As Sombras de um Novo Começo - Capítulo 6
O pátio, diferentemente da recente manhã, estava praticamente vazio, organizado apenas com fileiras de cadeiras dispostas em frente à estátua de Gaia. Metade dos lugares já estavam ocupados pelos alunos da turma 1, restando somente os assentos mais ao fundo.
Ignorando o desconforto em meu estômago por estar compartilhando essa experiência com outra turma, sentei-me na primeira cadeira vazia que encontrei, fingindo considerar qualquer coisa, exceto os olhares furtivos que, uma vez ou outra, eram lançados em minha direção.
Era algo tão estranho… Nesses momentos, por mais que tentasse, não conseguia fazer as engrenagens da minha mente trabalharem juntas. Eu era capaz de raciocinar, mas os devaneios eram excessivos demais, tirando-me o foco a qualquer instante que minha atenção fraquejasse.
Os sussurros à minha frente não cessavam nem por um minuto, criando uma cacofonia organizada de vozes, risos, suspiros e estalos. Pelo pátio, alguns funcionários da escola, reconhecíveis pelo uniforme, gesticulavam e trocavam informações sobre alguma coisa, aparentemente indiferentes à agitação generalizada.
Eu imaginava que as turmas possuíssem um bom relacionamento, mas não esperava que fosse tão intenso assim. Na verdade, nem pareciam separadas em salas distintas; havia uma atmosfera alegre permeando o ambiente.
Poderia mentir e dizer que me senti deslocado ao ficar isolado dessa forma, mas não havia motivo para isso. Afinal, estava habituado com essa situação e, de certa forma, era bom observar os outros à distância, embora não ganhasse nada de útil com isso.
— Ah! Oi, Maya! Como vai? — Uma voz tímida, carregando um sentimento vulnerável, soou mais alto na extremidade da fileira onde eu estava sentado.
— Oh! Olá, Hector. Faz tempo que não nos vemos. Estou bem, e você?
Hum… Considerei isso interessante e decidi prestar mais atenção à conversa, virando brevemente rosto para observar Maya e o garoto com quem ela falava.
Entre todas as pessoas que vi brevemente desde que cheguei aqui, não imaginei que esse Hector seria justamente o garoto loiro que encontrei no caminho para o colégio no primeiro dia.
— Ah… É-é sim, faz algum tempo — murmurou Hector, esfregando a cabeça envergonhado. — Estou ótimo. Você… está animada com aulas deste ano?
Era curioso. Ele não parecia o mesmo garoto marrento que torceu o nariz ao me ver.
— Sim! Vai ser muito divertido, não acha? — Maya respondeu com entusiasmo.
— Ah… Eu não tenho certeza. Mas quem sabe não possamos participar juntos? — Apesar da atitude, suas próprias palavras saíram hesitantes.
Outro casal?
— Bom, vamos ver — ela simplesmente respondeu, gesticulando com as mãos.
Sério, isso era muito bom. Quantas vezes eu já presenciei isso ao longo da minha vida? Não sei a resposta, mas sei que era tão “agradável” quanto ler as histórias de romance que tanto evitava.
Hector pareceu um tanto abatido com a resposta inexpressiva dela. Seus olhos desceram ao chão, e um silêncio curioso se fez entre eles. Não sei se por instinto, mas ele ergueu o rosto e encontrou meu olhar, fechando a cara no mesmo instante e cerrando fortemente os dentes.
Não conhecia o fruto de seu descontentamento em relação a mim, mas isso não importava. Qualquer que fosse o seu motivo, era um problema dele; afinal, nem o conhecia.
Soltei um suspiro pesado, virando-me novamente para a frente e recostando-me na cadeira macia e calorosa. O sono invadia, e ficar aqui sem fazer nada não contribuía para evitá-lo.
Enquanto ponderava se seria melhor esperar o anúncio da diretora de olhos fechados, uma atenção inesperada me encontrou. Uma garota da primeira turma, sentada à minha frente, me observava com intensidade, sem quebrar contato ou se importar que eu retribuísse o olhar. Seus olhos, tão vermelhos quanto seus cachos curtos e vibrantes, eram penetrantes e avaliadores, contribuindo para a ação estranha de seus lábios, que se curvaram em um sorriso maquiavélico e enigmático.
Ainda um pouco perplexo com o olhar dessa garota ruiva, continuei a encará-la descaradamente. Queria saber mais; conhecer seus possíveis pensamentos excêntricos, mas perdi o interesse quando percebi uma mulher posicionando-se à frente. Sem precisar perguntar, soube que era a diretora. Seu uniforme tinha a mesma cor, mas era diferente; de todas as alunas e funcionárias da escola, ela era a única que usava uma saia formal. Sua pele era de um tom escuro, e seu volumoso cabelo, castanho.
