As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 45
“Se vocês sempre se apegarem as consequências futuras, jamais farão a diferença” – Pulget, o pequeno
A sala vibrava em um tom sépia, graças às luzes fluorescentes, que davam um charme único ao local. Lotada de estantes contendo livros, materiais para pesquisa e artigos de reconhecimento, o cômodo parecia grande demais para um simples escritório.
Mas não era qualquer escritório, aqueles eram os aposentos de Arthur Becker, o maior alquimista e Mestre de Misturas de seu tempo.
O gênio fazia algumas anotações esporádicas em sua caderneta. Aquele fora um dia comum, sem grandes descobertas, o que para Arthur não era um problema. Já faz tanto tempo, uns quarenta anos, talvez?
Sua barba havia crescido bastante e ele decidiu preservá-la. Já não era mais o jovem que sobreviveu a tantos experimentos perigosos. Ele já tinha uma família. Não podia se dar ao luxo de morrer e deixar Brianna e seu filho Edward para trás.
Ainda assim, sentia saudades de Pulget, Julia e até mesmo Luther, quando ainda estava possuído pela entidade cósmica. Todos haviam trilhado seus próprios caminhos e era nostálgico lembrar daqueles acontecimentos, por mais que tivesse perdido o professor Paracelso e o Sr. Petry.
Seus devaneios foram interrompidos pela porta do escritório sendo aberta. Ele era o único dos grandes figurões da Sociedade que não a fechava, pelo simples fato de ter preguiça de se levantar para atender quem quer que fosse.
— Espero não estar atrapalhando, Mestre Arthur — era Aaron, o qual considerava um grande amigo, por mais que não se vissem muito graças aos afazeres da casa.
— Sr. Schmidt, você não envelhece nunca, não é? — Arthur disse, daquele jeito despretensioso.
— Impressão sua — o alquimista sorriu, como raramente fazia — bom, indo direto ao ponto, gostaria de ouvir mais sobre suas considerações a respeito da troca equivalente.
— Ah, verdade, eu disse que reportaria — Arthur consultou outros papéis em sua mesa — bem… bem… aqui está. Podemos começar pelo básico ou já pulo para o que importa?
— Como desejar, você é o gênio aqui — Aaron disse em um tom generoso.
— Certo. A troca equivalente está totalmente ligada com a arte das misturas. Ela nos permite criar as coisas a partir do nada, mas impondo condições e carregando consequências, caso seja feita de qualquer jeito. No entanto, a troca equivalente pode ser usada pelo alquimista do jeito que desejar, mas ele precisa estar preparado para a troca que irá fazer.
“Foi o que aconteceu com o Sr. Petry, ele usou a troca equivalente para um ataque poderoso, que o ajudaria naquele momento, ao mesmo tempo, sacrificando sua habilidade de usar o seu elixir novamente. Por esse motivo, a Mistura Meta é um tabu necessário, pois ela manifesta a escala suprema da troca equivalente”.
— Então isso quer dizer que ela é real? Não apenas uma lenda criada por alquimistas sonhadores?
— Antes fosse. Em minhas pesquisas, descobri que na realidade, se um organismo aguentasse os efeitos colaterais dessa mistura, talvez as coisas mais inimagináveis que possamos imaginar poderiam ser concretizadas. É por isso que a Mistura Meta deve continuar sendo um tabu, pois as chances do usuário que conseguir sobreviver a ela usar para o bem, são poucas.
Aaron não questionou mais, notando na voz do Mestre de Misturas o peso daquele conhecimento.
***
O sino da torre do relógio soou, indicando que faltava uma hora para o amanhecer.
Eu nunca deveria ter contado. Eu nunca pensei que ele faria isso. Aaron pensou, culpado ao perceber que Archie havia ingerido uma Mistura Meta.
O detetive começou a agonizar. Ele ficou de joelhos, com a sensação de um veneno o matando. Mesmo assim, Archie não tinha arrependimentos, ele sabia que aquilo poderia acontecer.
Pensou em Paul e Mary, em como queria salvá-los e que Paul voltasse a ser humano; pensou em Aaron, em seus pais, mesmo tendo suas desavenças com Henry. Me desculpa, pai, eu não ajudei também, como filho.
Pensou no mundo, em como queria que o sol voltasse a nascer; as pessoas acordando e voltando a se tornarem humanas. Pensou até mesmo em Midna, em como ele havia prometido que para ela que protegeria Paul.
