Como Sobreviver no Apocalipse Coronado - Capítulo 3
22 de agosto de 2023 —
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Sozinho, Kay foi até a janela, sua insônia tinha vindo para ficar e provavelmente o faria passar essa noite em claro. Como a cama estava molhada com seu suor advindo da febre, ele sentou em uma cadeira em frente a janela. Olhando a rua escura, começou a viajar em seus pensamentos.
“Eu deveria começar a fumar não é? É meio que minha obrigação como sobrevivente em um apocalipse zumbi, não, esquece, isso ia foder minha resistência.”
Ia brincando com o celular na mão enquanto sentia a brisa gelada da madrugada interromper seus pensamentos bobos.
“O que farei com esse cadáver no banheiro? Não posso só jogar ela pela janela né? Se eu realmente jogar, deveria vesti-la antes?”
Enquanto ele passava a noite acordado, o sol nascia e a manhã havia começado.
“Sério, que merda, eu acho que devo começar a escrever um diário nas notas do celular ou posso ficar maluco, sem internet, ou segurança… Talvez eu deva mover alguns móveis para frente da porta, ao menos eu vou conseguir me preparar se alguém se transformar no prédio, sim, vamos fazer isso.”
Kay fez um som ao se apoiar nos joelhos e levantar da cadeira, nesse momento ele escutou um grito. Movendo-se para a janela novamente ele viu 3 zumbis correndo atrás de um cara.
“Que fodido, eu acho que esse cara deve ter saído para trabalhar sem saber o que começou ontem.”
Ele parecia achar a situação péssima para o cara, porém ele não sentia pena, ou algum impulso para ajudá-lo, no entanto parece que as outras pessoas não pensavam da mesma forma, algum vizinho abaixo do seu andar posicionou uma frigideira e começou a bater contra as grades de ferro de sua janela, chamando a atenção dos 3 zumbis para ajudar o cara a fugir.
“Porra, idiota do caralho, não fode comigo…”
Quase ao mesmo tempo que as batidas começaram, Kay começou a escutar barulhos altos, parecia igual ao barulho de uma obra, e vinha de todos os lados, escutando uma ou mais portas rangendo Vrrrrr, e barulhos de batidas nas portas, ele pensou que estava acabado.
Ele foi correndo até a porta, não prestando atenção ao que acontecia na rua e se posicionou contra a porta, acontece que os zumbis no prédio enlouqueceram com seus próprios barulhos, aliados aos gritos lá fora, e o vizinho idiota batendo panela, formando uma sinfonia horrível.
Sentindo a maçaneta arrombar, Kay botou mais força, fechando a porta, apenas para o zumbi empurrar de volta, tentando entrar, Tsk, Kay estalou os lábios, “que porta vagabunda, foi arrombada como se fosse nada.”
Ele escutou alguns barulhos e depois gritos, pareciam soar como um encerramento da orquestra infernal, com a parada dos sons de panelas e gritos de dor, o zumbi em sua porta também foi atraído, pois o barulho menos caótico o fez saber para qual direção ir.
Caindo de bunda no chão, ele franziu a testa e pensou que talvez não restasse mais pessoas vivas no prédio, ele então se levantou e olhou para a porta mixuruca que foi arrombada facilmente, e suspirou.
Agora esse apartamento não era mais seguro o suficiente, mas ele não queria deixar todos esses suprimentos, então moveu os móveis bloqueando a porta com eles e trouxe a cama do quarto até à frente dos móveis, ela encaixou no espaço exato que restava entre os móveis e a parede, fazendo com que mesmo que alguém empurre a porta, ela não terá mais para onde se mover, pois estaria presa.
Finalmente relaxando, Kay, que estava só de cueca, finalmente sentiu fome e pegou umas 2 bananas e começou a preparar algum lanche, procurando Farinha Láctea, Aveia e granola.
Ele amassou as bananas e adicionando os condimentos cobrindo a banana, pegou um garfo e sentou na cadeira em frente à mesa.
Tendo feito isso por todas as manhãs nos últimos 3 anos, as suas ações todas foram feitas sem pensar, comendo mecanicamente ele terminou o café da manhã e pensou que cozinhar era perigoso, o cheiro, e barulhos do preparo da comida podiam atrair zumbis.
Decidindo começar a comer principalmente frutas, pois elas estragariam em breve, ele deitou na cama que havia trocado os lençóis suados e sujos, ele começou a digitar no celular o seu diário, que optou por criar antes do incidente do bom samaritano.
Ele incluiu o que aconteceu ontem, e o que fez hoje, seus pensamentos e sentimentos, e encerrou com os planos imediatos, que eram sobre como preparar a comida sem muito barulho.
Kay pensou que não dava para enrolar mais, e que o cadáver de Milena poderia começar a feder, ele então entrou no banheiro, enrolou a toalha que havia usado para matá-la em volta do ferimento na testa, para não sujar a casa com sangue, ele então, meio sem jeito, puxou o corpo pelas pernas, e viu que era ineficiente.