Suas íris percorreram as fileiras de alunos como se procurassem por algo, até finalmente pousarem em mim, transformando-se em uma expressão calorosa e gentil. Considerando todos nós, a bela mulher pigarreou, silenciando os murmúrios antes de começar: — Bom dia. Sem delongas, começarei a explicação sobre o desenvolvimento acadêmico deste ano. Adianto que as informações acerca dos testes não serão completas, pois vocês estarão a par dos detalhes no momento apropriado.
Sua voz séria e carregada de autoridade provocou trocas ansiosas de olhares entre os estudantes.
— Para começar — continuou — confirmarei um entendimento que acredito ser conhecido por todos vocês. Boatos sobre quatro missões estavam circulando por aí, e, embora as formas de avaliação mudem anualmente, isso é algo que não muda. Então sim, haverá realmente quatro missões. Entretanto, não se apeguem a quaisquer ideias preconcebidas novamente. Os testes acontecerão em intervalos mensais, dois no primeiro semestre e os outros dois após o recesso. O primeiro será em poucas semanas, então estejam preparados.
— Com licença, diretora? — Interrompeu, hesitante, uma menina da primeira turma.
— Sim?
— Serão somente essas informações? Como podemos nos preparar?
A mulher sorriu profundamente antes de responder: — É justamente esse o objetivo. Quando e como serão, vocês não sabem nem irão. Estar preparado para isso, é o dever de cada um de vocês.
A apreensão tomou conta dos alunos com suas palavras, mas a diretora prosseguiu, indiferente à ansiedade que permeava o lugar.
— De qualquer forma, há outra informação importante quero compartilhar com vocês. — Ela fez uma pausa, olhando para um homem de estatura mediana ao lado. — Embora eu considere desnecessário, Alberto, nosso estimado professor de geografia, insistiu numa revisão formal do mapa do continente e da organização geopolítica dos distritos. Portanto, fugindo um pouco da grade curricular deste ano, a primeira aula sobre essa matéria será dedicada a esses conceitos iniciais.
Seguindo a sugestão da mulher que acabara de falar, Alberto, um homem de compleição robusta, com pele clara e cabelos e barba negros, apressou-se em dar um passo à frente enquanto exibia um enorme e prazeroso sorriso.
— Bom dia, meus pequenos exploradores. Como dito anteriormente, decidi alterar um pouco a programação das disciplinas para a primeira aula. Será apenas uma revisão básica, considerando alguns acontecimentos recentes, logo não tomará muito do nosso tempo — concluiu alegremente. — Bem, era só isso mesmo.
— Muito bem, obrigada, Alberto — a diretora agradeceu ao homem, que assentiu profundamente antes retornar ao seu lugar. — Como faltam poucos minutos para o intervalo, darei uma colher de chá a vocês: não precisam retornar às salas de aula. Aguardem aqui, quietos, pelo sinal. Enquanto isso, podem conversar, mas sem fazer alarde.
Com essas palavras, a mulher, acompanhada pelos funcionários e professores, se retirou sem dizer mais nada. Os alunos piscaram e trocaram olhares, ainda sem entender realmente as palavras ditas.
— Podemos mesmo? — indagou uma menina, ainda sem acreditar.
Outra riu e respondeu: — Bem… vamos aproveitar, então.
Como se estivessem em sintonia, os murmúrios começaram a se espalhar pelo local, dissipando a paz que outrora prevalecia.
Meus olhos ardiam, e meus ouvidos se sentiam sobrecarregados. Um bocejo profundo escapou de mim inconscientemente.
Acho que vou dormir… pensei, já me encaminhando cegamente para o silêncio convidativo da sala onde estive anteriormente.
O térreo, intensamente iluminado pela luz, estava, como sempre, vazio. Apenas a quietude cumprimentava minha chegada.
Atrás do balcão, Elisa observava calmamente minha aproximação, com uma expressão tediosa estampada no rosto.
— Boa tarde, Elisa — cumprimentei, por algum motivo sentindo-me à vontade para me apoiar sobre o balcão.
Ela bufou pesadamente antes de abrir a boca: — Boa tarde, Sete. Como foi a aula?
— Normal — respondi simplesmente. — O trabalho tem sido entediante?
— Você nem faz ideia.
— Mas não era isso que você queria?
— Sabe, eu nem sei mais. Assumi esse trabalho este ano. Durante muito tempo, juntamente com uma amiga, estudei para conseguir essa posição. Achei que iria gostar, e o salário também não é ruim.
— E então? — incentivei-a a continuar.
— Agora que estou aqui, não parece de acordo com minha imaginação — ela disse, soando ironicamente enquanto sorria para o vazio.
