Cambiante: O Segredo do Reencarnado - Capítulo 12
Ser um Artista é ser forte, é ser um guerreiro. É usar suas habilidades pra se defender e proteger os que precisam. Portanto, independente de qual caminho queiram seguir, todos deveriam ser Artistas; todos deveriam aprender a lutar.
Uma nação que separa seus estudiosos de seus guerreiros terá seu raciocínio feito por covardes e suas guerras travadas por tolos.
Ser Artista é pintar o mundo com suas convicções, é defender seus ideais pela força. Seja Spektral, Mystiko ou Primitivo; todos possuem o direito de se tornarem Artistas.
— Que papo é esse, Ophid?! — indagou Mitchel. — Nós já tínhamos…
— Todos de acordo? — perguntou o vulpine olhando pra todos eles, meio incrédulo.
Aiko se mantinha estática, sem dizer mais nenhuma palavra. Apenas fixava Ophid, assustada. Não podia colocar aquele anel. O trato já tinha sido feito, era Ophid o líder… Por que ele fez isso?
Deve ter algum motivo.
De alguma forma, dentro de mim, eu não sinto que ele está caçoando de todos nós.
Os olhos carmesins continuavam mirados em sua direção, enquanto Ophid ainda sorria levemente.
— Algum problema?
Aiko tornou seus olhos pro anel vermelho. Ele não se distinguia dos outros anéis apenas por ser de líder. Será que poderiam alterar a liderança depois? Nas suas escolas antigas isso poderia ser feito, mas se tratando da Stormpeak; com base em tudo que viu, e no quão rígido todo o sistema é, não restavam dúvidas de que os líderes provavelmente nunca poderiam ser alterados.
Ela ficaria com toda responsabilidade de líder, sendo avaliada, analisada diferente, e tendo funções diferentes. Por que Ophid faria isso?
Pensa Aiko…
— Eu… só…
Seus olhos encontraram os de Mitchel. Que esperava algum tipo de resposta indignante. Mas foi observando a expressão de Mitchel esperando um retorno, que ela descobriu algo.
Espera aí.
Ophid… Não. Não é possível que tenha tido essa leitura.
Ele faria de tudo pra que a equipe de fato fosse sinérgica, não importasse o que fizesse, apesar de dizer que tentaria a sorte. Ophid não é do tipo que faria pouco caso em coisas que envolvem sua própria avaliação.
Mesmo sendo definido líder, Mitchel provavelmente não aceitaria seguir ordens diretas de Ophid a todo momento, em algum momento isso criaria um conflito, uma intriga. Abalando a confiança do quarteto, criando hesitação.
Pensando nisso, na escolha do líder, apenas Aiko foi capaz de fazer Mitchel aceitar a liderança de Ophid. E ele deve ter percebido isso.
Ele está me usando como uma ponte?
Se ela fosse a líder serviria de conexão cooperativa entre Mitchel. Ele seguiria as ordens por ser ela, e não ele. Mas tem um problema muito grande nisso, e quanto a Lestrad?
Ela provavelmente não seguiria ordens de Aiko. O que Ophid de fato pretende com essa jogada? Seja o que for, pra alguém que teve esse tipo de raciocínio tão rapidamente…
Apesar de ter sido desfalcado, Aiko vagamente se recordou: ela disse que seria a primeira pessoa a ser melhor que o Ophid. Mesmo perante toda sua imponência, mesmo temerosa, mesmo sendo impossível, esse tipo de pensamento a deixou levemente determinada.
Tá na hora de cumprir com a minha palavra. Esse é o primeiro passo.
Por mais distante que você esteja… Eu acharei uma forma, eu serei melhor do que você, Divindade.
Eu aceito o desafio.
Aiko ergueu a cabeça, sua boca se comprimiu, formando um sorriso. Seus olhos se voltaram aos olhos felinos de Smith.
— Tá tudo bem. — Aiko colocou o anel em seu dedo indicador. — Estou de acordo. Eu sou a líder do Escarlate.
Na expressão de Mitchel havia confusão pura, como se eles tivessem combinado algo e ele estava completamente por fora. Lestrad, no entanto, formava um rosto enigmático, parecia intrigada, com a mente nebulosa, como se suas expectativas tivessem sido quebradas.
