Destino da Quimera - Capítulo 1
Passos pesados sobre as tábuas do piso superior causavam um som de impacto semelhante a um estrondo, igualmente derrubavam muita poeira no espaço pequeno e quente, onde a única iluminação chega através de flashes atravessando as brechas entre a madeira.
Nos poucos instante de duração do feixe tornou-se possível ver muitas crianças e poucos adultos aglomerados, mas em sua maioria humanoides de traços animalescos.
Explosões no exterior faziam todos soltarem algum pranto de tristeza e medo.
Naquela falta de cor, com tanto remorsos no local, havia uma presença tranquila. Um par de mãozinhas pareciam brilhar na escuridão, ao menos aos olhos de uma pessoa, a mesma que sente seu rosto sendo apalpado.
Um bebê buscando por algo, sem mostrar qualquer sinal de medo. Uma oposição com o ambiente.
Observar melhor o redor mostrava que alguns tentavam controlar as emoções, ao menos não fazerem muito barulho, mas isso foi interrompido por um som constante de tilintar de lâminas cada vez mais próximo e intenso.
A visão durou apenas alguns instantes, pois substituindo o pó agora vinha o tom rubro de sangue escorrendo e tampando sua visão.
No momento seguinte o luar alcançou seus olhos e um imenso buraco foi aberto enquanto alguém afundava por ele, com uma espada sendo cravada no abdômen.
O observador sentiu o par de mãos delicadas do bebê tentando limpar seus olhos e sentiu a visão queimar com entrada de luz intensa.
Suavemente um professor balançou seu ombro garantindo que estava acordado antes de falar algo.
— Minha prova acabou, sabe… Monet. Você pode dormir a sua vontade, mas apenas em sua casa. Certo?
— hum? — o sono era visível nos primeiros instantes. — Certo…
Monet levantou seu rosto de entre os braços e passou a mão por ele, sentindo os fios de cabelo caindo sobre a pele marcada pela sua roupa. Agitou um pouco o cabelo bagunçado ao mover seus dedos por ele.
Após sentir ter despertado, percebeu que restava apenas ele na sala, além do instrutor que verificava diversos papéis em sua mesa.
Trocaram uma última encarada antes do garoto acenar com a cabeça e resolver sair do local, forçando suas pálpebras a manterem o mínimo da luz artificial da sala a entrarem nos seus olhos.
Passou por diversas mesas vazias, organizadas, ouvindo um som de suspiro após deixar a sala. Não chegou a observar a sala de novo esquecendo seu tinteiro onde estava sentado antes.
A turba de estudantes nos corredores cinzentos da Academia Ludos buscavam a próxima sala que entrariam, precisam terminar seus testes antes do fim do dia, pois este era o último dia antes da cerimônia de despedida para os alunos com doze anos — idade máxima que um aluno pode ter em Ludos.
Monet não estava além da regra, por esse motivo antecipou seus testes para evitar os alunos que causam tumultos pelo estresse de ter adiado suas provas ao máximo que poderiam para estudar mais do que deviam.
O medo da falha por estarem nervosos ou apenas por despreparo era fatal, pois a maioria precisava ganhar prestígio em alguma especialidade que gere grande lucro ou para seguirem um legado familiar, eram poucas exceções entre todos.
Era cansativo sentir empatia pelos outros enquanto não possuía a mesma dificuldade, legado ou lucro não lhe eram importantes e por esse motivo escolheu o próprio caminho: herbologia e runas… Duas áreas um pouco raras de serem escolhidas.
Isso sem contar suas pequenas pesquisas sobre os avanços da tecnologia do império.
Tudo apenas priorizando seu próprio prazer. Tratando a Academia Ludos como um lugar para relaxar, enquanto se esforçava no treinamento que passava enquanto em casa.
“Finalmente um pouco de paz.”
Bastou deixar o interior daquela construção para ser atingindo pelo sol quente, que fez seu cabelo branco quase cegar os alunos que descansavam num dos muitos pátios da academia. Ele próprio quase se sentou ali.
