Destino da Quimera - Capítulo 3
Dentro de uma sala da casa, tábuas brancas destacam quadros pendurados na parede, todos desenhados unicamente por tinta negra ilustrando uma única letra cada.
Há um total de seis pinturas naquele local, porém apenas duas ilustram algo além de uma escritura pincelada.
Apesar da falta de tintura em cores além da preta, no curtume de bege, pode ser dito haver um excesso de detalhes em ambos os dois desenhos — o desenho do que parece ser um cão de aparência mística e intimidadora e uma ilustração perfeita de uma paisagem montanhosa oculta atrás de um nevoeiro.
O lustre da mobília de ébano era tão belo quanto a variação de cores e tamanhos de livrros exibidos na estante de mesmo material escuro. É claro, havia uma falta de sincronia nas cores, mas não parecia ser algo importante.
Toda a decoração brilhava a sua maneira naquele cômodo, seja por boa limpeza ou por natureza, como peças douradas de um relicário numa parede da sala, que estava circundado em suas bordas por algo semelhante a ouro, cravado com desenhos de uma figura semelhante a uma serpente, conhecida como Long.
E por mais que brilho chamasse atenção de uma pessoa, o que realmente atrai olhares naquele ambiente é uma grande esfera no seu topo, cobrindo maior parte do quarto.
Quartzo negro, também conhecido como pedra Ônix.
As imagens disformes eram refletidas em sua estrutura côncava, Bella e Monet eram exemplos disso por serem distorcidos logo no centro da grande bola. Igualmente a uma terceira pessoa presente naquele cômodo.
Três pessoas no ambiente e nenhuma possui um cabelo cuja coloração se difere da cor branca.
O garoto passava uma pasta esverdeada, cujo o odor não era nenhum pouco agradável, no tornozelo de Bella. Massageando na medida que passava a composição, cobrindo o local por uma camada de creme verde tão grossa quanto um papiro.
E Bella com a perna estendida apenas estava observando àquilo sentindo seu calcanhar se tornando cada vez mais gélido e inerte a dor a cada segundo, sentia que a mistura sugeria endurecer a mínima falta de movimentação.
Ao redor de seu pé, ao alcance das mãos de Monet, pedaços de folhas verde picadas escorriam um líquido de aroma doce sobre ataduras dobradas.
Durante todo este tratamento ambos permanecem equilibrados acima de uma grossa tábua de madeira, suspensa a um metro e meio do chão por um único pilar apoiando seu centro. Bastavam movê-se de forma brusca para em seguida atingirem o chão.
Uma senhora de rosto enrugado e pele pouco bronzeada, ou apenas manchada pela idade, rondava ao seu redor com toda a tranquilidade do mundo com seus olhos presos em um livro.
Bella mantinha sua atenção focada no tornozelo que agora estava sendo enfaixado, mas não deixava de levar seus olhos e rosto na direção daquela senhora, que começou a falar com tão pouco volume em sua voz que acalmava um pouco sua feição emburrada.
O idioma daquela velha senhora trazia todas as características de um lugar distância, em outro continente.
— O mundo protege uma corrente de diversas afluentes, cada uma delas carrega um destino consigo…
Bella tentava compreender as palavras ditas por aquela mulher cuja idade aparente estava bem avançada, mas nada parecia surgir em sua mentem. E enquanto perdia sua concentração por pensar demais, começou a sentir uma leve sensação gélida.
Isso lhe fez perder uma parte daquele raciocínio.
— Há quem escolher ser como o caniço e apenas curvar perante a força que lhe opõe, outros cedem ao chão com o imenso orgulho de serem pinheiros…
As pequenas mãos com calos da garota aos poucos se aproximaram das ataduras perfeitamente envolvidas naquela região e recebeu um olhar quase de ameaça do garoto, qual já sabia o que ela desejava fazer naquele momento.
— Não ouse, Bella… — ele sussurrou.
— A quantidade de provérbios e metáforas ainda me deixam confusa mesmo após tantos anos.
