Crônicas do Rei Vazio - Capítulo 4
O Cavaleiro Branco
“[…]Para mim, o chamado “destino” é apenas uma mentira que contamos a nós mesmos para contentar nossas mentes com nosso estado de miséria” — L. L. D.
Samael estava sem palavras, ele se recusava a aceitar essa realidade, sentia uma amálgama de sentimentos, raiva, ansiedade, medo, etc.
Quão difícil seria a vida da sua irmãzinha?
Baran bebeu um pouco de seu chá e continuou — Após a morte do profeta os líderes das casas se reuniram, a ideia de ter um ser tão forte carregando o nome da tribo consigo, essa ideia destruiu qualquer sentimento de diferença entre as casas. Os líderes traçaram um plano para assegurar o nascimento e a força de tal ser, e é claro assegurar também que ele tivesse servos fortes que o ajudariam.
— Então porque eles se separaram, não seria mais fácil e seguro permanecer unidos — Samael questionou, perder os números podia tê-los condenado.
Baran assentiu — De fato, mas para aquele plano a separação era um ponto chave, os lideres iriam após se separar se estabelecer em locais estrategicamente escondidos, então durante todos os anos seguintes eles se matariam em duelos, homens matariam homens e mulheres matariam mulheres, para assim só sobra o sangue mais forte de cada casa. Todas menos a casa das Serpentes, já que com mais números seria mais seguro criar o “Rei”.
Samael pensou por um instante — Então a separação era necessária para que as outras pessoas não achassem injusto que a casa das Serpentes não derramaria sangue?
— Exatamente — Baran respondeu.
Samael indagou-se — Mas o fato das outras casas se matarem ainda não faz muito sentido.
Baran fechou os olhos — Eles precisavam de devoção incondicional ao “Rei” era muito mais fácil doutrinar uma criança do que várias, já que sempre a um questionador, não havia espaço pra falhas, ter só uma pessoa diminuía a margem de erro do plano.
“Provavelmente todos os costumes do meu povo foram manipulados pelos antigos líderes da tribo, eles eram tão loucos por poder ao ponto de envolverem crianças inocentes em suas loucuras.”, Samael concluiu.
Baran continuou — Para assegurar que o plano seria seguido eles criaram um conjunto de histórias, basicamente uma religião totalmente baseada na guerra, as crianças cresceriam com essas histórias. Eles moldaram artificialmente sua própria cultura, se todos cressem acreditando que se matar em um torneio é normal, então aquilo se tornaria normal.
Samael sempre se questionou sobre a religião de seu povo, e esses questionamentos o levaram a outras religiões que ele descobriu através dos livros.
“Se eu tivesse nascido em uma dessas casas, será que eu aceitaria isso? Ou eu questionaria?”, Samael remoeu.
Samael respirou fundo — Com toda essa doutrinação com certeza eles diminuíram a margem de erro nas outras casas, mas a casa das Serpentes permaneceu muito livre. O que evitaria ela de se desviar do plano? Eles poderiam simplesmente esquecer isso com o passar dos anos.
Baran abriu os olhos — Eu… eu evitaria Samael. A minha família foi incumbida de guiar a casa das Serpentes por todas a gerações seguintes. “E o que evitaria a minha família de esquecer?” você deve estar pensando, a resposta é simples… estes olhos.
Baran apanhou um copo e bebeu algo — A história que meu pai me contou diz que eles fizeram um ritual… onde duas pessoas deram suas vidas e passaram suas souls para meu ancestral…, mas isso… eu não sei quanto disso é uma história, nem quanto é verdade.
Samael arqueou a sobrancelha — Ritual é… bem… se foram duas pessoas e uma das souls são os olhos do tempo, qual foi a outra?
Baran olhou para suas mãos — O poder de passar a sua soul para outra pessoa, mas depois de fazer isso você perde toda a sua energia vital, em outras palavras você….
— Você morre… — Samael completou.
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Não muito longe dali um grupo de sodados se dirigia até a aldeia dos caçadores, haviam pouco mais de 50 deles de armaduras reluzentes, alguns com espada e lanças, outros com arcos e suas aljavas cheias de flechas, todos eles a cavalo. Eles marchavam em formação extremamente coordenados, dentre eles dois se destacava, aquele que andava a frente do exército, com sua armadura branca como a neve e uma grande capa com um sol desenhado, sua expressão serena e sem emoção, seus cabelos longos e dourados e seguindo ao seu lado um homem de túnica roxa e roupas luxuosas segurando um pergaminho enrolado, esses dois por sua vez eram seguidos de perto por outros 2 cavaleiros com estandartes.
— Líder do esquadrão de observação se apresentando 1º Tenente senhor — um soldado que se aproximava pelo lado oposto disse em bom som.