Com o sol lhe fazendo companhia, dirigiu-se para a zona de treinamento militar de Ludos, exatamente onde o quartel dos guardas (da academia) está localizado.
Não demorou para chegar, é claro, e também não se aproximou logo de imediato, permaneceu de longe observando o aquecimento antes do teste que ocorria naquele momento.
— Isso não é um pouco demais? — ouviu a voz de um aluno próximo, um garoto vestindo um robe preto.
— Não sei, nunca corri assim. Parece meio idiota até, tanto esforço assim e a maioria nem terá um cargo de oficial… — disse um outro garoto.
Após um curto período de silêncio das duas crianças encarando Monet, acabaram tomando uma distância maior dele ao verem que não ocorreria o contrário.
Prosseguiu observando o que ocorria enquanto ignorava a atitude daqueles dois.
Correndo num campo de lama, pisando com força no chão e murmurando mantras, trezentos alunos davam voltas ao redor do prédio do quartel — uma volta com mais de duzentos metros. Além do suor que encharca seus corpos, também vestiam brigantinas com couro extra para dificultar mais sua mobilidade.
“É, realmente é um pouco demais.”
Alguns alunos simplesmente desistiam daquele exercício todo mesmo conhecendo seu instrutor e igualmente o preço que pagariam por não suportarem o aquecimento.
Sempre lembrava das palavras de Luka, o bronzeado e sorridente cavaleiro, instrutor e capitão da guarda de Ludos:
“Durante uma batalha ninguém tem luxo para dá as costas ao inimigo independente do cansaço.”
Uma frase que carregava a experiência pessoal dele, de fato, mas um sorriso surgiu no rosto do garoto ao lembrar do que ele diz como acompanhamento dessa frase:
“Quem desistir pelo prazer de descansar momentaneamente terá que carregar suprimentos para o teste e será o primeiro a participar mesmo que esteja cansado.”
Por fim a última volta chegou, logo o próprio instrutor uniu-se aos alunos, acelerando o ritmo da corrida a cada cinco passos. Luka pisava no chão com muita força e criava buracos, levando alunos desatentos a caírem na lama.
Estava brincando com os alunos naquele momento, então deixaria últimos desistentes em paz.
Monet viu a corrida acabar e fios de cabelo branco serem agitados para fora do capacete de Bella, que correu para dentro do quartel junto com Noelle, que ainda vestia o capacete. Deixando para trás toda a turma que ouvia um discurso do professor.
O garoto tentou entrar de fininho no local também, mas acabou sentindo um braço pesado segurando seu ombro um sorriso brilhante enchendo sua visão, na mesma medida que encarava o brilho da cabeça careca do instrutor.
***
A cozinha do quartel é um local geralmente quente e úmido, com diversas pessoas trabalhando para prepararem as refeições dos guardas, porém estava quase vazia no momento atual.
Apenas a chefe de cozinha e seu auxiliar limpavam o local, enquanto as duas garotas estavam sentadas em bancos frente a uma bancada, sem dizerem nada.
A iluminação provinda de orbes mágicos tornava bem visível a coloração amarela dos cabelos de Noelle, igualmente sua expressão emburrecida devido a sua situação.
Bella estava começando a ficar inquieta com àquilo. Havia seguido a garota, como ela pediu, sentou-se ao lado e aguardou por minutos até ela fazer menção de falar, mas não dizer uma única palavra. Apenas via a boca dela abrindo, como quem quer falar e no final nem mesmo uma letra ser dita.
— O que aconteceu lá? — Perguntou Bella, quebrando o silêncio.
— Hm… É complicado, não posso falar nada sobre.
— Por que não? A tia Liane e o senhor Dorog não dirão nada pra ninguém!
— Segredos da cozinha permanecem na cozinha. — Disse o assistente da cozinheira logo após ouvir a menção ao seu nome.
— Viu? Não vão dizer nadinha.
