As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 43
“Não existem propósitos frágeis, mas vós só ireis entender isso quando descobrirem o que significa o propósito de um homem” – Pulget, o pequeno
O sacerdote observou, curioso, a forma honrada como eles tratavam o propósito daquele homem. Mesmo, no fundo, sabendo que eles estavam vazios de sentido. Mas não podia deixá-los ali perdendo tempo, precisavam prosseguir com o plano.
— Vamos, ficar parado aqui não é seguro — Damon disse, continuando a caminhar.
Paul e Aaron o seguiram, mas Archie ficou mais um pouco. Foi só então que olhou para baixo e notou uma organização sendo feita. Por mais que ela estivesse feia, não foi difícil notar que se tratava de uma festa de casamento bem no meio dos jardins.
Eu não vou deixar você encostar um dedo em Mary, maldito.
Assim, seguiu os outros pelo corredor.
Só pararam de andar quando chegaram a uma porta na metade do corredor. Todos entraram. O quarto era grande e luxuoso, com uma cama, dois armários e uma persiana nas janelas que só alguém da nobreza poderia pagar.
— Certo, o que vamos fazer? — Aaron perguntou ao sacerdote.
— Saindo por essa janela, há um caminho pelo teto que leva até o escritório. Saindo do escritório há um corredor seguro que leva as escadarias para os andares inferiores — Damon explicou, indo até a porta do quarto e a fechando. Em seguida, se virou para os demais, com um olhar suspeito — pronto, ninguém poderá nos ouvir daqui.
Archie e os demais já estavam desconfiados desde o início, então se colocaram em posição de combate. Pulget já estava preparado para lançar sua bola e Aaron para repelir seja qual fosse o ataque de Damon.
— Achou mesmo que confiávamos em você, faraó da esquina? — Archie disse, desafiador.
— É melhor se render agora, são quatro contra um! — Paul avisou.
Damon continuou apático, em seguida fechando seus olhos. Erguendo as duas mãos até a altura da cabeça, ele fez as ataduras em seu corpo se espalharem por todo o quarto, se agarrando nos móveis. Dessa forma, ele criou uma verdadeira teia pelo cômodo, dificultando a locomoção e qualquer chance de fuga dos oponentes.
— Merda, eu não estava esperando por isso! — Archie exclamou.
— Como tolos que são, caíram como cordeiros na arapuca — Damon disse, os olhos vermelhos brilhando no ambiente mal iluminado — depois de muito refletir, eu entendi que meu erro foi não ter consumado os sacrifícios que o Inominável solicitou. Por isso, ele permitiu que tudo isso acontecesse.
— Ainda tá acreditando nessa baboseira, maldito?! — Archie explodiu, incrédulo com a imbecilidade do outro — seu deus nunca existiu, você foi enganado sua vida toda. Quantas vezes já dissemos que tudo isso era um experimento de…
— Silêncio, anátema — Damon fez uma das ataduras puxar a língua de Archie — não sabe nada sobre mim. Eu ouvi o próprio Deus falar comigo e isso não tem volta. Jamais deixarei de adorá-lo.
Archie ainda duvidava da existência do tal deus, mas era fato que Damon havia tido alguma experiência drástica para afirmar aquilo com tanta veemência.
***
A chuva cobria todo o vilarejo, bem como o céu nublado do fim de tarde. Ninguém possuía a menor coragem de deixar sua casa. Mas lá estava o jovem Damon, com sua batina molhada e um punhado de ervas na mão.
Era o sacrifício necessário para garantir um pouco de alívio para a dor de sua mãe.
Quando chegou na pequena casa em que ambos moravam, logo tratou de preparar o chá.
A mulher, agora moribunda, já fora uma bela dama, amada por todos do vilarejo. Mas desde que foi acometida pela doença, ninguém teve coragem sequer de vê-la, exceto seu próprio filho.
O jovem Damon também foi ostracizado no vilarejo por causa disso, pois ninguém queria correr o risco de também ficar doente. Ao menos o médico caseiro do vilarejo havia se compadecido, passando a fornecer alguns medicamentos naturais, os deixando na porta de sua casa todo dia.
A doença já estava em um estágio tão avançado, que sua mãe não conseguiu agradecer quando ele a ajudou a tomar o chá. Mas ver ela sorrindo já o deixava feliz.
Mais tarde, quando sua mãe já estava dormindo, Damon foi até a imagem de Maria próxima a sua cama e começou a rezar o terço de forma incessante.