— Bella, pare…
— Meu raciocínio está decaindo com o avanço da idade? Não parecer ser bem essa caso, vejamos a teoria final desse livro…
— Nós vamos cair, garota…
— O destino surge como água, enquanto houverem nuvens no céu para gotejar suas diversas gotas na terra… E não importa o quanto tentem barrar, sempre encontrará seu caminho ao mar…
Com passos calmos a senhora afastou-se daqueles dois, seguindo em direção de uma poltrona no canto da sala, calmamente sentando-se nela e novamente iniciando um pensamento acerca do livro, ignorando o som de algo acercando o chão com força.
— Seria como… Vejamos… Talvez isso… Certo. Apesar das diversas rotas a serem seguidas o destino sempre terá apenas um final e este final é totalmente oculto, mesmo que seu ponto de início real seja visível.
Seus olhos descansaram sobre ambas as crianças no chão, com Bella deitada de costas no chão e braços abertos, além de ambos os dois pés sobre as costas de Monet deitado de bruços.
— Anotado, Mama… — Ambos falaram ao mesmo tempo.
***
Passada uma hora após a confusão, Bella relaxava seu corpo dentro de algo que parecia um resultado de terremoto. Haviam varias almofadas caídas sobre seu corpo formando um pequeno monte, enquanto sua cabeça relaxa em cima de mais ainda.
Apesar disso não parecia muito alegre, na verdade havia uma leve aflição em sua face.
Seu tornozelo estava gélido, coçando, sentia uma boa agonia vinda daquela parte de seu corpo não apenas a isso, como também a sensação daqueles tendões estarem sendo forçados a algo, para ela era a mesma sensação de um músculo sendo contraído.
Queria fazer algo para passar seu tédio, mas sabia que se levantasse dali duas coisas aconteceriam: uma bagunça absurda devido a quantidade de almofadas caindo e voando e a segunda seria que sua mão iria inconscientemente cutucar aquelas ataduras, possivelmente acabaria removendo.
Sobrava apenas observar Monet, que servia de instrutor para uma pequena garota.
Com um negro cabelo curto e palidez destacada em seu rosto, a criança parecia concentrada num livro em sua frente, porém estava sorrindo, um pouco diferente de Monet que ostenta em sua face uma expressão rígida conforme segue dando suas instruções.
Um talento absurdo para aprender algo com poucas instruções e determinação quase de ferro para suportar sua condição física longe de ser saudável, algo que não foi capaz de lhe impedir algumas coisas um pouco indevidas para seu estado, como a esgrima.
Maria, a pequena garota precisava de mais duzentos dias antes de seu próximo ano completo, o estado de seu corpo fragilizado era apenas mais um efeito comum da formação de núcleo que todas as criaturas passam e que para os seres humanos causa uma alta taxa de mortalidade infantil.
Bom, Monet ensinava a garota mesmo sabendo sobre seu estado não muito favorável devido aos seus longos anos estudando para ser um curandeiro, devido a seus esforços e conhecimento conseguiu aumentar o tempo que a menina pode gastar esforçando seu corpo e mente.
A paciência e tolerância de ambos crescia inconscientemente nessa brincadeira de ensinar e aprender. Além do próprio garoto ir aos poucos descobrindo mais sobre o que repassava a ela, afinal um dos estágios de aprender é instruir.
E instruindo sobre alfabetos antigos, descobriu seu próprio método para usar runas e feitiços.
Os movimentos suaves de Maria usando uma caneta rústica, anotavam um resumo da explicação de Monet sobre como a mana age de maneira diferente em algumas das formas de usá-la em conjurações. Dessa vez ele explicava sobre a função das palavras pronunciadas em um feitiço:
“Através de palavras ministramos nossa mana, representando mentalmente nossa frase como a realização de um desejo, contudo há métodos para ampliar a força de sua conjuração através das palavras escolhidas, por meio da compreensão do poder existente em cada uma;
Dizer em voz alta causa uma melhor concentração naquilo que busca gerar, em compensação pode ser fatal no combate deixar alguém ouvir suas palavras e pior ainda: fica vulnerável enquanto focada.
Conjurar de maneira silenciosa requer uma mente perfeitamente ligada manipulação da mana pura e atribuição elemental para ela, aqueles que possuem dificuldade em concentrar sua mente mesmo conjurando mentalmente são passíveis de falha em conjuração silenciosa.