— Ótimo — disse Ophid, pegando um anel vermelho e colocando em seu dedo mindinho. — Vamos indo.
Ele se retirou indo em direção a porta aberta. Os outros depois de inserirem os outros anéis foram logo atrás dele.
A teoria de Aiko ia levemente se interligando. De fato, Ophid ainda agia como líder, sua suposição se confirmava ainda mais. Ela não era a líder de verdade, foi um artifício. Muito bem bolado.
Você realmente não é um ser humano qualquer… Pensou Aiko enquanto o observava caminhar, de costas.
— Tá, Ophid, abre o game. Que porra é essa? — perguntou Mitchel depois que desceram alguns lances de escada.
— Aiko é nossa falsa líder.
— Por que?! Eu poderia ser o falso líder.
— Isso não é contra as regras? — indagou Lestrad logo atrás deles.
— Não. E eu já me precavi disso. Pensei nessa estratégia no ano passado. Quando os alunos na Maestria Tática focavam em tirar o líder do caminho pra desestabilizar a equipe. Já que eles ficariam sem um guia, uma presença que trouxesse confiança.
“Por isso, pensei em um dia ser o líder de forma sigilosa. Assim deixaria nosso quarteto imprevisível, e os adversários desnorteados. Eles focariam na pessoa errada.”
Então não foi como Aiko pensara… mas ainda assim poderia ser. Não pode ter sido só isso. O jeito que ele olhara pra ela, foi por um motivo a mais. E por que ela?
— Os outros focariam em mim pra atacar?! — Aiko acabou de perceber.
— Sim. Mas não há problema, somos uma equipe.
— Por que ela, Ophid? — Mitchel virou-se para ela, quando percebeu como soou sua frase. — Sem ofensas, Aiko. É com outra intenção.
“Eu sou linha de frente, eu sou o chamariz, eu seria o perfeito falso líder.”
Ophid que antes seguia em frente, agora olhou por cima dos ombros.
— Existem várias respostas pra essa pergunta. Mas se eu respondesse qualquer uma delas, perderia o sentido, a decisão terá sido em vão.
As escadarias que só haviam eles, se silenciaram. Apenas sons de sapatos ecoavam.
Terá sido em vão? Refletiu Aiko.
Havia possibilidade de sua suposição ter sido confirmada por essa frase, já que Mitchel ficaria de bobo. Porém, várias respostas? Existiam mais de uma? Ou duas?
— Em resumo — seguiu Lestrad —, então, eu não preciso seguir as ordens dela?
A frase batera forte em Aiko, se sentiu pequena. Não que já não se sentisse assim grande parte das vezes. Mas isso sendo confirmado e jogado na sua cara sem mais nem menos, a deixou com a sensação de ser ainda menor. Precisava mostrar seu valor.
O Reencarnado diminuiu os passos até parar de se mover, e tornou seu corpo em direção a ela.
— Você só segue ordens de líderes?
— Óbvio — respondeu séria.
— Se qualquer membro pedisse sua ajuda, você o deixaria morrer?
A feição de Ophid era hostil, não precisava exalar a sua aura escarlate pra que todos pudessem sentir isso.
— Eu… Mas… isso não é uma ordem!
— Um pedido. Assim como uma ordem. — Continuou descendo as escadas. — Interprete essa resposta como quiser.
Mitchel assobiou.
Todos os quartetos tinham seus anéis em mãos, já testados. Se encontravam no grande salão do refeitório, prontos para serem levados ao jogo.
O instrutor estava logo a frente, ao lado de Smith. Possuía cabelos bagunçados escuros, e uma faixa de cor marrom em seu pescoço conectando um grande manto bege claro que escondia quase todo seu corpo. Permitindo sua camiseta branca ficar levemente a mostra.
— Saudações. Eu sou Thomas, o instrutor de vocês nesse teste. Os guiarei ao local do nosso primeiro jogo.
“Para pôr definitivamente à prova a sinergia de vocês, o jogo será:
“Captura de Bandeiras
“Mas de uma forma diferente. Adaptamos as regras, não serão dois quartetos se enfrentando, e sim, todos vocês se enfrentando de uma vez só, ao mesmo tempo.
“Funciona da seguinte forma: cada um de vocês terá uma bandeira na respectiva cor de seu quarteto.
“Vence em primeiro lugar, o time que capturar mais bandeiras.