— Não é isso, eu meio que fiz um juramento… Sabe? Pra ficar em silêncio.
— Não pode dizer que não passou nos testes, saquei. — Bella puxou sua falar de forma descontraída.
Uma expressão confusa tomou o rosto de Noelle após ouvir aquela frase.
— Mas eu passei… — Ela disse, mas ao ver Bella arquear uma das sobrancelhas ganhou mais confusão ainda. — Eu passei?!
— Claro que passou! Tá enlouquecendo agora?
Bella prendeu seu olhar nos olhos de Noelle, deixando sua íris púrpura parece brilhar pela iluminação do ambiente, enquanto o castanho escuro dos olhos de Noelle apenas ganharem um tom enegrecido.
Após três segundos Noelle mudou a direção para onde olhava, enquanto Bella ganhou uma expressão de desconfiança no rosto e um silêncio predominou entre ambas.
Pouco antes do início do aquecimento, o Diretor junto a uma mulher de aparência chamativa solicitaram a presença de Noelle na sala de reuniões do quartel e desde lá Noelle estava agindo de maneira estranha.
Até mesmo durante a corrida teve dificuldade, mesmo passando por treinamentos de equilíbrio mais difíceis e em condições piores.
— Eles me propuseram algo bom… Muito bom. — Disse a garota quebrando o silêncio, encarando Bella de relance. — Só não posso falar o que foi agora.
Bella não respondeu, apenas continuou encarando a loira. Chegou a esticar o braço para pegar algumas das frutas que haviam na bancada, mas sua recuou ao sentir a batida de uma colher de pau.
Agitando a mão devido a ardência da batida, falou: — Certo, confio em você.
***
Monet estava seguindo com o pequeno grupo pegos para servirem como carregadores, com a dupla de estudantes vestindo robes negros e seu instrutor — ambos os três feiticeiros. Luka também estava lá, ao lado do garoto.
Chegava a ser engraçado a diferença de altura entre todos, pois a altura de Luka chegava próxima aos dois metros, enquanto o outro professor mal passava dos 1,70 cm. E entre os alunos apenas um tinha uma diferença de altura mais notável, era o caso de Monet.
— Hm… Professor.
— Me chame apenas de Luka, Monet.
— Sim… Certo. Luka… Eu acho que isso é um pouco demais, sabe? Comparado aos outros anos os testes foram bem tranquilos.
— Bom, são ordens do diretor e ele diz serem ordens do imperador, então eu não tenho autoridade para questionar…
— E nem consegue conter a curiosidade para fazê-lo.
— Exatamente, meu garoto. As crianças precisam treinar com maior firmeza!
Monet ficou em silêncio por alguns instantes.
— tem certeza que não vão morrer?
— Não. No máximo, muito no máximo, terão alguns ferimentos mais pesados, ossos quebrados e órgãos danificados, nada além do comum em uma batalha.
— Mas a morte também é comum na batalha…
— Um belo fato, Monet.
— E também deve ser um pouco assustador lutar contra isso.
— O que? Não! Acha que alguém teria medo disso?
A maior parte dos alunos reuniram-se frente ao quartel para observar o que estava chegando, Noelle e Bella estavam um pouco distante da multidão, mas curiosas sobre o que chegava.
— Todos estão curiosos, certo? Ninguém tem medo de algo assim… — suas palavras foram interrompidas pelas expressões de medo que a maioria compartilhava. — ha ha… não é que alguns tem medo? Abram caminho!
Os dois instrutores serviram como limitador para os alunos não chegarem próximos da carga, enquanto Monet foi na frente guiando o caminho para os carregadores — que não sentiam muita alegria no momento.
Eram caixas de metal, pesadas, cuja estrutura possuía barras metálicas com pouco espaçamento entre elas, mesmo a mão de um bebê não passaria ali com facilidade e ao mesmo tempo não impedia a visão do interior.
Um som estridente de garras arranhando metal e algo semelhante a alguém tentando falar enquanto engasgado causava um desconforto ainda maior para quem carregava.
