As Sombras de um Novo Começo - Capítulo 9
POV Emilia
— Ahh… — bufei, já ficando irritada. — Elas não estão atrasadas? Desse jeito, o Yoshi vai ficar esperando.
Sentada no banco da cidade, em um parque a poucos quarteirões da minha casa, não poderia estar mais ansiosa. A todo momento, sentia a necessidade de puxar meu celular da bolsa para verificar a hora, e isso já estava se tornando um tique.
À medida que o sol se punha ao longe, emitindo seus últimos raios de luz e banhando a atmosfera com um tom forte de amarelo, os postes incandescentes lançavam automaticamente sua claridade pelo lugar.
Os bondes paravam a todo momento, liberando pessoas e partindo, logo em seguida, vazios pela cidade.
Sério, eu vou matar aquelas duas.
Os ventos frios enviavam ondas arrepiantes pelo meu corpo. A tela brilhante em minhas mãos exibia um problema que estava me dando nos nervos. Se eu soubesse que isso iria acontecer, teria me encontrado com o Yoshi na casa dele e, de lá, partido para esperar essas caloteiras em outro lugar.
— Você viu? Foi muito engraçado! — Murmúrios e risadas altas chamaram minha atenção. Olhei rapidamente, já me sentindo um pouco aliviada, no entanto, tremi, irritada, quando observei as duas garotas se aproximando tranquilamente.
Catarine estava arrumada casualmente, algo que contrastava com o habitual uniforme do colégio. Ela vestia uma calça preta bem folgada e uma camisa escura de manga comprida; seu cabelo estava amarrado de forma desleixada. Manu, por outro lado, era vaidosa como sempre. Suas vestimentas eram simples, mas ainda sim, eram belas. Ela usava uma linda calça jeans, e um cropped branco realçava seu corpo. Seus cachos, soltos pelos lados, brilhavam em um tom castanho.
— Não é? Eu só queria… — interrompi suas divagações risonhas pigarreando alto o suficiente para que qualquer pessoa próxima pudesse escutar.
— Vocês estão atrasadas! — adverti severamente enquanto me levantava e apoiava minhas mãos no quadril. — Vocês têm noção de que horas são? Ou, melhor ainda, sabem há quanto tempo estou esperando pelas bonitinhas?
Catarine e Manu se entreolharam rapidamente antes de lançarem um olhar interrogativo.
— Mãe? — perguntou Catarine, erguendo uma sobrancelha.
Abri a boca para responder, mas Manu foi mais rápida, provocando-me logo em seguida:
— Tenha calma, minha morena. O Yoshi não vai desaparecer.
Meu sangue fervia. Pensamentos notáveis que incentivam-me a uma agressão educativa pediam suplicantes para que eu espancasse-as agora mesmo.
— Podemos…
— A propósito — Catarine me interrompeu, aproximando-se calmamente e me girando em suas mãos como uma boneca. — Isso tudo é para ele? Se me permite dizer, você ficou linda nesse vestido azul… Combinou com seus olhos.
Quê…? Olhei incrédula para ela, ainda tentando compreender suas palavras.
Sua mão retirou uma mexa de cabelo sobre meu rosto, posicionando-a delicadamente atrás da minha orelha.
— Saiba que… Se ele não quiser, eu quero.
Totalmente perdida, apenas pisquei perplexa em resposta. Não demonstrei reação diante de seu olhar amarelo e sedutor.
Sedutor? O pensamento tardio pesou em preocupação.
— P-perai!
Observando a minha ausência de reação e, posteriormente, a minha agitação envergonhada, Catarine e Manu trocaram olhares furtivos antes de caírem em gargalhadas.
— Uhhh! Chega! Vamos logo, eles estão nos esperando.
Sem esperar uma resposta, marchei rapidamente pelo mesmo caminho que normalmente fazia para a escola. Minhas bochechas queimavam e eu sabia que estavam avermelhadas. Sendo sincera, só queria evitar aquele tipo de assunto.
—Ei, Emilia! Espera!
Manu correu desesperada até chegar ao meu lado.
— Como assim “eles”?
— Não contei a vocês?
As duas negaram em confusão.
— Não é nada demais. Yoshi e eu decidimos chamar o Sete.
— Chamar ele?! Por quê?! — Catarine soou afrontada.
— Qual o problema?