E assim, ele caiu, diante de Aaron, Mary e Paul, que ficaram chocados.
— Não… não… — Mary começou a soluçar.
— ARCHIE, ACORDA! — Paul gritou, querendo se aproximar de Archie, mas não podia, pois ele estava muito perto de Weezy — VOCÊ JÁ SOBREVIVEU ANTES.
— A Mistura Meta, Sir Paul, não tem volta — Pulget disse, com muito pesar, novamente lidando com a morte.
— Como pode ter sido tão tolo, Archie? — Aaron se sentia irritado consigo mesmo. Tudo havia dado errado naquela operação. Os Becker não deveriam acabar daquele jeito.
— Então é assim que termina a sua resistência a mim, o Deus deste mundo? — Weezy perguntou, começando a gargalhar alto — está mais que provado, tudo que acontece aqui é enrolação. No momento em que nasci, a profecia do fatalismo se fez verdadeira.
Ele começou a se aproximar dos outros, ignorando o corpo inerte de Archie. Nenhum deles tentou fugir, paralisados por aquele choque de realidade. No entanto, quando estava perto o suficiente, Aaron se colocou na frente dos demais, preparado para o seu destino.
— Parece que você quer morrer primeiro — o tirano se preparou para matá-lo da mesma forma que matou Frankenstein.
— Tudo isso aconteceu também por minha imprudência, eu devo pagar — Aaron fechou os olhos — me desculpem, Srta. Robinson, Paul, Pulget, vocês não precisavam morrer também.
Sem querer mais arrastar aquela situação, Weezy expôs suas garras, levando-as em direção ao estômago daquele humano insignificante.
No mesmo momento, Aaron ativou seu espelho, em uma última tentativa. No momento em que o soco fatal de Weezy colidiu contra o objeto tridimensional, o golpe não foi repelido, como deveria ser, ao invés disso, Weezy espatifou o vidro em milhares de cacos.
Como eu imaginei, o poder dessa criatura está além do que a mistura pode fazer. Aaron sentia o suor frio escorrer do seu rosto. Não há mais nada o que fazer.
— Tentando me enganar mais uma vez? — o tirano nem perdeu tempo, já fechando seu punho para mais um golpe — eu já estou cansado disso. EU JÁ SOU UM DEUS, JÁ CHEGA DE JUSTIFICAÇÕES!
Ele teve tanta certeza da investida, que nem se ligou que antes mesmo das garras chegarem até Aaron, sua mão parou no ar. O que?
Virando seu olho funcional, ele notou, incrédulo, uma mão segurando seu braço. Aquilo já era absurdo demais, pois ninguém naquele mundo possuía tal força.
— VOCÊ!
— ARCHIE! — Mary, Paul Aaron e Pulget gritaram, igualmente incrédulos.
BOOM!
Algo ainda mais absurdo aconteceu. Do corpo de Archie, uma luz em formato de prisma irradiou até os céus. Assim que essa luz atingiu o ponto mais alto possível, o firmamento começou a jorrar cores, piscando-as de forma psicodélica.
Nem o próprio Archie acreditou naquilo, mas mesmo assim, sorriu, ao ver a expressão de incredulidade e apreensão de Weezy.
— Mas o que diabos é você?! — ele questionou, com o detetive ainda segurando o seu braço.
— Só um cara muito sortudo.
E dizendo isso, ele puxou o braço da criatura com uma força descomunal, o lançando para a direção oposta. Weezy foi arremessado de tal forma, que colidiu com o muro das fronteiras do palácio violentamente.
— Isso não pode ser possível — Aaron se levantou, retirando seus óculos.
Ele é mesmo diferente de tudo que já vimos na sociedade.
— Sr. Schmidt, leve Mary e Paul para longe daqui — Archie estalou os dedos, sentindo uma adrenalina imensa — isso vai dar um estrago.
Sem pestanejar, os demais deixaram os jardins, indo para o interior do castelo. Não só eles, como todos os servos que haviam se escondido surgiram nas janelas, incrédulos com o que acabara de ocorrer.
Archie caminhou sem pressa até o muro onde arremessou o oponente. Ele sentia ódio, decidindo não o poupar agora que era capaz de atacá-lo.
— Maldito seja, Becker — Weezy se levantou, seu ódio no limite, a testa sangrando — parece que eu o subestimei, apesar de ter motivos para isso. Em nossa última luta, você foi massacrado.