— Não é perigoso demais lutar contra um goblin?! — gritou um dos alunos.
— Àquilo que é um goblin?
— Vamos ter que lutar contra aquilo?
— É bem nojento, parece um sapo… Ou algo assim.
— Um sapo? É serio?!
Alguns alunos falavam entre si enquanto o professor procurava quem fez a pergunta inicial, apenas pronunciando após ter terminado sua busca.
— Não se preocupe, não são selvagens da mesma maneira quanto aqueles que vivem pelas florestas, vocês deveriam ter medo é do que há naquela caixa ali. — ele apontou diretamente para Monet.
Ele carregava consigo uma caixa de madeira e todos olharem para dentro do quartel, num corredor por qual ele ganhava distancia dos demais alunos.
— Àquilo é realmente perigoso. Querem saber o que, certo? — todos negaram com a cabeça, a maioria estava tensa ao ponto de se tornarem eufóricos. — Não sejam assim com seu professor tão gentil! Irei dizer, escutem bem: Golens de Argila, que irão lutar contra alguns alunos especiais, sabe…
Automaticamente todos tomaram um olhar de pena em direção do grupo dos carregadores, que já seriam os primeiros a fazerem o teste mesmo com o cansaço dominando seus corpos.
— E esses alunos serão os que possuem uma boa sorte em sorteio. — os estudantes mudaram suas expressões. — para ser justo, sabe?
Bella começou a ignorar todo falatório que ocorria quando notou Noelle tremendo ao seu lado, além de olhar fixamente em um único ponto.
— Noelle? Ei… — cutucava a garota para tentar atenção dela, mas não adiantou nada.
Somente quando todos os carregadores entraram e não havia mais a visão de qualquer criatura enjaulada que houve um sinal de resposta, Bella sequer perdeu tempo antes de arrastar a garota para um local isolado do quartel… O pátio de treinamento interno.
Monet encontrou-se com ambas no local após alguns minutos de busca e assim como Bella não sabia muito bem o que fazer para mudar aquele estado.
Ao menos não sem afetar muito ela.
— Tá ficando menos pálida — cochichou Monet
— Ela tá acordada mesmo?
— Acho que se perdeu nos próprios pensamentos, quase como se estivesse dormindo.
— Então acorda ela! — Bella empurrou Monet para perto de Noelle.
— Ei. Acho melhor não…
— Faz logo, melhor que deixar ela assim.
Monet não conseguiu discordar do que foi dito, então tocou na testa de Noelle com a ponta do dedo indicador e médio. Faíscas quase invisível saíram do local. No mesmo levou um tapa na mão e viu a garota cobrir a testa.
— Você precisar aprender a fingir melhor — falou Monet.
— Se sabia que estava acordada por que fez isso?
— Ah, só para ter certeza. Não é porque você está ouvindo o que falamos que consegue reagir…
— Eu posso!
— E eu sou o príncipe regente do mar.
Dando de ombros ele sentou ao lado dela, igualmente Bella ao lado oposto.
— Acha que consigo enfrentar um Golem? — Bella não demorou a falar.
— Acabaria no primeiro golpe. — Disse Monet.
— Como?
— Com esse teu punho leve, acabaria quebrando ele no primeiro soco. — a resposta foi de Noelle.
— Ah, realmente sou bem forte…
— Ela falou da sua mão — brincou o garoto ganhando distancia de ambas.
— Moleque!
Monet estava curioso sobre o que há naquele local a certo tempo e a coincidência do momento lhe dava completo auxílio.
Pela extensão do pátio ringues de madeira estavam dispostos, pequenos palcos usados para duelos entre dois indivíduos, mas Monet não estava nenhum pouco surpreso ou curioso com seu propósito, mas sim com a análise de runas que brilham abaixo da madeira.
Estudou àquilo por meia hora antes da chegada dos professores e alunos, trazendo as gaiolas consigo.