— Olá Krogos, presumo que a missão tenha sido um sucesso — falou o homem de armadura branca com seu tom calmo e ao mesmo tempo imponente.
— Sim senhor. Nós não fomos vistos por ninguém, tivemos a chance de apurar que suas deduções estavam corretas, eles se tornaram mais fracos — constatou Krogos.
— Excelente, isso facilitará as coisas. Eu quero um relatório completo — ordenou o 1º Tenente.
— Sim senhor. Sem contar com as crianças e idosos há por volta de 40 deles, sendo que somente 10 deles são guerreiros. O conhecido ritual rudimentar para a maior idade deve estar acontecendo agora, talvez um acordo pacifico seja mais proveitoso para nós já que pelo observado as souls dos jovens seriam extremamente uteis para nosso exército — relatou Krogos.
— Nós temos uma missão Krogos, ela será cumprida, mas tentarei uma solução pacifica a priori como você me recomendou — apontou o 1º Tenente.
— Agradeço a confiança em meu trabalho senhor — articulou o soldado.
— Alexander você está certo disso — questionou o homem de túnica roxa.
— Claro que estou senhor Máximos, não me daria o luxo de cometer erros estando a serviço de vossa majestade — expressou o 1º Tenente Alexander.
Máximos fez uma expressão de questionamento, mas balançou a cabeça em afirmação, era obvia a sua dúvida, mas também obvio o seu apreço pela lealdade de Alexander.
— Se tudo ocorrer bem hoje Alexander, nosso rei certamente nos dará uma grande recompensa além de uma promoção pra você é claro — Máximos disse orgulhoso.
— Vossa senhoria parece muito confiante. Acredita tanto assim nessa antiga lenda? Devo admitir que tenho minhas dúvidas, não quanto a veracidade, mas quanto ao provável exagero e a deturpação dos fatos com o tempo — indagou Alexander.
— Não sou o maior crente que existe, mas a lenda é real… exagerada ou não, nós encontraremos o que procuramos… e vamos ficar podres de ricos. É melhor se alegrarem soldados todos aqui ganharão muito ouro, então não estraguem tudo! — exclamou Máximos passando de um tom pensativo para um alegre.
Alexander se virou para seus homens — Fiquem atentos, não tolerarei falhas nessa missão tão importante, eles podem estar mais fracos e em menos numerosos, mas ainda são a tribo dos caçadores. Todos já ouvimos histórias de como eles são mortais, qualquer sinal de ataque deve ser respondido com todo nosso poder… eu prefiro um acordo pacifico, mas se tivermos que usar a força devemos vare-los da face da terra! Sem sobreviventes! Eu fui claro!?
— Sim senhor! — todos os cavaleiros responderam em uníssono.
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Samael estava paralisado, perdido em seus pensamentos, consumido pela incerteza. Toda essa informação era difícil de aceitar; uma profecia envolvendo sua irmã, um rei, velhos loucos e seu plano mais insano ainda…, mas a pior de todas as dúvidas ainda pairava sobre ele.
Samael olhou dentro dos olhos de Baran — Pro que o senhor ta me contando tudo isso?
— Sabe Samael… imagine a vida das pessoas como uma arvore onde o tronco é o nascimento e os galhos são os futuros, eu consigo ver o futuro de todos e normalmente tem 3 ou 4 grandes galhos com alguns galhos menores que se originam deles… — Baran deu um sorriso amigável para Samael.
— Mas quando eu vi aquele bebê encontrado na floresta, além de estranhar que ele não chorava… quando eu chequei seu futuro com estes olhos… a arvore que eu vi tinha uma quantidade assustadora de galhos… e o mais assustador era que no tronco tinha algo que se enroscava nela… grudado como se fosse um parasita… grudado como se até o nascimento dela você imprevisível — Baran disse em voz tremula.
Silencio foi a resposta que Samael deu a Baran. Samael recebeu uma resposta, mas junto com ela ganhou centenas de perguntas novas.
“Uma arvore com galhos demais? Uma pessoa com futuros demais… um parasita?… Será que tem a ver com Ego? Ou talvez….”, Samael se perdeu em devaneios.
— Desde o momento que eu te vi eu parei de me importar com a missão de minha família… em nenhuma das visões sobre o futuro de Iky ele encontrava uma criança na floresta, mas aqui está você… uma anomalia… algo inesperado… se comparado com os outro eu poderia dizer até… “imprevisível”! — Baran falava com um certo gosto quase como se isso lhe fosse motivo de orgulho.
Samael mexia seus olhos freneticamente como se ele tentasse ver o sentido das palavras de Baran — Eu…
Ambos se calaram subitamente, só o que foi escutado foi o silencio… mortal e estranho silencio… depois de alguns segundos eles se entreolharam e seus olhos se arregalaram.
— Os outros não deveriam estar num torneio agora? — comentaram Samael e Baran em uníssono.