Já fazia algum tempo que atuava na igreja do vilarejo como noviço, mas assim que descobriram como sua mãe estava, pediram para ele se afastar e cuidar dela até que se recuperasse. Claro que eles também tinham medo de um possível contágio pelo convento.
Assim, Damon passou a orar todo dia, o tempo todo em que não estava cuidando de sua mãe. Ele tinha esperanças de que Deus a curasse.
Após algumas horas rezando, ele adormeceu, sabendo que o choro durava a noite, mas a alegria sempre poderia vir pela manhã.
Mas na manhã seguinte, ela não veio.
— Mãe! — ele exclamou, quando a viu deitada com os olhos abertos e uma expressão vazia — MÃE, ACORDA, POR FAVOR…
Não sabia como reagir, seu corpo tremia inteiro. Devia consultar o pulso dela, para ter certeza… mas não queria, não queria confirmar.
— POR QUE, DEUS? POR QUÊ? — ele gritou, após confirmar, pouco ligando se a vila inteira ouvisse — EU NUNCA FALHEI UM DIA SEQUER REZANDO, SERÁ QUE CURAR MINHA MÃE SERIA TÃO DIFÍCIL ASSIM?
Ele sabia que não deveria questionar Deus, mas simplesmente não podia mais se segurar. Eu nunca falhei um dia sequer, eu fui devoto ao extremo.
Os dias passaram.
Por suas palavras blasfemadoras, Damon foi excomungado da igreja, perdendo sua batina. Mas ele pouco se importava, aquilo só contribuiu para alimentar seu ódio contra o deus cristão e todos os seus santos.
Ele não me ajudou no momento que eu mais precisava, como posso considerar alguém assim como um ser amoroso e justo?
Ele decidiu deixar o vilarejo, pois já fora ostracizado por todos de qualquer forma. Foi para as ruas de Genebra, caminhando sem rumo. Nem se importava se sua vida chegasse ao fim, pois ela já não tinha mais nenhum propósito.
Aos poucos, fome e sede passaram a lhe atribular. Ele caminhava como um verdadeiro morto vivo, sem rumo, apenas esperando o descanso aquecido do buraco em que fosse enterrado, assim como sua mãe foi.
Nem se deu conta de quando apagou. Mas conseguiu ouvir uma voz de fundo, como se o estivesse chamando.
— Em breve seu tempo chegará, pequeno — a voz era grossa, em um tom sábio.
— Quem é você?
— Eu sou @#$?, para você, alguém Inominável. Ainda irá ouvir sobre mim, Damon.
Será que eu tô no céu? Eu prefiro o inferno.
Talvez fosse uma alucinação, ele não sabia dizer. Tudo havia ficado preto após isso, e então parou de pensar. Mas quando se deu conta, acordou, ao que tudo indicava.
Assim que recuperou a visão, notou estar em um casebre simples, mas aconchegante. Ele estava deitado em uma cama velha, mas melhor que a sua antiga. Onde estou?
Um homem estava sentado ao seu lado. Ele já era um idoso e com uma expressão de quem já havia vivido muito. Mas assim que Damon o encarou, o velho deu um sorriso genuíno e ofereceu um prato de biscoitos e um copo de água para Damon.
— Ora, coma isso — ele disse, empurrando para Damon a simples refeição — está com fome, não é?
Damon já havia devorado os biscoitos e bebido todo o copo de água quando respondeu:
— Obrigado — foi tudo o que conseguiu dizer, constrangido por estar incomodando a vida daquele senhor.
— De nada, hehe. Qual é o seu nome, rapaz?
— Damon… e o seu, senhor?
— Pode me chamar de Craig, hehe.
— Por que o senhor me trouxe aqui? Eu estava todo sujo, não se preocupou de eu ter alguma doença?
— De forma alguma, filho, a maior doença do homem é a falta de empatia, hehe — Craig se levantou, pegando o pote de biscoitos na mesa e levando até Damon — eu já ajudei muitos por aqui, alguns mais moribundos que você. Se fosse pegar uma doença, já devia ter pego há muito tempo, hehe!
Damon sorriu genuinamente. Apesar de o conhecer a pouco tempo, já havia gostado do Sr. Craig. Sua energia era semelhante à da mãe antes de ficar doente.
Após comer o suficiente, Damon se colocou de pé. Ele não pretendia passar mais tempo ali. Craig poderia ser um homem generoso, mas seu simples casebre dizia que não era exatamente um ricaço.
