As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 39
“O nascimento de um homem, acontece quando ele se dá conta da sua verdade, da sua luta, seu propósito e principalmente, sobre si, no mais profundo da alma” – Pulget, o pequeno
Archie ouvia os próprios batimentos cardíacos, mesmo com o barulho intenso da chuva e dos trovões. O que via naquele momento não podia ser real, simplesmente não podia.
Depois de tudo que passaram, toda a preparação para chegar ali, todos os desafios… e era daquele jeito que tudo ia acabar?
Eu prometi que levaria ele a um pub. Archie lembrou, cerrando os punhos e se colando de pé, com ódio. Ele nunca conseguiu ser feliz, ele merecia uma segunda chance.
— SEU MALDITO!
Weezy já havia deixado o corpo de Victor de lado, com Igor indo até ele, tristonho, colocando as patas em seu ombro, na esperança de reanimá-lo. O tirano pouco se importou, decidindo que queria terminar logo aquela bagunça e descansar.
— Ele era apenas um ser inferior, fraco — disse, alto o suficiente para Archie ouvir — quem ele pensava que era para me chamar de imperfeito?
— EU VOU TE MATAR! — Ainda sobre os efeitos da mistura, Archie avançou contra Weezy.
O tirano ficou despreocupado, vendo que era apenas outro humano insignificante. Mas quando o detetive se aproximou, Weezy teve uma surpresa quando ele desviou com agilidade de seu ataque certeiro.
Como isso é possível? Nunca vi um humano fazer isso.
Pelas costas, Archie se agarrou no pescoço da criatura e começou a golpear sua cabeça… mas não adiantou, os ossos de Weezy pareciam indestrutíveis.
Sem paciência, o monstro o tirou dali, agarrando Archie pelo pescoço, que começou a sufocar.
— Então você pretendia casar com Miss Robinson? — Weezy perguntou com deboche — Humph, ela merece alguém mais forte.
E dizendo isso, Weezy arremessou Archie com uma força colossal no chão, com o choque do impacto se espalhando por todo o perímetro dos jardins. Naquele momento, toda a batalha que ocorria no palácio cessou, pois agora todos prestavam atenção em Weezy manifestando sua força.
Archie estava desacordado no chão, com muito sangue saindo de sua testa.
Mary olhava tudo incrédula, incapaz de fazer qualquer coisa. Toda a esperança que tinham já não existia. Mas poderia morrer sem muita culpa, pois seu pai estava salvo, a única coisa que conseguiu fazer.
Weezy se aproximou de Mary. Ele não sentia raiva da garota, apenas pena por ela ter o azar de ficar noiva de um homem tão fraco. Ela não merece um homem, ela merece um Deus.
— O que está esperando? — ela lhe disse, de cabeça baixa, em seguida a erguendo — eu traí a sua confiança, me mata de uma vez.
— Receio que não o farei — Weezy disse, casualmente.
— Por que não? — Mary queria implorar pela morte, mas não tinha coragem.
— Por que esse não é o meu desejo, Miss Robinson — Weezy disse, de forma complacente — você será minha esposa, e nós governaremos esse mundo juntos, um mundo onde apenas a nossa vontade prevalecerá.
Ela já estava cansada, não ia por nada se casar com aquele monstro. Em um último sopro de coragem, sacou a adaga, afinal, não tinha mais nada a perder.
— VOCÊ NUNCA VAI REALIZAR ESSE DESEJO, SEU MONSTRO MALDITO! — ela tentou cravar a adaga na perna direita do tirano, mas não adiantou, no fim, só conseguiu deixar a ponta da lâmina cega e torta.
Mas mesmo assim ela continuou tentando, desolada e não aguentando mais segurar as lágrimas. Archie devia estar morto. Paul fora transformado em um monstro. Ela só queria sair daquele pesadelo.
— Sabe, Miss Robinson, eu descobri lendo o diário do rei, sobre as passagens secretas deste reino — Weezy disse, de forma triunfante — o Gárgula me contou tudo, sobre os planos de Damon de deixá-la fugir com seu pai, enquanto criava um motim no palácio. Pensou mesmo que eu fosse tão ingênuo assim?
Mary levantou o rosto, agora com uma expressão de medo.
— Não se preocupe, seu pai estará a salvo e será mantido com comida e uma boa cela… mas apenas se tomar sua decisão e casar comigo. O que julga ser o mais certo a se fazer?
Eu sou apenas isso, um objeto. Mary disse para si mesma, enojada com aquele choque de realidade. Mamãe estava certa, às vezes não dá para agir, às vezes você só tem que aceitar. Esse mundo é dos homens… eu não sou como Julia Aurora, eu sou fraca, eu só sirvo pra ser usada.
Weezy abriu um largo sorriso, ao ver que a garota não contestou. Para ele aquela já era uma resposta suficiente.
— Sentinelas, levem-na para um local onde não possa fugir e a mantenham sob constante vigilância — Weezy ordenou aos sentinelas que se aproximavam.
Eles obedeceram e conduziram a garota, que apenas aceitou, sem olhar para trás. Ela já havia aceitado seu destino.
Em seguida, o tirano notou Paul em um canto. O garoto, que agora parecia um vampiro com asas de morcego, tentava pegar sua espada com suas patas de morcego, falhando miseravelmente.
— Ei, seja lá quem for, agora é meu servo — Weezy lhe disse, sério — vá para o palácio e se junte aos outros sentinelas, a menos que queira morrer também.
