As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 44
“Se permitem uma anedota: não se faz um omelete sem quebrar alguns ovos” – Pulget, o pequeno
A decoração do jeito casamento já estava praticamente pronta. Vários servos transitavam pelos jardins terminando seu serviço. Mas o que mais chamou a atenção de Weezy foi o bolo gigante. Mesmo para ele, que não precisava comer para sobreviver, aquilo parecia apetitoso.
— Senhor, contemple o majestoso gâteau — um dos chefs disse, com uma reverência.
— Um majestoso gâteau para uma majestade — o outro chef disse, imitando o gesto de seu colega.
— Era exatamente disso que eu precisava — Weezy comentou, com um sorriso mostrando todos as suas presas afiadas — vamos ver se ele consegue cumprir o papel.
E dizendo isso, Weezy usou o dedo indicador para purificar o bolo. Já havia purificado algo inanimado antes, mas estava curioso em ver isso aplicado a um alimento.
Aguardou alguns segundos, até que o bolo começou a se mover. Os chefs testemunharam com horror, sua criação deliciosa ganhar olhos vazios e uma boca gigante, cheia de dentes de glacê, pelo menos era o que eles pensavam.
— Agora sim, me parece útil.
— Mas… senhor… — um dos chefs tentou dizer, engolindo em seco — fizemos esse gâteau… para que fosse degustado.
— Não se preocupem com isso, não preciso degustar nada. Só quem precisa se alimentar para sobreviver são os impuros, esse é o seu fardo.
— Mas senhor — o outro chef parecia incrédulo — o bolo era para os convidados também…
— Olhe a sua volta, todos aqui são purificados, ninguém precisa comer nada — Weezy estava começando a se irritar — vocês fizeram este bolo para mim, e eu faço o que eu quiser com ele. Lembrem-se, eu sou o dono de tudo que vocês conseguem enxergar nesse mundo.
O chef teimoso não ficou satisfeito, começando a tremer, mas claramente querendo falar algo. Enquanto o outro chef mais calmo parecia tentar controlá-lo. Weezy, que estava com um charuto na boca, apenas contemplou sua nova criação, gostando do que via.
— EU… NÃO VOU ADMITIR ISSO — o chef teimoso explodiu — FIZEMOS O BOLO PARA MILORDE, MAS EU, UM CONFISEUR COM ORGULHO, NÃO ACEITAREI QUE ESTRAGUE MINHA OEUVRE D’ART!
— Estrague? — Aquilo sim irritou o tirano, que tragou uma última vez seu charuto e o jogou fora — está dizendo que eu estraguei sua criação?
Fez-se um silêncio por toda parte. Os outros servos ao redor olhavam a cena, nervosos. Eles sabiam do que Weezy era capaz, quando desrespeitado. Mas o fato do tirano ser três vezes o tamanho do baixinho chef, fazia a cena parecer ainda mais tensa.
Weezy então se agachou, até conseguir enxergar melhor aquele que o desafiava. Seu olhar agora era sério, ameaçador e penetrante. O chef sequer conseguiu o encarar de volta, engolindo em seco e tremendo.
— Realmente pensa que eu estraguei sua obra de arte? Realmente pensa que existe algo mais bem feito que as coisas que eu faço? Não existem, pois eu sou Deus, o ser mais importante e poderoso desse universo. E eu irei repetir isso quantas vezes for necessária… ATÉ TOLOS COMO VOCÊ ENTENDEREM!
E dizendo isso, Weezy pegou o chef pelo pescoço e o jogou para o bolo vivo. A criatura doce o engoliu sem hesitar, mastigando no processo. A cena toda foi muito perturbadora. O outro chef viu arrebatado a cena, prometendo a si mesmo que nunca mais questionaria o seu senhor.
— Bom, agora que testemunharam o meu poder mais uma vez, podem voltar aos seus afazeres — Weezy ordenou para os bisbilhoteiros boquiabertos — e você — indicou o chef que restou — cuide da minha criação. Se algum intruso aparecer, apresente-o a eles.