— Para onde vai, garoto? — Craig perguntou, de forma simpática — sabe o caminho de casa?
— Eu não tenho casa — Damon disse, tentando não expressar sua tristeza — mas não vou ficar, o senhor não tem que me ajudar, não é sua responsabilidade.
— A responsabilidade às vezes é uma escolha, filho — Craig se esticou na poltrona, fechando os olhos — sendo assim, pode aceitar um convite para trabalhar comigo em minha feira, não é? Hehe.
Damon cerrou os punhos. Ele queria ir embora, não o atrapalhar, mas, no fundo, algo falava mais forte em seu coração. Se segurou para não chorar, pois nem no convento fora tratado tão bem como estava sendo pelo Sr. Craig. Sua mãe, a única pessoa que se importava com ele, estava morta, e ver aquele gesto de um desconhecido o tocou.
— Eu aceito, Sr. Craig — ele se virou para o idoso, com lágrimas nos olhos — obrigado.
— Hehe — ver o orgulho de alguém ser quebrado animava o dia de Craig, pois ele sentia que vivia para isso.
Os dias que se passaram não poderiam ser mais contrastantes com os anteriores, antes de conhecer o Sr. Craig.
Damon se sentia genuinamente feliz, o auxiliando na feira e conhecendo novas pessoas, enquanto tinha uma cama bem confortável para dormir à noite.
Era como se tudo voltasse a ter sentido. No fim, parecia que às vezes as coisas deram errado para que ele pudesse ter os melhores dias de sua vida. Mas o único que agradeceu, foi seu verdadeiro herói, o Sr. Craig, que havia olhado para ele quando todos o esqueceram.
Dois anos passaram convivendo juntos. Já poderiam se considerar grandes amigos, apesar da diferença de idade. Craig e Damon ajudaram muitas outras pessoas, dentro do possível. Foram poucos os momentos em que poderia julgar ter sido ruim em sua vida naqueles anos.
Até que…
— Então quer dizer, que o senhor vai… morrer? — Damon mal conseguiu pronunciar a última palavra, triste.
Craig estava deitado, adoecido. Não sabiam a origem da doença, mas foi provavelmente de um homem que ajudaram na semana passada. Craig tossia frequentemente e Damon tinha que preparar seu medicamento todos os dias, assim como fez com a mãe anos atrás.
— Todos vamos morrer um dia, filho — Craig disse, tossindo no processo, mas com um sorriso no rosto — não fomos feitos para viver para sempre, apenas para cumprir nosso propósito neste mundo, e contemplar contentes o fim da jornada.
— Mas… Sr. Craig, eu não quero que o senhor morra — Damon não aguentou, enchendo seus olhos de lágrimas.
— Isso não está no seu controle, hehe — Craig segurou a mão do jovem firmemente — quando eu morrer, não quero que se lamente, quero que viva. Viva e mostre seu propósito. Como um filósofo disse uma vez, “não existem propósitos frágeis”. Faça o sacrifício que for, para levar ao mundo sua mensagem.
Mesmo tossindo e estando debilitado, Craig não tirava o sorriso do rosto. Sua alegria era inabalável. Damon não foi capaz de ignorar suas palavras.
Mais tarde, ele saiu para comprar mais alguns medicamentos. Felizmente, ninguém ali tinha medo de um possível contágio, pois era incomum ali e o tratamento era mais fácil de ser feito. Então o jovem podia caminhar pelas ruas sem medo de ser taxado ou coisa do tipo.
No meio do caminho, teve que parar, avistando um movimento esquisito no horizonte. Parecia fogo, com gritos de fundo, não sabia explicar. Mas à medida que se aproximava, percebeu com pânico que se tratava de um grupo organizado, trajando roupas brancas e máscaras de ferro, erguendo algo semelhante às colheres gigantes.
Mas que diabos? Damon pensou, com medo.
Os gritos ficaram mais altos, até ele se lembrar de algo que ouviu no convento uma vez: sobre seitas e como algumas poderiam ser perigosas.
Com o sangue gelado, ele saiu correndo dali, se preocupando apenas com o Sr. Craig. Mas ao se virar, notou que mais pessoas vinham correndo. O bairro inteiro havia sido encurralado.
— AHHHH, SOCORRO!
Um homem em chamas passou correndo por Damon, gritando por sua vida. Isso o deixou ainda mais apavorado, correndo o mais rápido possível. Será que eles vão invadir as casas também? Droga!