“Mas só valerá com uma única condição: Ainda tiver em posse a sua própria bandeira.
“Esse teste será avaliado normalmente, como qualquer missão da Maestria Tática. Vocês terão pontuações extras pra cada bandeira que for capturada. Montem suas táticas e pensem sobre o jogo enquanto vamos até lá.
“Alguma dúvida antes de irmos?”
Thomas analisou toda a turma atentamente. Clare, a garota solitária, única membra de seu quarteto, se mantinha afastada de todos. Admirava o chão, com uma cara distante. O instrutor entendeu a situação, e sentiu pela garota; se lembrou de sua época escolar. Onde passou pelo inferno pra conseguir passar com um quarteto, sozinho. Ela conseguiria dar conta?
Um dos alunos, com um coque samurai, estendeu a mão:
— Há alguma restrição específica?
Os olhos do instrutor o fitaram, assim que o achara.
— Fora as mencionadas, não há regras.
Aiko já esperava por isso. Essa escola é sempre tão extrema, por isso que saem alunos tão excepcionais? Realmente eles preparam pra vida. Ou pra morte.
— Enfim — prosseguiu Thomas —, sem mais delongas. Me sigam.
Os barulhos de sapatos que seguiam o instrutor, se tornavam cada vez menos cadenciados. Demonstrando como cada um dos quartetos tinham ritmos diferentes, estilos distintos. Clare andava lentamente, tentando adiar cada vez mais o inevitável.
Até que uma moça se aproximou dela.
Tinha um cabelo curto rosáceo, com detalhes em preto. Passava uma vibe meio animada, parecia estar empolgada com algo que ninguém estava sabendo.
— Olá!
A garota se assustara.
— Foi mal! Haha. Eu sou a Verônica, prazer — saudou com um enorme sorriso no rosto. — Vi que seu quarteto é só você, meio injusto o que fizeram com você, né?
“Nunca tinha visto isso acontecer na minha sala antes. No máximo um quarteto de dois, se é que isso faz sentido.”
— É… eu fui azarada, na verdade. — A garota ficou ainda mais cabisbaixa com sua fala.
— Relaxa. Eu e meu quarteto aqui propomos uma aliança com você. O quarteto Azul com o Rosa — Ela apontou pra suas costas. — Uma aliança que dura até onde você quiser.
“As pessoas com certeza vão se aproveitar do fato de você estar sozinha e focar em você, pra conseguir uma bandeira de graça.
“Vamos ajudá-la.”
Clare não sabia se acreditava neles ou não. Mas estava desesperada. Tinha que aceitar, mas até quanto poderia confiar?
— Não se preocupa. Nosso quarteto até que é bem fraquinho, não temos como lutar contra você, o Laranja é bem poderoso, você pode acabar com todos nós rapidinho.
— Ow, ow, fraquinho? — falou um garoto atrás dela, possuía olhos azuis claro e lisos cabelos amarelos claro. Sua faixa de cor amarela circulava sua cintura. — Não sei se você sabe, Vero.
“Mas EU também possuo o Laranja.”
Verônica fez uma cara que comunicava perfeitamente: fala sério.
— Amarelo Escuro, Finyt.
— É QUASE LARANJA!!
— Literalmente, não tem nada a ver — respondeu Verônica secamente.
Clare deu uma risadinha sincera. Alunos e mais alunos passavam por eles, em direção de saída da escola.
— Desculpa perguntar… o que que o Amarelo Escuro faz mesmo?
— É! O que que o Amarelo Escuro faz, Finyt!!?? — perguntou Verônica em tom de ironia, mas que de alguma forma mágica, soava amigável.
— Eu simplesmente posso correr, pular, escalar, e não vou me cansar nunca.
— Nunca… significa até sua tinta acabar, né, seu bocó — disse de forma direta e serena um outro rapaz ao lado deles. Era cintilante, se envolvia num manto branco, e apesar de estar de uniforme como todos os outros parecia ser o próprio branco.
Tinha cabelos totalmente brancos, possuía várias faixas brancas por todo seus braços, como se tivesse extremamente machucado, seus sapatos eram brancos, e seus olhos eram cinzas.
— Nub, fica quieto que ninguém te chamou. Copia minha cor aqui ô.
