Destino da Quimera - Capítulo 8
A visão assustadora de manter contato visual com uma cabeça sem corpo lhes deixou paralisados por alguns instantes, ninguém em sã consciência conseguiria deixar de reagir dessa maneira mesmo que não reconhecessem o rosto da pessoa que sofreu a decapitação.
Bella respirou fundo sentindo sua garganta queimar após engolir a seco o vômito que subiu, encarar toda a azia era o suficiente para lhe despertar para a realidade novamente. E ela não perdeu tempo.
Agitou fervorosamente Monet, com sua mão, sem nem mesmo manter contato visual com o garoto enquanto ainda com seus olhos presos no rosto de veias negras e pele extremamente pálida, além da mistura de tons vermelhos no sangue ainda caindo do buraco aberto.
— Va-vamos vazar daqui logo! — falou Bella, falhando em sua primeira palavra devido a agitação crescente em sua mente e corpo.
Ela percebeu que estava sendo erguida somente após falar, o garoto já havia passando o braço dela por cima por ombro para dá apoio a garota.
Monet deixou expresso em seu rosto veias saltitantes em seu conjunto de confusão e estresse, não havia entendido o que estava acontecendo, mas não demoraria para sair daquele local para evitar ser atacado novamente. Por impulso sequer olhou para trás, levantou-se e logo que Bella teve o mínimo equilíbrio começou a andar rápido.
Ou ao menos o mais veloz que conseguia com Bella.
Bella não sabia definir o que estava escutando naquele momento, se eram seus tímpanos estourando ou seu coração agitado, mas preferia não imaginar o que ocorria atrás deles naquela situação atual, ao menos não estando tão próximo do fronte daquele combate.
“Seguir por aqui…” — Monet estava tomando uma curva pra passar lateralmente por aquela zona, passando pelo lado exterior do caminho e simplesmente seguindo em frente sem interferir naquela briga da pantera, porém parou de andar no momento que o tronco da árvore em sua frente estourou.
Um projétil de mana atingiu a madeira e diversas lascas de madeira voaram de cá para lá, Bella sentiu uma quebra no equilíbrio anterior da energia desse caminho especial, mas não idealizou o motivo logo de cara, diferente de Monet. A destruição daquela árvore causou a quebra da barreira em uma grande escala, algo que não deveria ocorrer segundo sua análise anterior das runas ao seu redor.
A alteração de mana resultante seria o suficiente para atrair criaturas hostil, principalmente as mais sensíveis ao fluxo de energia próximo de onde vivem.
— Ainda consegue usar feitiços, não é? — perguntou o garoto, tentando manter a calma em sua voz apesar de não conseguir encontrar motivos para permanecer tranquilo.
— Espero que sim.
Numa situação diferente poderiam correr para longe e encontrar algum caminho bom para seguirem, mas Monet e Bella não poderiam agir bruscamente mesmo que quisessem ser imprudentes, não naquele momento. Lateralmente deixou de ser uma boa escolha quando a barreira quebrou, porém permanecer observando o embate seria ainda pior.
Eles seguiram pela falta de escolhas em suas pequenas cabeças.
Bella conseguia sentir com clareza o movimento de mana ainda desestabilizado naquele local, sabendo claramente ser resultado do combate da pantera e igualmente a quebra da barreira. Dispersão de energia em grande quantidade impedindo a normalização da natureza.
— Parece ter sobrado algum resquício daquela magia de antes, é bem podre inclusive — Falou Bella, puxando a adaga que roubou do aldeão do casebre.
Monet abriu bem os olhos quando viu o metal da lâmina refletindo a luz do luar ao lado de seu rosto, não havia notado o momento que Bella conseguiu pegar aquela arma e tampouco o fato de ter guardado numa pequena abertura rente ao ombro de sua veste.
Apesar de ambos usarem roupas simples, havia peças de couro protegendo algumas partes de seu corpo, algo leve, mas grosso, útil o suficiente para evitar alguns tipos de danos.
Monet ainda considerava ser simples acabar sofrendo um corte devido ao local onde a faca estava presa, mas não disse sequer uma palavra devido a surpresa pelo saque rápido e rente a seu rosto.
— Quando pegou isso? — perguntou ele, tentando ignorar o flash de memória desse lado de sua face atingida a pouco tempo.
— Enquanto você e o Neil estavam distraídos com a barreira que erguerem ao redor da casa… — ela sentiu Monet reduzindo a velocidade dos passos. — o que foi?
— Acho que podemos voltar agora, tem menos um pra lidar e-
— Continue andando e para de pensar, vai acabar me derrubando. — Bella disse interrompendo o garoto. — E sem mas! Só anda logo.
Bella não voltaria naquele momento, mesmo que Neil estivesse vivo. E se estivesse vivo poderia estar bem ferido e através disso seria atacado por mais uma criatura. Ela não deixaria isso ocorrer mesmo sacrificando-se. E claro, ainda havia algo no fundo de sua cabeça lhe dizendo para fugir o mais rápido que pode, estava difícil ignorar isso.
