As Sombras de um Novo Começo - Capítulo 14
— Quê?! Você está falando sério?! Vamos realmente seguir esse plano maluco?! — Akime explodiu em revolta. Seus olhos laranja cruzaram com os meus em uma mistura de acusação, alvoroço e surpresa.
Suas palavras nos fizeram parar diante da entrada do quarteirão para discutir suas preocupações.
— Akime? — chamou Marc, buscando confortá-la com uma voz doce e gentil. — Não temos tempo para planejar outra coisa. Acredite, essa é a melhor solução.
Os alaranjados cabelos da garota balançaram de forma vivida perante a resposta de Marc. Suas mãos claras que demonstravam sua puridade em gestos agitados pelo ar, como se buscassem uma resposta, pairaram, apontando, em um sinal de ameaça, para cada um de nós.
— Que seja! Se fracassarmos, exijo uma recompensa por ser a única lúcida entre nós.
— Tenha calma — pediu Marc, levantando os braços em sinal de rendição enquanto corava visivelmente. — O que acha de sairmos para descontrair um pouco, caso dê errado?
— C-como assim sair? — Akime balbuciou, deixando suas bochechas sardentas avermelhadas.
Marc, apesar de propor uma possível solução, esfregava a nuca totalmente sem jeito e evitava o contato visual com Akime.
— Não temos tempo para isso — a voz insensível de Clare cortou o constrangimento que isso estava causando. — Se vamos seguir esse plano, devemos fazê-lo imediatamente.
— Ela está certa — concordou Yoshi, fazendo os dois amantes abaixarem a cabeça. — Teremos tempo para conversar quando chegarmos à floresta.
— Ahh, eles são tão fofinhos — Julia sussurrou encantada com a visão. Sua voz foi dissipada de uma forma tão baixa que suspeitava que apenas eu tivesse escutado, e ela, uma hora ou outra, lançava olhares apaixonados em direção a Yoshi que estava completamente ignorante às suas tentativas.
— V-vocês estão certos — reverberou Marc, saindo de seu estupor tímido. — Partiremos imediatamente.
Perdendo a compostura, ele, acompanhado de Akime, saiu em um rastro desesperado pela rua tranquila do quarteirão. A presença deles foi, aos poucos, diminuindo com passar do tempo até se tornarem um pequeno ponto distante.
Nesse momento de intensa paz, as únicas fontes de luz eram os postes de iluminação que enviavam suas ondas azuis sobre as pedras e jardins da cidade. Por esse motivo, perguntava-me se o barulho proveniente de nossos atos acordariam os moradores que descansavam em profundo sono.
É… e imaginar que os efeitos colaterais de uma paixão são tão problemáticos, pensei, observando-os ganhar distância sem sequer esperar os outros.
— Não falhe — Yoshi disse ao meu lado em um tom de ordenança antes de partir atrás deles em um ritmo acelerado.
— B-boa sorte! — entoou Julia, totalmente desesperada para iniciar sua perseguição ao homem que acabara de partir.
— É… Lá se vai o plano — comentei em um suspiro.
Alguns segundos depois, restaram, imóveis sob um profundo silêncio, apenas Clare e eu. Passamos esse curto momento nos olhando fixamente, mas não pronunciamos uma palavra sequer para outro.
Eu estranhei sua permanência diante da ausência dos outros membros. Queria saber o que passava em sua mente, mas recusava-me a perguntar algo.
Então, em um simples movimento de sua mandíbula, sua voz característica soou de forma gélida: — Não nos faça perder.
Franzi a testa ante o tom de sua voz e abri a boca para expressar qualquer coisa em resposta, no entanto, antes que qualquer palavra pudesse ser formada, ela sumiu em sútil brilho nevoado.
Fracamente… Suspirei, livrando-me de qualquer peso ou pensamento para relaxar tranquilamente em minha solitária presença.
Durante todo esse tempo, eu estava ciente da aproximação dos guardas e sabia que logo chegariam aqui. Ainda sim, a velocidade deles era algo estranho, pois, se estivessem dando tudo si, já estariam em posse de cada um de nós.
O restante do grupo deveria estar criando distância, mas sem o auxílio do ar e com uma sensibilidade limitada à energia era difícil determinar a distância ou mesmo ter certeza de que estavam seguindo minhas recomendações.
O meu papel era único e trabalhoso neste jogo de caça e presa. Não me preocuparia com ações externas, pois essas eram responsabilidades de terceiros, e não o foco do meu dever. Para expressar essa reflexão, fiz com que a minha energia estourasse em um aumento gigantesco e criasse ondulações sombrias sobre a minha pele, compondo as evidências do fim.
Movi-me ciente das limitações que precisava aplicar em mim mesmo para não corromper de vez com algo que já era falho demais. Ainda assim, depois de considerar o interromper dos passos daqueles que nos perseguiam, pude criar vantagem com uma distância mais do que necessária.
O fato de estarem parados exatamente no ponto em que nos dividimos, significava que agora as suas engrenagens mentais estavam considerando a melhor rota.