Após dizer isso, sem preocupação alguma, o tirano começou a caminhar para fora dos jardins. Ele convocou alguns sentinelas para lhes instruir sobre o que fazer a respeito daquela bagunça toda.
Paul, pela primeira vez, olhou em volta. Ele não queria acreditar de como tudo havia dado tão errado. E lamentou por Victor, cujo corpo estatelado lhe fez sentir um frio no estômago.
Seu olhar foi para Archie, que também assumiu que estava morto… até o ver se mexendo um pouco.
Archie? Vo-você está vivo? Indagou para si.
Uma ideia ágil lhe ocorreu. Naquela forma de monstro a qual se encontrava, se sentia bem mais forte e com o controle das asas. Não poderia fazer nada por Victor e Mary, mas se pudesse ao menos tirar seu irmão dali, será que ele teria alguma chance de sobreviver?
Só tinha um jeito de descobrir, e aquele era o melhor momento, o qual Weezy estava distraído.
Com as últimas forças físicas e psicológicas que lhe restaram, se pôs de pé e começou a correr em direção ao irmão.
A grama molhada graças a chuva o fez quase escorregar, mas ele não desistiu. Aquilo poderia não ser uma chance, mas como bem lembrava uma frase de Pulget, o pequeno:
“A covardia é válida, quando se é para preservar a sua existência e de pessoas por quem nutrimos afeto, pois apesar de tudo, o existir ainda significa uma chance de fazer as coisas mudarem”.
Igor, curioso com o garoto morcego se aproximando, foi confrontá-lo, foi então que as patas de morcego de Paul o capturaram, bem como o irmão.
Como ele previu, sua força havia aumentado e ele era plenamente capaz de voar segurando aqueles dois.
— Senhor, olha lá, ele está fugindo — um sentinela avisou.
Weezy se virou rapidamente e viu o garoto morcego fugindo com o corpo de Archie. Ele até pensou em levantar vôo e persegui-los, mas, ao mesmo tempo, sabia que não havia mais nada a ser feito da parte deles. Já estava mais do que provado que o tirano era invencível.
— Deixe-os ir, nunca foram uma ameaça real de qualquer forma.
A única coisa que poderia ser uma mínima ameaça, se provou um elemento que engrandeceu ainda mais a soberania de Weezy. Um sorriso se abriu em seu rosto ao fitar o cadáver de Victor Frankenstein.
***
O céu da cidade, ainda coberto pelo eclipse, regurgitava da forte chuva, bem como os trovões que cortavam sobre o firmamento em um piscar alvo.
Paul, já se sentindo desgastado, pousou próximo ao bosque. Mesmo ele sendo plenamente capaz de carregar pessoas naquele forma, era a curto prazo. Estendeu o corpo de seu irmão no chão.
Desesperado, ele consultou seus pulsos e viu que ele ainda estava vivo.
— Acorda, Archie, por favor — ele tentou reanimá-lo com uma massagem cardíaca.
Ninguém seria capaz de aguentar aquele golpe de Weezy. Archie provavelmente só estava vivo devido à mistura, mas mesmo assim, sua situação era grave. A chuva havia limpado o sangue de sua testa, mas era visível a cicatriz, que ia até a metade de seu rosto.
O pobre gato observava tudo tristonho. Queria voltar a ver o dono.
Mas mesmo tentando, Paul não conseguiu reanimar o irmão. Apesar de respirando, ele parecia mais debilitado a cada segundo que passava.
— ALGUÉM ME AJUDA! POR FAVOR, ALGUÉM! — ele gritou, ouvindo apenas o som da chuva em resposta.
Será que é assim que vai acabar? Esse vai ser o nosso epitáfio? Que nada do que fizemos serviu para alguma coisa? A vida é realmente tão vã assim?
Paul tentava se refugiar nos questionamentos, para não gritar mais. Sentia o pânico na pele. Mesmo que todos estivessem vivos, que chance eles tinham contra Weezy sem a mistura executora?
— Eu tenho certeza que esse é o caminho.
O garoto ouviu, mas em meio a tanta chuva aquilo só podiam ser vozes da sua cabeça.
— Porventura tens certeza de teus caminhos, alquimista sênior?
— É claro que tenho, foi aqui que o Sistema nos avisou que encontraremos…
As vozes não cessaram, e a cada segundo que passava, elas pareciam mais reais, até que:
— Ei, você — ele ouviu uma voz bem próxima — pode me responder uma coisa?
Ao se virar, Paul notou com espanto um homem de sobretudo preto, com uma careca lustrosa e óculos escuros.
— AI MEU DEUS! — o homem disse, recuando um pouco — espera aí, você foi transformado?
— Uma pergunta pertinente a se fazer — só naquele momento Paul notou um pequeno ser no ombro do homem, trajado com uma pequena túnica, bem como um chapéu cônico e um monóculo no olho esquerdo.
O que é isso? Quem são eles? Paul indagou, boquiaberto, mas acenando positivamente em resposta
— Vejo que pela sua cara deve estar confuso, então é melhor eu me apresentar logo — o homem disse, com um tom profissional — meu nome é Aaron Schmidt, sou alquimista sênior da Sociedade Secreta e Unificada dos Alquimistas, e esse é o homúnculo Pulget, o pequeno, um grande filósofo. Estamos atrás de Archie Becker e seu irmão Paul, para os ajudar a derrotar o monstro de Frankenstein… se você não for nenhum deles, perdoe a minha explicação confusa.