Bevan - O Divino Império - Capítulo 3
Pode parecer um sonho mas, hoje finalmente os incessantes sons causados pelo cataclisma cessaram.
Sete dias atrás, se encerrou após vários meses o cataclisma que trouxe a escuridão e abalou essa terra.
A escuridão impenetrável, causada pela poeira que subia das destruições de edifícios e das densas nuvens de tempestade.
Desde o início do cataclisma, não sabíamos se íamos sobreviver e se poderíamos ver o sol novamente.
Sempre com os nossos medos a um passo de tomar a razão, fizemos tudo que era possível para sobreviver.
Nos apoiando em qualquer coisa ou pessoa que nos dê o mínimo de forças para continuar lutando.
E foi assim, que depois de vários meses sem ver sequer uma vez a luz do sol, hoje pudemos apreciar esse “milagre” que antes era algo normal.
Aqueles pequenos raios de luz que atravessam as nuvens de chuva e poeira significava que sobrevivemos e que o pesadelo tinha acabado.
Aqueles ao meu lado não conseguiram segurar suas lágrimas e um após o outro desabou em choro.
Eu?
Bem, não sei se estar vivo é algo realmente bom.
Afinal, eu já tinha desistido da minha vida a muito tempo e provavelmente já teria me suicidado se não fosse por ela… enfim, agora tudo acabou e só precisamos recomeçar nesse novo mundo.
— Eii, Pietro, o que faz aí no canto? Esse pesadelo finalmente acabou, vamos comemorar — gritou eufórico.
Esse idiota do Carlos está sempre animado, mesmo nessas situações, meu deus… invejo ele.
— Idiota, e com o quê vamos comemorar? Mal conseguimos sobreviver — respondeu Pietro.
— Eh? Mas sobrevivemos, vamos pelo menos pular e sorrir dizendo “sobrevivemos, ebaa” — resmungou desapontado.
Meu deus, outro idiota, a diferença é que esse me persegue e mesmo que eu o mande ir embora ele diz coisas do tipo “mas somos melhores amigos, vamos ficar juntos”.
— Não estou dizendo que não podem comemorar, pode pular a vontade Victor, mas eu prefiro só assistir — disse Pietro.
— Ebaaaa, sobrevivemos!
“Espera, eles realmente começaram a pular e gritar isso?”
Foi o que pensei enquanto olhava espantado.
Victor e Carlos eu até entendo, mas a Paula é uma surpresa, bem, saindo dessa situação é normal ter esse tipo de reação.
Eles sobreviveram e comemorar isso não é errado, mas tô mais preocupado com o que vem agora.
Como será que as coisas vão acontecer de agora em diante?
Quando tudo começou, só pensávamos em sobreviver o hoje sem nos preocuparmos com o amanhã.
Afinal, não tínhamos garantia que chegaríamos nele.
Ainda que pense assim, Pietro se levantou de onde confortavelmente estava sentado e caminhou até Carlos e Victor.
Enquanto caminhava, uma leve brisa passava, muito semelhante à calmaria antes da tempestade.
— deixe de ser pessimista, agora o pesadelo acabou — disse Pietro.
Será que os poucos anos que passei no exército me deixaram paranóico assim?
Eu sei que meu esquadrão era responsável por missões especiais, mas suspeitar até do vento em terra firme já é demais.
Eu tentava me convencer disso enquanto ia de encontro a Júlia que me encarava com os olhos cheios d’água.
Abraçando-a bem forte, sussurrei em seu ouvido — Eu disse, não foi? Acabou esse pesadelo e estamos vivos, eu cumpri minha promessa.
— Sim, você cumpriu — disse Júlia com a voz trêmula.
Ainda abraçado Júlia, olho para meus poucos companheiros que, feliz ou infelizmente, estiveram ao nosso lado nesses meses de desespero.
Enquanto conforto ela com meu abraço, penso que aquele deve ser o melhor momento para dizer o quanto a amo, porém, temos coisas mais importantes para falar agora.
Ponho a mão em sua cabeça e me afasto um pouco antes de começar a caminhar na direção de nossos companheiros.
— Vamos sair daqui e começar a pensar no que faremos a partir de agora — disse Pietro.
