Como Sobreviver no Apocalipse Coronado - Capítulo 1
21 de agosto de 2023, 13:22
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No ponto de ônibus da rua principal com mais sombras, se abrigavam algumas almas sofridas: estudantes universitários que enfrentavam um coletivo todo santo dia, pelo menos duas vezes por dia, ida e volta.
Kay Engels olhou seu relógio e pensou que o ônibus estava atrasado, não vendo o veículo chegar, ele se encostou na parede do ponto de ônibus com os braços cruzados e olhou ao seu redor só haviam duas mulheres, provavelmente estudantes de direito, distinguiu isso só pelos livros grossos que eles amam exibir em público.
Tendo dormido tarde ontem, Kay decidiu tirar a manhã de folga. Adornando seus olhos cansados estavam óculos parafusados, que assentavam muito bem em seu rosto.
Ele não era considerado alto, com apenas 1,72 m de altura, seu cabelo era grande e ondulado, sua barba bem feita mostrava que ele ia com frequência ao barbeiro. Mesmo com camisa branca e calça comuns, ele ainda atrairia olhares onde estivesse.
De longe se podia notar suas roupas firmes delineando seus músculos, mostravam que ele muito provavelmente praticava musculação.
“Não importa se eu chegar mais alguns minutos atrasado, já perdi meio dia de aulas mesmo…”
Perdendo o interesse em olhar as mulheres no ponto, ele olhou para o celular, perdido em pensamentos sobre o seu TCC. Sua procrastinação quase atacou novamente. “Ugh. Preciso finalizar ao menos a tabulação dos dados do grupo de controle, ou vai atrasar todo o cronograma.”
Tendo decidido tabular enquanto trabalhava na academia mais tarde, ele virou a cabeça apenas à tempo de ver seu ônibus chegando.
— Ufa, ao menos não vou atrasar. — Supirou aliviado.
Tirou seu passe estudantil e se posicionou para subir no veículo que freava e abria as portas, ele cumprimentou o motorista com quem estava familiarizado e passou a catraca.
Como o ônibus nesse horário sempre está lotado ele tem que ir a pé até que o ônibus passe pela UFCG (Universidade Federal de Campina Grande), onde 50% dos passageiros quase sempre desce.
Se espremendo na multidão ele teve um pensamento nostálgico:
“Aglomerações hoje em dia são comuns novamente, é bom finalmente voltar à viver, eu estava quase virando um buda lá no sítio.”
Ele moveu sua mochila dos ombros para a frente do corpo e então esperou o ônibus dar partida, colocou os fones de ouvido e fechou os olhos ao escutar Gimme chocolate!! do BABYMETAL, começando a tocar.
Enquanto o ônibus parava mais algumas vezes e ainda mais estudantes se espremiam no ônibus, o calor aumentava, Kay agora estava baforando e exclamando internamente como Sousa é quente, se jogasse um ovo pela janela ele fritaria no asfalto…
Mas ninguém pareceu notar um menino pálido que sentou-se na extremidade oposta à porta de saída dos fundos, ele parecia estar com frio e tremia de calafrios, sua respiração estava rarefeita, e ele aparentava estar sufocando quando de repente caiu para frente com seu rosto acertando forte a barra de metal do banco da frente, fazendo um barulho de baque.
Alguns estudantes olharam para ele, mas não perceberam a anormalidade, achando que ele estava dormindo, desviaram os olhos apenas a tempo de não verem o sangue escorrer da barra.
Pouco tempo depois o garoto levantou a cabeça, com seus olhos vazios e o rosto ensanguentado, ele puxou um garoto gordo sentado ao seu lado e mordeu seu pescoço, nesse momento o garoto gritou de forma abafada, até não conseguir mais produzir sons, e caiu para o lado acertando alguém de pé.
Era uma menina, que provavelmente tinha 12 ou 13 anos, ela viu o sangue caindo em seu sapato e gritou, instantaneamente mais de uma dúzia de olhares caíram naquela cena e viram o garoto pálido ensanguentado até as coxas com o sangue do gordo e o seu corpo que jazia no chão do ônibus, eles começaram a gritar e espremer inutilmente na direção oposta à deles.
Kay só notou quando a onda de pessoas desorientadas na parte da frente do veículo onde ele estava foi espremida. Nesse ponto pelo menos 3 pessoas foram atacadas e sangravam gritando no chão, logo todos no ônibus estavam cientes de que havia algo errado.