— Era isso que eu queria — Archie afirmou, com um olhar psicopata — se fosse realmente inteligente, teria notado o meu deboche desde o ínicio.
O tirano grunhiu, avançando para o ataque. Archie tentou desviar, mas foi atingido em cheio no peito. No entanto, o ataque apenas o fez deslizar a alguns metros de Weezy, usando a força dos pés para resistir ao impacto.
Merda, isso dói. Ele pensou, colocando a mão sobre o peito.
— Parece que estamos no mesmo nível de poder, não é? — Weezy retomou sua postura.
— Vamos saber quando eu te derrotar.
Archie avançou, dessa vez pretendendo emplacar um forte impacto. Aquela batalha deveria acontecer longe dali. Não iria dar a Weezy a oportunidade de virar o jogo.
Weezy não iria deixar ser acertado mais uma vez, então assim que Archie desferiu o soco com o punho direito, ele saiu de seu alcance e agarrou sua mão. Triunfante, o tirano sorriu. Mas em seguida, de forma inesperada, foi atingido em cheio pela mão esquerda.
O que?! Então era na outra mão que ele estava canalizando sua força!
A criatura foi arremessada para longe, caindo em cima do teto da fronteira, próximo a Torre do Relógio. Ele rapidamente se recuperou, por um momento distraído pelo céu psicodélico. Mas logo, Archie apareceu, dando um pulo direto para lá.
O detetive sentia a liberdade fluir em suas veias, como se fosse capaz de fazer qualquer coisa naquela forma. Mas decidiu que usaria tudo aquilo para derrotar seu oponente, apenas.
Se a Mistura Meta funciona como as outras, eu tenho só uma hora!
***
— Assim nasce uma lenda — Pulget divagou.
Ele e os demais observavam de longe o duelo implacável, de seres que naquele momento possuíam forças inimagináveis.
— Isso é incrível — Paul disse, empolgado ao ver o irmão em ação — Archie agora pode derrotar Weezy, ele pode dar um chute na sua bunda!
Mary não parecia tão tranquila, principalmente após ouvir de Aaron sobre o que era a Mistura Meta.
— Ele… vai sobreviver?
Aaron não respondeu de imediato. Ele mesmo não queria pensar sobre. A culpa que sentiria caso aquilo ocorresse era dolorosa demais.
— Não existe uma resposta, Srta. Robinson — disse, fechando os olhos — ninguém nunca antes sobreviveu para ver os efeitos da Mistura Meta. Não sabemos os efeitos colaterais após seu uso.
Mary cerrou os punhos, não aguentando as lágrimas. Ela não estava pronta para ter novamente um luto por Archie.
***
Archie e Weezy estavam cara a cara, como se estivessem aguardando o momento certo de atacar. Aquela seria uma luta decisiva, não havia espaço para empates ou fugas.
— Eu já entendi — o tirano disse, sorrindo — essa sim é a minha provação suprema, não é? Como eu poderia ser um Deus sem derrotar alguém a minha altura em força?
— TIRE ESSA IDEIA IDIOTA DA CABEÇA — Archie retrucou, com ódio — O HOMEM QUE O CRIOU FOI VICTOR FRANKENSTEIN, VOCÊ É APENAS UMA CRIAÇÃO QUE DEU ERRADO. SE O TIVESSE OUVIDO, AS COISAS PODERIAM TER SIDO BEM DIFERENTES.
— Não me faça rir — Era óbvio a forma como aquilo ainda afetava o tirano, pelo semblante sisudo que ele assumiu — SE AQUELE HOMEM ME CRIOU, NÃO IMPORTA MAIS. VOCÊS HUMANOS SÃO PATÉTICOS E FRACOS. A MINHA FORÇA PROVA QUE EU DEVERIA OS SUBJULGAR, QUE VOCÊS ME DEVEM RESPEITO E TEMOR.
— Não fale isso como se fosse o único assim nessa porcaria de mundo — Archie se lembrou de Midna e Paul, do sofrimento deles — sempre existiram tiranos, opressores, pessoas que estavam acima das outras. Seu discurso não é muito diferente do deles. A diferença do tipo de poder que eles usam para subjugar os outros, é só um detalhe. Não tem nada de especial em você.
Weezy não teve resposta para aquilo, apenas grunhindo ainda mais alto. Ele havia lido diversos livros, sabia da existência de Calígula, Nero, Bonaparte e outros tiranos humanos.
