As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 38
“A ordem dos fatores não altera o resultado, essa frase não é de minha alcunha, mas a ponho em suas tábulas rasas para que reflitam” – Pulget, o pequeno
Damon retornou a sala real sabendo que havia feito o certo. Eu não imaginava que tal responsabilidade colocaria em minhas costas, ó grande Inominável.
Muitas das coisas que estavam acontecendo ultimamente não constavam nas profecias do grimório da seita, ao mesmo tempo que o Longo Eclipse e a purificação indicavam sua veracidade.
Sem querer mais questionar seu deus por ora, o sacerdote múmia retornou para junto de seu mestre.
— O que lhe aflige, sacerdote? — Weezy perguntou, tragando seu charuto enquanto purificava uma criança chorona e sua mãe — está tudo correndo como planejado. Lembre-se de me ouvir também, o grimório não abrange toda a complexidade ao meu respeito; por isso, está espantado pela minha decisão de consumar matrimônio. Abra sua mente e lembre que eu sou seu Senhor.
O Senhor nem ao menos folheou o Grimório. Damon pensou, mas decidiu parecer apático ao discurso de seu mestre.
— Apenas quando o Longo Eclipse terminar, poderei descansar — simplesmente disse.
— Hehe, o meu reinado já começou, sacerdote, pode deixar sua postura sisuda de lado, no meu reino todos estarão plenos e satisfeitos — Weezy gargalhou, jogando mais um charuto fora.
— Senhor, senhor! — ouviram uma voz desesperada se aproximar, era o Gárgula — eu vim das masmorras, ALGUNS PRISIONEIROS FUGIRAM!
Como eu planejei, libertar todos tiraria o foco da fuga da garota e seu pai. Damon pensou, aliviado.
— Por que o desespero, súdito? Chame agora mesmo o líder dos sentinelas que eu lhe direi o que fazer — Weezy ordenou, tranquilamente.
— Sim, meu Senhor — O Gárgula saiu aos pulos da sala.
***
O túnel escuro e silencioso parecia estar chegando ao fim. A trupe caminhou em silêncio, pensativa e tensa sobre os próximos passos.
Logo estariam de frente com Weezy, um ser muito mais poderoso que os vassalos que Archie e companhia enfrentaram. Espero que Mary esteja certa sobre ele ser tão estúpido a ponto de aceitar nos ouvir.
Mas de qualquer forma, Archie já havia tomado o elixir, então se precisassem usar a força, pensou que pudesse aguentar.
Eles deixaram o túnel obscuro para adentrar a atmosfera pesada e suja das masmorras. Mary notou que ela estava vazia. O que aconteceu? O sacerdote fez isso para que eu e meu pai pudéssemos fugir?
Resolveram não perder muito tempo, caminhando direto para a saída.
— Algo me diz que vamos ter problemas — Victor comentou — Weezy deve ter muitos vassalos por aqui, quando a gente acabar com ele precisamos fugir.
— Se derrotarmos Weezy, esses caras não serão nada, Frankenstein — Archie tentou acalmar o amigo — eu sei que é bom demais pra ser verdade, mas estamos perto de derrotar esse monstro, pode confiar.
— Não sei… — uma epifania tomou conta do cientista, mas ele preferiu não contar para os outros. Era bom que eles estivessem confiantes.
— Ele tem razão, amor — Mary disse, séria — mesmo derrotando Weezy, não sabemos quando esse eclipse vai acabar e se isso vai matar todas essas criaturas ou transformá-las de volta em humanos.
— Eu sei, mas eu dou conta deles — Archie respondeu com um sorriso.
— Eu também, querido — ela mostrou a adaga acima do joelho.
— Você não cansa de me impressionar, não é?
Após atravessar um longo corredor de celas, eles chegaram até uma escadaria, rumo à saída das masmorras. Eles subiram os degraus empoeirados até dar de cara com a porta de madeira gasta, onde saíram para um pátio, com algumas estátuas nos cantos.