— Ahhh! Isso não é importante, Emilia. Catarine só está rancorosa por perder. Ela ainda não consegue esquecer o garoto. Agora — Manu parou em minha frente, apontando-me um dedo — por que não me avisou antes? Se eu soubesse, poderia ter trazido o meu pretendente.
— Como se atreve a dizer tal blasfêmia?! — Catarine exalou raiva. — Não me importo em te disciplinar aqui.
— Calada! Todo mundo sabe que é verdade. Mas isso não é o foco. A Emilia foi covarde!
Enquanto ouvia suas lamentações e observa a furiosa Catarine pronta para pular em seu pescoço, só pode rir antes de dizer: — Desculpe. No entanto, mesmo que tivesse lembrado, não contaria nada pra você.
— Hein? Por que não?
— É óbvio — provocou Catarine, enojada — Vocês dois são muito melosos.
— Na verdade, meu bem, isso me parece inveja — retrucou, mostrando a língua.
— Já deu vocês duas. Não sou babá de ninguém aqui.
— Isso serve pra você também, Emilia. É muito emocionada.
— C-como? — indaguei, prendendo a respiração e olhando em sua direção.
— O que foi? — Catarine apenas cruzou os braços. — Está na cara isso. Não fique surpresa.
— Oh! Lá estão eles — antes que eu pudesse formular uma resposta adequada, Manu disse, acenando com as mãos em direção aos bancos próximos aos portões da escola.
Esqueci completamente o que tinha a dizer e apenas me virei na direção indicada. Um calor confortável aqueceu meu peito, e senti um leve arrepio em minha espinha. A poucos metros, Yoshi e Sete estavam sentados em um banco.
Estar próxima a ele, mesmo minimamente, era realmente confortável. Yoshi, meu melhor amigo ao longo de anos, estava vestindo uma roupa formal totalmente preta. Seu cabelo branco estava arrumado normalmente, exibindo confiança e ternura. A outra extremidade do banco era ocupada por Sete em sua posição habitual. Sua cabeça, voltada para baixo, era sustentada por sua mão, e seus cachos negros cobriam a sua linha de visão. Ele usava uma camisa cinza e um calça preta que não era larga nem curta.
Os dois pareciam conversar, mas, olhando à distância, Sete parecia estar dormindo.
— Ei! — gritou Manu, correndo na direção deles.— Adivinhem quem está apaixonada.
— Essa garota… — Catarine rosnou ao meu lado.
Seguindo o exemplo, nos aproximamos de Yoshi que já havia se levantado para nos cumprimentar. Manu já cochichava algo, e ele apenas sorria enquanto alternava o olhar entre nós três.
— Ei! O que essa pirralha está dizendo pra você?!
— Ah, ela só estava… — Yoshi ficou sem jeito, se perdendo em suas palavras.
— Pirralha? Quem você está chamando de pirralha?!
— E quem seria, baixinha?
— Ahh! Olha aqui, Catarine! Eu não sou metade. Quer que prove pra você?
Desviando furtivamente das provocações, Yoshi se aproximou de mim.
— Boa noite, Emilia.
Sorri, diante de seu cheiro antes de responder: — Boa noite.
— Esse vestido ficou bom em você.
— A-ah, sério?! — desviei o olhar, sentido que a vergonha começava a me invadir. — Nem escolhi direito.
— Bom, mas você está bonita.
—Ah… Então… obrigada.
— Certo. Acho que devemos ir agora — disse ele, desviando o olhar para Catarine e Manu que ainda mantinham uma discussão acalorada. — Elas nunca mudam, né?
— Não — respondi sorrindo — mas acho que é isso que nos mantém unidas…
— Sim, concordo. Então — entoou mais alto — vamos?
Minhas duas amigas cessaram a discussão e se viraram em nossa direção. Manu, por outro lado, semicerrou os olhos e lançou um último olhar predatório para Catarine. Suas íris brilharam e algo passou por sua mente.
— Sete! — gritou, atraindo a atenção de todos, inclusive a do garoto que, pela primeira vez, levantou o olhar. — Estamos indo, mas, por favor, cuide de sua nam…
Antes que as palavras fossem ditas, Catarine tampou sua boca rapidamente.
— Diga isso e será a última coisa que você falará em vida.
Sete, que outrora parecia completamente indiferente ao que acontecia, apenas franziu a testa diante da visão. Seus olhos escuros vasculharam cada um de nós e só então ele se levantou.
Certeza que ele estava dormindo.
