Crônicas do Rei Vazio - Capítulo 2
O rito do caçador
DEZOITO ANOS DEPOIS
Iky, Yano e Miel tinham estado ocupados o dia inteiro, concertando o buraco que Yano abriu no teto da casa enquanto exibia seu poder para a filha de Iky, pois ele estava brincando com ela de manhã, ela se divertia muito brincando com seu tio Yano, mas depois desse incidente, ela ficou com a sua mãe, Siv, enquanto eles trabalhavam.
— Seu cabeça oca! Eu deveria acertar a sua cabeça com esse martelo — reclamou Iky enquanto sacudia o martelo no ar.
— Não é pra tanto foi só um buraquinho — falou Yano tentando acalmar o amigo.
— “Um buraquinho”? É engraçado você dizer isso, já que estamos concertando esse “buraquinho” a manhã inteira — ironizou Miel.
Os três riam da situação, enquanto isso, Siv observava sua filha brincado na frente da casa, a pequenina Uriel tinha cabelos cacheados, tão negros como a noite e olhos verdes como esmeraldas, ela acabara de fazer 10 anos.
— Olha mamãe — disse Uriel com uma flor flutuando acima de sua mão.
Alguns minutos se passaram até que as últimas partes dos reparos fossem concluídos, logo eles começaram a se aprontar.
— Uriel vá chamar seu irmão — falou Iky para sua filha.
Uriel saiu correndo animada, ela sabia onde encontrar seu irmão, Samael sempre estava lá, para ela era uma rotina ir chamar o irmão, mas aquele era um dia especial dentre a monotonia rotineiro. Ela não parava de pensar que no quanto o festival seria divertido, por isso corria animada até seu irmão. E lá estava ele, empoleirado naquele grande carvalho, com galhos longos e sinuosos, folhas com um tom de verde tão vivo quanto era possível, aquele carvalho erguia-se majestoso e embora velho, era indubitavelmente forte.
— Mael! — Uriel gritou o apelido do irmão se aproximando dele.
Samael era alto, com cabelos loiros de tamanho mediano, seus olhos tão azuis como o céu, ele era considerado um prodígio assim como seu pai adotivo.
— 9997, “(…)cidade de Cordova fica a 3 dias daqui(…)”, 9998, 9999 “(…)para chegar em Jotun(yotum) tem que atravessar as montanhas(…)”, 10.000… — resmungava Samael lendo enquanto fazia abdominais.
— Mael, você está treinando como um morcego de novo? — disse Uriel apontando para Samael.
— Oi baixinha, o que você ta fazendo aqui? — falou Samael ainda de cabeça para baixo.
— Que pergunta boba. Você já esqueceu que dia é hoje? — Uriel perguntou.
Samael vasculhou a sua mente por um instante, ele normalmente não lembrava em que dia estava, não ligava pra dia, ano, nem mesmo hora, mas Uriel sabia disso, então ele forçou-se a lembrar enquanto descia da árvore.
— Hoje é o dia do festival — Samael exprimiu, como se acabasse de ter uma epifania.
— Claro que é Mael, falamos disso a semana toda. — disse Uriel.
— Ei baixinha — falou Samael começando a andar.
— O que foi Mael? — perguntou Uriel.
— Aposto que eu chego lá primeiro que você — afirmou Samael.
— Nos seus sonhos — provocou Uriel.
Ela saiu correndo antes que Samael rebatesse sua provocação, ele correu atrás mantendo uma pequena distancia dela, Uriel ria enquanto ele fingia tentar alcança-la, Samael não pode evitar de rir também, era extremamente divertido ver sua irmã feliz. não demorou muito para que chegassem em casa, Iky e Siv estavam lá junto com Yano e Miel.
— Ganhei! — exclamou Uriel ao parar de correr.
— Não é possível! Como um ser tão pequeno pode ser tão rápido? — atuou Samael, fingindo estar ofegante.
Uriel correu e abraçou Samael, que por sua vez abraçou ela de volta, ela fez um movimento com a mão para que irmão se abaixasse, ele se abaixou e ela colocou uma flor roxa no cabelo do irmão.