O colega do chef olhou para o bolo assassino, que arrotou após aparentemente ter digerido sua refeição. O cozinheiro não sabia se era melhor andar ao lado daquilo, ou ser morto por Weezy. Pensou que não tinha escolha.
— Ei, gárgula — Weezy chamou o fiel servo, que checava com uma prancheta os afazeres da decoração — traga minha noiva, a cerimônia já irá começar.
— Mas senhor, ainda falta mais alguns prepara…
— Para mim está perfeito, me entendeu?
O gárgula lembrou do que acabara de acontecer, decidindo que contrariar o tirano era a pior decisão que poderia tomar. Deixou os jardins, com muito cuidado para não topar com o Bolo Assassino.
***
— Ele deu vida ao bolo? Isso é loucura — Archie disse, só não mais incrédulo por já ter visto Weezy dar vida a outra coisa inanimada.
Ele e os outros já estavam no último andar inferior, espiando os jardins pela janela de uma sala de negócios ministeriais.
— O poder dele parece ser realmente impressionante — Aaron comentou — nunca vi um resultado assim antes. Paracelso teve que trabalhar anos para criar Pulget.
— Espera, o professor foi criado?! — Paul se surpreendeu.
— Uma longínqua história — o homúnculo abafou — receio que precisamos planificar os próximos passos.
— O plano é… esperar o momento certo — Aaron parecia misterioso.
— E qual seria esse momento? — Archie se mostrou impaciente — daqui a pouco vai começar a cerimônia, e eu não vou deixar aquele maldito consumar o casamento com Mary!
— Isso é muito estranho, não é? — Paul levantou a questão — conhecendo a Mary, ela jamais aceitaria se casar desse jeito. Ela não tem mais nada a perder, se a gente considerar que o Sr. Robinson fugiu ou não foi descoberto.
— O que quer dizer, Paul? É claro que ela foi forçada a aceitar, senão o maldito não teria feito toda essa decoração.
— Exatamente, Archie — Paul sorriu, olhando empolgado para os jardins — a Mary com certeza deve ter um plano, mas mal ela sabe que a gente tá aqui caso tudo dê errado.
O detetive enfim sacou. Mesmo assim, ele não sabia dizer o que Mary poderia planejar para atacar um ser tão poderoso quanto Weezy. Ele não queria que ela corresse aquele risco.
— Então é disso que tá falando? Que a gente tem que esperar Mary agir antes de atacar? — ele perguntou ao alquimista.
— Estou apenas seguindo o protocolo do Sistema, e não tem motivo para lhe contar exatamente os detalhes. Apenas ouça e espere, é o único jeito disso dar certo.
Archie não se convenceu completamente. Victor também carregava a mesma certeza que Aaron antes de usar a mistura executora, pensou que talvez fosse coisa de família. Ele tá literalmente seguindo o mesmo plano de Victor.
***
A garota sentia o nervosismo se elevar a cada segundo que passava ali. Ela aguardava ser convocada por Weezy no pátio. Tudo parecia muito repentino, ela não sabia que teria de lidar com aquela situação tão cedo.
Ele não parecia ter pressa. Será que aconteceu alguma coisa?
Mary sabia que não teria a resposta, então decidiu se concentrar no que estava prestes a fazer. Até mesmo aceitar que provavelmente morreria. Mesmo se houvesse alguma possibilidade de dar certo, estaria cercada por servos do tirano.
Ela não podia nem sequer correr dali, pois quatro esqueletos a escoltavam. Então tudo o que fez foi respirar fundo e tentar se acalmar.
Ao mesmo tempo, começou a se lembrar da mãe. Como se tudo o que ela disse durante toda a sua infância estivesse se concretizando.
