Caçador de Feitiços - Capítulo 2 - O livro misterioso (PARTE I)
— De qualquer forma, estamos indo comprar frutas pro Sam, então não vamos estragar o dia com pensamentos sombrios — concluiu Erik, com uma expressão de preocupação fraternal estampada em seu rosto.
(NOTA: Yagara, um pitoresco vilarejo situado no coração da região norte de Brystal, emergindo como um oásis de vida e cultura em meio às vastas terras selvagens. Com cerca de mil habitantes, suas ruas sinuosas e casas de telhados vermelhos irradiam uma aura de tranquilidade e simplicidade encantadora. Mas por trás dessa fachada serena, pulsa um comércio vibrante que serve como o coração pulsante da comunidade.
Mercadores habilidosos movem-se pelas ruas estreitas, oferecendo uma miríade de produtos, desde as especiarias exóticas das terras distantes até as artesanias finamente trabalhadas pelos talentosos habitantes locais. A vida em Yagara é marcada por festivais animados e tradições antigas que celebram a rica herança cultural da região. Os sons de músicas folclóricas ecoam pelas ruas durante as festividades sazonais, enquanto o aroma tentador de iguarias culinárias locais flutua no ar, convidando os visitantes a se deliciarem com os sabores únicos da região.)
Jack assentiu, e os irmãos prosseguiram pelas ruas movimentadas da vila, deixando o pesadelo para trás por enquanto. Quando finalmente alcançaram a feira, encontraram bancas repletas de uma variedade de frutas coloridas. Se aproximaram de uma banca onde uma senhora simpática, Dona Martha, ocupava-se organizando maçãs vermelhas e brilhantes.
— Boa tarde, Dona Martha! — Erik cumprimentou, exibindo um sorriso caloroso.
A senhora se virou com um sorriso acolhedor e acenou para os dois jovens.
— Boa tarde, meus queridos! Como vocês estão hoje?
Jack se aproximou da banca e pegou uma maçã, examinando-a com interesse.
— Tá de boa, Dona Martha. Viemos pegar algumas frutas para o Sam. Ele tá ocupado na taverna hoje, então pediu para gente resolver essas paradas — Jack falou com convicção, sua personalidade astuciosa emanava uma energia alegre no ambiente.
Dona Martha assentiu, selecionando algumas frutas frescas para eles.
— Sam é um homem bom. Sempre cuidou de vocês dois como se fossem seus filhos — disse a senhora com uma voz gentil.
Erik assentiu e refletiu sobre a ausência de memórias de sua mãe.
— Sim… — O jovem murmurou, perdendo-se em pensamentos.
A senhora parecia preocupada e gentilmente tocou o braço de Erik.
— Sinto muito, queridos. Perder os pais tão jovens deve ter sido difícil para vocês — falou a senhora com delicadeza para não ferir os sentimentos dos garotos. Ela carregava consigo um sorriso mágico, como o de uma mãe tentando consolar seus filhos.
Eles não responderam e apenas refletiram nas palavras, ela logo terminou de empacotar as frutas e entregou o pacote a Erik.
— Leve isso para o Sam e diga a ele que espero que tudo esteja bem na taverna. Ah, e Jack, querido, leve essa maçã como um presente meu para você — ela ofereceu com um sorriso afetuoso.
Jack arqueou uma sobrancelha, surpreso com o gesto generoso.
— Sério? Valeu! — agradeceu ele, com um brilho de gratidão nos olhos e logo após, deu uma mordida na suculenta maça.
— A propósito, ouvi dizer que Erik está pensando em se alistar nos Paladinos daqui a duas semanas, é verdade? — disse a senhora com orgulho.
Erik sorriu e assentiu.
— Sim, é verdade, Dona Martha. Quero me alistar para proteger nosso vilarejo. E o Jack vai comigo pra capital, não é, Jack?
Jack olhou para seu irmão com um sorriso travesso, ele parecia um palhaço prestes a contar uma piada engraçada.
— Claro, mas deixarei a parte de “se alistar nos Paladinos” para você, irmão.
Dona Martha riu, e Jack piscou para ela antes de pegarem o pacote de frutas e se despedirem. Enquanto estavam saindo da feira, seguindo de volta para a taverna, uma sensação de normalidade envolveu os dois irmãos. Mas o que eles não sabiam era que o encontro com o velho misterioso e suas histórias perturbadoras eram apenas o começo de uma reviravolta em suas vidas tranquilas.
No caminho de volta para a taverna, após terem comprado as frutas, os irmãos avistaram um cachorro ferido mancando perto da estrada. O vira-lata estava em péssimo estado, com ferimentos visíveis. Os olhos tristes do animal encontraram os de Jack, como se implorassem por ajuda. Eles se aproximaram com cuidado, mas antes que pudessem oferecer qualquer auxílio, o cachorro se assustou e fugiu em direção a uma capela antiga que se erguia solitária à margem da estrada. Os irmãos Everest trocaram olhares, mas a determinação nos olhos de Erik era evidente.
— Vamos ver o que está acontecendo. Talvez possamos ajudar — Erik sugeriu, ele sentia que salvar aquele pequeno animal indefeso era um grande passo para realizar seu sonho.
Eles entraram na capela, cuja estrutura antiga parecia prestes a desmoronar a qualquer momento. Lá dentro, encontraram o cachorro, que havia se encolhido em um canto escuro, tremendo de medo. Erik se aproximou lentamente na tentativa de analisar os ferimentos do animal.
