Carnaval no Abismo - Capítulo 13
[Uma história de vários anos atrás]
“Está frio, muito frio.”
Em uma madrugada de agosto, dois irmãos foram abandonados na frente de um velho orfanato. Um menino e uma menina, gêmeos fraternos com cabelos que atraíam a atenção pelo fato de serem brancos feito neve. Tinham olhos azuis e personalidades extremamente introvertidas.
A mãe deles havia pedido para que esperassem o seu retorno em silêncio, mas muitas horas já tinham passado sem que ela voltasse. Provavelmente, não planejava retornar desde o início.
“Então, é isso? Nós somos indesejados? Descartáveis?”
Foi então que os dois fizeram uma promessa; a partir de agora, só confiariam em si mesmos e na sua outra metade.
“Porque todos os outros não passam de mentirosos.”
Na manhã seguinte, Lisa, a dona daquele orfanato, os encontrou quase mortos, abraçados em um canto, hipotérmicos e famintos. Sem pensar duas vezes, ela os resgatou e passou a cuidar deles. Entregou um novo lar e todo o amor que podia dar.
“Mas o quão duradouro é seu amor? Quanto tempo até esse sentimento se esgotar e decidir nos abandonar também?”
Lisa era uma frágil senhora que lutava com unhas e dentes para cuidar dos seus onze filhos ilegítimos. Como não recebia ajuda do governo do município, passava o dia recolhendo doações de porta em porta. Por muitas vezes, chorava sozinha enquanto retornava para casa sem ter nada nas mãos, mas sempre escondia esse sofrimento antes de passar pela porta da frente.
Precisava ser forte na frente deles.
Mesmo que fosse necessário abrir mão da sua parte do jantar, não permitiria que nenhuma daquelas crianças passasse fome. Sempre carregaria um sorriso para que não enxergassem a raiz do seu desespero.
No entanto, a fragilidade de Lisa não passava despercebida pelos olhos dos gêmeos que, apesar da pouca idade, eram bastante astutos.
“Talvez, nem todas as mentiras sejam ruins. Algumas podem ser usadas para proteger. Uma maneira de transmitir afeto.”
E esse ensinamento conseguiu diluir um pouco da forte amargura no coração deles. Sentiram que não havia problema em deixarem ser mimados pelas boas intenções daquela senhora.
“No fim, ter vindo parar aqui não foi tão ruim…”
Certo dia, os irmãos de cabelos brancos, sem nenhuma malícia, saíram escondidos da segurança do orfanato. Queriam apenas ir até uma loja de doces à duas quadras de distância a fim de gastar uma moeda que tinham encontrado mais cedo. Levavam coragem em demasia com eles, mas desproviam da atenção necessária para escaparem dos perigos do mundo exterior.
A menina que corria na frente atravessou a estrada no mesmo instante em que um carro passava em alta velocidade.
O mundo literalmente parou de girar para o garoto. Tantos pensamentos perturbadores passaram pela mente dele em uma fração de segundo, inclusive aquele onde a sua preciosa irmã desaparecia de repente feito a sua antiga mãe. Ele, definitivamente, não se recuperaria caso isso acontecesse.
“Nunca mais serei o mesmo sem a minha outra metade.”
Quem sabe, todo esse medo acumulado tenha sido o motivo para « aquilo » ter se materializado diante dele carregando um milagre nas mãos.
Tinha o formato de um corpo esguio, mas não era bem isso. Uma mancha escura feito breu voando acima do chão? Ou ofuscante igual o próprio Sol? Era um homem? Uma mulher? Alguém alto? Ou, talvez, fosse baixo? Sequer era uma pessoa? Quem sabe, fosse um monstro que só aparecesse nos piores dos pesadelos.
A única certeza era que possuía duas grandes asas pretas nas costas que expeliam uma fumaça espessa e obscura com o odor de cadáveres carbonizados.
A « entidade » começou a falar, mas tudo o que saiu foram ruídos estáticos, sons incompreensíveis e horripilantes. Falou, falou, falou e falou. Então, arrancou uma das suas asas com as próprias mãos e a ofereceu para o garoto. Por fim, riu.
Aquilo poderia mesmo ser categorizado como uma risada? Talvez, estivesse gritando em agonia, chorando lágrimas de sangue.
“Aa… Foi embora. Simplesmente, desapareceu feito poeira ao vento.”
Com o sumiço « daquilo », o tempo voltou a correr e um milagre realmente aconteceu.
Uma pequena asa branca nasceu no lado direito das costas do garoto e proveu o impulso necessário para que ele pudesse abraçar a sua irmã e tirá-la da rota de colisão.
Um segundo depois, quando a adrenalina baixou, o menino escondeu o rosto no ombro da sua outra metade e começou a chorar desesperadamente. Enquanto isso, a menina se encontrava paralisada com os olhos arregalados, fitando a asa reluzente do seu irmão. Um calor cresceu mais e mais no peito dela.
A ligação que os dois possuíam ficou ainda mais forte.
“Meu anjo da guarda.”
No entanto, eles não foram os únicos que presenciaram esse milagre. Alguns metros adiante, Lisa estava com as duas mãos em frente à boca, tremendo como se estivesse na frente de uma divindade.
Sim, aos olhos dela, Deus, aquela mancha incompreensível, foi generoso o suficiente para transformar o seu querido filho em um lindo anjo salvador.
“Quem sabe, todo o meu esforço finalmente esteja sendo recompensado e um futuro abençoado onde todos nós possamos sorrir juntos chegará.”
Só que esse sonho não durou muito…
A frágil dona do orfanato não acordou para viver o dia seguinte. Faleceu em sua cama com um grande sorriso tranquilo no rosto, deixando o peso do luto nas costas dos seus filhos que ainda não tinham idades suficientes para sobreviverem sozinhos.
“No fim, aquela que prometeu nunca nos abandonar, também se foi. Mentiu mais uma vez para nós, a pior de todas as mentiras.”
Nem uma lágrima sequer foi derramada por parte dos gêmeos.
“Viver deveria mesmo ser tão… frio?”
Está frio, muito frio.”