As Sombras de um Novo Começo - Capítulo 15
POV Julia
Ahh! Que dor nas costas…
Despertei para um ambiente totalmente escuro e silencioso. Um incômodo profundo perfurava minha espinha, e a cada alongamento do meu corpo ao sentar-me sobre a superfície dura da cama improvisada, estalos audíveis e dolorosos eram enviados perfeitamente aos meus sentidos.
Por quanto tempo eu dormi?
A ausência de luz, juntamente com a falta de sons e de um relógio, deixava-me totalmente perdida nesse ambiente desconfortável, de modo que eu precisava raciocinar demoradamente para entender a situação.
— Alguém já está acordado? — perguntei, mas minha voz soou como um breve sussurro, pois não queira acordar ninguém por acidente.
Mesmo assim, a ausência de reverberações foi a única coisa que retornou a mim. Diante dessa resposta, aumentei minha energia e a concentrei especialmente nas retinas dos meus olhos.
A clareza, acompanhada de um calor que inundou meu corpo, ampliou a visão à frente, de uma maneira suave, e destacou as imagens em tom de preto e branco.
Essa resolução foi o suficiente, e, por fim, acabei concentrando-me nas grandes árvores que circundavam o nosso acampamento.
Tudo parecia tranquilo demais. No limpo céu, as estrelas distantes brilhavam fracamente, e a sensação de bem-estar era tão acolhedora que flutuar demonstrava-se mais real do que minhas percepções físicas.
Uma profunda inspiração me incentivou a andar por aí. Olhei ao redor novamente e, somente agora, percebi que alguém também não estava deitado. Um franzir de testa foi tudo que expressei, pois a pessoa em questão era invisível para mim.
Onde…? Meu questionamento funcionou como um GPS e logo encontrei uma sombra escura sobre a copa de uma grande árvore. Sua existência era totalmente alheia à minha enquanto sua atenção parecia estar agarrada ao horizonte.
Em um primeiro momento, pensei em ignorar sua presença, mas, movida pelo tédio e pela curiosidade, saltei para cima e comecei a escalar a árvore. Quando sentei-me ao seu lado, o simples “bom dia” foi tudo que saiu de sua boca enquanto seus olhos nem sequer olharam para os meus.
— Bom dia, Sete — respondi, sentindo-me completamente estranha nessa situação. — O que faz aqui? Faz muito tempo que está acordado?
— Não muito… Só quis encontrar um lugar para pensar.
— Ahh… Estou atrapalhando?
— Não. Fique à vontade…
No final, foi mais simples do que imaginei: trocamos poucas palavras e apenas nos concentramos em observar o começo do amanhecer entre as montanhas distantes.
— Você.. — Quis quebrar o silêncio. — O que você realmente fez para escapar dos guardas?
Pela primeira vez, ele olhou em meus olhos antes de responder: — Usei o feitiço mental.
Por um momento, achei que ele não responderia facilmente, mas, para ele, parecia algo banal.
— Você poderia me mostrar?
— Não acho que seja uma boa ideia.
— Será? — questionei, tentando ser sarcástica. — Você consegue mesmo usar?
— Sim, mesmo que não seja o melhor possível.
— Então… qual é o problema? — encarei seus olhos obscuros intensamente na tentativa de persuadi-lo, mas ele apenas continuou fitando-me tranquilamente.
Eu estava entusiasmada com a possibilidade de passar por essa experiência. Saber como é a sensação de estar em uma ilusão… Seria realmente tão real?
— Ahh — bufei, desistindo dessa tentativa e quebrando o contato visual. — Você não consegue usar duas vezes em um determinado espaço de tempo? Isso é o que faz sentido para mim.
— Você acha?
— Tenho certeza completa…
— Julia.
Quê? Essa voz? Quando ele chegou aqui?
Senti meus batimentos cardíacos aumentarem repentinamente. Tão confusa quanto possível, mas também tão nervosa quanto poderia suportar, virei-me bruscamente em sua direção e um constrangido sorriso surgiu em meu rosto.
Faltava-me palavras para descrever essa cena.
Yoshi, sentado ao meu lado, exibia seu belo e habitual sorriso. A luz dourada do alvorecer realçava o seu cabelo e os seus olhos cinzentos; era tão lindo quanto eu me lembrava.