— Eles usavam outros humanos para manifestar poder, por isso foram derrotados, pois por si mesmos eram fracos. Já eu, tenho o poder intrínseco a mim.
— Eu não consigo ver a diferença.
— Grrr! ENTÃO EU IREI LHE MOSTRAR!
Weezy foi com tudo. No momento em que os punhos de ambos colidiram um contra o outro, uma onda de choque fez a Terra tremer. Os que assistiam a luta dentro do palácio se assustaram e se abaixaram.
E esse foi apenas o primeiro golpe. Archie e Weezy não pararam, com mais investidas avassaladoras capazes de arrancar sangue de titãs.
Archie não teve sorte quando sua perna foi agarrada pelo oponente. Gritando tão alto que as vibrações ecoavam por toda Londres, Weezy arremessou Archie para fora do distrito.
O detetive foi parar em uma rua, colidindo contra diversas casas e as fazendo desabar. Quando enfim parou, foi pego desprevenido por destroços, que o soterraram.
Weezy não se deu por satisfeito, indo até lá verificar. Mesmo se Archie parecesse morto, prometeu trucidar seu cadáver para que nunca mais tivesse a chance de voltar. Quando chegou na rua completamente destruída por uma única investida, ele varreu todo o local com o seu olho funcional.
Droga, por que isso não regenerou ainda?
A rua estava silenciosa, então foi possível ouvir o som de pedras e madeira se movendo. Ao se virar, notou os destroços de uma casa específica e como eles pareciam tremer.
— AHHHH!!!
O punho de Archie surgiu dos destroços, em seguida, seu corpo inteiro. O garoto estava encharcado de sangue, mas mesmo assim se manteve de pé, apenas ofegante.
— Desista, está claro que nossas forças são distintas — Weezy disse — Se afirmar a minha divindade como protagonista da existência, eu irei matá-lo de forma indolor.
Sem dizer nada, o garoto avançou. Lembrando novamente dos ensinamentos superficiais do mordomo Reagan a respeito de pugilismo. Com toda a força que conseguiu canalizar desferiu um gancho contra o queixo peludo de Weezy.
O tirano cuspiu sangue e foi arremessado até um carro estacionado ali perto, o explodindo no processo. Archie desconfiava que aquilo seria suficiente para derrotar o oponente, então não abaixou a guarda, apenas aproveitou para controlar melhor sua respiração. Eu preciso esquecer da dor.
Não teve muito tempo, pois logo que a fumaça da explosão se dissipou, lá estava o tirano, pegando fogo. Ele parecia um pouco ferido, porém sua expressão não indicava que ele estava sentindo qualquer tipo de dor.
Logo as chamas cessaram, deixando Weezy com uma aparência desgastada de pelos chamuscados.
— Para vocês humanos, tudo é muito simples, não é? — ele disse, sem se mover — Quando eu nasci, não sabia, mas logo comecei a notar, após ler alguns livros, a aversão de vocês a uma figura como eu. Acha mesmo que sua sociedade estúpida iria me aceitar entre eles? Pois eu digo que não. Frankenstein me usaria para ser condecorado e eu seria visto apenas como uma aberração consciente criada pelo homem. Me diga, seu amigo era o que vocês chamariam de uma boa pessoa?
Archie foi pego de surpresa por aquelas palavras. Mas não possuía um argumento. Pensou que talvez houvesse alguma verdade naquilo. Ele sabia que Victor estava criando Weezy para provar que era sim um grande cientista.
— Agora consegue entender, pelo que posso observar — Weezy notou a epifania nos olhos de Archie — os únicos que não me viam como uma aberração, eram os membros da seita, pois pensavam que eu era seu Deus. Mas até mesmo eles não me aceitavam, já que meu comportamento não correspondia às suas expectativas. Nem mesmo Miss Robinson, que de início pareceu simpática, realmente tinha qualquer empatia, acho que é essa palavra.
O detetive continuou paralisado, absorvendo toda aquela informação. Pensou que talvez o oponente só quisesse ganhar tempo, mas suas palavras pareciam genuínas demais, considerando como ele estava se comportando até então.
— Se eu não souber quem sou, se não assumir que sou maior que vocês, humanos, quem dirá quem sou? — o olhar de Weezy carregou uma melancolia pela primeira vez — esse seu poder não é natural. Isso de certo é alguma magia que está além das capacidades de vocês. Eu, por outro lado, nasci acima de vocês em capacidade e resistência. Não há como provar o contrário. Eu sou o próximo passo para a evolução da existência!