Nós começamos a caminhar então, e em pensamentos, cada um de nós se desesperava sem saber o que nos aguardava nesse novo mundo sem leis e garantias.
Júlia segurou minha mão e apertou bem forte, sua expressão dizia “por favor, não me solte”.
Então de mãos dadas e sendo seguido por nossos companheiros, entramos de peito aberto nesse novo mundo.
Uma paisagem linda, porém assustadora, foi a primeira coisa que nossos olhos viram depois de bastante tempo imersos na escuridão.
Durante os meses de cataclisma, ficamos muito tempo presos numa espécie de caixa preta.
Se não fosse uma situação de vida ou morte, sair de lá era proibido, porém, era inevitável sair algumas vezes, mas o risco era muito grande e nos limitamos ao mínimo de saídas possível.
No entanto, agora poderíamos sair sem medo, o que nos prendia ali não pode mais fazer isso.
Com expressões de puro êxtase, corremos em direção a essa paisagem.
Sorrisos que nem sabíamos se era possível colocar em nossos rostos novamente apareceram.
Não podíamos esconder nossa alegria em sair da caixa preta, então fomos em direção ao que antes era um jardim de flores e agora se parece com um campo de guerra.
Um lindo campo de guerra florido estava à nossa frente, mas antes de conseguirmos alcançá-lo, um estrondo como o quebrar de vidraças ecoou por todo o céu nos paralisando de medo por não sabermos o que era aquilo.
Por vários minutos ficamos paralisados, sem mover sequer um músculo.
Antes que pudéssemos perceber, nós estávamos em uma situação tão assustadora quanto o cataclisma.
O que estava quebrando? Qual o motivo para quebrar? Por que justo agora?
Poderia aquela leve brisa que senti antes ser realmente a calmaria antes da tempestade?
Enquanto pensava sobre isso, um grito de desespero me tirou do fundo da minha mente, onde eu me questionava sobre o que estava acontecendo.
Sinceramente falando, não sei se queria ter voltado à realidade e ver o que estava acontecendo.
Presenciando aquilo só conseguia pensar que a pessoa que disse “vindes do pó e ao pó retornarás” estava completamente certa.
Victor, uma das pessoas mais maravilhosas que pude conhecer em meio a tantas desgraças.
Meu companheiro mais antigo, e, provavelmente, meu único melhor amigo, estava se desfazendo em pó e desaparecendo.
Sem saber o que causava aquilo, me desesperei, no entanto, não podia fazer nada quanto aquele infortúnio que afligia meu amigo.
Incapaz de fazer alguma coisa para parar com aquilo, só pude observar sem nem ao menos dizer uma palavra enquanto o desespero me consumia.
Victor estava se desintegrando em pó aos poucos, aquele idiota nunca iria desmontrar qualquer tristeza na minha frente, mas naquele momento ele chorou.
— Cuide-se, Pietro… nos vemos no pós vida — murmurou Victor.
A morte de Victor foi algo para o qual eu não estava preparado, nem queria estar.
Isso parecia apenas um pesadelo, não tinha sentido e muito menos significado. Como ele simplesmente desapareceu assim?
Me abraçando forte, Júlia se esconde em meu peito para não olhar.
Sem acreditar no que estava acontecendo, não consegui dizer nada.
— Pessoal, sei que é pedir muito, mas cuidem desse idiota por favor, ele foi a única família que me restou e cuidem-se também — disse Carlos com um tom de voz sério, parecendo uma ordem.
Meu coração doía enquanto eu escutava aquelas palavras, era como se alguém estivesse apertando ele com as mãos.
Lágrimas fluíam de meus olhos enquanto lembranças do dia que conheci Carlos, apareciam subitamente em minha memória.
Os outros também estavam desaprendendo e eu não pude fazer nada sobre isso também.
Victor, Carlos, Paula e até mesmo Júlia, estavam desaparecendo, retornando ao pó.
Nesse momento, um ódio surgiu dentro de Pietro, e ele passou a odiar a mim mesmo.
“Porque eles estão morrendo mesmo depois de terem feito de tudo para sobreviver?”