Diretor Blanco, acompanhado de uma jovem mulher, chegaram no pátio de treinamento ao fim das preparações. A diferença nas vestes de ambos poderia ser considerado cômico.
Com exceção da cabeça do diretor, um sobretudo lhe cobria todo o resto. Apenas suas luvas como cinzentas e botas negras e pesadas estavam de fora do manto branco de detalhes dourados, com o grande escudo do Império Éter estampado em suas costas.
Enquanto a dama em seu lado vestia roupas de couro preto, processado com a maior proficiência que muitos encontrariam em toda a vida. Não era uma roupa justa, como da cidade do norte ou de Note, mas acentuaram seu corpo. Algo descartado da atenção de todos.
O maior foco que todos tinham na mulher era seu rosto e seu cabelo; quase raspado nas laterais e no topo da cabeça extenso ao ponto de alcançar suas orelhas. E entre os cabelos um brinco na forma de uma estrela de oito pontos com uma gema vermelha no centro brilhava um pouco.
Murmúrios e comentários espalharam-se no local com aquela chegada.
Também havendo aqueles que distraírem sua atenção para o sorriso inocente no rosto da mulher, parecia uma filha conversando com o pai.
E durante esta distração tanto o diretor quanto o instrutor acabaram adicionando um aluno a mais naquele teste: Monet.
Durante sua investigação no palco, descobriu sobre o funcionamento das runas e sobre o núcleo magico existente logo abaixo. Para testar sua teoria sobre a funcionalidade, acabou entrando num pequeno sparring com Noelle. Foi pego pelos instrutores e sua posição de combate chamou e muito a atenção de Luka.
— Estão vendo essa caixa aqui? — comentou o professor Luka, chamando a atenção de todos os alunos para si enquanto formavam fileiras.
Dez fileiras de trinta alunos cada, uma sincronia e organização bela de ser vista por qualquer, tornando a descer uma lágrima de satisfaça dos olhos de Luka, poucas foram as turmas que lidou e teve facilidade como essa.
— Nessa caixa há pedras cravadas com runas em coloração diferente, não há como todos lutarem contra goblins e praticar cerco ou subjugação é algo desnecessário agora. Então em nome da experiência de combate individual, vocês lutaram entre si e contra as criaturas! — Ele estava visivelmente animado enquanto falava.
Sorrindo em satisfação com os murmúrios de reclamações, passou por todos os alunos e cada um retirava um pedaço de madeira de dentro da caixa. Enquanto isso, continuava com a explicação e repetia após acabar.
— Cada pedra está talhada com runas, cada runa possui um cor diferente. Amarelo e Azul representam lutas entre vocês, alunos, enquanto Verde os levará contra algum goblin. E preto, bom… Vocês irão ter que encarar um golem, mas sem preocupações, nada mortal. Goblins são mais perigosos!
— Mas… Não eram goblins menos mortíferos se comparados com os da natureza?! — um aluno perguntou assustado, antes de puxar sua mão de dentro da caixa.
— Sim, bem menos, mas não disse a qual goblins me referia.. certo? Pode puxar a pedrinha, vai lá. — o aluno tirou uma runa preta. — Viu? Sem goblin pra você.
Dez golens e quarenta goblins.
Bella acabou perdendo um pouco de seu ânimo ao pegar uma runa amarela, enquanto Noelle tomou uma pedra Verde.
Monet foi colocado de última hora no meio de tudo aquilo, mas já possuía uma peça de runa negra em mãos.
O trio dinâmico estava dividido entre observarem as lutas e acalmarem Noelle.
Nas primeiras dez lutas, quinze de vinte alunos foram totalmente desaprovados, agiram de maneira impulsiva e perigosa, mesmo que acreditassem estarem inovando. O mesmo ocorreu até a luta quarenta, dos oitenta alunos (incluindo os vinte anteriores), apenas trinta passaram pelo filtro do instrutor.
Então chegou a luta de Bella, a quadragésima quarta do dia.
