Chaos Odyssey - Capítulo 2
Faz três dias que reencarnei neste lugar, nem mesmo sei como sobreviver sem internet. Ainda assim, não paro de pensar no meu mundo original. Fico sempre pensando em como eles estariam.
Era a filha única dos meus pais, sempre me amaram incondicionalmente, dizia coisas como: você é minha vida, ou, você é a razão do meu viver… Como foram suas reações ao receberem a notícia de meu falecimento, eles estariam bem? Faço sempre essa pergunta, contudo sei que a resposta é não!
A história é famosa sobre meus pais não conseguirem ter filhos. Era o sonho de ambos; mais que tentasse não conseguiam. Minha mãe começou a ter depressão e com isso meu pai teve a ideia de inseminação artificial. Não foi fácil, muitas tentativas não deram certo, até que tentaram o método de in vitro e dessa vez, finalmente aconteceu.
Estava tudo indo bem, até que aconteceu, minha morte prematura.
Creio que não faz bem pensar sobre o passado, três dias já é passado. Parece pouco; até três dias atrás, estava perfeitamente viva. Quase em toda minha vida nunca tive doenças graves, era algo como catapora e gripe da estação do inverno. Não conheço o que é estar internada, nem mesmo um hospital. Morri sem saber o que era.
Mesmo que tenha tentado teorizar sobre o fator de minha morte, nada vem em mente. O único fator, talvez, seja algo externo, como um dano físico e não por alguma doença. A única hipótese que consigo pensar é; o telhado caiu na minha cabeça. Apesar de viver em um apartamento, o teto estava completamente em ruína. A síndica enrolava para encontrar alguém para consertá-lo, até que foi agendado daqui a um mês, desde o meu pedido. Não estava tão ruim para cair na minha cabeça, por esta causa, não aceito essa hipótese completamente.
De qualquer forma, foi uma morte miserável, se fosse por um atropelamento seria algo mais digno, do que o teto literalmente cair em minha cabeça.
Certo, pararemos de pensar em coisas fúnebres, pensaremos no futuro, o agora. Vamos pensar no bom desse lugar… não tem nenhum! Penso em coisas tristes, por não ter nada mais algo interessante para eu fazer, além de pensar negativamente, então fico pensando no passado.
Internet?! Fora de questão!
Normalmente em isekai, usa um sistema parecido com jogos de RPG; uma tela de status o qual diz seus níveis e habilidades. Até disse mil palavras para aparecer magicamente uma tela de status e nem mesmo isso tem neste mundo. Talvez aqui seja fantasia raiz, o qual as pessoas tiram magia do cu, ou no pior dos casos, é apenas um mundo medieval sem magia. Se for essa caso, vou me matar.
Simplesmente a vida dos bebês é demasiado chata, devido a pouco limitação. Como um recém-nascido, minha vida é a cópia do espírito de um nenê, e, isto é sua simplicidade. Quanto mais novos são as crianças, mais simples é sua vida. Minha vida é nada mais que acordar, comer, cagar e dormir. Nada de interessante acontece ao meu redor, nem mesmo posso — com minha própria vontade — sair desse berço.
Essa é a parte chata de um isekai de reencarnação, por conta disso, sempre há um timeskip para quando o protagonista estiver maior. Queria que existisse para quando minha vida estiver chata, simplesmente apertar um botão e pular. Não julgo o Adam Sandler.
A realidade é muito mais cruel, terei que passar dias, meses e anos, entediada e quando finalmente eu crescer? Creio que não mudará muito esse fato, devido esse mundo ser naturalmente entediante. Nem mesmo tenho um bebe mobile, isso está me dando nos nervos.
Enquanto os dias passavam, o tédio só aumentava; tentava pensar positivo, dizendo para mim mesmo que é menos um dia até crescer.
Algumas pessoas desconhecidas, viam entregar cesta de frutas e presentinhos para mim. Até penso que essa mulher só tem filhos para ganhar esses brindes. Sempre me elogiavam como sou bonita ou aquilo, mesmo tendo a cara de joelho de qualquer recém-nascido da cidade.
Em meus muitos tempos vagos, comecei a pensar sobre esse mundo e tudo o que me veio acontecer.
