro naquela jornada.
Ir para o castelo parecia ser sem dúvida uma tarefa suicida, pois só restava um último elixir para Archie, e ele não sabia se valia a pena ser usado em um objetivo paralelo.
Que a força sobrenatural que determina a sorte alheia esteja do nosso lado.
***
— Por favor, milorde, todos aguardam ansiosamente o grande banquete — disse um dos fiéis da seita, trajado. Um grupo havia ido visitar Weezy para um pedido — após o longo eclipse, os recursos têm ficado escassos, não sabemos se iremos resistir.
Os demais fiéis mascarados concordaram, alguns erguendo as colheres gigantes e outros massageando as barrigas.
Damon os observava com um olhar suspeito, pois o comportamento indicava que eram novos adeptos à religião, ou pior, impostores.
— Não consigo entender a lógica de seu pedido. Suponho que não precise de tais métodos de sobrevivência — Weezy disse, seco, enquanto lia e terminava mais um livro — eu lhes disse em meu discurso inicial: todos os adoradores do Inominável deveriam se apresentar a mim para se tornarem soldados e receberem meu toque purificador.
Os quatro religiosos pareceram acanhados, não respondendo imediatamente, coçando a cabeça. Damon já havia sacado a índole daquelas pessoas, mas nada fez, apenas suspirou.
— Bem, milorde… não nos achamos dignos de tal privilégio ainda, precisamos nos fortalecer mais na fé — o mesmo religioso disse.
Os fiéis não tiveram uma resposta imediata, com o tirano continuando sua acelerada leitura, já no quinto livro desde o início da conversa. Damon foi até o ouvido do mestre e sussurrou algo que os demais não conseguiram ouvir.
Eles pareciam nervosos, alguns até trêmulos. Enfim, Weezy respondeu:
— Nada disso, de acordo com minhas conclusões incontestáveis, a fé de vós jaz bastante fortalecida — o tirano apontou seu dedo peludo, junto da longa garra afiada para os fiéis — venham, vou purificá-los.
Os quatro se entreolharam, como se estivessem se comunicando rapidamente para decidir. Um clima tenso se formava, com Damon os fixando de forma tenebrosa. Já Weezy, apenas aguardava eles se aproximarem.
Mas segundos depois, os religiosos acenaram positivamente uns para os outros, apontando repentinamente as colheres gigantes para Weezy e se colocando em posição de combate.
— YAHA, lhe pegamos no pulo, criatura, na realidade somos rebeldes — o aparente líder dos rebeldes disse, em tom de deboche — ouviu isso, sacerdote? Ele errou suas intuições, logo não é o verdadeiro Deus. Devemos matá-lo e tomar o trono!
— TOMAR O TRONO! — os demais bradaram.
Weezy grunhiu.
Os membros se espantaram, mas logo retomaram a postura. Eram quatro contra dois, o que poderia dar errado?
Então esses malditos eram realmente os traidores da profecia? Weezy pensou, enfurecido. Humph, já basta de traidores em minha dinastia.
O tirano se levantou. Os rebeldes tentavam ao máximo parecerem inabaláveis, mas aquela visão de uma criatura o dobro do tamanho deles, com longas asas e garras mais afiadas que as de um urso pardo, era difícil não se intimidar. Porém, o mais difícil já haviam feito ao conseguir entrar ali.
Afinal, Weezy não podia ser imortal, podia?
— Está consumado, vocês iram conhecer o inferno hoje, anátemas.
— Cale a boca e morra, criatura! — o líder gritou, pronto para atacar — EM FRENTE, CAMARADAS!
Os quatro impostores avançaram contra Weezy, com suas colheres gigantes. O tirano suspirou, pois de qualquer forma, aquele era apenas um pequeno infortúnio.
Quando o primeiro deles se aproximou, tentou cravar a colher gigante no abdome da criatura, que obviamente resistiu, sem sequer um arranhão superficial. Os demais membros pararam. O líder levantou a cabeça, atônito com seu fracasso.
E com apenas um golpe das suas garras, arrancou não só parte da máscara de bronze, como um pedaço do rosto do rebelde.
— AHHHHHH SOCORRO! — ele gritou, enquanto sangue jorrava da carne viva.
Totalmente amedrontados, os demais rebeldes tentaram fugir, mas Weezy foi mais rápido. Em poucos segundos apenas os restos mortais deles estavam espalhados pelo chão, enquanto o líder dos rebeldes agonizava, até enfim não resistir aos ferimentos e falecer.