“O que eu preciso fazer para salvar eles? Se eu soubesse o que fazer eu conseguiria?”
“O que vamos fazer com os sonhos que dissemos que íamos conquistar depois de tudo?”
Esses pensamentos começaram a passar repetidas vezes na cabeça de Pietro enquanto ele tentava encontrar uma resposta.
Respirando bem fundo senti a pressão apertando meu peito diminuindo… Júlia estava retornando ao vazio.
Meus traumas passados estavam ressurgindo em minha mente e a única pessoa que sempre esteve ao meu lado estava desaparecendo bem diante dos meus olhos.
Eu estava cada vez mais fundo no abismo, vendo aquelas pessoas que são importantes para mim desaparecem.
Me resgatando do abismo, Júlia beijou minha boca.
Por um momento, toda angústia em meu peito sumiu e eu não podia me sentir melhor.
Sem saber se teria outra chance, eu tentei dizer o que sempre quis mas nunca tive coragem.
Os lábios de Júlia se moviam como se quisesse dizer algo, mas eu não podia entender então gritei meus sentimentos — Júlia, eu te a… — antes que eu pudesse terminar de falar, Júlia desapareceu.
Fraco, só pude chorar e gritar por não conseguir proteger a mulher que amo.
O desespero me consumiu e eu só pude expressar minha dor com gritos e choro.
Enquanto chorava, comecei a me desfazer em pó e a desaparecer também.
“Então no final eu vou morrer também”
Foi o que pensei ao perceber que estava desaparecendo também, curiosamente, isso dói bastante.
Diferente do que se pode imaginar, eu não estava com medo de morrer nem nada, pelo contrário, até fiquei meio aliviado.
Mas não conseguia deixar de me arrepender de ter passado por todos aqueles meses de cataclisma e no final morrer sem nem ao menos dizer que a amava.
Ou ao menos não ver meus companheiros morrerem antes de mim
Nunca me importei ou gostei de viver, só continuei vivendo porque queria passar o máximo de tempo possível com ela.
No final, fiz bons amigos que também, em algum momento, me fizeram querer viver.
“Agora que eles se foram, acredito que não tenho mais nenhum motivo para continuar vivendo”
Era o que eu estava pensando enquanto me entregava ao vazio da morte.
Num instante, após o que deveria ser minha morte, eu me encontrava ainda vivo em frente a uma existência que pode ser atribuída o nome de “demônio”
Não sei ao certo como cheguei aqui, no entanto, aquela dor sumiu. Aqui é o que eles chamam de purgatório? Ou essa é a entrada do inferno?
Depois de tirar todas aquelas vidas, duvido muito que eu tenha um lugar no paraíso, mesmo que tenha sido numa guerra, ainda são vidas que se encerram pelas minhas mãos.
— Prazer em conhecê-lo, me chamo Duk, sou um demônio superior que servia o antigo Rei demoníaco — disse o demônio.
Não entendo o que está acontecendo, mas de alguma forma entendo o que ele está dizendo.
— Para simplificar as coisas, vamos encarar isso como um jogo, onde se você vencer, você vai ganhar poderes e voltar para de onde veio — disse Duk.
O quê que está acontecendo aqui? Jogo? Voltar para a terra? Como assim?
O demônio continuou — se você vencer, é possível se reencontrar com aqueles que a pouco você se separou, mas se perder, você morre!
Tá me dizendo que posso me encontrar com Júlia e o pessoal de novo? Ei, vou ficar muito puto se isso for mentira.
Mas, olhando ao redor, só vejo vazio.
Não tenho outra coisa para fazer além do que ele propõe, e se tenho uma chance de reencontrá-la, eu quero tentar.
— Então, qual vai ser o jogo que iremos jogar? — perguntou Pietro.
— Hahahahaha! Vamos lutar até a morte, o vencedor leva tudo — respondeu Duk.
— Tudo bem, não podia pedir por algo melhor — afirmou Pietro.
Em posição de batalha, os dois se concentram naquele vazio infinito para darem tudo de si para conseguir matar o outro.
Lutando por nossos próprios motivos, nós começamos nossa batalha que dependendo do resultado poderia ser meu recomeço ou meu fim.