Um cara se destacou e tentou salvar a namorada que havia sido atacada, ele socou o garoto pálido, o derrubando no chão e chutando seu rosto. Ele se virou para apoiar a namorada sangrando no braço, naquele momento o garoto se levantou como se nada tivesse acontecido e o mordeu no ombro.
O cara gritou enquanto as outras pessoas encararam a cena atônitos, não se sabe quem foi o primeiro, mas logo as pessoas estavam empurrando as outras e pisando-as buscando alcançar a frente do ônibus. Se tornou um pandemônio, pessoas gritando, outras pedindo socorro, outras chorando.
Quando Kay vislumbrou a face do “maluco” e a cena que ele causou, e só pôde gritar:
—Mas que porra é essa?!
Ele olhou para frente e viu que havia um acidente de trânsito repentino demais para o ônibus se esquivar, prevendo o pior ele se alavancou nos ferros de apoio no alto do ônibus e se jogou por cima das pessoas correndo em sua direção.
Naquele momento o ônibus bateu nas ferragens do acidente, enquanto o motorista tentava se esquivar, quem corria para a parte frontal do veículo foi atirado pelo vidro morrendo diretamente, e os passageiros que estavam meio sentados meio em pé nos assentos foram atirados para frente sendo jogados nas ferragens e quebrando alguns ossos.
Outros foram esborrachados quando várias pessoas caíram por cima delas. Kay se viu caindo de costas em cima das pessoas jogadas pelo chão do ônibus, ele fez uma manobra para distribuir o impacto que sofreria com um rolamento lateral e foi felizmente amortecido pelas pessoas abaixo de si.
Mas ainda não havia acabado, o ônibus começou a capotar devido à alta velocidade e Kay foi jogado em algum banco de ferro, acertando a cabeça no ferro e desmaiando.
Quando ele acordou minutos depois, ele viu uma cena cheia de cadáveres, pessoas feridas com torções estranhas em seus membros, e algumas pessoas mordendo outras no chão. O ônibus já estava capotado lateralmente, e ele estava caído sobre as janelas que estavam agora em contato com o asfalto.
Abrindo os olhos ele viu um gordo com um pedaço faltando em seu pescoço, e o corpo coberto de sangue seco tentando alcançá-lo, que estava acima da pilha de pessoas, “porra!” ele pensou ao olhar assustado e fez o gordo que avançou nele cair por cima do seu pé, atirando-o como uma catapulta.
Se levantando ele viu que havia algumas pessoas chorando, e não tão feridas. Avistou um livro grosso que parecia mais um tijolo com o título Direito penal, ele o pegou e virou para o gordo com o pescoço pendurado que ainda estava no chão, batendo na cabeça dele com o livro até que o gordo parasse de se debater.
Finalmente largando o livro ensanguentado, suas mãos tremiam, ele nunca ousou olhar diretamente para a cabeça do gordo que agora estava esmagada, olhando em volta buscando ar, ele percebeu que bem acima de si, havia uma janela meio quebrada pelas ferragens terem entortado.
Ele pensou que tinha que sair de lá agora, se mais de um desses loucos se amontoassem nele, ele estaria perdido, com o canto do olho ele já contava cinco. Tendo decidido escapar, ele atravessou as pessoas caídas e puxou seu corpo pelas ferragens, quando ele passou um pé pelo buraco, ele ouviu uma voz feminina chamando-o:
—Socorro, por favor me ajude!
Olhando para baixo viu uma mulher com um vestido social, ela era a mesma que estava esperando no ponto com ele e tinha um ferimento na cabeça, mas parecia estar quase intacta no meio de tanta gente que morreu só na batida.
“Sortuda do caralho”, pensou ele e passou o resto do corpo pelo buraco e quando ela estava ficando desesperada, ele, que tinha ficado de pé na lateral do ônibus capotado proferiu: — Aqui, pegue minha mão. — Ele a puxou e ambos subiram a lateral do ônibus, andando até os pneus e pulando, ele a ajudou a descer.
Atrás deles alguns outros passageiros do ônibus os imitaram e estavam saindo pela janela quebrada.
— Obrigado, eu não sei o que faria se ficasse presa lá sozinha. — Ela tinha o rosto vermelho por fazer esforço, e olhos vermelhos de chorar de dor ou de medo — O que fazemos agora?
Kay olhou a garota por um momento e desviou o olhar, vendo o acidente que causou a batida do ônibus, e percebeu pessoas se forçando contra a porta entortada, querendo ajudar ele falou:
— Venha comigo por um momento.