Mas chegando na sua rua, percebeu que o tumulto já havia se instaurado. Havia fogo e sangue por toda parte. Alguns membros da suposta seita matavam pessoas com suas colheres gigantes, até as deformar.
Sem perder nem um segundo sequer, Damon correu até sua casa… mas já era tarde demais.
Alguns membros da seita rodeavam a cama do Sr. Craig, parecendo discutir alguma coisa. O velho não parecia assustado, como se não tivesse entendido ainda o que estava acontecendo.
— Perguntem logo, doces ou travessuras, hehe.
— Isso não é uma brincadeira, velho maldito — um dos membros disse, com uma voz irritante — vamos matá-lo, em nome do Deus!
— SR. CRAIG! — Damon gritou, arrasado — não o matem, por favor, eu imploro!
— Ora ora, mais um sacrifício — o mesmo membro disse, se virando para Damon.
— É apenas uma brincadeira de dia das bruxas, filho, relaxe — Craig disse, despreocupado.
— Não é não… eles estão matando pessoas lá fora, Sr. Craig.
— Exato, usamos esse dia para ninguém desconfiar de nós.
No mesmo momento, a expressão do idoso se alterou, ficando pasma. Porém, logo ele voltou a sorrir.
— Então parece que não vai ter jeito mesmo, não é? Hehe.
Não. Por favor!
— Está certo então, em nome do Inominável, iremos sacrificar os dois…
— Inominável? — aquilo despertou uma memória em Damon, de quando teve uma alucinação e ouviu uma voz estranha — aquele que se chama @#$?, é desse que estão falando?
Todos os membros se voltaram para Damon, incrédulos. O próprio Damon não sabia dizer o que eram aquelas palavras que acabara de pronunciar.
— Santo Inominável! — o membro de voz irritante disse — vós recebestes uma revelação.
— Revelação?
— Sim, uma revelação do Deus Verdadeiro — o membro tirou a máscara, se mostrando um homem de meia-idade cheio de cicatrizes no rosto — só assim seria capaz de pronunciar seu nome!
Damon estava confuso. Por mais que a alucinação tivesse sido muito real, não a viu como uma revelação ou nada do tipo. Mas aqueles membros da seita não podiam estar mentindo.
— Meu nome é Darius, sou sacerdote sênior do Inominável — Darius se aproximou de Damon — como está explícito nos grimórios, toda pessoa que tem uma revelação, deve tomar esse posto. Então terei que passá-lo para você, jovem.
— Eu? — Damon ainda não estava certo, mas tudo parecia muito real. Nem mesmo o deus cristão lhe entregou uma resposta como aquela.
— Mas antes precisa consumar o sacrifício… deste homem! — apontou para Craig.
Agora até mesmo Craig pareceu confuso, encarando Damon boquiaberto. O jovem não queria fazer aquilo, mesmo que tudo parecesse real.
— E se eu… me recusar?
— Aí o mataremos também por blasfêmia.
Ouvindo aquilo, o Sr. Craig voltou a sorrir. Damon não conseguia entendê-lo às vezes. Como pode estar feliz numa situação dessas?
— Parece que a vida colocou um dilema sobre nós, não é, filho? Hehe — Craig disse, fechando os olhos, como se tivesse aceitado o destino — aceite logo, é melhor do que nós dois morrermos. Eu já iria morrer de qualquer forma.
Damon o encarou incrédulo, chorando de raiva. Como ele pode ser assim? Ainda me incentivar.
Darius, vendo a tristeza nos olhos do futuro sacerdote, percebeu que teria de tomar uma decisão, para o bem do divino.
— Nós consumamos o sacrifício — ele disse, sério — eu vejo um grande potencial em você. Apenas diga que sim.
Foi a decisão mais difícil de sua vida. Mas diante de todas as provas, como poderia negar o pedido do Verdadeiro Deus? Se negasse, eles matariam os dois, nada iria para frente. Então lembrou das palavras de Craig:
“Quando eu morrer, não quero que se lamente, quero que viva”
— ME DESCULPE, SR. CRAIG — ele gritou, odiando a si — EU NÃO QUERIA ISSO.
— Não se lamente, hehe — foram suas últimas palavras.
Damon sacudiu a cabeça afirmativamente para Darius. Era o único jeito que conseguia responder. Ele fechou os olhos, não queria ver aquilo. Apenas ouviu o som das chamas crepitar, sem nenhum pranto.
Depois disso, tornou-se o sacerdote sênior da seita, sendo considerado o mais efetivo de todos.