Há também aqueles que usam de palavras encurtadas para facilitar a forma final, como Feixe de Luz…”
Foram quase trinta minutos completos apenas explicando sobre o mesmo estilos de feitiço, sempre mostrando alguns dos pontos bons e destacando os negativos, algo que na verdade servia para incentivar a pequena garota a investir seus esforços praticando algo além do básico agora que seu núcleo finalmente conseguia manter a mana absorvida.
Com um sorriso encantador de admiração que apenas um alto nível de inocência consegue provê, Maria encarava Monet qual lia suas anotações para destacar qualquer erro que conhecesse. Somente abriu seus lábios no momento em que percebeu a criança lhe encarando como uma estátua com dois diamantes brilhantes no lugar dos seus globos oculares.
— Como terminou de anotar essa parte eu… — seus olhos correram pela sala até encarar Bella, assoprando um pequeno dente de Leão. — vou te mostrar como funciona um feitiço encurtado, certo?
— Sim! Vai ser aquele de gelo?!
— Qual… — por um momento esqueceu que Maria não sabia o nome dos feitiços ainda.
— Aquele que faz shiii! E depois sssshh! E então… plaft? — ela tentou imitar o som do gelo sendo gerado a partir do congelamento do ar e então a quebra do cristal frio. — Esse?
— Ah… Acho que não…?
— Mais ele vai quebrar algo de usar aqui!
— hm… é, realmente. Por isso eu vou usar — uma almofada acertou sua nuca no mesmo momento que abriu a boca.
— Eu senti isso, idiota! — Bella falou debaixo de uma pilha de travesseiros que caíram sobre sua cabeça após seu movimento brusco.
— Eu mal comecei! Não me atrapalha!
— Monet…
Almofadas voaram para os lados conforme a garota levantou seu torso de forma totalmente bruta, jogando uma almofada diretamente no rosto do garoto ao sentir mais uma flutuação de magia sendo formada por ele.
— Nem tenta fazer isso!
— Você está me atrapalhando…
— Você nem recuperou totalmente seu energia desde aquela luta com o golem!
— Ah — sentiu sua mente quebrando após relembrar do ocorrido.
— Calma aí! Por que não está — uma batida de almofada quase levou Bella a morder sua própria língua.
Atrás da garota, Maria seguou e bateu com a almofada na nuca dela, e sem pausar para raciocínio continuou rebatendo o objeto fofo contra Bella.
Enquanto aquelas duas se entendiam, Monet encarou sua mão e percebeu que não tremia como antes e tampouco sentia qualquer efeito colateral no momento. Sabia que seria rápido, mas ainda sim não pensou sobre ser tão veloz…
Questionava o motivo de sentir sua mana reabastecida naquele momento, tal como sua absorção do próprio ar e sua dispersão natural não estarem em conflito.
Um aceno de mão levou o garoto a recolher o livro, a caneta e um pequeno recipiente de tinta, antes de levantar e aproxima-se de quem lhe chamava.
— Você precisa tomar um cuidado maior com seu próprio corpo — Pronunciou-se a velha frente ao garoto.
Tamanha quietude exercida por ela chegou a retirar completamente sua presença daquele ambiente, enquanto almofadas voavam de um canto para o outro e alguns risos explodiam.
— Não use magia pelos próximos dois dias se possível, a menos que tenha desejo por um buraco em seu núcleo mágico.
— O que faço para acelerar a recuperação?
Silêncio.
Por alguns segundos houve uma pausa no diálogo enquanto a senhora ponderava a questão de Monet. Abaixo das pálpebras levemente volumosos da idade avançada, o dourado de suas íris acertava a mesma cor da íris do garoto.
— Descanse e não nade contra a corrente, as vezes a dor vem para fortalecer. — a senhora ergueu sua mão para indicar silêncio ao garoto que fez menção de pronuncia. — Algumas vezes nosso progresso não é notado por nossos sentidos, apenas sabemos da dor que ele trás.
— E quando não sentimos a dor e mesmo assim há progresso?
— Em qualquer progresso haverá um preço para ser pago, quanto menor preço maior facilidade de ser ignorado. E se não há dor no processo, apenas representa a calmaria antes de uma tempestade.