Caminhou em direção ao acidente e só chegando no local que ele percebeu, a pessoa que se esforçava para sair das carenagens estava sem a parte inferior do corpo presa e tinha um olhar vazio.
— MAS QUE PORRA É ESSA?! — gritou ele pela segunda vez hoje.
Ele caiu para trás e sentiu vontade de vomitar vendo aquelas tripas penduradas, ele não aguentou quando sentiu o cheiro horrível e vomitou. A mulher apenas o alcançou e perguntou meio ofegante: — O que aconteceu? Você está bem?
Ela viu a cena e sentiu o cheiro fétido e a mesma cena de vômito se desenrolou, assustada ela foi caindo sobre seus joelhos e ficou sentada sem expressão.
— Não fique aí parada, ele pode conseguir sair. Precisamos procurar um local seguro, eu moro longe daqui, aonde você mora?
Ela assentiu e se levantou com a ajuda dele, quando extremamente assustadas as pessoas respondem melhor à ordens, — fica a pelo menos 20 minutos a pé daqui.
— Vamos andando então — falou Kay com a expressão suavizada.
No caminho ele viu muitos carros parando e sinalizando um acidente, mas ignorou e continuou andando. A garota olhava fixamente para suas costas, como se temesse que se fechasse os olhos por um segundo ela estaria de volta àquele inferno.
—Você também viu o que houve, parece uma doença, não é seguro parar para ajudar ou conversar com ninguém, quando chegarmos em casa vamos ligar para a polícia, até lá precisamos apressar o passo. — Vendo que a garota estava hesitando e se distraindo ao andar, Kay tentou acalmá-la recontando os fatos e próximos passos de ação, assim ela teria um objetivo para focar.
Tremendo, ela suprimia seu medo e forçava as pernas a se moverem, os dois estavam feridos, e o horário era de pico, muitas pessoas estranhavam o sangue em suas cabeças, mas como estavam andando ninguém parou para os ajudar, não demorou até chegarem ao ponto de ônibus onde haviam se visto a primeira vez.
— É aqui — disse ela apontando para um prédio estreito.
Ela estava em transe enquanto apontava. Ainda não conseguia tirar da cabeça todas aquelas pessoas mortas e esses monstros, ela estremeceu e começou a chorar, irracionalmente ela abraçou Kay e perguntou o que aconteceu lá atrás, mesmo sabendo que ele provavelmente não sabia de nada também.
Vendo a expressão lamentável da garota, ele não conseguiu suprimir os pensamentos de voltar para o acidente. Sinceramente, ele não havia testemunhado sequer uma morte ocorrer em sua frente e durante toda a vida ele mal foi à velórios.
A morte era, em suma, um conceito bem distante de si mesmo. Respirando fundo ele olhou para ela e falou:
— Sinto muito, eu também não faço ideia. Vamos entrar logo e poderemos conversar então, eu perdi minha mochila e não tenho nada para comer, você tem suprimentos o suficiente?
— Não se preocupe tenho o bastante, fiz compras esse fim de semana…
Subindo o lance de escadas, eles entraram no apartamento 503, e fecharam a porta, ambos soltaram a respiração que estavam prendendo e a tensão de encontrar algum monstro desses novamente se dissipou.
Pegando o celular Kay teclou 191 e esperou que os policiais atendessem.
UMMMMmmm Ummmmmm
[Desculpe, estamos com as linhas telefônicas lotadas, por favor aguarde na chamada caso seja uma urgência.]
Ouvindo a secretária eletrônica ele imaginou que isso provavelmente está acontecendo em toda parte, e a chamada não vai completar. Desistindo ele suspirou e encerrou a chamada.
Com a adrenalina baixando, finalmente sentiram seus ferimentos e Kay falou primeiro:
— Precisamos limpar essas feridas, ou vão infeccionar, onde fica o banheiro? A propósito, qual o seu nome? O meu é Kay.
— É Milena, obrigado por antes, sério, eu teria morrido sem você… O banheiro fica naquela segunda porta.
— Não se preocupe com isso, bem, eu vou lavar primeiro, e depois te ajudo a limpar essa ferida na sua testa. — Kay não fez cerimônia, tirou a blusa suja de sangue e caminhou ao banheiro.
Milena olhou para o corpo de Kay, que ela prestou atenção pela primeira vez depois de se acalmar em casa. Seu rosto ficou corado, olhando a pele branca demais para alguém que vivia em Sousa, seu corpo malhado, suas características faciais e cabelo bem cuidado, ele era na verdade bastante bonito.