Aquela área estava deserta, porém eles já conseguiam ouvir uma agitação distante. Sem abaixar a guarda, deixaram o pátio para dar em um novo corredor, onde viram uma fila de pessoas formada, guiadas por sentinelas armados com escopetas e lanças.
Então essa deve ser a fila que aqueles patetas da seita disseram. Archie deduziu.
— Vamos, é logo ali — Mary disse, mas vendo o receio do trio — não se preocupem, eles não vão atacar vocês se estiverem comigo.
— Aquele sacerdote mandou Dominic e Kennedy nos matar — Paul lembrou, olhando vagamente para a fila. A garota ainda achava preocupante como ele tratava aqueles assuntos com tanta naturalidade — será que podemos confiar nele?
— Ele não faz nada que Weezy não peça — Mary sabia que aquilo não era exatamente verdade — bom, pelo menos não na frente dele.
— Vamos logo com isso, acho que nada pode nos impedir de forma significativa — Victor comentou, todos o olharam surpresos por sua confiança — já chegamos até aqui, e o efeito da mistura executora é imediato.
Todos concordaram, avançando sem medo até a fila de pessoas desesperadas, determinados. Mas quando estavam a poucos metros deles…
— Ei, seu guarda — um homem maltrapilho na fila chamou um dos sentinelas, que foi com mau-humor ao seu encontro.
— Diga, escória.
— Eu sou mais louco que todos vocês — ele disse para os outros ao seu redor — eu acho que esse negócio de purificação é uma palhaçada inventada pela imprensa, não veem eles? Parecem monstros. Na real muita gente virou monstro desde que tudo isso começou. Por que simplesmente não se rebelar?
— Vê se cala a boca, não vai querer começar um tumulto aqui…
Era tarde demais.
— Ele tem razão, estão querendo nos transformar em monstros! — outro gritou, também com roupas gastas e um físico cansado — VAMOS NOS REBELAR CONTRA O SISTEMA! ACORDA, JÁ COMEÇOU!
E assim a agitação se espalhou rapidamente para todos da fila naquela área, com socos, chutes e disparos para todos os lados. A trupe recuou, achando perigoso ir por aquele caminho.
— Miss Robinson — eles ouviram uma voz medrosa às suas costas — o que está acontecendo aqui?
Era o duque transformado em Gárgula, um dos mais fiéis servos de Weezy.
— Eu não sei, um tumulto começou de repente — Mary explicou — acho que foram os prisioneiros que fugiram.
— Então a senhorita ficou sabendo? É bom tomar cuidado — só naquele momento o Gárgula notou que a garota estava acompanhada — espera, quem são esses?!
— Não se preocupe, eles vieram aqui para entregar um presente ao Senhor Weezy — ela explicou, de forma meiga, se ajoelhando para ficar na altura do Gárgula — pode nos acompanhar até lá? Gostaria que informasse a vossa majestade que ele tem convidados, antes dele os ver.
— Si-sim, mas lembre-se, a última vez que vieram trazer presentes ao meu amo, eram traidores… então só avisando, se forem, não podem fazer nada contra meu amo, ele os matará sem piedade.
— Não se preocupe, eles não farão nada, tem minha garantia — Mary reforçou.
O Gárgula não teve opção senão concordar, afinal, Mary era alguém de confiança para Weezy. Então todos o acompanharam até a sala real, onde o grande momento ocorreria.
***
— Então uma rebelião já começou, hein? — Weezy disse, furioso com aquela rejeição toda ao seu reinado — quem me desobedece, não merece viver… sentinela, a ordem está dada, mate todos.
— Sim, senhor — o sentinela sênior respondeu, erguendo sua lança e deixando a sala.
Há alguns minutos Weezy havia dispensado a fila, após o sentinela lhe contar em um sussurro a respeito da rebelião que havia se instaurado no corredor sul. Isso junto da repentina fuga dos prisioneiros da masmorra o fez decidir tomar tais medidas.
— O que achou da minha decisão, sacerdote? — Weezy perguntou, agora fumando dois charutos de uma vez.