***
Damon olhou para eles com desdém, decidindo ir até o fim com aquilo, mas, ao mesmo tempo, precisava facilitar as coisas. Precisaria de energia para enfrentar o impostor Weezy.
— Eu só preciso de dois sacrifícios — Damon disse, lentamente — e ainda são vocês, irmãos Becker. Se aceitarem morrer, pouparei o homem de sobretudo e a criatura pequena.
— Não vai rolar — Archie cravou — o único que vai morrer aqui é você por ser tão estúpido.
— Decerto, não abaixarei minhas bolas por um inimigo trivial como vós — Pulget deixou claro.
— Se querem tanto morrer, então morram.
Com um movimento de suas mãos, Damon fez as ataduras avançarem contra o grupo. Pulget logo arremessou sua bola, em direção ao peito do Múmia, mas ela foi repelida por uma das ataduras.
— Não vai conseguir me acertar com isso — Damon disse.
— Estás realmente certo disso?
E com as palavras do homúnculo, a bolinha foi em cheio até o ombro do sacerdote. Ela surgiu à sua esquerda. Demorou até ele entender que na realidade Pulget havia contado com o repelir de seu ataque e planejado a trajetória após isso.
— Isso foi incrível, professor! — Paul exclamou.
Esse pequeno é habilidoso, preciso tirá-lo do jogo. Damon pensou, vendo seu ombro esquerdo sangrar.
Com mais um movimento de suas mãos, ele conduziu as ataduras atrás de Pulget. Sem perceber, o homúnculo foi tirado do ombro de Paul e elevado para cima. Quando o garoto se deu conta, seu ídolo fora completamente coberto pelas ataduras de Damon, mumificado.
— Professor! — ele gritou, vendo que teria de usar suas habilidades para resgatá-lo.
— Nem pensar, Paul Becker.
O sacerdote conduziu as ataduras até o corpo de Paul, que já estava voando para resgatar Pulget. Mas assim que as ataduras começaram a se enrolar, o garoto usou suas fortes garras para rompê-las ao meio.
— Como? — Damon se surpreendeu, mas sem erguer as sobrancelhas — ah, claro, vejo que ficou bem forte com essa transformação concedida pelo impostor.
— Não vou deixar ninguém machucar o professor! — e dizendo isso, voou mais alto, rompendo mais ataduras em seu caminho.
Asas malditas. Damon precisou aderir a outro método, fazendo um movimento circular com as mãos.
As ataduras que estavam atacando Paul se tornaram errantes. Dessa forma, só precisou continuar rompendo as que estavam em seu caminho e avançar até Pulget. Mas no meio do caminho, sentiu as asas pararem, como se estivessem presas.
— O quê?! — ele ficou surpreso ao notar onde elas realmente estavam, descobrindo que as ataduras não eram errantes, mas tudo um plano traiçoeiro de Damon — isso não é justo!
— E quatro contra um é justo?
— Nem devia ter nos atacado, devíamos estar trabalhando juntos!
— Fique calado, criança — O sacerdote fez as ataduras envolverem a boca de Paul.
Agora só restava Archie e Aaron, cujas habilidades não eram muito úteis naquela situação.
— Merda, ele prendeu Paul e o tampinha — Archie disse, desviando com muita dificuldade — não dá pra usar esse espelho aí não?
— Mesmo que dê para repelir o ataque, eu não tenho espaço para projetar todo o espelho aqui — Aaron disse, usando uma adaga que tirou do sobretudo para tentar romper as ataduras — ele pensou em tudo, mesmo não conhecendo nossas habilidades, sabia como nos encurralar.
— Então o que a gente faz? — Archie perguntou, ao mesmo tempo que uma das ataduras se enrolou em seu pé esquerdo, quase o fazendo cair com tudo no chão.
— Nossa única opção é resgatar os outros e sair daqui. Continuar essa luta em outro lugar.
— Desistam de uma vez — Damon cruzou os dedos, fazendo um movimento certeiro que elevou Aaron e Archie aos ares, com seus pés presos pelas ataduras — aceitem e sirvam com sacrifícios para o inominável, isso é uma honra que poucos têm.
— Como morrer por um deus que nem existe pode ser uma honra — Archie provocou, mas logo sua boca também foi coberta.
— Silêncio, seu maldito! — agora Damon parecia realmente irritado — vocês, Becker, deveriam ter sido presas fáceis, não tentado fugir. Por sua causa, a fúria de Deus foi despertada contra esse mundo.