— Eu estava te procurando.
— M-me procurando?! — senti minhas bochechas ficarem avermelhadas.
— Sim. Senti sua falta quando acordei.
Eu não sabia como reagir. Era tudo tão estranho, tão novo, tão… mágico.
— Yoshi — disse em voz firme, tentando ser racional — por que você está agindo assim? Não é o momento.
Minhas palavras eram totalmente da boca para fora. Na verdade, eu só queria que isso continuasse para sempre. Somente nós dois.
— Assim como? — Seu sorriso tornou-se carinhoso. — É difícil expressar o que sinto… Mas você, definitivamente, é importante para mim. Ficar preocupado é o mínimo.
Fiquei realmente sem palavras. Diante da minha estupefação, senti o corpo caloroso dele se aproximar do meu. Prendi a respiração e não consegui desvencilhar-me de seu olhar penetrante.
Quando sua mão ergueu-se lentamente em direção ao meu rosto, eu estava a ponto de ter um colapso. Sua cabeça se inclinou em direção a minha, mas antes que algo pudesse acontecer, eu me afastei por impulso.
Era muita coisa para assimilar e eu estava totalmente confusa.
— Yoshi — sussurrei — e-eu… — Respirei fundo e tentei acomodar-me melhor. — Hã…?
Meu corpo pendeu para o lado e senti minha mão escorregar pelo galho da árvore. Minha expressão transformou-se em algo espantado, banhado em desespero.
Olhei para cima, na esperança receber ajuda, mas Yoshi ainda possuía o mesmo olhar enquanto eu despencava em direção ao chão. Pensei em chamar sua atenção, porém antes que pudesse dizer qualquer coisa, uma mão atravessou o corpo dele e agarrou o meu braço.
Como uma boneca de pano, fui puxada para cima e meu corpo, leve como uma pena, pousou rapidamente onde estava segundos atrás.
Franzi a testa e pode ouvir os meus próprios batimentos cardíacos. Recuperando a estabilidade, senti minha visão se perder ao olhar para baixo e dar-me conta da altura que realmente estava.
— É uma boa queda, não acha? — a voz calma, que havia me esquecido de estar ali, chegou passivamente aos meus ouvidos.
Indignada, olhei-o ferozmente enquanto minha pele pulsava em brasa.
— Você perdeu o juízo? Isso não teve a menor graça!
— Bem… — Ele olhou para mim e um sorriso divertido curvou-se em sua boca. — Tudo é perspectiva.
Incomodada com situação e totalmente envergonhada com as minhas ações anteriores, não pensei em consequências e simplesmente desferi um soco, que mal calculei a força, no seu ombro.
Esfregando a região do golpe, Sete exibia um misto de diversão e dor em seu rosto.
— Não foi o que pediu?
— Sim! M-mas… — Bufei. — Você nem me avisou.
— Isso, você não pediu.
— E precisava? — Semicerrei os olhos. — Além disso, por que, necessariamente, o Yoshi?
— Porque seria mais impactante.
— Ah, mas você nem sabe… — Hesitei em continuar com a minha argumentação quando notei seu olhar. Era algo que me dizia “Jura? Eu realmente não sei?”
— Mesmo assim! — exclamei. — Não aja como se me conhecesse.
— E não conheço.
Quê? Olhei para ele, mas mantive-me quieta. Sete, agora, estava totalmente focado em algo a alguns metros abaixo de nós. A luz do sol, que agora já iluminava as copas das árvores, tinha dificuldade em chegar nas profundezas da floresta.
Alguns de seus cachos negros pediam sobre a lateral de seus olhos, mas eu podia sentir sua concentração. Lentamente, ele puxou sua espada da bainha e a apontou, como se fosse uma lança, para baixo. Sua mão, presa ao cabo, canalizou uma corrente silenciosa de ar que logo percorreu toda extremidade da arma. Em um simples lançamento, a espada voou por entre os galhos e folhas das árvores menores; um curto e sufocado som ecoou no mesmo instante e um baque de algo caindo no chão chegou até nós.
Sete, como uma sombra, desceu ao chão com breve salto; sua figura sumindo em meio aos verdes ramos. Movida pela sede insaciável de informações, saltei logo atrás dele pelos galhos abaixo.