Conveniente. A minha habilidade era muito eficaz, mas era limitada pois não conseguia ouvir o que diziam mesmo em uma curta distância… Não que isso fosse possível, é claro. Mesmo assim, o essencial seguia como planejado e, se tudo ocorresse de acordo com minha observações, o fim estava mais do que certo.
Hora de mudar de curso.
Sendo sincero, sabíamos que escapar em grupo era impossível, no entanto, sozinho não era. A grande questão é que podemos aumentar nossos atributos exponencialmente e, quanto melhor for o físico, menor será a dependência de energia, e maior serão os efeitos durante a aplicação da mesma.
Apesar disso, nesse quesito ficamos em desvantagem quando nos comparamos com guardas treinados, pois tanto seu físico como energia estão amplamente melhorados. Ainda sim, quando ampliamos as possibilidades e consideramos o uso do feitiço elétrico, as coisas mudam de direção.
Esse feitiço, quando aplicado sobre o próprio corpo do usuário, aumenta as características corporais além do imaginado com apenas o reforço de energia. A diferença é tão grande que, para superar essa aplicação, é necessário uma energia e um físico extremamente treinados.
Então, a pergunta que fica é: por que ninguém sugeriu isso? A resposta remete ao próprio grupo.
Óbvio que estávamos a par desse detalhe, mas também sabíamos que esse feitiço não poderia ser usado por todos, por isso não havia sentido mencioná-lo uma vez que um único membro capturado eliminaria o grupo inteiro.
Me pergunto se simplesmente correr seria o mais fácil…
Acompanhando esse pensamento, senti, através do ar, que havia pessoas se movendo, e uma mistura de alívio e preocupação inundaram meu corpo, forçando-me a finalmente virar à direita para entrar em um breve quarteirão.
Eu não estava seguindo, exatamente, por outro desvio. Na verdade, meu objetivo era ocultar meu corpo dos olhos que facilmente me localizariam se continuasse na avenida principal. Essa pequena mudança, ainda que continuasse em uma rua paralela a que estava antes, era crucial para o desenvolvimento do desfecho.
Feito isso, iniciei algo que já estava planejado: minha energia, em uma intensa circulação, foi influenciada a deixar o conforto do meu corpo para saudar a fria atmosfera. Os rastros negros foram dispersos nas correntes de ar, mas ainda estavam conectadas a mim.
Em um tempo real e totalmente preciso, rastreei os quatro guardas que já desdobravam no desvio seguido por mim e os ludibriei com garras macias e sutis que invadiram sua mente para finalizar o meu último truque.
Em uma harmonia clara e imediata, uma névoa escura, imitando o carvão da minha Gama, irrompeu do meu ser e se expandiu para ocupar meu entorno. Por fim, suspirei diante do esforço quando dei o xeque-mate.
O sono gritava para se apossar de mim, mas minha teimosia respondia relembrando-me de que isso ainda não estava concluído. Embora sentisse minha energia corporal diminuir progressivamente a cada passo.
— Lá estão eles — um grito, acompanhando de uma gargalhada extremamente satisfeita, ecoou a alguns metros atrás.
— Eu sabia! — uma voz diferente reverberou animada. — Minha intuição não falha nunca.
— Vocês são inteligentes. Quase conseguiram nos enganar, mas, no fim, foi um esforço em vão.
Continuei correndo como se tudo dependesse das minhas últimas forças. A névoa escura persistia em meu entorno, negando-se a vacilar diante da ameaça.
— Peguem-nos! Serão um para cada!
A breve distância que nos separava foi encurtada em um instante. O som dos calçados sobre solo já eram ameaçadores aos meus ouvidos.
Em puro horror, olhei de relance para os homens que estavam contentes em estragar tudo cuidadosamente planejado. Essas mesmas pessoas, observando minha expressão apavorada, sorriram vitoriosas e pularam à frente. Seus braços, como se estivessem unidos por uma mesma vontade, agarraram-se as partes mais acessíveis de suas vítimas…
Surpresa foi tudo que restou em seus rostos. Suas mãos físicas, pegas desprevenidas em um desorientado ataque, passaram direto por um lugar completamente vazio e causaram um desequilíbrio conjunto sobre o corpo de cada um deles.
Meu rosto, inundado por desespero, transformou-se em um bocejo sonolento enquanto voltava ao normal. Livre de qualquer corrente, olhei para trás, uma última vez, para fitar os olhares surpresos que vinham ao encontro do meu.
Os quatro guardas, agora ajoelhados no chão, balbuciaram alguma coisa, mas não arrisquei ouvir. Minha mente libertou-se da concentração anterior e focou apenas no ar em frente, dobrando cada pedaço gasoso para quebrar a resistência que ele impunha.
Minha energia explodiu novamente, e, então, desapareci em um turbilhão de sombras opacas. O meu redor mudava como um borrão indecifrável que persistiu por longos minutos.