Monet cerrou seus olhos enquanto encarava a senhora, também moveu seus lábios e formou uma expressão levemente tensa em sua face. Estava pensando como responderia.
Quando chegou a resposta, a expressão estranha de sua face sumiu.
— Uma doença manifesta sua presença devagar no corpo e aos poucos mostrar sua existência pela rejeição, então a dor surgirá! Como alguém saberia a diferença entre a dor de uma doença e o preço do progresso?
A Pele enrugada e manchada daquela senhora formou um sorriso sem mostrar os dentes, como quem estava prestes a dizer um belo discurso, porém interrompendo a porta do cômodo foi aberta e um silêncio absurdo tomou o local.
Bella estava segurando Maria entre seus braços enquanto lhe fazia cócegas, mas parou na mesma posição qual se encontrava, enquanto a pequena garota pareceu encolher tentando esconder a si mesma nos braços da outra, mesmo não sendo tão grandes a ponto de lhe ocultarem.
Monet uma risada rápida de satisfação da velha mulher, achando a situação divertida, mas não falou nada ou mesmo saiu do local, mesmo não tomando parte da bagunça acabaria envolvidos de qualquer maneira.
E bom, havia uma bagunça o suficiente para envolver mais quatro crianças, uma vez que não apenas almofadas, como também algumas folhas amassadas e panos estavam distribuídos pelo chão.
Um suspiro solto totalmente audível a todos e pareceu um código para representar estresse.
Na porta uma mulher de altura mediana e cabelo negro preso num rabo de cavalo movia sua cabeça de cá para lá observando a sala e estalando sua língua conforme notava a completa bagunça do ambiente. Tentou abrir um pouco mais aquela porta, mais uma almofada travou a porta por ficar presa em baixo dela.
— Vocês realmente conseguem fazer de tudo…
Ela pensou em usar seu pé pra remover a almofada, porém sua bota negra parou alguns centímetros antes de acertar a almofada. O único motivo para não abaixar e pegar almofada era uma bandeja metálica em sua mão, com um copo e uma jarra.
Seus olhos correram de Maria para Bella e então Monet, acenando com a cabeça para ele chegar perto dela, algo que não demorou.
Caminhou silenciosamente até a mulher, esticou sua mão para segurar a bandeja e seus olhos subiram aos poucos pelo terno que ostenta no corpo e encarou a íris castanha clara da mulher em decoro a sua pele parda, um pouco avermelhada.
— Leve isso, por favor.
Assim que Monet saiu de perto, a mão da mulher desceu no mesmo momento em que inclinou sua coluna. Como uma vara o anzol de uma vara de pesca apenas esperando um bagre morder a isca, sua mão fisgou algo que pensava ser esperto e seu braço ergueu como uma folha de papel.
Maria foi levantada pela vestes, posta quase na altura de seu rosto.
— D-Donna… — os olhos dela pareciam prestes a encher de lágrimas. — eu…
— Sim, você! E Bella também. Arrumem essa bagunça antes que eu volte, entendeu?! — uma veia parecia saltar em sua testa enquanto dizia aquelas palavras num tom forçadamente amistoso.
O garoto havia acabado de colocar a bandeja sobre uma pequena mesa próxima da velha senhora e quase um bradar de seu nome surgiu naquele ambiente.
— Vamos logo, você cozinha hoje.
Não demorou para suas pequenas pernas retirarem seu corpo de dentro da sala, saindo para um corredor cuja apenas mais duas salas fazem presença, mesmo havendo um extenso espaço em cada um dos três andares (incluindo o térreo).
O quarto da Dita Mama ficava na frente e ao lado uma biblioteca com sua passagem bloqueada por runas. Este havia sido um dos impulsos para Monet aprender sobre esse tema, queria descobrir o que há atrás da porta, uma vez que prometem não impedir ninguém de abri-la da forma certa.
Da certa forma chega a ser um belo incentivo.
Ao descerem dois lances de escada, sentiram seus corpos levemente aliviados. Uma barreira de energia cobre todo o segundo andar e o primeiro andar não difere, porém a quantidade de mana concentrada em cada uma tem uma escala de 1:4. Uma existência comum na casa de um mago.