— Entendi — Archie cerrou os punhos, canalizando força — um de nós precisa morrer.
— Exatamente.
Ambos investiram. Aquela batalha estava longe de acabar. No entanto, eles já haviam deixado claro seus objetivos; para Archie, era realizar o pedido do seu amigo, assumindo a responsabilidade pelo seu erro; para Weezy, provar seu único lugar possível lugar naquele mundo.
O soco do detetive passou raspando pela costela do oponente, que conseguiu atingir seu ombro com um forte soco. Weezy já havia entendido que usar suas garras era inútil. Archie cambaleou para trás, mas conseguiu manter o equilíbrio.
Em seguida, o detetive tentou um corte horizontal, com os dedos colados. Ele ouviu em algum lugar que se bem aplicado, poderia nocautear qualquer adversário. Provavelmente fora Reagan ao contar sua breve trajetória como carateca.
O tirano sequer viu aquilo como uma ameaça, deixando o outro lhe atingir bem na traquéia. O golpe teve apenas impacto contra o vento, nem sequer fazendo o oponente se mover. É sério isso, Reagan?
Weezy sorriu.
Sem perder tempo, segurou o pé de Archie e bateu as asas negras. Ganhou altitude rapidamente, pretendendo chegar o mais alto que pudesse. Atordoado, o detetive sequer conseguiu fazer alguma coisa, tentando apenas se desvencilhar.
— Morra de uma vez, Becker! — O monstro, no ar, girou o oponente, assim o lançando de uma altura de quase oitenta metros em uma velocidade fatal.
A queda foi tão rápida, que Archie sequer conseguiu raciocinar. Colidiu de forma estrondosa, criando uma cratera colossal no meio da rua e espalhando destroços por toda parte.
Naquele momento, a terra tremeu mais uma vez.
***
Aaron e os demais sentiram os tremores. A magnitude daquele combate parecia algo de outro mundo. Isso é o poder destrutivo que a arte das misturas pode proporcionar. Por isso o mundo não pode saber da sua existência.
— E quando isso acaba? — Mary perguntou, mais ansiosa que todos alí.
— Archie ainda tem tempo, Srta. Robinson.
— E se ele estiver perdendo, como a gente vai saber? — Mary notou como o céu piscava mais rápido gradativamente — a gente precisava saber. Mesmo se ele ganhar, pode estar muito ferido.
— Eu tenho certeza que ele vai ganhar — Paul afirmou para si mesmo, também preocupado — mas eu concordo, temos que ir vê-lo.
É sua família. É natural que fiquem preocupados. Aaron pensou, olhando para Victor na cruz gigante.
— Tudo bem, vamos para a cidade — o alquimista concordou — mas antes, precisamos fazer algo. Um pedido de Archie.
“Victor merece um enterro, seu corpo não ficará aqui”, foram suas palavras, quando eles entraram no escritório ministerial.
— Miau — eles ouviram as suas costas.
— Igor! — Paul exclamou, feliz em ver que o bichano estava bem — e Sr. Robinson.
Gato e homem surgiram juntos naquele aposento. Apesar da aparência horrível, Maxwell parecia satisfeito, com uma espingarda na mão.
— Papai! — Mary exclamou, lhe abraçando — o senhor não estava trancado em uma cela nas masmorras? Como conseguiu fugir? Eu já ia avisar os outros que a gente tinha que te resgatar.
— Quando esses tremores começaram, o sentinela se distraiu e eu consegui agarrá-lo pelo pescoço e roubar a chave — o policial explicou, a voz levemente rouca — aproveitei e roubei sua arma de fogo… e quem são esse homem e essa coisa no ombro de Paul.
— Sou Aaron Schmidt, um aliado de Archie e da Srta. Robinson nessa situação, vamos deixar assim.
— Chamo-me Pulget, o pequeno dentre os grandes, tanto em estatura quanto em intelecto.
Depois de tudo que viu naquela longa noite, nem se surpreendeu com o pequeno ser. No entanto, pensou já ter ouvido ou lido seu nome em algum lugar. Talvez seja só coisa da minha imaginação.
***
Weezy enfim pousou, já esperando que Archie tentasse reagir. Mas para sua surpresa, o garoto se encontrava no meio da cratera, inerte. Seus ferimentos pareciam mais nítidos, porém era visível que ainda respirava.