— Bem ponderado, meu Senhor — o sacerdote respondeu calmamente — a purificação é apenas para os adoradores, coisa que essas pessoas nunca foram.
Isso é bom, logo as coisas voltarão para os eixos. Damon pensou, aliviado. Isso parece ter sido realmente um teste do Senhor. Se eu tivesse falhado agora, o que seria de mim? Ao menos me livrei da garota sem muitos problemas e ainda eliminei esses anátemas.
Ouviram um som como de pedra batendo de forma frenética no chão. Era o Gárgula entrando na sala, apressado.
— Milorde, meu Senhor — ele parecia ofegante, se embolando nas palavras — há pessoas querendo lhe presentear, adoradores seus…
— Humph, mate-os, não tenho interesse — Weezy respondeu, o interrompendo.
— Não, eles são confiáveis, Miss Robinson garante.
Miss Robinson? Damon ficou surpreso, aquilo não fazia o menor sentido, a garota já devia estar fora do palácio.
— Ah, bem, nesse caso deixe que entrem — Weezy mudou a postura — se tem a aprovação de minha noiva, está tudo bem.
O sacerdote foi incapaz de crer no que viu. A garota, com seu jeito polido, entrou, acompanhada das pessoas mais inesperadas possíveis: Archie Becker, seu irmão assistente e o cientista do necrotério.
O olhar de Mary encontrou o de Damon, onde notou uma faísca de ódio. Ele contraiu a boca, gesto ocultado por suas faixas de múmia. A garota, tampouco alterou a expressão, conseguindo se manter firme, performando confiança.
— Meu Senhor, lhes apresento essas pessoas que vieram de muito longe para lhe entregar um presente e sua devoção, se o Senhor os permitir — Mary explicou, com uma reverência. Ela olhou para o trio e eles a imitaram.
— Minha mente não esquece fácil — Weezy disse, sorrindo olhando para os três — vocês testemunharam meu nascimento, o que aconteceu? Se arrependeram e vieram aqui testemunhar sua fé diante do verdadeiro Deus? HAHAHAHA!
Paul se controlou para não contrair o rosto ou tirar a espada da bainha. Em contrapartida, Archie parecia feliz até demais, com um deboche que o irmão esperava que o tirano não captasse.
— Exatamente isso, vossa graça — Archie respondeu, se ajoelhando — depois de testemunhar seu nascimento, viemos de muito longe para lhe presentear com a magia mais rara desta terra.
— Hahaha, eu gostei de você. Isso me lembra dos três magos levando os presente para Jesus Cristo, que paralelo interessante — Weezy comentou, seus pelos arrepiados, tamanho era inflado seu ego — mas claro, eu sou maior que ele, ele sequer foi capaz de impedir que seus fiéis morressem, eu ao contrário, já estabeleci meu reino em poucas horas.
Mas como ele se tornou narcisista em pouco tempo, hein. Archie pensou. Será que ele sequer já se olhou no espelho?
— Não acredite neles, meu senhor — Damon disse, menos calmo que gostaria — quando Dominic pediu para ficar na cidade, eu o mandei matar esses três, por garantia. Se eles chegaram aqui, tiveram que matar Dominic e usar o trem de Anderson para chegar tão rápido.
— Não creio que seja tão demorado assim, sacerdote — Mary retrucou, serena — isso é uma hipérbole tão grande, quer mesmo que meu Senhor acredite em tamanha desinformação.
— É-é verdade, vossa graça — Victor tomou as rédeas — nem sequer cruzamos com esse Dominic, e sim, chegamos aqui pelo fantasma Anderson, ele viu nossa devoção e a grandiosidade do presente e nos trouxe até aqui, a Srta. Robinson pode confirmar.
Mary acenou positivamente, com um sorriso.
Weezy estreitou os olhos, vendo o quão ponderados a garota e o trio pareciam em relação ao sacerdote.
— Qual é a sua relação com esses homens, Miss Robinson? — essa resposta será definitiva para decidir em quem irei acreditar.
— Ah, esses são meus irmãos, eles viajaram para Genebra e acabaram testemunhando tudo que aconteceu, graças ao Sacerdote que tentou matá-los antes de você nascer, sem qualquer motivo.