Eu assumo a minha culpa nisso, mas isso não tem nada a ver com o seu deus idiota. Archie queria ter dito.
— Isso tudo é maior do que você pensa, Sacerdote Damon — Aaron disse — você só está sendo usado como uma das peças para perpetuar as consequências desse paradoxo.
Damon ficou surpreso pelo fato daquele homem saber seu nome, mas não demonstrou, usando as ataduras para calá-lo também.
— Vocês não entendem o real problema aqui — Damon começou, pronto para executá-los — tudo que aconteceu desde que o eclipse chegou não foi um amálgama de coincidências sem sentido. Eu já ouvi a voz de Deus, e depois ele provou sua existência. Não existem coincidências, tudo está conectado de alguma forma. Se Deus me colocou nessa situação, foi para provar minha lealdade a ele. E para um servo leal a Deus, não há outro destino exceto triun…
Damon foi interrompido.
Sem qualquer aviso, uma mão atravessou a porta com um soco. Era uma mão peluda e com garras afiadas. Estas garras atravessaram o estômago do sacerdote, fazendo ele cuspir sangue de forma involuntária.
Todos ali estavam confusos. As ataduras que prendiam Archie e os outros se soltaram, retornando para seu dono. O homem múmia caiu de joelhos, quando a mão deixou seu abdômen. Mesmo ferido, ele conseguiu deduzir quem era, pois ele sempre executava da mesma forma.
A porta foi empurrada e Weezy entrou no recinto. Logo reconheceu o corpo de Damon jogado no chão, a vida se esvaindo rapidamente. O tirano o olhou com desprezo, afinal, ele havia desobedecido suas ordens.
— Realmente pensou que entraria em meu palácio despercebido, sacerdote? — Weezy perguntou, começando a andar pelo quarto, que aparentava estar vazio — mas não vim aqui apenas por você. Me foi informado sobre um homem de sobretudo e uma criatura morcego.
Maldição, eu fiz de tudo para que ninguém notasse. Damon pensou, com amargura.
Weezy andou pelo quarto, até chegar às janelas, que ainda estavam trancadas. Pensou que eles provavelmente não estavam juntos do sacerdote, mas não sairia dali sem antes fazer uma pergunta.
Foi até seu corpo, que agonizava, e se agachou, para que pudesse ouvi-lo.
— Me diga, sacerdote, se viu os outros invasores. Nada pode atrapalhar meu casamento — Weezy disse, quase sussurrando, um sussurro ameaçador — eu ainda sou seu Deus, afinal de contas. Quer mesmo morrer cometendo tamanha blasfêmia?
— Que o Inominável lhe conduza ao abismo… impostor maldito! — Damon cuspiu, sabendo que seu fim havia chegado — eles irão o derrotar, e o mundo verá que você é apenas um impostor… ENTENDERAM?!
O grito pegou Weezy de surpresa. Mas aquelas palavras o deixaram irritado. Damon havia pedido pelo morte, e foi isso que o tirano lhe entregou. Ergueu o sacerdote e partiu ao meio, como se não fosse nada.
— OUÇAM, INVASORES — Weezy bradou, bufando de raiva, jogando os restos de Damon no chão — SE EU OS ENCONTRAR, TERÃO O MESMO DESTINO QUE ESSE VERME.
E dizendo isso, deixou o quarto, quebrando a porta inteira no processo.
Nesse mesmo instante, o sino da torre do relógio soou, indicando que faltavam apenas duas horas para o amanhecer do terceiro dia de eclipse.
Archie, Paul, Pulget e Aaron não deixaram o quarto. Igor havia se escondido debaixo da cama, mas o quarteto foi para um canto ao lado do guarda-roupa, ficando invisível graças à ilusão criada pelo espelho de Aaron.
— Isso foi de fato um desfecho inesperado — Pulget comentou, de volta ao ombro de Paul.
— Eu tô surpreso que esse cara não denunciou a gente — Archie disse.
— Sim, e ainda por cima deixou para a gente cumprir — Paul parecia melancólico.
— Ouviram o sino? Nosso tempo está acabando — Aaron alertou — o sistema me deu setenta e cinco por cento de chance de certeza que após o terceiro dia o eclipse chegaria ao fim.
— E só agora nos contou isso?! — Archie e Paul exclamaram.
Sem querer discutir por mais tempo, eles abriram a janela e seguiram pelo caminho que Damon lhes contou. Não achavam seguro voltar para o corredor aberto. Alguém devia tê-los visto e dito para Weezy.