Sem dizer nada, Weezy retornou ao seu trono.
— Gárgula — ele chamou o súdito, que logo entrou nos aposentos e se assustou com a carnificina disposta no chão — limpe essa sujeira.
— Sim… senhor — o súdito engoliu em seco, começando seu serviço com um balde e um esfregão grande demais para ele.
— Muito bem. Assim que terminar, quero que faça um comunicado geral a todos os despertados. Diga que eles devem comparecer até minha presença, que eu os purificarei. Quem resistir, deverá ser morto!
O Gárgula estava completamente agoniado, mas tentou fingir não se importar, mesmo que de forma falha.
Damon achou aquela ideia excelente. Purificar a todos reduziria de forma drástica as possibilidades de retaliação. No entanto, algo o intrigava:
— Senhor, tenho uma pergunta.
— Pois a faça.
— Irá purificar todos? Até mesmo Miss Robinson e seu pai?
— Humm — o tirano refletiu sobre a pergunta — creio que não, pois Miss Robinson já tem a minha divina beleza. Eu tenho algo em mente, mas a revelarei na hora certa. Agora, tratamos do atual assunto, não quero oposição alguma à minha soberania.
Damon engoliu o que queria expôr, decidindo que passaria a investigar secretamente algumas coisas.
***
Esse lugar fede. Mary pensou, ela caminhava pelas masmorras do palácio, com um pergaminho e uma caneta-tinteiro.
Seu objetivo de criar uma planta do palácio estava quase concluído, sendo as masmorras o último ponto que faltava ser mapeado. Era sem dúvida o lugar mais desagradável e mórbido para uma caminhada.
O chão parecia não ser limpo há séculos, com uma textura muito semelhante à do musgo presente por sua superfície.
O ambiente das masmorras em si não era muito grande, se tratando de três blocos de celas separados por cruzamentos. Mary via diversos prisioneiros que pareciam doentes, enquanto outros agiam como loucos, principalmente ao vê-la.
“Tem uma mulher aqui, faz anos que não vemos uma mulher, e tão bela!” eles exclamavam.
A jovem se manteve distante das celas, isso até chegar na de seu pai, a única guardada por um carrasco esqueleto, equipado com uma espada. Mas ao tentar se aproximar, o carrasco a barrou, colocando a mão sobre o coldre.
Apesar da expressão imutável de caveira, ela entendeu que não tinha permissão de se aproximar muito. Me desculpa, pai, vai ter que aguentar mais um pouco.
Sentiu um enorme pesar ao visualizar a silhueta dele dentro do breu que era a cela. Sabia que ele estava sendo alimentado, mas questionou se poderia sobreviver naquelas circunstâncias.
Decidiu continuar sua caminhada, querendo logo descobrir uma forma de acabar com aquele sofrimento.
Além de querer mapear o palácio, Mary estava ali com outro objetivo em mente: descobrir se um rumor a respeito de uma passagem secreta no palácio era real, pelo que havia estudado a respeito da arquitetura inglesa.
Como não havia encontrado nada em toda a estrutura, as masmorras eram a última possibilidade daquilo realmente existir.
Deixou o bloco lotado de prisioneiros, rumando para o mais deserto de todos. Ali, vasculhou a área enquanto desenhava a planta. Encontrou em um canto uma parede vazia, seguida de um pequeno corredor.
Adentrando-o, obviamente tentou achar um botão entre os tijolos, porém nenhum deles parecia reagir de alguma forma. Será que é aqui mesmo? Talvez seja um lugar muito óbvio.
Vasculhando as paredes ao redor, encontrou, à esquerda, um tijolo cujo tom era levemente diferente dos demais. Ela o apertou, mas não foi o suficiente, decidiu pegar uma pedra no solo e forçar no tijolo.
Após algum esforço, o viu afundando. Continuou fazendo força até enfim ele reagir. Como nas lendas a respeito de passagens secretas, a parede de tijolos demonstrou ter finas divisórias.
E com isso, Mary empurrou a fileira de tijolos, até abrir caminho para a passagem.
Quando a atravessou, se viu em um túnel no mais completo breu. Apesar do medo que aquele lugar causava, decidiu que era melhor arriscar, já havia chegado até ali mesmo.