Com cuidado, ele pegou o cachorro ferido nos braços e o acariciou, examinando seus machucados. Foi quando Jack tropeçou e caiu no chão. Ao reparar bem, notou que estava bem ao lado de um alçapão.
Com um gesto, ele chamou seu irmão que havia rasgado um pedaço de sua roupa para enrolar o pobre cachorro. Os dois desceram pelo alçapão e encontraram diversos livros, estava bem escuro, mas ainda era possível identificá-los. Porém, dentre todos, um livro chamava a atenção de Jack, era como se estivesse o chamando.
— Isso é estranho. Talvez o velhote saiba alguma coisa sobre isso — Jack sugeriu, olhando para o irmão com um pouco de medo.
No momento em que Jack se agachou para pegá-lo, um som horrível de madeira rangente e metal retorcido encheu o ar. A capela antiga estava prestes a desmoronar. Os irmãos tiveram apenas um instante para olhar para cima e ver a estrutura do teto e das paredes se desintegrando rapidamente. A sensação de queda do teto em direção a eles era como um pesadelo que se tornava realidade.
Erik agarrou o irmão e o puxou para fora do local, enquanto os destroços desabavam ao redor deles. O cachorro que eles haviam tentado salvar não teve a mesma sorte e foi tragicamente esmagado sob a madeira e a pedra caindo.
O som do corpo do animal sendo esmagado ecoou pelos ouvidos dos irmãos, uma sinfonia macabra que os deixou paralisados pelo horror. A visão de seus olhos ainda abertos, agora vazios e sem vida, era como uma faca perfurando seus corações, uma lembrança cruel da brutalidade do destino.
Os irmãos se abraçaram em meio ao caos e à poeira. A emoção que sentiam era uma mistura de alívio por estarem vivos e pesar pela perda do animal. Jack segurava o livro nas mãos, seus dedos tremendo ligeiramente.
— Não podemos ficar aqui, — Erik finalmente quebrou o silêncio. — Temos que sair antes que o resto da capela desabe.
Eles se levantaram e, com cuidado, começaram a abrir caminho através dos destroços. Quando finalmente emergiram do que restava da capela, Jack olhou para o livro que ainda estava seguro em suas mãos. Ele estava surpreso por ver que o livro permaneceu intacto, apesar da destruição ao seu redor. Era como se a capela tivesse desmoronado em todos os lugares, exceto onde o livro estava.
Enquanto saíam do local, trocaram um olhar silencioso, ambos conscientes de que aquilo foi demais para suas cabeças. Lágrimas caíram do rosto de Jack.
— Que merda! Não conseguimos nem salvar um cachorro! — gritou o garoto infeliz enquanto Erik tentava consolá-lo.
— Eu sei, e vou continuar me culpando por isso, mas nosso tempo acabou, a gente tem que se encontrar com o tio Sam — Erik exclamou. Era evidente que naquele momento, ele sentia um enorme desconforto por não ter conseguido salvar aquele animal.
Os irmãos voltaram à taverna apressadamente, com os rostos sombrios e carregando o livro misterioso. Assim que entraram, a atmosfera na taverna parecia ainda mais tensa do que antes, como se o incidente na capela tivesse lançado uma sombra sobre o local. Eles viram Sam atrás do balcão, ocupado com seus afazeres. Quando Sam percebeu a expressão grave nos rostos dos irmãos, ele finalmente parou o que estava fazendo e olhou para eles.
Os irmãos hesitaram por um momento, mas a preocupação e a necessidade de compartilhá-las com alguém eram mais fortes. Jack começou:
— Velhote, nós encontramos algo estranho na capela abandonada nos arredores. Um livro misterioso e… bem, aconteceu algo terrível lá.
O rosto de Sam se contraiu em preocupação.
— E as frutas? — Olhou para as mãos vazias dos irmãos.
— Elas bem… elas… — Jack tentou se explicar, sem êxito.
— hum, que merda! — Sam cerrou os punhos e largou contra a mesa — O que foi? Desembucha logo — perguntou ele. Sua personalidade ranzinza não deixava visível que de fato ele se importava com aquilo.
Erik continuou, explicando em detalhes sobre a estranha descoberta do livro e o incidente na capela. Sam ouviu atentamente, franzindo a testa à medida que os irmãos compartilhavam a história.
— A capela… desmoronou enquanto nós estávamos lá, e… — Erik engoliu em seco, tentando controlar a emoção — … o cachorro que encontramos… ele não sobreviveu.
A expressão de Sam se tornou ainda mais séria. Ele parecia conhecer algo sobre o que estava acontecendo, mas hesitava em compartilhar seus próprios conhecimentos. O clima na taverna ficou ainda mais tenso, e a preocupação estava estampada em todos os rostos.
— Eu sinto muito pelo ocorrido — disse Sam finalmente, após uma pausa, — Mas há algo que vocês precisam saber. Nunca abram esse livro. Nunca, nunquinha mesmo. Guardem-no em algum lugar seguro e não deixem que ninguém o encontre. Entendido?
Os irmãos assentiram, essa foi a primeira vez que o velho disse algo sério, sem aquele tom rude de sempre, entretanto eles ainda estavam abalados pela tragédia que testemunharam na capela e também pelo velho louco de mais cedo, tudo isso no mesmo dia. Era como se um segredo sombrio tivesse sido revelado, um segredo que poderia mudar suas vidas para sempre.