Bella ostentava uma tranquilidade incomoda para os demais alunos e principalmente ao oponente em sua frente. Ver a insuficiência de força dos alunos ao exercer um golpe, deixava ela tranquila.
Estava em frente a um aspirante de espadachim, com uma expressão zangada na face pelo que via em sua frente.
— O que é isso? Pega logo sua arma!
Ela sorriu por um instante, antes de retornar a sua expressão que misturava relaxamento e seriedade. Estava sem armas, portando apenas botas e manoplas metálicas.
— Pode atacar logo, se quiser desistir é só sair. — Disse Bella e em seguida colocou um pedaço de couro na boca, mordendo ele firmemente para evitar algum dano em seus dentes.
O garoto parecia cada vez mais zangado, considerava aquela situação uma afronta ao seus esforços, não muito diferente pensavam os observadores fora do ringue. Através do falatório, a maioria parou o que fazia para observar a cena.
— Lutem logo! — gritou o professor.
A força do garoto em cada passo e pelo peso do corpo em conjunto a armadura de couro vestida, causou um estrondo pelo local conforme seguiu sua aproximação dela.
“Um, dois…”
A lâmina polida brilhou de maneira espetacular conforme foi balançada em direção de Bella, era uma questão de velocidade e distância, parecia o cálculo perfeito para o momento, porém faltava algo naquele corte horizontal.
Mesmo o som áspero do fio cortante aproximando-se parecia lento e sem experiência, por maior que fosse a destreza do indivíduo em sua frente.
“Quatro e cinco.”
Bella saltou para frente realizando um pequeno giro de seu corpo em 180°, e o pequeno salto presente em rodas as botas militares brilho conforme acertava o rosto do garoto em cheio.
Desestabilizou ele com aquilo, penetrou em sua território de perigo ao se aproximar do garoto que ainda pensava no momento certo para usar sua espada pela falta de instinto e tornou-se incapaz de fazer sua lâmina alcança-la.
Bastaria apenas aquele movimento para encerrar a luta, porém…
Bella saltou e girou o corpo, um salto mortal de costas onde a bota em seu outro pé acertou diretamente o maxilar do garoto sem que houvesse reação.
E tudo ficou preto por um instante.
O garoto sentiu perder o corpo cair para trás por impulso enquanto tudo estava escuro. Sentiu o chão e abriu os olhos… E lá sentiu a luz queimar suas retinas, enquanto estava deitado entre dois curandeiros murmurando entre eles.
— Não parece ser um problema grave, que sorte que perdeu tão pouco.
— Aquilo foi força bruta? Uma criança daquela?
— Acredito que seria difícil ela usar mana sem ser notada pelo diretor.
— Ele apagou só num golpe! Nem eu tenho essa força toda.
— Não deve ser preciso muita força para apagar uma criança, e também há aquelas botas de metal.
— O que acundeceo? — interrompeu a conversa dos dois. — U… uta… Como ela me… pagou? — ele tentava falar sobre a dor que sentia
Ele sentia a língua ardendo, o maxilar dolorido e sua cabeça estava prestes a estourar. Teria sido curado de forma perfeita, mas devido a Bella não conseguiu receber um tratamento completo.
— Descanse, garoto… — o curandeiro tocou na testa daquele enfermo, pequenas faíscas azuis acertaram o local e o deixaram inconsciente novamente.
Para a sorte do garoto não acordaria com os gritos esganiçados e estridentes dos goblins.
Barreiras de mana azul haviam surgido ao redor dos ringues, uma forma de limitar onde os seres verdes iriam e também não deixar projéteis vazarem.
A pele verde e maltrata parecia a casca de um abacate, com suas diversas verrugas e um odor péssimo. Por pior que a reputação e aparência desses animais seja, ainda consideram eles como seres vivos e retirar a vida de um causava certo pavor nos alunos.
O conflito comum entre bem e mal que a maioria precisa enfrentar em suas próprias mentes em algum momento.
No fim apenas oito morreram.