Em um curto espaço de tempo, cruzei as fronteiras da cidade e não notei mais a presença de alguém nas proximidades. Mesmo assim, certifiquei-me de manter a constância à medida que passava pelo terreno irregular às bordas da floresta que já possuíam as copas das árvores totalmente visíveis da minha posição.
A grama alta e intensamente verde surrava soas folhas úmidas sobre a barra das minhas calças, e a sensação de naturalidade era complementada pelos arbustos e árvores menores que me obrigavam a desviar do caminho original.
A falta de uma noção de tempo era o que mais me preocupava, porque eu não sabia se estava atrasado, adiantado ou… perdido em algo que eu próprio planejei.
A frustração apenas incomodava-me e tornava-se maior à medida que me aproximava da fronteira. Meus pensamentos mandavam-me parar, mas insisti em continuar e então vi algo que acalmou os meus nervos.
Clare, uma garota fria e enigmática, vasculhava as redondezas como se procurasse por algo. Seus olhos azuis, banhados de energia nesta noite sem luas, brilhavam belamente para a escuridão a sua frente.
Os outros membros do grupo estavam virados para a intensa mata. Suas ações despreocupadas pareciam denotar serenidade diante do nosso próximo destino.
Certo… esvaí o ar que segurava face a curta distância que nos separavam.
As íris de Clare agarraram-se às minhas e então, um segundo depois, estávamos frente a frente. Os ventos resultantes da minha aceleração avoaçaram as ondulações de seu cabelo frouxamente amarrado, despertando um olhar assassino que foi evidenciado por um simples franzir de testa enquanto ela ajeitava novamente mecha por mecha.
— Olha, por um momento achei que você iria ferrar tudo — gritou Akime, virando-se para se aproximar de onde estávamos.
— Também — respondi com sinceridade, andando em frente e passando por Clare.
Após meus passos cruzaram um determinado ponto, um som, como se fosse um simples toque, ecoou de algum lugar desconhecido.
Yoshi buscou a fonte em sua mochila e então retirou o pequeno dispositivo que foi disponibilizado pela diretora. Sua cor, banhada em um brilhoso vermelho, logo foi transformada em um lindo verde, e um som mais suave entrou em nossos ouvidos.
— Me perguntava sobre a veracidade de seus avisos — disse Yoshi, refletindo sobre o dispositivo em suas mãos. — Ainda sim, vindo dela, não era para restar dúvidas.
— Como…? Ah! Entendi! São os uniformes — Akime bradou de imediato e sorrio em arrogância.
— Como você escapou? — indagou Clare, atraindo meu olhar.
— Hum… — Pensei, querendo evitar o assunto. — E se eu te contasse que eles me deixaram escapar?
— Diria que não passa de uma mentira.
— Talvez, mas, sendo sincero, só escapamos por mera vontade deles.
— Seja o que for, já passou, pessoal — interrompeu Marc. — Agora o mais importante é definir o que faremos a seguir. Tem algo a dizer, Yoshi?
Yoshi, que ignorava nossas ações e apenas concentrava-se na escuridão da floresta, respondeu em um barítono confiante:
— Sim. Nós passaremos a noite dentro da parte rasa do primeiro nível. Não sabemos se ficar na fronteira pode gerar algum problema, então vamos adentrar, de forma mínima, e descansar.
— Certo! Finalmente uma ideia boa!
Em pura animação, Akime marchou em direção às enormes árvores que escondiam um interior misterioso. Seu corpo levemente apagado pelas sombras, apesar de suas características vividas, sumiu em meio a escuridão totalmente densa que era projetada pelas folhas compactadas.
— É… O gente — a voz de Akime soou depois de um tempo. — Dá para alguém acender a luz aí?
— Ahh, Akime — suspirou Marc enquanto negava em descrença.
Yoshi riu da cena e deu um leve tapa nas costas de Marc.
— Vamos. — Ao mesmo tempo, algo estralou em uma esfera brilhante que cresceu rapidamente. O fogo, com distúrbios de laranja e vermelho, enviava sua intensa luz pelo caminho gramado entre a mata imponente. — Uma pequena clareira já é o suficiente.
Depois de andarmos em um completo silêncio pela flora tranquila e aparentemente vazia do primeiro nível, chegamos a um pequeno campo aberto. Sem delongas, pois estávamos totalmente cansados, organizamos uma pequena fogueira e improvisamos camas de terra semelhantes à mesas e forradas com folhas macias. Acomodar-se sobre elas foi algo visivelmente prazeroso no rosto de cada um de nós.
— E a janta? — questionou Akime ante a quietude de nossas bocas sob a concentração dos nossos olhos sobre o fogo.
— Não há animais por perto — Marc explicou de olhos fechados.
— Quê?! E isso é motivo para dormirmos com fome?!
— Só você está com fome — Julia murmurou em uma sinfonia sonolenta.
— Juro, não acredito que estou passando por isso — retrucou ela com uma voz amarga.
Pois é, Akime, pensei com um bocejo, nem eu.