Qual a resposta para isso? Não sei. Simplesmente não estava em posição de confortá-la com palavras rasas, todavia, um breve sorriso compreensivo surgiu em meus lábios enquanto a observava.
— Já sabe o que vai fazer quando tudo isso terminar?
Balancei a cabeça negativamente: — Nem ideia.
Minha honestidade provocou um riso breve em Elisa. Essa situação pode não ser exatamente engraçada, mas a ironia da minha indecisão sobre o futuro, quando já estava morando sozinho, era patética.
A bolsa de estudos que consegui me garante um apartamento e recursos para as necessidades básicas, então não preciso me preocupar com quaisquer coisas em relação a isso. Entretanto não tenho renda, e tal segurança social só vale pelo tempo em que estou estudando. Este é o meu último ano; quando terminar… estarei na rua. Esse cenário torna um emprego imprescindível, mas não sei qual escolher. Não posso voltar para a casa dos meus pais, e morar com familiares está fora de cogitação. A única solução parece ser aceitar qualquer coisa, ganhar algum dinheiro e continuar morando aqui.
— Seu tempo está acabando, está ciente disso, não é? — provocou Elisa.
Assenti, olhando-a nos olhos.
— Então, qual é o seu plano?
Ponderei sua pergunta por um momento, mas resolvi brincar um pouco.
— Vou procurar fazer parte de uma família rica — respondi casualmente, deixando as entrelinhas no ar.
— Quê? — exclamou incrédula — Você está brincando, certo?
— O que te faz pensar isso?
— Ah, não sei! Só… não imaginei que você faria algo assim.
Suas palavras soaram amargas, e ela apenas desviou o olhar. Não intervi em seus pensamentos e apenas observei desinteressadamente o redor, esperando que ela desse continuação ao assunto.
— Sete? — chamou, buscando minha atenção. — Eu realmente não acredito que você faria isso.
— Bem, nem eu.
Elisa parecia confusa com minha resposta repentina. Suas sobrancelhas curvaram-se levemente antes de perguntar: — Como assim?
— Não há plano — esclareci. — Obviamente não faria isso. Estou totalmente à mercê de um futuro desconhecido e cheio de inconsistências.
— Nossa, que situação… Mas não fale assim. Até parece que as coisas acabam por aí.
— Talvez não. Mas as opções são limitadas, ou você se dispõe a me sustentar?
— Até parece! — gargalhou, gesticulando negativamente com as mãos. — Eu ganho bem, mas sofro pra isso.
— É mesmo?
— Claro. Você, por acaso, sabe onde moro? — Ela parecia estar se sentindo ofendida.
Neguei tranquilamente.
— Pois então! Saiba que é muito longe! Eu tenho que acordar cedo, muito cedo, para cumprir meu horário.
— Lamento.
— “Lamento” — murmurou, com sarcasmo. — Essa rotina está me matando! Eu só queria encontrar um apartamento próximo para evitar tal deslocamento.
— Procurou direito?
Elisa me lançou um olhar ameaçador e ignorou completamente a minha pergunta.
— E a sua família? — Mudei um pouco de assunto.
— Não moram perto o suficiente.
— Entendi. E quando acaba seu expediente?
— Isso varia muito. — Ela suspirou forte antes de continuar: — O meu horário é das 7h às 17h, o que, aparentemente, não é ruim. Entretanto, não é sempre que sigo esse planejamento, e por isso é cansativo.
— Quer desistir, não é?
Seu corpo estremeceu visivelmente com a minha pergunta. Sua respiração falhou e seus olhos procuram pelos meus.
— Não disse isso…
— Mas está óbvio.
Sua expressão afundou, e ela ficou totalmente quieta, como se sentisse fracassada por sua própria falta de resistência.
— Você está certo. É o que eu mais tenho pensado ultimamente, mas não posso fazer isso… Acabei de me formar e preciso seguir em frente.
— Hipocrisia, não acha? — Ela me olhou surpresa. — “Até parece que as coisas acabam por aí. “
Elisa piscou, sem dizer uma palavra e apenas continuou me observando.
— Vou subir. Boa noite, Elisa. Até amanhã.
Saí sem esperar por uma resposta da atordoada garota. Em poucos minutos, eu já estava estilhaçado sobre a cama do meu quarto, sentido sutilmente seu toque macio que massageava meu corpo.
Meus olhos vagavam por uma mensagem sem resposta, refletida na tela do meu celular.
Aylla, que saudade. Como você está?
Fiquei assim por vários minutos, simplesmente imóvel enquanto observa inutilmente a mensagem, talvez ainda esperasse uma resposta. Um sentimento estranho começou a me apertar por dentro. Senti isso, e minha expressão se contraiu, desistindo de qualquer esperança e incentivando-me a levantar para terminar completamente mais um dia exaustivo.