— Muito bem! — disse Manu, desvencilhando-se das mãos de Catarine e aproximando-se de nós. — Em qual lugar vamos primeiro?
— Não tenho certeza. Vocês têm alguma sugestão? — Yoshi perguntou, mas esperamos que ele escolhesse algum lugar. — Hum… o que acham de irmos em uma cafeteria aqui perto, então?
— Por mim tudo bem.
Concordamos com a ideia e logo seguimos caminho pela serena cidade. Bondes passavam por nós uma vez ou outra, mas resolvemos apreciar cada detalhe desse passeio, jogando conversa fora enquanto o fazíamos.
Como de costume, Catarine e Manu trocaram algumas insultos, e Yoshi, ao meu lado, sustentou meu ânimo com suas palavras. Apenas Sete se mantinha à distância, mal falando conosco e bocejando uma hora ou outra enquanto observava as casas e lojas pelas quais passávamos.
— Por que você quis chamá-lo? — cochichei para Yoshi, certificando-me de que apenas ele escutasse.
— Hum? O Sete? — Ele me olhou profundamente e seguiu o tom da minha voz. — Você não… o achou interessante?
— Por que sentiria interesse nele?
— Boa pergunta, mas o Sete é uma pessoa sobre a qual mal temos certeza.
— Você acha? — perguntei de forma sarcástica, lançando um olhar avaliador para o homem desapercebido que nos seguia.. — Não me parece um ser misterioso.
— Você pode estar certa. Contudo, não afirme isso. Você nunca se perguntou sobre o motivo por trás da sua mudança de escola tão tardia?
—Não… Mas você sabe?
— Não. Também não acho que ele daria detalhes sobre isso. O Sete é um cara desanimado. Ele não aparenta ter ambições, objetivos concretos ou… uma vontade. Ele é suave, seguindo o fluxo, mas sem sentido. Arrisco dizer que nem mesmo ele saiba o que está fazendo aqui.
Fiquei surpresa com a explicação. Isso parecia uma observação muito profunda, mas fria. Sendo sincera, isso não era uma suposição complicada? Se fosse realmente verdade…
— Mas… você acha que ele está bem?
Yoshi sorriu, mas não olhou para mim. Apenas manteve seu olhar fixo à frente antes de responder: — Claro, ele é estável. Possui suas próprias visões, mas acredito que são seguras.
— Então… — Apesar de tudo, ainda me sentia confusa. — Foi por isso que o chamou? Quer saber mais?
— Não. Não estou interessado em conhecê-lo. Já observei o suficiente. Só propus isso porque… achei que seria bom pra ele ter algum contato.
Meus olhos mantiveram-se fixos em Yoshi enquanto caminhávamos. Pensei em cada palavra dita, e a cada significado recordado, minha visão mudava para outra pessoa, considerando-a brevemente antes de se desviar de novo.
Nos últimos dias, devido o contato inicial, achei que os dois garotos haviam, ou pelo menos estavam, tornando-se amigos. Entretanto, com certeza estava enganada.
Eu conheço o Yoshi, afinal, somos próximos desde criança. Sei que sou especial para ele e sei que, apesar de ser um cara legal e popular, Yoshi só possui um amigo: o Marc. Agora, considerando o significado de suas suposições, compreendo que qualquer relação entre ele o Sete será meramente colegial.
Mesmo não conhecendo essa incógnita, se as observações de Yoshi sobre ela estiverem corretas, posso dizer que o Sete não se importa em construir novas relações, na verdade, isso deve ser trabalhoso demais para ele e talvez seja melhor evitar.
— Lá está! — Manu indicou animada. — Vamos rapaz, me acompanhe.
Minha boca ficou entreaberta com a visão, sendo mais precisa, a boca de Yoshi também caiu em choque. Manu, expressando alegria e determinação, entrelaçou seu braço ao de Sete e o puxou em direção às portas da cafeteria.
Perplexo pelo contato inesperado, o rapaz não disse uma palavra enquanto era arrastado caminho adentro. Manu, em seu último ato antes de desaparecer pelas portas, lançou um olhar para trás em direção à Catarine, que observava tudo de forma inexpressiva.
— Catarine — chamei, querendo atiçá-la.
— Não diga o que está em seu mente, Emilia.
Sua voz fria e carregada de aviso provocou calafrios por todo o meu corpo. Ela suspirou forte e seguiu o caminho sem se preocupar se estávamos ou não seguindo-a.