— Isso não é verdade! — Damon explodiu, pronto matar aquela garota — não acredite neles, meu Senhor, por favor…
— Cale a boca, sacerdote, você já está me irritando — Weezy disse, com os olhos fechados — deixe eu refletir, apenas um Deus sábio reflete antes de tomar suas atitudes.
O silêncio se instaurou.
Segundos de tensão dominaram a sala real, enquanto Weezy refletia sobre a sua decisão. Ele olhava fixamente para Archie, Paul e Victor, em seguida todo o corpo de Mary, como sempre. Ele sentia um desejo forte pulsando, a decisão estava na ponta da língua.
— Sacerdote — Weezy chamou.
— Sim, meu Senhor?
— Por que tantas mentiras e omissões? — O olhar do tirano se voltou para o seu servo mais leal — disse para meu outro servo o que fazer sem minha autorização? Para que isso? Eu já havia me decidido em montar a minha corja.
— Foi apenas prevenção, meu Senhor — Damon agora parecia mais calmo — eu suspeitei que essas pessoas fossem um problema, nem que mínimo, e é sempre melhor cortar o mau pela raiz… e aqui estão eles, prontos para tentar algo contra o Senhor.
Weezy começou a gargalhar novamente. Para o trio, era estranho como aquela criatura imponente e perigosa que haviam testemunhado o nascimento, parecia muito com apenas uma pessoa arrogante e narcisista, sem absolutamente nada de divino ou monstruoso — exceto pela aparência.
— Saia da minha sala, sacerdote — Weezy ordenou, em tom de deboche — eu não ligo para os seus receios, eu sou imortal, e eu confio em Miss Robinson, mais do que em você.
Damon não retrucou, apenas deixou a sala, impassível. Mas agora, por mais que parecesse uma loucura, ele já havia aceitado uma dura realidade.
Agora estavam apenas os quatro e Weezy — Igor havia resolvido dar uma volta pelo palácio — aquele era o momento decisivo. Todos estavam nervosos, pois se encontravam diante do inimigo final. Aquela era a única chance que teriam.
— O que estão esperando, me entreguem logo o presente que é meu por direito — Weezy disse em tom irônico, mas prevendo o que aconteceria em breve.
— Ah, sim, sim, na realidade, como dissemos é magia — Victor explicou, tirando os ingredientes do jaleco e uma garrafa de vinho da sacola de suprimentos — como é exclusivo para vossa graça, ele será preparado agora mesmo. Com sua permissão, claro.
— Exclusividade, hein, isso me agrada. Pois prepare.
É tão fácil agradar ele que se dissesse que o matar era uma honra para um Deus, talvez ele acreditasse. Victor pensou, com uma reverência ao tirano.
Archie lhe entregou os balões de fundo redondo. Sem mais rodeios, Victor começou a preparar a mistura executora. Os demais assistiram na expectativa e nervosismo. Mary se esforçou para não sorrir, faria isso quando o monstro fosse derrotado.
Já o tirano, se divertia com a situação. Ele havia lido um livro sobre alguns irmãos que não aceitavam que suas irmãs se casassem. Se aquele fosse o caso e eles tentassem ser truculentos, Weezy os mataria sem dó, pois ele sabia que nada naquele mundo era capaz de lhe ferir.
Eu criei essa coisa. Victor pensou, enquanto misturava os ingredientes entre os balões. Eu fracassei, muita gente morreu por causa disso… aquela seita maldita, tudo convergiu tão bem para as coisas darem errado. Por isso vai acabar aqui e agora, será como um novo nascimento.
Os ingredientes começaram a se tornar um elixir… mas de uma forma diferente; a cor parecia mais brilhante que o normal, aos poucos se transformando em uma espécie de líquido espesso.
Ondas eletromagnéticas começaram a pulsar do fluido brilhante, até se tornar uma única esfera de energia. Mas não só isso, os balões começaram a se atrair de forma magnética, Victor os deixou se juntarem.