Mudando sua abordagem ele a segurou em seus dois braços, o corpo dela estava rígido, quase como uma rocha, e ele mal conseguiu dobrar o corpo em uma posição adequada, como se suas articulações estivessem calcificadas, atravessando a casa ele se posicionou contra a janela e se preparou para o barulho que ocorreria.
“Um, dois, três.” Jogando o cadáver ele se afastou da janela e correu até a cama, escutando o barulho que o corpo fez contra o concreto, quase parecia uma batida de um carro, ele escutou rugidos e passos pisando pesadamente no chão do corredor.
Este era o quinto andar, portanto, não querendo ser visto na janela por nenhum zumbi, e com receio de ver a garota gostosa se tornar um monte de carne amontoada, ele deitou na cama e fechou os olhos, pensando em malhar depois do almoço, ele cochilou.
Os dias passaram um após o outro, e a rua era a mesma durante o dia ou a noite, um silêncio assustador, não se ouvia carros desde 2 dias atrás, só restava um som de pássaros ocasionais, que não duravam muito.
Cedo pela manhã, exceto pelo fedor de carne decompondo, não havia mais nada, como se o mundo inteiro estivesse morto, sem movimento, estático, os carros pegando fogo na rua, os zumbis ocasionais passando, parecia verdadeiramente uma cena de qualquer filme apocalíptico.
Os alimentos que Kay possuía diminuíram, e ele havia se readaptado a viver enfurnado igual à época da quarentena, e sabia que o que vinha evitando pensar precisaria ser feito— sair de casa e ir buscar suprimentos.
Sinceramente ele não queria de forma alguma se pôr em perigo, e ainda tinha comida suficiente para 2 dias, porém pensou que talvez fosse melhor fazer uma grande refeição para ter resistência o suficiente para lutar e buscar um novo abrigo e recursos.
Ele pensava que ir ao supermercado era loucura, e portanto, enquanto ele não esvaziasse os apartamentos, era melhor ficar por aqui. Quanto ao problema de destrancar as portas, ele escutou de Milena que o dono do prédio era muquirana, e não trocou as fechaduras das portas, portanto qualquer AP abriria com a mesma chave.
“Também preciso de roupas melhores, essa calça e esse sapatênis não prestam para correr ou lutar em caso de necessidade.”
Como já vinha maquinando a ideia há dias, ele primeiro iria vasculhar os quatro outros apartamentos que ficavam no mesmo andar, pois ele escutou duas ou três portas abrindo aquele dia, e sabia que muito provavelmente estariam vazios, e em sua mente — vazio = seguro.
Terminando o que chamou de ultima ceia. Kay tomou banho e se vestiu com as mesmas roupas com as quais chegou aqui. Ele olhou sua figura no espelho e lavou o rosto com a água gelada, checou o relógio que apontava 13:32.
Se decidindo novamente, saiu do banheiro, colocou a mochila nas costas com um carregador para seu celular; uma lanterna; algumas bolachas e o resto de alimentos enlatados que restou. Consigo levava apenas 2 facas de cozinha que haviam sido extensamente afiadas por ele, e um espeto de churrasco com uns 40cm de comprimento, que se acertasse o globo ocular, seria rápido e fácil de matar um zumbi.
Usando os passantes da sua calça para prender o espeto e segurando as 2 facas nas duas mãos, ele primeiro fez o que havia planejado, jogou uma panela pela janela, para fazer os zumbis se moverem, assim eles não ficariam parados e haveria mais barulho do que o seu próprio, camuflando o seu movimento.
Kay, que já havia movido os móveis do caminho da porta, empurrou a porta arrombada e olhou pela brecha da porta, não havia nenhum zumbi nesse corredor. Suspirando ele abriu a porta inteira e começou a sair, apenas para se deparar com um zumbi que estava em seu ponto cego.
De mente fria, Kay empunhou a faca no braço direito do zumbi, porém ela ficou grudada no braço dele, não conseguindo cortar o braço fora; ele usou a outra faca, empurrando-a em uma estocada no coração — tendo estudado anatomia nos últimos 7 anos — não foi difícil acertar um corte limpo.
O zumbi pareceu parar, logo antes de ficar agitado, soltando a faca estocada no tórax do zumbi, ele pegou o espeto com um movimento hábil e enfiou na têmpora penetrando fundo na cabeça do zumbi.
“Bom começo.”
Kay se elogiou e pegou suas armas de volta, deixando o zumbi escorado na parede sangrenta. Ele espiou dentro do AP de frente ao seu, onde a porta estava escancarada e entrou, fechando a porta por trás de si.
Ele precisava ser rápido e eficiente, olhando pelo canto do olho, ele viu um tênis da Nike de corrida e percebeu que o AP provavelmente era de um homem, trocando de tênis apressadamente.