Nunca acreditei em espiritismo, sequer imaginei haver alguma vida pós-morte, todavia eles estavam certos. Será que todos que morrem reencarnam em um isekai, ou foi só a mim? Então, por que eu?
Creio que nunca encontrarei uma resposta.
Uma das poucas saídas do berço, vi duas luas no céu, com um espaçamento consideravelmente grande da outra, além disso, uma das luas estava mais perto da Terra do que a outra. Isso deixou uma linda visão das leitosas luas.
Isso definitivamente não faz o menor sentido. Nada aqui faz sentido.
Claro que existem planetas com mais de um satélite natural, tais como Júpiter que tem pelo menos uns cinquenta deles. Duas luas em um planeta habitável, isso é possível?
Nah, quem quero enganar, minha existência é algo muito pouco crível, então por qual razão estou questionando a existência das luas? Realmente não tenho nada para fazer.
Nessa noite, o céu estava incrivelmente estrelado, devido a pouca poluição luminosa. Penso que em toda minha vida, nunca vi uma noite tão bonita como esta. Posso contar como uma coisa boa desse mundo, gostei dessa humilde experiência de ver estrelas tão bonitas como essas. Suponho que meu coração está amolecendo como uma geleca.
A porta abriu, enquanto eu contava as madeiras do teto para passar o tempo. O mais velho falador de plantas e o menino taciturno chegaram até mim.
— Você sabe cuidar de crianças? — perguntou o mais novo.
— Nem.
— Mas a mãe não te ensinou a cuidar dos mais novos? — continuou o menino.
— Quem tinha essa função era o Gileade e os outros. Estava no time dos mais novos a serem cuidados. — e completou. — Acho que não tem muito mistério é só seguir as instruções da mãe, não é?
— A mãe deveria ter levado ela. — desdenhou. — Tenho uma ideia, chama os outros.
O moleque mais novo me pegou, enquanto o garoto das plantas chamou os seus irmãos.
Pergunto-me o que aconteceu, talvez a mulher tenha ido à algum lugar e me deixou aos cuidados das crianças. Tenho um mau pressentimento sobre isso, sempre achei absurdo, adultos deixarem crianças pequenas aos cuidados de outras crianças. Eles não sabem que bebês são mega delicados, qualquer erro poderia acontecer algo ruim. E pela conversa que eles tiveram, nenhum deles tem experiência em cuidar de recém-nascidos.
As crianças foram lentamente chegando, até que todos estavam lá. A menina gêmea foi a primeira que levantou a mão e perguntou:
— O que vocês querem com a gente?
O menino que me segurava logo retrucou:
— Como todos sabem, a mãe e o pai foram visitar a avó. Eles voltarão só à noite, então precisamos cuidar da Bellinxa.
— E o que tenho a ver com isso? — a menina indagou retoricamente.
O menino abriu sua boca para responder, todavia seu irmão amante de legumes foi em frente.
— E como você é irmão mais velho, tem a obrigação de cuidar dela também.
Irmão? Não deveria ser irmã? Acredito que não escutei bem, enfim, já não gosto dela. Sempre tem que ter uma chatinha na família, espero que ela não me mate.
Ela fez uma cara feia enquanto cruzava os seus braços. Olhou feio para mim, que singelamente deu um frio na minha espinha. Com certeza está com ciúmes de mim, claro que ela não precisa ter esse sentimento, tendo em conta que não roubarei o amor da mamãe dela. Mas que tente, nunca verei essas pessoas como uma família, então por mim tudo bem ela me ver como uma forasteira.
Ao todo tinha sete crianças, os mais velhos eram o menino do dedo verde e logo em seguida o menino com grandes dentes caninos. Depois vêm os gêmeos que não faço a mínima ideia de quem nasceu primeiro. Então sobraram os três mais novos. O moleque que me segurava apesar de ter pouca idade em vista dos seus irmãos mais velhos, era sumariamente mais maduro. Tenho uma sensação de segurança quando estou aos seus braços.
Bem, e o resto, é o resto. Os dois mais novos eram apenas crianças pequenas que passavam o dia todo só brincando sem uma tarefa atribuída a eles. O mais velho desses dois era apenas um menino aspirante a cavaleiro, vivia indo para cá e para lá com sua espada de madeira. E o último meu arqui-inimigo número um, o pirralho catarrento. Esse é um inútil total, nem pelo menos tem um traço de personalidade que difere dos demais, apenas corre para um lado ao outro com seu nariz escorrendo.