Aos poucos sua estrutura foi se moldando, até se tornar uma espécie de canhão de mão, com um gatilho. A munição era a bola de energia agora formada ali dentro.
Archie, Paul e Mary ficaram surpresos, pois o que esperavam era uma poção envenenada.
O cientista mudou sua expressão, olhando sério para a criatura, para a sua criação que deu errado. Em contraste, Weezy apenas sorriu, um sorriso malicioso e despreocupado com o fato de ter um canhão metafísico apontado para ele.
— Bem como eu imaginei — Weezy disse, se colocando de pé e jogando o charuto fora — os irmãos vieram aqui para impedir que eu me casasse com Miss Robinson.
Archie não aguentou, foi ele quem riu. Mary fez o mesmo. Paul retirou a espada da bainha e Victor cerrou os dentes para o tirano.
— Nós mentimos, não somos irmãos da Srta. Robinson — Victor disse — quer saber o que mais é mentira? Você não é um deus nem nada do tipo, é apenas um experimento meu que deu errado, e eu estou aqui para te executar. Sim, derrotamos boa parte da sua corja para chegar até aqui, então é melhor não tentar nada.
Pela primeira vez, Weezy sentiu uma confusão genuína. Nada do que ele ouviu daquele humano fazia sentido. Um experimento? Não tem lógica alguma.
— Eu fui venerado desde o meu nascimento, como posso não ser um Deus?
— As pessoas que o veneravam fazem parte de uma seita, existem várias parecidas no mundo, mas são apenas um bando de lunáticos — Victor explicou — não lembra onde nasceu? Em um necrotério próximo a um cemitério, eu estava quase no processo final do meu experimento, quando esses dois — indicou Archie e Paul — entraram desesperados, fazendo tudo cair e se espalhar, eles estavam sendo capturados pela seita para servir como sacrifícios.
— Você está errado — Weezy se indignou em como aquela história parecia convincente, começando a se irritar — mesmo não sendo o deus dessa seita, ainda sou o Deus. Eu tenho todo o poder, ninguém é páreo para mim — ele se voltou para Mary, que o olhou com deboche — você ainda irá se casar comigo, mesmo me pregando essa peça, pois como o Deus, posso ter tudo que quiser.
— Desculpa, mas eu não posso me casar com você — Mary disse, sentindo uma satisfação imensa — eu já estou noiva dele.
— É isso aí, criatura horrorosa, não vai encostar um dedo na minha noiva — Archie disse, com deboche.
Aquilo foi a gota d’água para Weezy. Podiam contar as mentiras que fossem, mas jamais permitiria que fosse desdenhado daquela forma.
— SEU MALDITO, MISS ROBINSON É MINHA E APENAS MINHA — ele explodiu, revelando suas garras — isso já demorou demais, digam adeus a suas vidas insignificantes.
Ele avançou, mas Victor não esperou nem mais um segundo para disparar o projétil do seu canhão metafísico. Weezy foi atingido com tamanha potência, que a parede inteira atrás de si foi quebrada.
O tirano, tão imponente, foi arremessado para os jardins do palácio.
Parece que deu certo. Victor pensou, aliviado.
— Ora, que arma formidável — Paul comentou, impressionado.
— Parabéns, Victor — Archie disse, boquiaberto.
Mary se aproximou da parede quebrada, para espiar onde Weezy havia caído. Ela o viu estatelado no meio dos jardins, mas pela distância não sabia dizer se ainda respirava ou não.
— Ainda tem munição? — ela perguntou ao cientista, vendo que uma esfera de energia ainda brilhava no canhão transparente.
— Sim, são três disparos — ele respondeu — geralmente um já é suficiente para execução, mas isso não é exatamente uma regra.
— Então vamos precisar ir lá conferir — a garota sugeriu.
Só naquele momento, perceberam a barulheira fora da sala. Aparentemente a confusão entre os sentinelas e as pessoas havia crescido.
— Bom, eu acho que por enquanto ninguém notou o que aconteceu aqui — Archie comentou — então é melhor a gente ir logo, temos que garantir que Weezy está morto antes de sair.