“Se você não souber jogar o jogo, vai morrer em vão, filha” foi o que ela lhe disse quando Mary fez quinze anos, “esse mundo não é justo, muito menos pertence a nós, mulheres. Então tenha noção do seu lugar e tente fazer a mudança que está ao seu alcance”.
E qual foi a mudança que a senhora fez, mamãe. Mary se sentia frustrada, era como se o universo a tivesse colocado naquela situação apenas para reforçar seu papel na sociedade.
Mas foi esse pensamento que a fez se sentir mais determinada. Então tá na hora de desafiar o universo, Mary.
Nesse mesmo instante, o portão do pátio se abriu, expondo o exterior do palácio. Mary viu um caminho reto feito com flores espinhosas, que levava até o palco erguido. Ela nem quis olhar para frente.
— Ande, senhorita — um dos esqueletos disse, um tanto ríspido.
Ela caminhou sem pressa, olhando para qualquer lugar, menos para o palco.
Ao seu redor, viu vários servos a encarando de forma penetrante. Haviam também músicos tocando uma melodia sinistra em suas gaitas e saxofones. Tomou um susto ao ver o bolo gigante de casamento com vida, mas não expressou nada.
Essa é a pior festa de casamento que eu já vi. Concluiu, sentindo o coração bater mais forte. E eu vou tornar ela ainda pior.
***
— Eu vou acabar com aquele maldito! — Archie rosnou, ao ver Mary, vestida de noiva se aproximando do palco.
— Se acalme, Archie, ainda não chegou o momento — Aaron reforçou.
— E quando vai ser o momento? Na hora do beijo?
— Exatamente.
Archie sentiu vontade de dar um soco em Aaron, mas se lembrou da última ocasião em que tentou fazer isso, o que não deu muito certo. Então decidiu apenas deixar a sala por conta própria, pois sabia que eles iriam o seguir.
Mas como se tivesse previsto aquilo, o alquimista o segurou. Paul também ajudou, pois o irmão parecia descontrolado.
— Me soltem, vocês estão malucos?! — Archie perguntou, agitado, querendo se desvencilhar — eu não vou deixar ele beijar ela. Mary é minha noiva, e ela não quer isso… ME SOLTEM!
Aaron colocou a mão em sua boca, para que ele ficasse em silêncio.
***
Mary enfim chegou ao palco, subindo nos degraus sem ajuda. Ela ainda estava cabisbaixa, olhando só a capa de monarca que Weezy havia posto sendo erguida pelo vento. Fora isso, ele não usava roupa alguma.
O ambiente estava eufórico, com muitos dos servos conversando alto e batendo palmas para a chegada da noiva do tirano. A garota sentiu vontade de chorar, mas não de tristeza, e sim de raiva.
— CALEM A BOCA! — Weezy gritou, assustando até mesmo Mary no processo — muito bem, se alguém interromper esse momento, irá morrer.
Weezy já havia tomado as medidas para impedir que aquilo acontecesse, mas mesmo assim, achou melhor deixar o aviso em alto e bom som. O bolo assassino estava no meio dos jardins, pronto para atacar caso fosse necessário.
— Milorde… posso começar? — o gárgula, que estava como padre, perguntou.
— E logo.
— Certo, certo… — a criaturinha pigarreou — essa é uma noite muito especial, monstruosos e monstruosidades. Pois nessa noite celebraremos a união de dois seres cuja beleza divina é mútua…
Não eram as mesmas palavras ditas em um casamento convencional, Mary notou. Provavelmente foi o próprio Weezy que escreveu aquele discurso.
Ela se recusou a prestar atenção, se concentrando em quão rápido teria que ser, e se estava preparada para as consequências. Ela sabia que iria morrer, que provavelmente daria errado e queria chorar por aquilo.
Tudo o que eu sonhei em ser, tudo o que eu aprendi com Julia Aurora e sua demonstração de força… não adiantou de nada.
— Claro que adiantou, querida — ela ouviu uma voz desconhecida invadir seus ouvidos.