— Então cada um ficará pelo menos uma hora cuidando dela. E assim, iremos revezar. Entendidos? — Ao fundo escutei as vaias dos desânimos deles. Sinto-me um estorvo. O menino que me segurava completou. — Começaremos do mais velho para os mais novos, claro que Dawn e muito menos Ear farão isso.
Sei que Ear é o pirralho catarrento, então Dawn deve ser o pirralho da espada. Claramente ele tem razão em não me deixar com os mais novos, mesmo assim, não quero ficar com aquela menina. Seus olhos eram terrivelmente assustadores, isso me deixou com a pulga atrás da orelha em relação a ela.
— Isso não é justo! — bufou a menina. — Então ficarei meia hora com ela e o River também, assim completaremos uma hora, ok?
River quem é? Estou ficando confusa.
— Não. Cada um ficará cerca de uma hora. — disso o menino do dedo verde.
— Mas…
— Sem mas. Já está tudo decidido
O esquema ficou o seguinte, cada um ficará cuidando de mim por uma hora, ou seja, cinco horas ao todo, contudo eles não sabem se esse tempo será o suficiente até a mãe deles voltarem, então novamente voltarei para o mais velho e o ciclo continua.
Cyan é o nome do menino que falava com as plantas, ele tinha uma boa personalidade fora sua maluquice de falar com plantas.
Ele me colocou em uma cesta que servia de berço, porém tinha uma leve inclinação como uma cadeira de descanso. Teve muita consideração por me colocar em uma posição em que eu poderia ver sua maior parte do seus movimentos.
O clima estava agradavelmente fresco, mesmo estando debaixo dos sóis, não senti nenhum incômodo na minha pele. Por conta que o lugar era primitivo, não sofria muito com o aquecimento global, creio que nem mesmo tem esse termo aqui.
Delicadamente ele cortava algumas folhas secas de uma berinjela. Era algo sinuoso e com tamanha precisão que poderia ser apenas um exagero. Estava completamente concentrado com a tarefa, envolto em seu próprio mundo.
— Nunca desperdice folhas secas, isso é um ótimo adubo.
Pergunto-me se é normal conversar com bebês, mesmo sabendo que eles não respondem nem mesmo entendem o que estão dizendo.
Não entendia o que ele estava fazendo agora, não sabia nada de jardinagem, nem mesmo entendia o interesse em mexer com a terra, deixando suas unhas sujas e pretas. Plantar é algo chato que envolve zelo e principalmente paciência.
Seu jeito que conduzia à terra era com maestria, percebi que ele verdadeiramente gostava disso.
Faz quantos anos que não aprecio algo? Vivo sempre em um mundo agitado a qual ver e esperar uma pequena muda crescer, é algo fora de questão para mim.
Fechei lentamente meus olhos, ao fundo escutava o som da água ao banhar as plantas. Imediatamente o cheiro da terra molhada entrou em minhas narinas me fazendo lembrar de velhas memórias, quando visitava o sítio de meus avós paternos.
Eu senti algo encostando no meu lado esquerdo e quando abri meus olhos, Cyan estava sorrindo. Um sorriso genuíno que conseguia conquistar qualquer coração rabugento. Certamente fiquei desconcertada com esse sorriso, não sabia se deveria olhar ou desviar.
Quando fitei o que ele colocou ao meu lado, me deparei com uma berinjela pouco menor do que eu.
— Coloquei a Wendy Natany para te fazer companhia.— disse, afagando-me.
…
Er… olá Wendy Natany…
— Você pode me achar estranho por dar nomes aos meus legumes, não é?
Sim, isso com certeza é coisa de doente mental.
— Bem, isso é um costume que tenho desde pequeno. As pessoas pensam que sou louco ou algo do tipo, bem, era o estranho da turma por falar com essas plantas. No começo eu me importava com isso, não queria trocar meus gostos para agradar os demais, porém Gileade disse que eu não deveria deixar de gostar de uma coisa, mas sim fazer as pessoas gostarem de quem sou… Na época pensei que ele era O Gênio, porém um tempo depois descobri que ele tinha copiados as falas de um herói de contos de fadas. Naquele tempo levei os conselhos como uma filosofia, ainda levo, saca? Mesmo sendo o discurso mais óbvio. Por conta disso, gosto da companhia das plantas por elas serem mudas. Também gosto de você, afinal você também é muda e não me julga.