No primeiro caminharam em silêncio, passando por um pequeno corredor com muitas portas se comparados ao segundo andar. Ali estavam os quartos, sete quartos principais para cada morador da casa, com exceção de um casal, e obviamente a senhora.
Sentada na frente de uma janela rente a escada, Noelle, atenta a uma conversa que ocorria ao lado da casa e ainda dentro do território cercado por uma cerca de lanças negras de metal, cuja ponta assemelham-se a flechas improvisadas de madeira.
— Infelizmente isso é o máximo que poderemos lhe pagar.
— Vocês pagam apenas cinco freyres por cada cem gramas? Isso não é muito para um flor dessa?
— Ela é venenosa se houver muito contato, então chega a ser pouco algumas vezes.
— Calma aí, elas possuem veneno?
— Sim, você fica com dor de cabeça e sonolento por algum tempo.
— Não me assuste!
— Dizem que é um bom teste para o coração ser agitado um pouco as vezes.
— No… elle…
A palavra dita num tom mórbido próximo ao seu ouvido quase gerou uma reação agressiva da garota, mas no fim parou com o cotovelo apenas empurrando a barriga de Monet.
Desconsiderando um olhar estressado e irritadiço lhe encarando, novamente falou: — Vou cozinhar hoje, quer me ajudar?
A garota pensou em dizer não de imediato, mas bastou seus olhos acertarem a mulher próxima a Monet para mudar de ideia, as diversas lembranças das desaventuras culinárias de Donna preenchem a cabeça de qualquer um dos habitantes daquela casa e mesmo alguns visitantes temem suas capacidades culinários absurdas…
***
Fora um jantar tranquilo e a noite estava calma para a maioria, deixando de fora Noelle, que ao invés de deitar para dormir resolveu cobrir seu corpo com uma manta grossa e ficar no jardim, sobre uma pequena praça cercada por plantas. A lua estava cheia naquele dia e podia ver os últimos traços brilhantes da estrela Deshi no céu ocidental.
Estava inquieta naquele momento devido a algo que aconteceu e principalmente pelo que notou a pouco tempo, pouco menos de três horas enquanto ajudava Monet na cozinha.
Os olhos do garoto sequer deixaram de brilhar por um único instante e cada vez que se encaravam a expressão contornando aquele dourado apenas emitiam dúvida e preocupação, estava certa que ele queria lhe dizer algo… Ou melhor, que descobriu algo.
“Tome cuidado na próxima” foi a frase que escutou após terminarem seu serviço na cozinha.
Pensava sobre a frase e lembrava da necessidade de tomar uma decisão logo, quanto mais breve possível seria melhor, afinal partiria para os campos de treinamento do exército imperial em apenas cinco dias. Talvez quarto, se excluísse o fato do dia atual ter acabado de iniciar pela posição da lua ao céu.
“Você não deveria estar dormindo?”
O ar quente expelido por sua respiração, visível a olho nu, desaparecia devagar de sua visão quando a voz entrou diretamente em seus pensamentos e uma mão descansou sobre sua cabeça com leveza.
— Estou pensando um pouco — respondeu a garota, sem qualquer tentativa de observar quem estava próximo a ela.
Sentia um afago sendo feito por dedos macios entre seus fios de cabelo, enquanto novamente era respondida mentalmente por magia.
“Fico feliz em saber que esteja viva, mas o que lhe prender tanto os pensamentos?”
— Indecisão, um pouco de agonia e gotas de hesitação.
“Tudo isso pelo Voto de Silêncio?”
— Sim… Espera um pouco, como sabe disso? — pela primeira vez virou sua cabeça para encarar a pessoa ao seu lado.
“Posso não ter o mesmo traço de Monet, mas não deixo de conseguir descobrir algo tão básico da minha própria forma.”
A mesma idosa de antes estava em pé, olhando para Noelle com seu par de olhos dourados dessa vez mostrando uma coloração castanha devido a iluminação do momento.
“Não me impressione lhe afetar ao ponto de deixar distraída ao ponto de esquecer isso, um encantamento astral malfeito. Posso quebra-lo a qualquer instante, minha criança, basta dizer…”
— Não! N-não precisa — hesitou um pouco em sua resposta imediata.