— Da próxima vez você ganha ta bom — disse Uriel confortando o irmão.
Samael riu e abraçou Uriel, era fofo o jeito que Uriel não gostava que ele estivesse triste. Iky sorriu, ele se sentia realizado todas as vezes que olhava para seus filhos.
— Olha o pequeno Mael está virando homem! — exclamou Yano bagunçando o cabelo de Samael.
— Parece que foi ontem que eu você era só um bebezinho — disse Miel com lagrimas nos olhos.
Samael estampo um grande sorriso em seu rosto, ele gostava de receber elogios dos seus tios, ele definitivamente faria por merecer todos esses elogios.
— Ia me esquecendo, eu terminei aquela coisa — comentou Miel.
— Nós, terminamos — corrigiu Yano.
— Eu que fiz a maior parte do trabalho — retrucou Iky.
— Nada disso, eu trabalhei muito mais que você, seu saco de pancadas ambulante — provocou Yano, apontando o dedo para Iky.
— Hora seu, atirador de bolinhas sem vergonha — exprimiu Iky tentando agarrar Yano.
Enquanto Iky e Yano tentavam matar um ao outro, Miel mexeu em seu bolso, até retirar de lá uma máscara, era preta, só cobria a boca, com dentes grandes talhados nela, dentes esses que se assemelhavam aos de uma caveira e tinha uma listra vermelha em cada bochecha, era simples, mas sem dúvidas era bem feita. Ao pegar a máscara das mãos dele os olhos de Samael se iluminaram.
— É exatamente como eu imaginei — falou Samael com um sorriso no rosto.
— Bem, você me deu um desenho, então foi facil — disse Miel com um sorriso satisfeito.
— Eu ainda não entendi o porquê de você querer ela — afirmou Yano curioso.
— Porque mascaras são legais — Samael afirmou com um grande sorriso no rosto.
Eles riram juntos, era estranho ver Samael agindo como alguém de sua idade normalmente agiria. Eles pegaram suas coisas e seguiram caminho, afinal ninguém queria se atrasar, Samael trocou suas roupas casuais por uma mais adequada para um guerreiro, ao tomar seu rumo ele cruzou com Baran que lhe vez um sinal para se aproximar.
— Meu aluno, nós não temos mais tempo, então não me decepcione — disse Baran.
— Não se preocupe professor, eu sou o mais forte — afirmou Samael.
Samael sorriu e assentiu com a cabeça, se virou e seguiu seu caminho, ele queria descobri tudo que pudesse sobre o seu poder, era um dia conveniente até demais para isso, teoria e pratica.
Samael caminhou até o centro de sua pequena vila, ao chegar lá sentou-se ao redor de uma grande fogueira junto aos outros de sua idade, os adultos e as crianças se sentavam mais atras, como se fossem espectadores em um teatro, mais próximo da fogueira haviam alguns instrumentos e seus donos, Baran apreciava a música, por isso ele mesmo organizou uma pequena banda.
— Olha só que resolveu aparecer — apontou Frederic ao ver Samael.
— Ei Samael, achei que você não vinha — zombou Jade.
— E eu achei que vocês já teriam desistido de lutar comigo — rebateu Samael, fazendo-os rir.
— Vai sonhando — responderam em uníssono.
Baran põe se na frente deles, em pé, na frente da fogueira, como se estivesse em um palco prestes a fazer uma apresentação, e então começou a falar ao mesmo tempo que a banda começa a tocar.
— No início só existia o Caos e o Caos era rei, mas ele se cansou de seu tedioso reino vazio e criou vida, ele criou duas criaturas, criaturas às quais ele nomeou Serafins, a luz e a escuridão, o início e o fim, criaturas gêmeas, mas completamente diferentes, esses seres primordiais eram maiores do que podemos imaginar e conviveram em harmonia por milhares de anos. Mas o Serafim da escuridão queria mais poder, por sua ambição ele começou a juntar a luz que se desprendia de seu irmão, dia após dia, ano após ano, até que ele juntou uma esfera gigantesca de pura luz, por esse feito ele recebeu um nome de seu criador, Luciferum o portador da luz! — discursou Baran.