Sabe de nada inocente.
Devo sentir um pouco de peso na consciência? Não sei claramente o que estou sentindo depois desse monólogo, sobre sua “infância sofrida”, mas posso tentar compreender. Ele gosta de falar com seus vegetais, e por esta razão ele é julgado pelos os demais e com isso, ele recorre ainda mais as plantas. Essa questão é um verdadeiro paradoxo, sem mesmo um fim aparente.
Novamente um sorriso se formou em seus lábios e em pouco tempo, voltou sua atenção para a horta.
Separou uma cesta colocando ao seu lado e começou a colher algumas hortaliças. Cavucou, afofou a terra úmida e plantou em seu lugar, mudas de tomilhos.
Os sóis cada vez chegavam ao ponto mais alto do céu, a temperatura aumentava fazendo-o Cyan respigar suor. Ele limpou com a manga de sua roupa, mesmo algo assim não o impediria cultivar.
Eu estava debaixo da Matilde, uma de seus primeiros filhos que Cyan me apresentou. Verdadeiramente fiquei preocupada de alguma maçã cair na minha cabeça, devido a minha moleira estar aberta, se algo como uma maçã cair, adeus mundo.
Não sei quanto tempo fiquei observando-o cuidar de sua horta, em todo momento ele conversava comigo e com suas hortaliças. Ele falou sobre diversas coisas, mas claro, a maioria era sobre cultivo. Falou sobre técnicas de poda que faz em suas macieiras, até mesmo a forma apropriada de adubação.
Barulhos de passos ecoaram fora da horta, Cyan parou o que estava fazendo para olhar de onde vinha o som. O segundo filho mais velho chegará para cuidar de mim.
— Nem mais um passo. — alertou Cyan. — Deixe que eu leve até você.
Tinha uma hora, que Cyan havia comentado para mim, que ninguém poderia cruzar a cerca da sua horta, nem mesmo seus pais poderiam se atrever a fazer tal feito. Ele disse que quando eram mais novos, seus irmãos pisavam e destruíram tudo o que cultivavam, especialmente esse moleque dentuço. Ele era o arqui-inimigo das suas hortaliças.
Esse menino percebeu a berinjela ao meu lado, fazendo uma cara de nojo.
— Isso é uma berinjela?
— Não, uma maçã.
Ambos olharam entre si, com caretas extremamente engraçadas.
O menino pegou a ponta da berinjela com os dedos, como se fosse algo radioativo. Era perceptível o tamanho desprezo pelo legume, ou era pelo irmão? Ele acabou entregando para Cyan, provavelmente o mesmo temia que algo acontecesse com sua Wendy Natany então não insistiu que levasse.
Estava normal até o momento, no entanto, minha barriga começou a ter sinais de fome. Não sou obrigada a chorar, contudo, se não fizer, provavelmente morrerei de fome.
Nos meus primeiros dias, resolvi não fazer nenhum som, estava traumatizada em beber o leite materno, era algo tão sórdido. Não demorou muito para a fome bater, era muito maior do poderia conter, quando percebi, já estava chorando querendo comer alguma coisa.
Posso esperar até a mãe deles voltarem para me alimentar apropriadamente, mas claro, quero ver o que farão em situações de crises.
Não foi difícil começar a chorar, quando percebi meus olhos estavam marejados. Então comecei a gritar.
O menino se assustou, por completo tomou-se pelo pânico.
— O que você tem? Logo em minha vez? — choramingou.
Desesperadamente olhou para todos os lados em busca de ajuda, claro que não viu ninguém. Voltou correndo para onde o Cyan permanecia. O próprio já estava alarmando escutando meus gritos de longe.
Dessa vez caprichei.
— O que está acontecendo? — Cyan apoiou-se a cesta com legumes no muro.
— Não sei! Do nada ela começou a chorar! O que faço, Número Quatro?!
— Sei lá, agora ela é problema seu.
Irritado, ele pegou a berinjela da cesta de Cyan.
— Olha, se você não me ajudar, destruirei essa droga!