“Bom, então ao menos deveriam ir dormir, não é?”
Os olhos de Noelle aos poucos começaram a ficar embaçados de uma forma rápida, sentia seu corpo mais pesado, de forma obvia sentia os efeitos do cansaço de um dia inteiro chegando de uma única vez ao corpo e mente.
“E pensar que apenas enfraquecer traria esse efeito. Voto de Silêncio não, contrato vicioso.”
— Ficará tudo bem com ela, Mama? — uma voz surgiu no ambiente.
“Não se preocupe com a segurança dela enquanto eu estiver peto, Emma. Como eu havia dito, pode ir dormir…”
A última coisa que Noelle conseguiu ver antes de desmaiar pelo sono, foi um piscar do olho direito de Mama em sua direção e sentiu alguém segurando e levantando seu corpo, gentilmente.
“Divirta-se amanhã.”
— Bons sonhos.
***
Poucos minutos após o surgimento do sol, a maioria das pessoas na casa já estava despertas e sentiam o doce aroma tomando a casa inteira, algo que mostrava o fato de Monet e Donna já estarem despertos e na cozinha.
Bella e Noelle apenas deixaram seus quartos quase uma hora após, porém a garota loira acabou arrastando Bella para dentro do quarto para que arrumasse ao menos seu cabelo e lavasse o rosto, ainda sujo por saliva seca e visivelmente entorpecido pelo sono.
Após conseguir vencer aquele combate, no momento em que pisaram fora dos quartos escutaram um som de respiração um pouco mais forte que o comum, além de Monet dizendo algo.
— Primeiro você respirar dessa forma por algum tempo e depois prende a respiração; quando estiver sem respirar faça força no abdômen e aos poucos vai conseguir sentir sua própria mana. Quer tentar agora?
Ele não teve resposta sonora, e as garotas se aproximavam devagar das escadas, em silêncio, prestando atenção na situação, e dessa vez ouviram uma respiração um pouco mais fraca, porém visivelmente intensa surgindo.
— Isso, continue assim… Mais um pouquinho… E agora segura a respiração e faça um pouco de força no abdo… Na barriga.
Quando chegaram na escada, viram Monet sentado de frente para Maria, que parecia um pouco vermelha. Bella fechou de maneira leve seus olhos observando a cena, conseguia ver de forma tênue um pouco de mana no corpo da garota sendo movimentado enquanto ainda estava com a respiração presa.
— Chega, pode respirar agora — falou o garoto batendo a ponta do dedo indicador na testa de Maria, parecendo despertar ela de um transe.
Recebeu uma resposta quase imediata da pequena garota, que aos poucos parecia perder aquela coloração vermelha de seu rosto: — Não consegui.
Monet afagou a cabeça da criança, sorrindo. Havia certa insatisfação no rosto de Maria por não ter sentido sua própria mana mesmo sendo uma das primeiras tentativas.
— Para a segunda vez é bom… Ah, bom dia! — não houve qualquer movimento na cabeça, olhos ou pescoço do garoto antes de dizer seu cumprimento.
Diferente de Maria, que quase correu subindo as escadas na direção de Noelle.
— Olha, mudança de planos.
Com o auxílio de uma caneca branca em sua mão, apontou para os pés da escada, onde há um pequeno corredor do andar térreo e de frente para a escadaria uma porta dupla, agora aberta. Lá uma mulher de cabelos levemente alaranjados por sua cor cobre, passou para fora da porta antes de acenar para as crianças, principalmente para sua filha que abraçava Noelle.
E além daquelas portas duas pessoas estavam sentadas uma frente a outra, quase no meio de um grande salão repleto por mobília colchoadas, em um ponto até mesmo alguns jogos de tabuleiro que fazem semelhança ao xadrez estavam presentes em mesas pesadas de madeira.
Em duas poltronas, uma frente a outra, com apenas uma mesa separando, Donna estava sentada com seus cabelos negros soltos e o mesmo estilo de vestimenta do dia anterior, frente a uma pessoa cuja aparência já parecia ter sido cravada na mente de Bella, Monet e Noelle.
Sorrindo e bebendo chá, a conselheira estava lá.