Ao falar isso ele atirou algo na fogueira, fazendo com que sua chama se tornasse verde, por um instante Samael pensou ter visto a imagem dos Serafins nas chamas, ele estava tão concentrado na história que conseguia imaginar perfeitamente tais acontecimentos tão fora da realidade.
— Temendo esse poder, ou onde a ambição de Lucifer os levaria, a luz atacou a escuridão, os simples balançar de suas mãos criava e destruía, por consequência dessa luta o vazio foi preenchido, mas ainda não havia vida além dos Serafins. Então, algo aconteceu, a luz que Lucifer juntava, ela começou a pulsar como um coração, a junção de duas energias opostas criou algo, algo que parecia ter vontade própria, algo vivo, e então a esfera se expandiu matando seus criadores e preenchendo o vazio. Dessa energia veio a vida, dela vieram deuses e titãs e da guerra entre deuses e titãs vieram nossos poderes! — Baran continuou.
Ele era extremamente eloquente, mesmo já tendo expressado diversas vezes o amor por essa data, Baran parecia excessivamente animado hoje, o que fizera ele alongar seu discurso adjunto ao rufar incessante dos tambores.
— A guerra destrói, mas também renova! Da guerra veio a vida! E é a guerra e a força, que nós da antiga tribo dos caçadores fazemos este festival. Esse rito começou como uma forma de fortalecer nosso sangue, onde os fracos morreriam e os fortes viveriam! Mas hoje não honramos a guerra com sangue! Hoje os fortes mostram seu poder, e vislumbraremos uma nova geração de guerreiros! — Baran exprimiu erguendo os braços com um grande sorriso em seu rosto.
Alguns aplaudiram, outros gritaram de animação, mas Samael continuava pensando na história. Baran então começou a chama-los um por um e um por um eles olhavam para a grande fogueira e ela brilhava de uma cor diferente, as pessoas nas cidades utilizam os cristais azuis para aprenderem mais sobre seus poderes, mas a tribo dos caçadores preferia os métodos antigos, Baran dizia que: “Enquanto a pedra azul lhe dá um resumo de seu poder, o ritual das chamas lhe dá todos os detalhes”.
— Samael… aproxime-se — falou Baran apontando para ele.
Samael estava tão perdido em seus pensamentos que quase ignorou o chamado seu professor, ao escutar, Samael se levantou e andou até Baran, enquanto caminhava, fez o máximo para parecer confiante e esconder seu nervosismo, afinal ele queria parecer legal para sua irmã.
— Coloque a mão nas chamas e olhe sua força e enfrente suas fraquezas — orientou Baran.
Mesmo nervoso Samael adentrou as chamas com sua mão sem hesitar, o rufar dos tambores se tornou mais forte, ele fitou a fogueira por alguns instantes que lhe pareceram horas, mas depois de alguns poucos segundo, as chamas se expandiram fazendo com que a fogueira ficasse com o dobro do tamanho, e quase que instantaneamente, a chama perdeu sua cor, se transformando no mais puro tom de preto, era como olhar para um abismo sem fundo e então o silêncio, Samael não sabia se era sua imaginação ou se a havia mesmo aquele sessar repentino dos sons, mas ele não se virou para olhar, estava quase que hipnotizado pelo vazio a sua frente.
— Magnifico — sussurrou Baran.
Enquanto Samael olhava para o abismo de escuridão, teve a sensação de que algo se mexia lá, ele apertou seus olhos para tentar enxergar e então, seu sangue gelou, ele sentiu seu corpo travar, um grande calafrio percorreu toda sua coluna, ele sentiu uma mão encostar na sua dentro da escuridão, quando ela a encostou ele sentiu como se sua própria alma congelasse, como se o Sol tivesse sido engolido e agora só restava a escuridão e o frio, mas não foi isso que o fez temer, pois ao olhar para o abismo, algo olhou de volta.