Não iria deixar aquela chance passar, então agarrou Archie pelo pescoço. Só precisava sufocá-lo e tudo aquilo terminaria. Ele seria o Deus daquele mundo e provaria o contrário para a humanidade. Minha existência nunca foi um erro, ela foi apenas um novo rumo muito melhor para este mundo.
— Então é assim que… isso vai terminar — Archie disse, enquanto era enforcado pelo tirano, que tinha o dobro do seu tamanho — mas… você devia tomar mais cuidado com… seus pontos fracos.
No mesmo momento, a mão esquerda de Archie se sobrepôs aos olhos de Weezy, cravando uma pedra pontiaguda em seu olho já ferido. Archie realmente estava ferido, mas usou toda a sua força para conseguir perfurar o globo ocular do oponente, e isso foi o suficiente para fazer ele o arremessá-lo para longe.
— SEU MALDITO, MEU OLHO JÁ ESTAVA QUASE REGENERANDO — Weezy gritou, com aquele mesmo desespero de sentir uma dor real pela primeira vez na vida.
— Estava? Nem percebi — Archie debochou — ele tava exatamente do jeito que Mary o deixou. Inclusive, devo a ela essa ideia.
— POR QUE CONTINUA COM ESSE MALDITO DEBOCHE? — naquele momento, Weezy havia perdido completamente o controle — OLHA SÓ PRA VOCÊ, UM HUMANO QUASE MORTO, MAL CONSEGUE FICAR DE PÉ. DEVERIA ESTAR SE AJOELHANDO E CLAMANDO POR SUA VIDA.
Era verdade. Archie mal conseguiu se manter de pé, sentindo que havia quebrado o tornozelo. Sua testa sangrava, sentia algumas costelas quebradas. Até mesmo alguns dos seus dentes haviam caído.
— Tá esperando uma frase de efeito? — Archie ofegava, mas mesmo assim, permanecia com o sorriso no rosto — vamos acabar logo com isso.
Ele já aceitou a morte. Weezy entendeu. Como alguém consciente, ele sabe que vai morrer, então apenas ri na cara da morte.
O tirano então avançou, gritando. Ele estava colocando todas as suas forças naquele golpe, no intuito de destruir Archie por completo, expurgando sua existência daquele mundo.
Para o detetive, aquela era sua última chance. A Mistura Meta lhe garantia um armazenamento de força, mas mesmo assim, ela se provou inferior a de Weezy durante todo o combate. O oponente era muito mais resistente, exceto por um único detalhe: algo capaz de imobilizar qualquer homem.
— MORRAAAA! — Weezy bradou, prestes a dar o soco final no estômago de Archie.
Mas antes que pudesse, o garoto liberou todo impacto que havia armazenado em seus pés em um chute poderoso na virilha peluda de Weezy. Naquele momento, a criatura conheceu uma dor ainda pior, o fazendo cair de joelhos subitamente.
Ele sobreviveria àquele ataque, então nesse meio tempo, Archie já havia canalizado mais força no seu braço esquerdo. Sua última tentativa deveria ser certeira.
— QUER UMA FRASE DE EFEITO, MALDITA?
A força armazenada era tanta, que ele chegava a rosnar como um animal. Não se importava mais com o que poderia acontecer com ele. No fim, ele era um dos responsáveis por aquilo e o único que podia resolver o problema.
— ESSA NOITE JÁ TÁ MUITO LONGA!
Um clarão branco pairou por todo o firmamento.
O pedregulho na mão de Archie se desfez ao entrar em contato com a globo ocular, pois fora pressionado pelas duas forças maiores naquela equação; o soco de Archie e a resistência de Weezy.
Memórias. O monstro sabia o que significava. Todas elas passaram como um relâmpago pela sua mente. De repente, ele notou que talvez sua existência estava chegando ao fim e que tudo que fez foi ter de lidar com pessoas tentando lhe matar.
Nem mesmo teve tempo de dizer para si mesmo que era forte, que no fim superaria tudo e todos e encontraria seu lugar naquele mundo. A única coisa que ele conseguiu pensar foi “Setenta e duas horas, foi o quanto durou”.
BOOM!
O clarão de luz branca sumiu. O céu havia retornado como era. O sol estava se pondo. O mundo enfim viu o amanhecer novamente.
Mas para Archie, tudo ainda parecia trevas, pois no fim, aquele romance na verdade se provou uma tragédia.