Todos concordaram com um aceno de cabeça, deixando a sala real.
Como esperavam, nos corredores e pátios do palácio o caos já havia se instaurado. As pessoas não transformadas haviam encontrado algumas lanças e espadas de armaduras decorativas, partindo para cima dos sentinelas transformados, que por sua vez revidaram com violência, gritando em uma língua estranha toda vez que matavam alguém.
Um verdadeiro massacre.
A trupe não vacilou na corrida para fora do palácio, com medo de precisarem entrar em combates desnecessários. Mary notou em um canto dois humanos carregando e jogando Gárgula, na esperança de quebrá-lo.
Felizmente, estavam em um andar baixo, logo conseguindo chegar nos extensos jardins do palácio, que outrora eram bem cuidados, até a chegada de Weezy.
Igor, que estava sumido, apareceu de trás de uns arbustos, para o alívio de Victor, já preocupado com a possibilidade do bichano em apuros.
Reunidos, eles se aproximaram de Weezy, ficando a quinze metros de seu corpo imóvel no chão. Mary se lembrou de quando seu pai disparou contra o monstro e ele simplesmente se fingiu de morto… mas antes que pudesse avisar, Paul já estava indo em direção ao corpo do tirano.
— PAUL, ESPERA, NÃO VÁ — Mary tentou avisar — ELE PODE APENAS ESTAR FINGINDO…
— Fingindo? Isso seria muito patético — Archie comentou — mas ela tem razão, Paul, não se aproxime demais.
— Eu sei o que estou fazendo — o garoto comentou, com a intenção de na realidade perfurar a criatura.
Isso é estranho, um ser tão poderoso ser derrotado tão facilmente, o que Pulget, o pequeno diria sobre isso? Paul pensou, cutucando a perna de Weezy com sua espada… O QUE?!
Ele sacudiu a cabeça. Devia não ter enxergado direito, mas por um segundo notou as patas da sua perna se mexer levemente. Devem ser espasmos apenas.
A pata se mexeu de novo, rapidamente… de novo, e de novo…
— Por acaso acha que estou brincando, criança? — ele ouviu a voz grave do tirano dizer, sentindo um frio na espinha — POIS EU REALMENTE ESTOU, HAHAHAHA!
Com agilidade, Weezy se pôs de pé, olhando com um sorriso macabro para o paralisado e assustado Paul, que tinha pouco mais de um terço do tamanho do tirano.
— NÃO! — Archie e Mary gritaram.
— Você me seria um servo útil, que tal, criança? — e dizendo isso, ele tocou com a ponta da garra na cabeça do garoto.
Como uma metamorfose, o corpo foi se alterando gradativamente. A pele de Paul se tornou pálida, os dentes cresceram, se tornando caninos; bem como as asas longas nascendo de suas costas e pelos surgindo nas mãos e pés. O que… o que tá acontecendo comigo?
Ele ficou ainda mais paralisado, olhando para as mãos completamente peludas, sem querer acreditar.
— NÃOOOO, MALDITO — Archie gritou com raiva, Mary estava prestes a chorar.
— Muito bem, agora saia da minha frente — ele pegou Paul pelas vestes, como se não fosse nada, o arremessando para um canto do jardim.
E ali Paul ficou, perplexo por sua nova aparência.
— Eu te falei, não falei, cientista? — Weezy agora se voltou para Victor, que ainda mantinha um semblante sério — eu sou imortal, não importa o quanto tente, eu jamais serei derrotado! HAHAHAHA!
— Esse foi só o começo — Victor disse, disparando uma segunda vez.
Assim como na primeira, Weezy foi arremessado para longe. Sem perder tempo, Victor foi correndo até ele. Archie e Mary ainda pareciam atordoados pelo que ele fez com Paul.
Ao se aproximar, Victor notou com receio que Weezy ainda estava vivo, se levantando imediatamente após ser atingido, gargalhando alto.
— Viu só, nem doeu — o monstro abriu os braços para mostrar ao cientista — está apenas provando o meu ponto, cientista.