Ao se virar, viu uma figura no meio do caminho até o palco que a observava. Era uma mulher, com mais ou menos a sua idade, com longos cabelos castanhos e usando um vestido preto. Era exatamente a descrição que era feita de Julia Aurora em relatos de pessoas que a viram.
Mary ficou incrédula. Ela poderia estar ali?
Pensou que talvez fosse algo da sua cabeça, principalmente pelo fato de toda a realidade ao seu redor ter parado e seu foco estar apenas na garota.
— Você é… real? — Mary perguntou, receosa.
— É claro que sou, Mary — Julia disse, se aproximando — dentro da sua imaginação.
— Por que eu estaria imaginando uma coisa dessas nesse momento?
— Porque você sabe que lá no fundo, você é forte.
— Não tanto quanto você — seu tom era triste.
— Em questão de força física pode até ser, graças aos meus poderes, mas… — Julia pôs um dedo no queixo de Mary e o levantou — sua força mental é maior que a minha, acredite. Fora que, mesmo com meus poderes, acha mesmo que derrotaria esse canalha aí?
— Claro que poderia, você é incrível.
— Você também é — aquelas palavras vindas de uma projeção da sua ídola foram capazes de lhe comover — saiba apenas de uma coisa, eu morreria, mas não me sujeitaria a nada que eu não quisesse. Você também é assim, eu sei.
Aquelas palavras a motivaram para aquele momento de vacilo. Eu mesma disse que a minha mensagem ia soar alta antes de eu morrer!
E de forma repentina, tudo voltou ao normal. Julia havia sumido, tudo ao seu redor voltou a ter vida. O discurso do gárgula parecia ter chegado ao fim:
— E com isso, pode beijar a noiva!
Mary rapidamente fingiu estar atenta, vendo Weezy a olhar, sedento por aquele momento.
“Você é forte, Mary, eu sei que pode aguentar isso” foi a frase mais carinhosa que sua mãe já lhe disse.
Weezy, vendo que não conseguiria beijá-la em pé, decidiu se ajoelhar. Pensou que aquilo pudesse agradá-la de alguma forma.
— Você me aceita como seu esposo, Mary Robinson? — De joelhos, a criatura parecia sem jeito, como um homem que estava prestes a dar o primeiro beijo.
— Claro, meu querido — Mary disse, sorrindo, sabendo que aquilo o deixaria distraído o suficiente — SÓ SE FOR NO INFERNO!
A plateia foi ao delírio!
Em um movimento rápido e imperceptível, ela sacou a adaga do vestido, puxando o coldre e tudo. Como a lâmina já estava desembainhada, foi fácil cravá-la no olho de Weezy. E mesmo que seus globos oculares fossem mais resistentes que o normal, a ponta afiada e a pressão que Mary colocou naquele golpe fez um estrago.
A garota havia canalizado o ódio de uma vida naquele golpe. Toda a sua revolta contra as injustiças, os olhares dos homens, os comentários desagradáveis feitos no meio de uma mesa e que ninguém achava absurdo.
A senhora estava certa, mamãe, eu realmente sou forte.
Ela nem sequer se deu o trabalho de tirar a adaga, deixou o palco e saiu correndo pelo caminho reto. Os servos estavam tão chocados, que não reagiram.
Pela primeira vez, estavam vendo seu mestre gritar de dor, espernear e parecer desnorteado. O próprio Weezy não sabia o que estava acontecendo, pois era a primeira vez que sentia dor, e aquilo era horrível.
— EU VOU MORRER, SOCORRO! — ele gritou, com um desespero genuíno — EU NÃO QUERO MORRER, ALGUÉM ME AJUDA!
O gárgula e outros dois sentinelas foram até o tirano e ajudaram a tirar a adaga do seu olho. Mas assim que conseguiram, Weezy gritou ainda mais, em uma cena ridícula.