— Isso aconteceu durante sua considerações?
— Não… — respondeu perplexo. — Mas suas amigas são imprevisíveis.
Debatemos mais um pouco antes de entrarmos no recinto caloroso e impregnado com cheiro agradável do café e dos pães. Os ventos frios não alcançavam mais minha pele, e finalmente pude relaxar.
A visão de uma das mesas à frente não deixou de me surpreender, embora já imaginasse a cena. Sete estava sentando na extremidade ao lado da janela, olhando descaradamente as pessoas que se movimentavam do lado de fora. Agarrada ao seu braço, sem se incomodar com absolutamente nada, estava Manu, já verificando o cardápio. O mais chocante foi ver Catarine sentada ao lado dela, totalmente impassível olhando a tela do seu celular.
— Já se acostumou? — questionei, sentando-me do lado oposto.
— Entre sentar ao lado de vocês e… — Ela olhou com desgosto para Manu. — ao lado dessa idiota, quem você acha que eu vou escolher?
— Dessa forma eu me sinto ofendido — comentou Yoshi, mostrando seu sorriso encantador.
— Sério? — ela perguntou ironicamente. — Pois saiba que eu não me importo.
— Isso tudo é ciúmes? — provoquei.
— Vocês dois têm certeza de que querem continuar com isso?
Yoshi e eu trocamos olhares antes de respondermos ao mesmo tempo: — Não.
— Muito bem. Peçam algo para nós, então.
— Ah! Deixe isso comigo! — Manu acenou com mão, chamando uma atendente que logo veio nos atender gentilmente. — Por favor, cinco cafés bem fortes e cinco fatias de bolo de cenoura.
— Claro. Irei providenciar.
A mulher de aparência gentil, clara e com cabelos loiros, apressou-se em sair.
— Bolo de cenoura?
— Claro! É maravilhoso!
— Discordo.
— Hum… Então não coma. Tenho certeza que o Sete ama.
— Até quando vocês vão ficar nessa? Usar o Sete como objeto de disputa não é legal — repreendi.
— Disputa? Quem está disputando?!
— Ah, Emilia, não seja chata. Você nem perguntou a ele. Sete, você sente-se mal com isso?
A atenção do garoto, que havia desconsiderado o assunto até agora mesmo sendo o núcleo dele, voltou-se para nós. Seus olhos consideraram cada um dos espectadores, mas no final ele apenas bocejou.
— Não sei sobre a funcionalidade disso, entretanto, façam o que acharem melhor.
Cara, estou tentando te ajudar.
Yoshi riu de forma genuína enquanto observava tudo.
— Esqueçam isso. Veremos, para onde vamos depois? Há muito tempo pela frente.
— Ahh! Que noite! Estou exausta. Não me lembro da última vez que passei tanto tempo andando por aí — comentou Manu, andando livremente desta vez.
— Já devíamos estar em casa.
— Ah, Catarine, me poupe de suas preocupações racionais.
— De qualquer forma — completei em meio aos sorrisos — aproveitamos bastante.
O tempo passou. Conversamos, brincamos e rimos no decorrer do caminho. Era tão bom que eu não queria que acabasse. No entanto, à distância, eu percebi o primeiro anúncio do fim.
— Bom, chegou a minha hora — disse Sete, olhando para rua vazia à esquerda. — Boa noite, pessoal. Obrigado por me convidarem.
Sem esperar uma resposta, ele já se virava para sair.
— Espera! — gritou Manu, marchando até ele e estendendo a mão em cumprimento.
Ele olhou para a mão dela por instante. Seus lábios curvaram-se em um leve sorriso e então ele retribuiu o gesto.
— Obrigado.
Em passos calmos, ele se foi. Manu ficou boba enquanto olhava fixamente para a sua própria mão. Ela murmurou algo para si mesma e então voltou-se para nós novamente, seguindo caminho sem nos esperar.
— E o seu pretendente?
— Não pense besteira, Emilia! Você pode não saber, mas estar próxima daquele cara é confortável. Entretanto, foi só algo que, por acaso, experimentei hoje, não há nada para se cultivar entre nós.
Em resposta, eu fiquei calada; não havia o que dizer para ela. O restante do trajeto foi calmo, totalmente desprovido da animação inicial, afinal, estávamos cansados. E então… fomos dispersados pelo tempo, cada um seguindo silenciosamente pelo seu solitário caminho.