Entrando no banheiro ele fechou a porta, bloqueando a visão de Milena e se olhando no espelho, seus ombros tinham escoriações e sua testa estava inchada, provavelmente da batida, como não podia sujar a toalha da garota com sangue ele molhou a camisa e a usou para limpar a ferida.
Removendo a maioria do sangue de seus dois ferimentos, ele lavou o rosto com água da torneira e secou com a toalha de rosto branca, quase não dava mais para ver, felizmente foi só algo superficial e sua coagulação sempre foi excelente.
Ele saiu do banheiro e pediu a Milena para entrar, que ele ajudaria a limpar suas feridas, ela disse que estava tudo bem, mas ele insistiu.
Seus olhos tranquilos focando na testa dela, tinha só um arranhão que ia do meio da testa até a maçã do rosto, não foi profundo e apenas deixou uma marca vermelha.
Primeiro pediu que ela molhasse o rosto, então usando a toalha ele esfregou sabão na ferida, Milena gemeu um pouco e mordeu os lábios, fechando os olhos e sentindo os movimentos suaves que embora ardessem, não doíam tanto assim. Depois de enxaguar, ele falou:
—Minhas roupas estão todas sujas, preciso lavar-
— Tenho uma máquina de lavar, retire que eu limpo para você, só tome um banho enquanto isso, devem secar até à noite no máximo — falou Milena o interrompendo.
— Hum. — Acenando com a cabeça, Kay tirou sua calça e passou para ela, que saiu do banheiro olhando para o azulejo do chão.
Ele tomou uma ducha e percebeu que seu celular estava no bolso da calça, rapidamente pisou fora da área do chuveiro e abriu a porta, falando: — Cuidado com o celular, esqueci de tirar.
— Eu vi, então já tirei… — respondeu Milena que passava de frente na hora, se surpreendendo, então se virou de lado.
Kay notando onde ela olhava com o canto dos olhos rapidamente fechou a porta, e voltou ao banho. Passando sabonete pelo corpo e enxaguando, ele pensou, “fui descuidado, será que ela pensa que estou sendo muito oferecido?”
Saindo do banho com uma toalha enrolada na cintura, ele deixou o banheiro e foi até a sala, vendo-o chegar Milena falou:
— Fique no meu quarto, pode deitar, eu vou tomar banho ainda.
Percebendo a falta de jeito da garota Kay ficou envergonhado, e acenou com a cabeça, vestindo sua cueca box e deitando na cama.
Pegando seu celular que Milena deixou no quarto ele ligou para seu irmão, querendo falar para tomar cuidado, mas a ligação não completou, pensou que ele deveria estar no trabalho ainda. Não tentou ligar para mais ninguém da família sabendo que estavam todos em horário de trabalho e só chegariam mais tarde, então fechou os olhos e adormeceu.
Kay sentiu uma gota de água caindo em seu nariz, que o trouxe de volta da terra dos sonhos, ele abriu os olhos fracamente apenas para ver Milena o olhando dormindo enquanto estava de toalha.
O corpo dela com seios grandes e uma cintura fina eram bem claros sob a toalha, gotas de água ainda estavam sobre suas clavículas e seu cabelo ainda estava úmido.
A garota o olhava com um olhar enevoado e mordia os lábios, ele envolveu sua mão no pescoço dela, puxando-a para seu abraço e beijando sua boca, a toalha caiu facilmente e eles logo ficaram nus.
Kay abraçou a garota enquanto beijava seu corpo, e barulhos reprimidos ecoaram no pequeno apartamento até que um silêncio inebriante soasse, não se sabia quanto tempo passou, mas já era noite, os dois dormiram na cama após alguns beijos apaixonados.
Durante a noite toda, Kay se mexia inquieto e suava profusamente, seu corpo estava febril e ele sentia uma pontada em seu peito esquerdo, que o fez acordar no meio da noite, olhando pela janela ele podia ver a lua e a rua silenciosa.
Ele foi até o banheiro tomar um banho de água gelada, porém o calor em seu corpo só se tornava mais forte. Ele agarrou o registro do chuveiro e o apertou, sentindo uma dor intensa no peito, como se tivesse dores desviadas, sempre que respirava fundo ele sentia a dor aumentar, isso o fez querer parar de respirar para se livrar da dor.
Seu corpo estava quente e seus olhos começaram a se fechar, ele não conseguia produzir nenhum som. Um barulho de queda soou, deixando um homem caído sob um chuveiro ligado, só o som da água escorrendo soava no banheiro.