Passou-se um tempo, até a dor passar um pouco. Weezy abriu seu único olho e viu sangue escorrer pelo outro. Ele não estava acreditando naquilo, como ele podia estar sangrando? Ele era um Deus!
Não, eu não vou morrer. Ele atestou, aliviado, recuperando a postura aos poucos. Isso foi mais um teste, esse olho vai certamente se regenerar.
Por insistência, ele não quis acreditar de imediato que fora sua esposa quem fez aquilo. Mas ela estava longe, próxima a entrada do palácio, ofegante, mas com um sorriso no rosto.
— O QUE FOI ISSO? — Weezy gritou, olhando para todos os presentes — QUEM FOI O RESPONSÁVEL POR ISSO? QUEM ME ATACOU?
— Fui eu mesma, seu monstro — Mary disse, plena — pensou mesmo que eu ia casar com você assim tão facilmente?
— Então foi você — era como se seu mundo tivesse caído, um deus como ele jamais aceitaria tal rejeição. Ele assumiu um semblante sombrio — eu lamento que seja assim, Miss Robinson, mas já é a segunda vez que se revolta contra mim. Sentinelas, prendam-na e matem o pai dela. Esse casamento está encerrado.
Muitos servos armados com lanças e espadas começaram a se levantar, indo em direção a garota. Me desculpa, papai, mas tenho certeza que o senhor vai se orgulhar quando souber.
Mas bem antes que qualquer um deles pudesse chegar perto dela, algo estranho aconteceu. Uma bolinha pequena começou a acertar a testa de cada um dos sentinelas armados, como se sua trajetória tivesse sido milimetricamente calculada.
Ao fim, todos os sentinelas caíram mortos no chão, criando uma agitação entre os demais.
— BALA PERDIDA, CORRAM!
Desesperados, os demais servos começaram a deixar os jardins correndo e se esbarrando.
— Isso de fato, foi um belo acerto — ela ouviu uma voz fanha atrás de si.
Mary ficou incrédula, ao ver Archie, Paul ainda transformado em criatura morcego e mais um indivíduo surgindo as suas costas. Era como um milagre.
— Archie, você tá vivo! — ela não resistiu e o abraçou, grata por ele estar ali.
— Por pouco, mas estou — ele disse, retribuindo o abraço, também se emocionando — eu já falei que você é incrível? Que estrago você fez no maldito, hein.
— Creio que não tenhamos tempo para conversar — Aaron disse, retirando algo do bolso do seu sobretudo — suponho que queira nos ajudar, senhorita.
O homem desconhecido de sobretudo lhe ofereceu uma adaga. Mary a aceitou, mesmo que não conhecesse o sujeito. Então olhou para o noivo.
— Este é o Sr. Schmidt… bem, é uma longa história — Archie explicou — depois eu explico, ele basicamente me salvou e tem um plano para derrotar Weezy.
Sem nenhum contexto, Mary achou aquilo milagroso demais. Mas nem pensou em reclamar, se era a favor deles. Ela se voltou para Paul, preocupado com sua aparência, se perguntando se ele possuía controle de si próprio.
— Não se preocupe, Mary, eu tô bem — Paul leu seus pensamentos — Na verdade, fiquei até mais forte.
— Sem dúvidas, Sir Paul está em sua forma mais formidável — Pulget comentou, assustando Mary, que ficou ainda mais confusa — ah, muito prazer, senhorita, meu nome é Pulget, o pequeno. A senhorita me lembra uma antiga companheira, seu nome era Julia Aurora.
Mary sentia sua cabeça girando de tanta informação repentina e conveniente. Decidiu usar seu controle emocional para ignorar aquilo e focar no que importava.
— Ora, ora — Weezy notou Archie e companhia — eu sabia que ainda tinha intrusos aqui, mas nunca pensei que seria você. Pensei que o tivesse matado.