Quando pousei sobre a grama verde e macia, o som de espanto escapou de meus lábios. O garoto, agora ajoelhado sobre um animal consideravelmente grande, limpava sua espada banhada de sangue no couro peludo da besta.
— É um javali — disse ele tranquilamente antes de se levantar, embainhar sua espada, olhar diretamente nos meus olhos e erguer sua presa com umas das mãos. — Você come?
— É… S-sim — tropecei nas palavras, respondendo sua pergunta por espontânea pressão.
— Certo, você pode me ajudar então.
— Eu?!
— Sim, ué. Acho que podemos, de alguma forma, guardar um pouco para a viagem.
— E você sabe fazer algo para isso? — questionei, erguendo uma sobrancelha.
— Não.
Não é possível
— Certo — concordei, percebendo que era a melhor opção. — O que eu devo fazer?
— Vá procurar folhas grandes por aí.
— “Procurar folhas grandes por aí” — sussurrei, me certificando de que ele não ouviria, e entoei mais alto: — Você fará o que enquanto isso?
— Bem — Sua mão buscou novamente pelo cabo de sua espada. — eu acho que é melhor levar somente alguns pedaços.
Alguns minutos depois e após algumas voltas pela redondeza, voltei com punhado de folhas grandes e circulares.
Sete, que já havia retalhado o pobre animal em algo irreconhecível, embrulhou as fatias separadamente e me entregou alguns pacotes para carregar. Uma revolta muito grande começou a brilhar em mim. Depois de tudo, ele ainda teve a audácia de me colocar para carregar pacotes sangrentos de carne? Eu não poderia acreditar.
Em poucos passos, voltamos ao acampamento. Dentre nossos companheiros, apenas Yoshi estava acordado; os outros deveriam estar realmente cansados.
Quando ele nos viu, exibiu seu marcante sorriso e se levantou para caminhar em nossa direção. Enquanto meus sentidos acompanhavam a aproximação de seus movimentos, memórias recentes eram revividas em detalhes no meu subconsciente.
A cada passo seu, senti minha barriga esfriar e meu rosto se aquecer. Até parecia que estávamos nos conhecendo pela primeira vez.
Quando passou pelo Sete, poucos centímetros à minha frente, um simples aceno e um casual “Bom dia” foi tudo que ouvi deles. Sua concentração foi totalmente depositada em mim.
Diante dos meus olhos que não conseguiam deixar os seus, ele pegou os pacotes em minhas mãos e contraiu o cenho em algo carinhoso e confortável.
— Bom dia, Julia. — Sua voz totalmente aconchegante para mim.
Não respondi de imediato, pois, novamente, eu estava distraída. Senti algo gelado envolver minhas mãos e, quando dei-me conta, percebi que água retirava as manchas vermelhas de sangue delas. O toque frio fez surgir um sorriso em meu rosto, então retribui: — Bom dia, Yoshi.
Terminamos de chegar a onde os outros estavam. Agora, Marc e Clare já haviam despertado, mas apenas observam a situação. Sete, como parecia ser previsível, já estava sentado enquanto nos esperava.
— Imagino que seja para fazermos carne seca — comentou Yoshi, dirigindo-se a ele.
— Talvez — Sete respondeu depois de um bocejo sonolento. — Você sabe fazer?
— Acredito que sim… Aprendi algo parecido quando mais novo. — Yoshi olhou em direção a Marc. — O que acha?
— Vamos assar um pouco agora. O resto desidratamos para a viagem.
Com um sorriso animado no rosto, Marc cumprimentou Sete antes de pegar os pacotes de carne que estavam ao lado dele e se afastou para um canto mais isolado com Yoshi. Os dois gostavam de trabalhar juntos e pareciam muito animados está manhã.
Sem saber o que fazer agora, sentei-me sobre a minha cama vazia e esperei, deixando que meus pensamentos tomassem conta. Algum tempo depois, senti um cheiro agradável e saboroso atiçar os meus sentidos.
— Pessoal — a voz de Marc soou animada — já está pronto, podem vir.
—Bem na hora! — Akime gritou, saltando da cama e pegando todos de surpresa. — Mais um pouco e eu, com certeza, iria desmaiar!
Mas… Senti o nó se formar em meu semblante. Você não estava dormindo?