Noelle matou um deles na única luta sem qualquer emoção daquele teste. Foram três segundos, usou toda seu medo para agir da maneira mais impulsa e lógica que poderia.
Largou a espada e escolheu uma massa de estrela, um bastão de metal com uma esfera de espinhos presa no fim do cabo. Com um único movimento amassou a cabeça da criatura golpe vertical, espirrando o sangue negro para todos os lados.
Monet e Bella apenas pensaram uma única coisa após aquela luta: “Ela realmente fez isso de novo…”
Após aquela Vitória rápida, cambaleou em pânico, mas não pela morte. Sua visão encontrou um rasgo em sua proteção de couro feito pelas unhas da criatura.
Correndo, foi para onde Bella e Monet estavam sentados e quase encolheu entre ambos.
***
— Professor… Eu realmente tenho que fazer isso? Sabe, vocês podem só preservar mais um golem… — Monet não estava muito alegre em ter que enfrentar um golem ou mesmo ter que lutar na frente de todos os alunos militares.
— Não, apenas dê seu melhor e lembre que não precisa ganhar como os outros… É só uma demonstração de como se deve agir contra o golem. Só para os outros poderem ter uma base para saberem como agir.
— E por que não houve ninguém sendo usado como exemplo no extermínio de extermínio dos goblins?
— Ah… Ahem! Soltem o Golem logo, pra que tanta demora?! — ele se afastou em passos rápidos.
Um dos alunos do feiticeiro subiu no ringue segurando uma pedra rodeada por escrituras mágicas, deixando-a cair no chão de madeira que chegou próximo de quebrar.
A pedra cresceu magicamente, mas ficou do tamanho de um goblin, não ultrapassando um metro e cinquenta.
E o discípulo correu de dentro da barreira.
Seu corpo fora modelado para ter a forma de um homem humano, se olhasse com mais cuidado chegava a parecer um pouco a estrutura muscular de Luka, que possui músculos hipertrofiados.
A diferença era a falta de expressão no rosto liso, além de ser desproporcional em algumas áreas — uma cabeça pequena, não tinha pescoço e as pernas eram menores que os braços.
Ver o golem de argila crescer magicamente em instantes foi um belo espetáculo, mas Monet pensou numa maneira um pouco diferente de lutar contra ele enquanto foi deixado de lado da atenção de todos.
Suas mãos tocaram na madeira do piso e pronunciou algo:
— Pis lerd mares pruf ciir rein! — Com uma pronúncia que ninguém conseguiu entender, mesmo os feiticeiros e o próprio diretor não sabiam que tipo de feitiço era aquele.
Aquela barreira mágica ao redor foi a primeira afetada, desaparecendo no instante seguinte a fala. O corpo do golem caiu no chão formando uma pilha de argila mole, deixando uma pequena esfera redonda cair alí.
Era o núcleo mágico da criatura, que perdeu brilho e tornou-se pó enquanto todos observavam sem reação.
Luka sentiu o peso de não avisar ao garoto para usar apenas feitiços de combate ao invés de algo absurdo. Queria mostrar os pontos fracos da criatura para os demais alunos.
Ao menos entendia que o garoto havia cumprido com que foi pedido, afinal estava claro que havia dado o melhor de si.
Monet saiu do ringue com diversos olhares de desprezo caindo sobre ele, isso enquanto tremia de maneira leve. Havia usado algo errado, era apenas uma dispersão de mana comum, direcionada a criatura e potencializada pelas runas do ringue.
O fato era que uma boa parte de sua mana foi forçadamente retirada do corpo e isso trazia efeitos claramente ruins.
Sentado com as costas apoiadas na de Bella — que não conseguia ficar de pé ou andar direito por um problema no tornozelo após o golpe —, entrou num estado de relaxamento enquanto seus nervos ainda causavam os pequenos espasmos em seu corpo.
Bella estava rindo dele, até notar um olhar quase vicioso de alguém na direção dos três, diretamente vinda da mulher próxima ao diretor.