— Você ainda é minha criação. Todos os outros experimentos que deram errado, dois tiros foram suficientes — Victor apontou mais uma vez o canhão para o peito da criatura — mas sempre tem uma primeira vez para tudo, não é?
— Vá em frente, prove-me que o fatalismo é real, que tudo gira ao meu redor — Weezy não parecia apreensivo, tamanho seu convencimento — afinal, não é isso que está acontecendo aqui essa noite?
Pela primeira vez desde o início do eclipse, um trovão pairou no céu. Em seguida, Frankenstein sentiu pequenas gotas de água cair em sua cabeça e roupas.
Ele não sabia dizer, mas mesmo com tanta certeza, ele relutou em disparar. Seus dedos começaram a suar sobre o gatilho. Tudo ao seu redor pareceu ter silenciado.
Naquele momento, era apenas ele e Weezy. Ele e sua criação imperfeita.
— O que está esperando? — Weezy perguntou, parecendo se divertir com tudo aquilo — está preocupado? Está com medo de sua última tentativa dar errado e descobrir que eu estava certo?
Victor não disse nada, a chuva ia engrossando, com os trovões cada vez mais barulhentos. Não é mau agouro, isso é apenas superstição.
— Mesmo que estivesse certo, cientista — Weezy continuou — mesmo que eu seja sua criação, devia se orgulhar, pois criou um Deus, um ser imortal, poderoso, dotado de inteligência, de beleza divina…
— Vai pro inferno.
E assim, ele efetuou o último disparo… e seu canhão se autodestruiu, com estilhaços se espalhando por toda parte.
Em câmera lenta, Victor viu o choque contra Weezy, o levando para longe mais uma vez; viu a criatura cair no chão de novo. Nossa última chance.
Ele se recusou a ver, fechando os olhos. Se não desse certo, que um raio caísse em sua cabeça naquele momento. Ele sorriu, ao lembrar de Archie dizendo que o levaria para um pub quando tudo aquilo acabasse.
— FRANKENSTEIN! — ouviu o amigo gritar.
Assim que abriu os olhos, ele viu todas as esperanças cessarem. O monstro ainda sorria, intacto. O que parecia impossível era realidade, mas não mais do que a epifania que ele teve naquele momento.
Victor começou a gargalhar alto, de forma histérica, deixando até o próprio Weezy confuso.
— O que é tão engraçado, cientista? — o tirano perguntou, sorrindo, enquanto se aproximava.
— Eu quero apenas uma resposta — Victor disse, entre risadas — consegue ler um livro inteiro em um minuto?
— Mas é claro que consigo, até dois, se quer saber.
— Como eu imaginei — Victor sentia apenas um vazio, pois no fim de tudo, ele descobriu que sempre fora um cientista melhor que McAllister desde o começo — a ordem dos fatores não altera o resultado, no fim você sempre foi minha criação imperfeita.
— O quê? — Weezy estava curioso, queria saber o que aquele homem tinha para dizer antes de matá-lo.
— Veja bem, você possui todas as capacidades humanas elevadas, é de fato superior nesse sentido… mas o que aconteceria se assim que você nascesse, já consciente como um adulto e te chamassem de Deus ou O escolhido? Qualquer um se tornaria um mimado narcisista arrogante.
E assim o cientista voltou a rir, deixando o tirano irritado, pois aquelas palavras entraram na sua mente de uma forma que ele não gostou.
— Já chega disso, preparado?
Victor se virou e viu Archie a alguns metros dos dois, com uma expressão de medo ao olhar o amigo diante da criatura, sem saída.
Devido à chuva que agora estava forte e dos trovões, nada podiam dizer um para o outro, mas Archie leu na expressão agridoce de Victor, um misto de culpa, felicidade e tristeza, mas não medo.
Era como se já tivesse aceitado seu destino desde o último disparo.
— NÃOOOOO! — o detetive gritou, caindo de joelhos.
Era tarde demais, as garras de Weezy já haviam atravessado o estômago de Victor.