— Devia ter batido mais forte, otário — Archie debochou, odiando Weezy — agora vai se arrepender de ter matado meu amigo e tentado casar com minha noiva.
— E como fala, não é mesmo? — Weezy se virou, com as mãos cruzadas para trás — pensei que em nosso último encontro, tinha entendido que eu era imbatível. Seu amigo provou isso.
Ele apontou para Victor, na cruz, deixando o detetive ainda mais irado. No entanto, Archie decidiu se acalmar. Não permitiria que Weezy o tirasse do controle e o fizesse tomar uma decisão idiota.
— Bem, Mary provou o contrário.
O tom de deboche e a verdade daquelas palavras afetaram Weezy, que se virou com ódio, pronto para investir.
— Eu cansei de ter que provar que sou o maior de todos, é hora de acabar com essa palhaçada — Weezy pegou uma cadeira próxima e se sentou em cima do palco — vou deixar esse trabalho para o meu servo mais poderoso.
— AHAMCARRRRRR — um grunhido sinistro veio de um canto dos jardins.
Era o bolo assassino, como eles esperavam.
— Bom, é muito fácil derrotar esse bolo, só não chegar perto dele — Paul comentou.
E quão infeliz foi seu comentário.
Sem qualquer indício, o bolo gigante se pôs de pé. Sim, pernas e mãos gigantes surgiram sem qualquer explicação. Logo o oponente inofensivo, se tornou um verdadeiro titã. E como tinham visto antes, aquele bolo era agressivo.
— Acho que tá na hora da gente fazer o trabalho em equipe, não é? — Archie perguntou, vendo aquele colosso de glacê se aproximar.
— Droga, ele é grande demais, não posso usar meu espelho contra ele — Aaron disse.
— Cuidado! — Mary exclamou, quando o bolo gigante decidiu dar um chute.
Eles se lançaram para longe do ataque fatal. Pulget caiu no chão. Sem perder tempo, tentou acertar uma de suas bolinhas no bolo.
— Poderia esse delicioso monstro ter um uma consciência carnal? — Pulget questionou, mirando na camada de bolo do topo.
Mas para sua infelicidade, a bolinha apenas atravessou, não causando nenhum dano ao oponente. Só serviu para ter as atenções voltadas para si.
— Que Skript me guarde — o homúnculo disse, aceitando a derrota ao ver aquele pé vindo o esmagar — no fim, a ironia, eu realmente iria morrer esmagado como uma peste.
Mas no mesmo momento, Paul passou voando e conseguiu salvar o homúnculo do pisão em um rasante.
— Bendito seja, Sir Paul — o homúnculo agradeceu.
— Será que tem um jeito de derrotar um bolo? — Paul indagou, pousando próximo aos outros que se recuperavam do ataque que por pouco desviaram.
— Sei lá, comendo ele? — Archie deduziu, achando um absurdo estarem em desvantagem contra um bolo gigante. O inimigo mais ridículo entre todos que já enfrentaram.
— Nem se quiséssemos conseguiríamos comer um bolo tão grande assim — Mary se surpreendeu com a própria conclusão óbvia e estúpida.
— Creio que uma trupe voadora daria conta desse feito — Pulget comentou.
E como um milagre, uma trupe de pássaros surgiu, sobrevoando os jardins. Eram aves de todas as espécies possíveis em uma quantidade incontável. Mary não se surpreendeu ao ver qual ave ia à frente das demais: um pombo correio.
— Gaibora Karpa! — ela exclamou, animada.
— Senhorita — a ave disse, pomposo como sempre — perdoe-me, mas eu me demiti daquele emprego maldito, agora eu e meus camaradas iremos começar a nossa revolução, a Revolução Revoada!
— Ei, é aquele pássaro falante? — Paul perguntou.
— Pelo visto sim, que outro pássaro falante conhecemos? — Archie disse.