“Que sorte, são quase o meu tamanho, só um número a mais eu diria.”
Ao se levantar ele procurou por roupas melhores, e só as enfiou na mochila, havia um moletom cinza, uma calça jogger preta, ele pegou alguns pares de cueca e saiu do quarto. Revirando o armário, ele viu um rato que saiu correndo para longe de si, e alguns sacos esburacados.
A comida do armário já era, pensou, se levantando de sua posição agachado, ele olhou a geladeira, achou água em garrafas minerais de 500ml, sem pensar colocou na mochila, viu presunto, mas o cheiro dizia que estava estragado, as frutas na parte de baixo da geladeira estavam podres, parece que uma estragou e acabou fazendo o mesmo com as outras juntas.
Ele olhou ao redor e voltou ao quarto, ao lado de umas roupas sociais ele viu um pote de nutella que ainda estava bom, animado ele o botou na mochila, que agora estava meio cheia.
Se preparando para invadir outro AP, ele abriu a porta devagar, mas não havia nada no corredor, respirando fundo ele se virou em direção a outro AP. Dessa vez a porta estava só encostada, preparando seu coração, Kay empurrou a porta com um pé e voltou a uma posição de expectativa, pronto para qualquer situação.
Porém o mesmo estava vazio, suspirando, ele mais uma vez adentrou, pisando com cuidado, olhando pela cozinha, a janela estava aberta, a luz do sol entrava e fazia todo o apartamento brilhante, porém os móveis estavam desorganizados, alguns caídos, e havia manchas de sangue.
Pensando que talvez não estivesse sozinho, Kay encarou a porta do quarto e girou a maçaneta, de dentro do quarto um cheio pungente, o pior que Kay já sentira, penetrou suas narinas, ele fez uma careta e um gemido, ugh.
Movendo os olhos pelo quarto enquanto usava uma das mãos para bloquear o nariz, ele quase vomitou, havia uma cena sangrenta, uma mulher estava meio devorada, seu corpo estava escondido debaixo das cobertas antes brancas, o sangue dela cobriu quase tudo a vista, saindo de dentro do corpo da mulher estavam coisas brancas, “tapurus”, essa era a cena mais grotesca que vira desde que isso tudo começou.
Relaxando, ele analisou a cena, talvez seu parceiro tenha se transformado no meio da noite, igual Milena o fizera naquele dia, e a matou antes que ela pudesse reagir, ele deu meia volta, porém ouviu chiados, e olhou para ela novamente, as cobertas estavam mexendo para cima e para baixo, os olhos de Kay arregalaram, ele preparou suas armas, e o pano caiu.
Um gabiru preto do tamanho de um gato fez barulhos ameaçadores e correu muito rápido para cima dele, não tendo como atacar o corpo ágil do rato gigante, ele desviou, batendo as costas no guarda-roupas,
O rato passou entre suas pernas e Kay tentou pisar nele, porém o rato se esquivou, desistindo de matar essa coisa, ele correu para fora do quarto e derrubou um móvel no caminho do rato, saindo pela porta e fechando ela com um Paaaa! atrás de si.
Saindo temporariamente de perigo ele percebeu o barulho do rato batendo na porta, e arranhando com as unhas, além do barulho que ele fez batendo a porta ele notou o barulho de zumbis subindo as escadas.
Horrorizado ele começou a correr, precisava subir, ficar aqui perto do rato fazendo barulho; mesmo que em outro AP, resultaria nele ficando cercado, ele planejou subir as escadas e lutar contra os zumbis de um terreno mais alto e apertado.
Sua mochila quicava em suas costas, graças à aceleração de Kay, ele começou a subir as escadas e então notou que haviam zumbis vindo do andar de cima, fazendo barulhos guturais, eles desciam as escadas, porém um dos zumbis empurrou o outro que caiu escada abaixo, Kay puxou seu espeto, e mirou no momento que o zumbi caiu em sua frente, acertando sua nuca, ele puxou o espeto sangrento, e passou por cima dele.
Seu coração batia forte, pulsando sangue com todas as forças, seus braços e pernas estavam levemente corados, com uma faca em sua mão esquerda, e o espeto na mão direita, ele encarou os dois zumbis descendo a escada juntos e segurou a faca numa empunhadura reversa, colocando o espeto por cima da faca, como um tanque de guerra blindado.
Seu escudo era o ataque, seus olhos fitavam os pontos anatômicos que poderiam debilitar os zumbis, porém, Kay que se movia rápido, escorregou em uma poça de sangue, e se viu caindo em cima do zumbi que acabara de matar.
“Merda.” Ele virou o corpo num rolamento para trás e se colocou de pé imediatamente, porém os zumbis já acompanharam seu encalço, e por trás dele, chegavam vários zumbis, atraídos pelo barulho uns dos outros, ele estava cercado.