Finyt daria uma cotovelada em cheio no Nublank se não fosse por um outro membro da equipe segurando seu braço. Este era mais intrigante, utilizava um capuz encardido preto que se enrolava em seu pescoço. Mas além disso, continha uma máscara totalmente escura, com exceção de dois buracos brancos, que geravam a sensação dele ser uma entidade fora da realidade. Ou até um Aberrado em si.
O quarteto parecia armado de tão perfeito, ele contrastava perfeitamente com a estética de Nub. Como yingyang.
— Qualé, Asuric!!! QUASE EU PEGUEI ELE!
Inesperadamente, Clare se sentia cada vez mais leve e confortável a esse grupo, não conseguia conter suas risadas.
— Rapaziada, cala a boca! Eu tô tentando conversar com a moça aqui, na moral! — revoltou-se Vero. — Então, o que me diz, hein? — Sua voz voltou a ser simpática.
— Tudo bem… — respondeu, gradativamente enxugando suas lágrimas que caíram depois de tanto rir. — Eu aceito.
— Perfeito. — Vero se virou para o mascarado. — Asuric, pode mandar a braba.
Sem entender, Clare apenas aguardou seguindo em frente com a manada. Recebendo enxurradas de sons, de diversas conversas paralelas que ocorriam simultaneamente nesse meio tempo.
Quando do nada, parou de ouvir o seu redor. Nada. Nem ruídos, nem chiados da qual ouvia quando se encontrava em lugares silenciosos e isolados. Era completo vazio.
Achou que estava em outra dimensão, olhara pros lados, até escutar uma única voz.
— Olá, Clare, eu sou Asuric — apresentou-se uma voz aveludada. — Queremos testar totalmente nossa sinergia. Por isso pensamos em algo que testaria completamente nosso quarteto; planejamos uma única coisa nesse teste.
“Nosso plano nessa captura de bandeiras, é uma só.
“Queremos bater de frente com o Reencarnado e derrotá-lo.
“Queremos testar se o Nublank consegue copiar a cromacia vermelha, a cromacia de Deus.”
Clare arregalou os olhos instantaneamente e se virou pra Ophid que estava ao lado deles. Curiosamente, e sua dedução foi rápida devido ao vazio de som, Ophid não pareceu ouvir. Nem sequer teve alguma reação. Nem ninguém ao redor deles.
Asuric notou a apreensão de Clare e logo a acalmou:
— Tá tudo bem. Ninguém consegue ouvir isso, além de você.
— As pessoas não conseguem me ouvir também?
— Sim, me certifiquei disso também, mas sua boca ainda estará mexendo, sugiro que tape com sua faixa de cor, ou vai parecer uma lunática.
Depois de arrumar rapidamente a faixa de cor em sua boca, Clare continuou:
— Enfrentar o Reencarnado?! De primeira assim?
— É a nossa prova. Combinamos desde a sala, mesmo que não soubessemos do que o jogo se trataria. Com certeza pra testar nossas habilidades teria que ser um jogo onde todos jogassem ao mesmo tempo.
— Vocês tem um plano?
— Sim. E com você na jogada, o plano seria ainda melhor. Qual seu spektri?
— Laranja básico. Fogo, basicamente.
— Maravilha. É perfeito, realmente precisávamos de alguém ofensivo. Nossa equipe é completamente desbalanceada nesse quesito, precisamos de você como nossa combatente.
Antes que Asuric pudesse prosseguir Thomas começou a falar novamente; já estavam fora do grande castelo. Se encontravam no enorme gramado que havia ao lado.
— Levarei vocês com meu poder, peço que tomem cuidado pra não cair. O professor Smith, cuidará caso aconteça algum tipo de problema e intriga.
Thomas levantou uma de suas mãos e um monte de terra concreta surgiu do nada e se ergueu onde os alunos se encontravam, e inclusive embaixo de si mesmo.
Erguidos por Thomas, estavam sob uma terra gigante flutuante que subia cada vez mais ao céu. E assim que subiu uma certa altura, onde não conflitaria com nenhum prédio ou casa, a terra começou a se mover, rapidamente. Mas de forma que não deixava ninguém cair, todos permaneciam estáticos como se estivessem parados.
— Boa viagem a todos. — Thomas se virou pra frente, observando toda cidade. — Chegaremos lá em meia hora.