— Não estamos mais presos em amarras, camaradas — Gaibora Karpa e os demais se reuniram em volta do bolo gigante, que parecia confuso — vamos tomar tudo o que é deles, incluindo seu banquete. Agora, comam tudo o que quiserem!
E dizendo isso, uma centena de aves partiu para cima do bolo gigante, o fazendo correr dali enquanto levava uma série de bicadas. Mas como um enxame de abelhas, o monstro doce acabou cedendo e caindo com tudo no chão, bem longe de onde Archie e companhia estavam.
Nem Weezy acreditou na cena que viu. Havia apostado tanto naquela criatura, que esqueceu que no fim ainda era só uma comida.
— Que patético — ele disse, voltando sua atenção para os oponentes — essa cerimônia deveria ter ocorrido perfeitamente, mas no fim, vocês a estragaram por completo. Vocês têm sido as pestes mais petulantes na minha jornada de ascensão divina.
— Corta esse papo — Archie disse, se colocando em posição de combate. Paul, Pulget e Mary o acompanharam.
Aaron aproveitou para começar a preparar a mistura executora. Já o tirano, tirou a capa que usava, deixando o palco em passos lentos.
— Como seres insignificantes como vocês podem ser tão insistentes? — Weezy indagou, retoricamente — as provas da minha imortalidade deveriam bastar. Por que não aceitaram que eu era Deus e preservaram suas vidas?
— Apenas um ser arrogante e limitado acredita ser um deus, pois se o fosse, não precisaria se pôr a prova para outrem — Pulget soltou — isso aponta uma grande insegurança emocional que o indivíduo possui.
Aquilo ficou na mente de Weezy, o deixando com mais raiva. No entanto, notou uma semelhança daquela frase com um livro que tinha lido.
— Pulget, o pequeno, hein? — Weezy sorriu — não sei como está vivo ainda, mas vejo que também não é humano. Ora, alguém com uma sabedoria como a sua deveria reconhecer minha soberania. Veja quanto poder eu tenho.
— Poder não lhe coloca acima dos outros, só o corrompe por dentro.
Weezy grunhiu, aquelas palavras incomodavam demais.
— Fora que, você não é imortal — Archie se intrometeu — um ser imortal seria resistente a uma lâmina, não acha?
— Isso vai regenerar — Weezy insistiu — quanto a você, querida — indicou Mary — teria tudo de melhor que esse mundo pode oferecer se ficasse ao meu lado.
— Eu prefiro não ter nada, que ser forçada a ficar ao seu lado — Mary disse, decidida — nem mesmo você, alguém que se diz tão poderoso, pode ter tudo. Cadê os seus servos? Todos fugiram, com medo, pois é só isso que os prende a você.
— Já chega! — Weezy começou a caminhar mais rápido em direção a eles — você vai permanecer comigo pra sempre, Miss Robinson, até que me ame. Cada centímetro do seu corpo me pertence e eu farei o que quiser com ele. Irei matar todos que você conhece e no fim você só terá a mim para amar!
Mas quando ele estava perto, Archie, Paul e Mary abriram caminho, revelando Aaron com o canhão de vidro em mãos. Sem pestanejar, o alquimista disparou, lançando o tirano de volta ao palco.
Archie e os demais não se moveram, decidindo não cair novamente na armadilha de possivelmente Weezy ainda estar vivo. Mas nem precisaram, pois logo o monstro se pôs de pé, começando a rir alto.
— É sério? O mesmo truque? HAHAHA — assim como da última vez, abriu os braços, pedindo o ataque — não vamos mais perder tempo com isso, sabemos o resultado.
Aaron então disparou o próximo, mas no momento em que Weezy seria acertado, este rebateu com os punhos. A bala de energia no fim só o fez deslizar um pouco para trás.
Impossível. Aaron pensou, ficando tenso como raramente ficava, vendo que as coisas estavam mais fora do controle do que ele imaginava.