Caminhando de forma suave, Mary sentiu o chão de uma textura mais limpa que a das masmorras. Ela nem sabia quanto tempo havia perdido, só que aquele túnel parecia bem longo.
Após cerca de quinze minutos de um passeio monótono, sentiu seu nariz bater contra algo sólido de madeira. Apalpando sua superfície, percebeu que se tratava de algo semelhante a uma porta.
Caçou a possível maçaneta, até enfim encontrá-la.
Adentrando no novo ambiente, viu que se tratava de uma luxuosa sala de estar. Uau!
Vasculhando mais a casa, notou que ela se localizava fora do distrito de Westminster, em uma rua no centro de Londres. Mary ficou extasiada pela descoberta, conseguindo ver a liberdade de perto…
Mas ainda não é o momento. Ela lembrou de seus objetivos. Ainda preciso descobrir o que Archie e Paul estão fazendo. Além de arranjar uma forma de libertar o meu pai do cativeiro.
Decidida a esconder a passagem secreta da planta, Mary deixou a casa, retornando a seu caminho. De certa forma, se sentia triunfante.
***
— Estou vendo… o castelo — Victor disse, cavalgando adiante do trio — só precisamos subir mais um pouco.
Archie e Paul suspiraram, sentindo a fadiga do cavalo enquanto subiam a encosta. Talvez aqueles puro-sangue ingleses não fossem treinados para trajetos íngremes como aquele.
Apesar de não saber, Archie chutava que já cavalgavam a pelo menos duas horas, o que significava que os cavalos já estavam bastante esgotados. Falta muito pouco, espero que aguentem.
Ainda não sabiam ao certo como fariam a ofensiva, mas as armas roubadas dos Thompson já lhe garantiriam certa segurança.
Archie não chegou a contar sobre a mistura que usou para descobrir a verdadeira ameaça na mansão dos Thompson. Acabou inventando que espreitou a criatura pela brecha na porta.
Julgou que a mistura seria provavelmente interpretada pelos companheiros como muito vantajosa, quando na realidade era uma experiência imprevisível e desesperadora. Não achou que valesse a pena voltar a usá-la novamente, para o bem de sua sanidade.
Mas ao menos serviu para o jovem detetive concluir que muito provavelmente era, sim, capaz de ingerir qualquer mistura. Para ele, aquilo não fazia tanta diferença. Talvez Frankenstein tenha realmente se equivocado ao se basear apenas nas anotações de Arthur Becker.
Todos forçaram os cavalos, que começaram a bufar em protesto diante de todo aquele esforço. Porém, faltavam apenas pouco mais de cinco metros para chegarem ao topo daquela colina.
Será que os equinos possuem algum tipo de inteligência? Se sim, é bem provável estarem transbordando de indignação. Paul refletiu, se lembrando de Gaibora Karpa.
Finalmente, chegaram ao topo, avistando com alívio um caminho plano até o castelo. Antes de avançarem, deixaram os cavalos respirarem um pouco. O trio não conversou muito, ainda bastante desgastados.
Paul sentia um misto de ansiedade e náuseas. Talvez os biscoitos Wonder do Sr. Thompson não tivessem caído muito bem. No entanto, o garoto já experimentava aquele sentimento desde o início da jornada. Em pouco tempo havia sido exposto a perigos que nenhuma outra criança da sua idade jamais pensou em passar.
Alguns minutos depois, continuaram o curto percurso até o castelo. Sua visão não era das mais amigáveis, sendo uma estrutura elevada a cerca de sessenta metros, cuja visão era parcialmente coberta por árvores aos arredores. Mas as cores pastéis das torres e arquitetura num geral eram bem visíveis, apesar de sua nítida decadência.
Ao chegarem em sua entrada — que por acaso estava aberta — desceram dos cavalos, os amarrando às árvores próximas. O fato do lugar parecer desprotegido intrigou o trio.
Eles avançaram com cautela, com Archie segurando a Magnum e Victor a carabina Nirvana, além de claro, Paul o seu sabre. Igor vinha atrás dele, com os pelos levemente eriçados.
Ao chegarem na porta, Archie fez um sinal para os outros, com os dois dedos, em seguida fazendo outro para que avançassem. Victor e Paul acenaram positivamente, apesar de não entenderem exatamente o plano de Archie.
Assim, os três seguiram para a entrada.
O interior do extenso hall era um tanto liminar, com seu aspecto velho e inabitado. Pouca poeira roçava o chão. Na realidade, aquele lugar parecia limpo demais para um castelo abandonado.
Havia até mesmo um alçapão em um canto aberto, completamente descontextualizado. Uma arquitetura diferenciada como aquela devia ser um prato cheio para estudiosos.
Diante deles havia uma escadaria larga, adornada por um carpete escarlate parcialmente corroído. Archie achou esquisito aquela aparente ausência completa de habitação.
Midna poderia ter nos enviado a uma armadilha? Ele pensou, intrigado. Não faz sentido, por que ela faria isso, quando teve a chance de nos matar?
— Ura, ura, visitantes.
As dúvidas de haver habitantes ali foram cessadas com a chegada de um estranho: um homem corcunda completamente coberto e encapuzado por uma manta negra. Não conseguiram distinguir seu rosto, mas estavam preparados caso fosse mais um oponente.
— Quem é você? — Archie perguntou, apontando o revólver para o homem — é mais um servo de Weezy?
— Quem sou eu? Vocês invadem minha residência e sou eu quem preciso me apresentar? — o corcunda suspirou, mostrando os cinco dedos de sua mão esquerda — sim, sei que estou em desvantagem, mas não atirariam em um pobre corcunda como eu, atirariam?
— Depende da sua identidade, agora dá pra tirar esse capuz?
— O que procuram aqui, se me permitem a pergunta? — Ele mostrava apenas quatro dedos.
— Sabemos que há pessoas sendo mantidas aprisionadas aqui — Archie parecia sério demais, Paul percebeu.
— Hummm, é uma informação, suponho.
Maldita garota, sabia que nos denunciaria, o sacerdote Damon estava certo. O homem pensou.
— Bom, chega de joguinhos — ele continuou, agora mostrando apenas três dedos — desde o início, o Sacerdote Damon sabia que deixar vocês livres era uma má ideia, porém quem éramos nós para contrariar o Weezy?
O trio se entreolhou, não necessariamente surpresos pela revelação do homem como realmente um lacaio de Weezy, mas sim por agora estarem reconhecendo sua voz de algum lugar.
Sem mais rodeios, o estranho removeu seu manto, revelando na realidade ser um homem pálido, bem-vestido e com uma longa capa vermelho-sangue. Seus cabelos, tão bem penteados que o trio quase não o reconheceu.
— Então é você! — Paul exclamou — o homem das mãos tortas.
— Mãos ex-tortas, pra sua informação — agora mostrava apenas dois dedos — sabe, eu estava prestes a começar “O conserto”, agora que posso enfim tocar um piano. Louvado seja Weezy!
Sua mão mostrava apenas um dedo.
— Não temos tempo para isso, nos mostre onde estão os reféns, ou vou explodir o que restou dos seus miolos — Archie disse, nitidamente sem paciência para o jeito excêntrico do vampiro — você é um vampiro, não é? Aposto que uma bala de prata seria mais que o suficiente para te matar.
— Vocês mataram Dominic, não é? — o trio não respondeu, continuando com a mesma postura ofensiva — bem, eu devia imaginar, ele não merecia isso… Meu nome é Orlok St. Kennedy, e eu vou vingar meu amigo… a propósito, querem ouvir uma prévia do concerto?
Kennedy tirou uma flauta das vestes, mas assim que ia começar a tocar, Archie disparou, atingindo o ombro do vampiro e fazendo o instrumento cair pelos degraus.
Ao olhar para os convidados, Kennedy notou suas expressões pouco amigáveis, decidindo também assumir aquela postura.
— Bom, eu estava bancando o patrulheiro bom, hora de mostrar quem realmente está no controle — Kennedy mostrou o único dedo, o abaixando logo em seguida.
E assim, um tremor começou a se iniciar. De repente sons agudos tomaram conta do ambiente, até que…
— APROVEITEM A ESTADIA — Kennedy gritou, em meio à barulheira dos sons irritantes.
Por detrás do vampiro, centenas de morcegos surgiram. O trio foi pego desprevenido.
Paul nem sequer conseguiu reagir, quando notou, sua visão já fora comprometida pela quantidade colossal de morcegos, o fazendo recuar, até acidentalmente cair em um buraco.
O alçapão aberto. Foi seu último pensamento antes de perder a consciência.