— Isso não vai dar certo — Mary disse, aflita — Archie, precisamos sair daqui. Ele vai matar vocês depois que ele der o último tiro.
— Ela tem razão, Archie — Aaron disse, determinado — se esse disparo der errado, não vai ter mais jeito. Vocês precisam fugir.
— Mas e o senhor? — foi Paul quem perguntou.
— Eu escolhi essa missão, eu mandarei meu relatório para a Sociedade antes de morrer. Não se preocupem. Agora, vão!
O tom de Aaron era confiante, os convencendo a ir. Mary e Paul começaram a correr, mas logo notaram que Archie não tinha se mexido.
— Archie, vem logo — Mary o chamou, seu coração acelerado.
— Não, eu vou ficar — o tom do detetive parecia mais sombrio que o normal — podem ir, eu irei ajudar o Sr. Schmidt.
— O que você tá falando, Archie — Paul parecia irritado — ele tá se sacrificando por nós e você quer ficar?
— Eu tenho um plano B — ele parecia decidido.
Mary queria bater nele, pela sua estupidez. Mas ao invés disso, decidiu lhe dar uma chance. Nunca viu o parceiro tão confiante quanto naquele momento.
Paul, vendo que Mary havia cedido, não teve outra escolha. Se tivesse que morrer, eles morreriam juntos.
— Receio que essa já é uma luta ganha, segundo o Sistema — foi o argumento de Pulget.
Aaron decidiu não insistir. Ele sabia que não valeria a pena. Ele é parecido com você, Arthur, de certa forma.
— Vamos, acabe logo com isso — Weezy continuou, ainda com o semblante triunfante — está com medo de errar como esse outro aqui errou?
O alquimista olhou uma última vez para Victor, notando que estava na mesma situação que ele antes de morrer. Pensou que talvez fosse o destino cobrando sua tolice, por ter colocado uma responsabilidade tão grande nas mãos de um jovem.
— Existe um ditado bastante popular no futuro — Aaron comentou, dando um leve sorriso — que diz que “vaso ruim não quebra”, vamos ver se você é um deles.
E então disparou.
Weezy novamente bloqueou o ataque com os braços, criando uma grande nuvem de fumaça ao seu redor, já que aquele era o ataque mais potente da mistura.
A fumaça se dissipando deixou uma tensão no ar.
O canhão de vidro se espatifou em pedaços, com Archie se abaixando e catando o máximo de cacos que conseguiu. Paul ficou confuso com aquilo:
— O que vai fazer com esses cacos?
— Experimentar um negócio — Archie respondeu, sabendo que a mistura executora juntava os dois balões de fundo redondo, formando um canhão — é a nossa última chance.
Ele sacou os seus dois balões, e começou a jogar os cacos ali dentro, os misturando entre os recipientes. Mary e Paul pareciam confusos, enquanto Pulget parecia amedrontado.
Enfim, a fumaça se dissipou, revelando o pior: Weezy estava intacto.
Não pode ser, então o Sistema errou? Aaron estava incrédulo, decidindo que era melhor fazer seu relatório final. É a primeira vez que o Sistema erra em suas previsões.
Weezy, sem dizer nada, se aproximou. Estava pronto para matar o alquimista.
— Espera aí! — Archie disse, se colocando na frente dos demais, com o balão contendo um elixir brilhante, que piscava entre as cores vermelho, azul e verde — ainda não acabou.
— Então tem mais um truque na manga? Acha que ele vai funcionar?
— Na verdade… eu não sei, talvez eu morra no processo — o tom de Archie era irônico — por que não tentar, não acha?
E dizendo isso, bebeu o elixir misterioso.
— Alquimista — Pulget chamou — ele ingeriu… Sir Archie catou os cacos do solo fértil e…
Aaron não precisava ouvir mais, ele já sabia o que estava acontecendo ali. Ele não teve reação senão ficar boquiaberto. Archie havia cometido a maior idiotice que algum alquimista poderia cometer.