“Espera de quem era a cabeça?” — pensou sobre a cabeça usada como arma, mas não chegou a perguntar sobre para o garoto.
Conseguia sentir as batidas do coração dele através do pescoço, onde seu braço passava.
Monet não demonstrava isso, mas estava tenso o suficiente para não pensar bem sobre o que iria dizer, ou mesmo fazer. Talvez simplesmente estivesse pensando tanto, que não conseguisse focar em nada, o exemplo disso foi sua sugestão precipitada.
Bella não havia prestado atenção o suficiente no rosto dele para notar as veias tentando saltar para fora da cabeça como peixes em água rasa, mas sua ação abrupta de antes e sua suposição repentina já revelavam algo tão simples.
— Estão chegando — Falou Monet, caminhando mais próximos da árvore quase virando de costas para elas. — São muitos…
Monet e Bella conseguiam ver a aproximação das pequenas criaturas quadrúpedes de relance, cada vez que passavam por um cogumelo brilhoso, ou uma pequena zona sem folhas e galhos atrapalhando a visão. E de fato haviam muitos, bem mais se comparado ao número que lhes expulsou antes.
“Por que essa agressividade?” — Monet sabia com clareza que uma instabilidade tão repentina de Mana causa uma confusão nas criaturas, principalmente as mais sensíveis, porém wones, que sequer são predadores — e mesmo sendo territoriais —, não atacariam fisicamente algo.
Bella precisou agir enquanto Monet estava perdido em suas especulações, pois um wone pareceu voar de tão rápido que atacou o garoto. Claro, seria difícil não notar seu ataque devido ao som de sua barriga arrastando na terra e suas patas agitando os arbustos.
Destreza não estava em falta, Bella apenas curvou um pouco seu corpo e a lâmina cravou-se no pescoço flácido da criatura com facilidade, e seu sentido mágico deixou claro como o “resto” do encantamento estava agindo na carne do animal.
Sua lâmina liberou um bruma negra inodora ao atingir a pele e pareceu derreter o que houvesse no caminho, mas na verdade apenas fazia a carne “abrir caminho” conforme passava. Quando a energia imposta sobre a lâmina acabou, ela ficou presa no corpo da criatura.
— Esse cheiro é podre — Falou Monet, dobrando os músculos da face ao sentir algo que Bella, ou os wones, não sentiam.
Acordou no mesmo instante que sentiu o nariz queimando, mas não pôde dizer mais que uma frase antes de Bella escorregar para o chão, sobre a criatura que caiu de lado — levando a adaga e ela consigo pelo peço do corpo.
Bella não tinha como ter apoio com apenas um pé, principalmente por ter agido de forma repentina e sem preparação. Além disso sequer conseguiu remover a lâmina da criatura, que continuou cravada na carne e não parecia aceitar a mana que induzia no objeto.
— A adaga não quer mais sair! — Gritou e caiu para trás.
Sentiu a adaga movimentando em sua mão conforme permaneceu apertando firmemente, mas senão conseguiu manter o equilíbrio quando seus dedos escorregaram pelo punho da arma, mas ao invés de acertar o chão, acertou algo macio: um wone.
A criatura pequena e gordurosa, fofa, amorteceu a queda com seu corpo quando tentou atacar o garoto distraído, mas fugiu correndo ao sentir o peso acertando suas costas com intensidade, arrastando Bella por centímetros antes de derruba-la.
Mesmo segurando firmemente para não cair, já que não conseguiria ficar de pé, teve pouca sorte em continuar agarrada na criatura.
Bella agarrou a terra do chão e com força acertou o focinho grande de um wone fêmea, cuja cabeça achatada deixa uma maior facilidade no acerto; causando dor no animal e preenchendo sua narina com terra, tentou erguer novamente.
E sentiu uma conversão de mana ocorrer ao seu redor, como um domo, porém não lhe tinha como alvo.
— Isso é uma pedra de mana? — Perguntou Bella, mostrando surpresa ao encarar Monet.
Entre os dedos do garoto uma pequena pedra queimava suavemente sua pele enquanto mana era liberada para fortalecer e acelerar um feitiço. Havia carregado consigo o pequeno presente ganho de Rebecca dias atrás, agora provou sua utilidade.
Ou melhor: provou para o que foi trabalhada.
Haviam runas cravadas na pedra desde que ganhou da conselheira, mas não pensou muito sobre nos dias anteriores.
“Ela me deu uma pedra errada quando viu o diretor? Espero que não…”
— Até é, mas é um pouco… — Monet disse e calou-se antes que começasse um monólogo atoa, não era o melhor momento. — Por aqui.
O garoto havia encoberto uma pequena área com mana, deixando Bella fora da área, mas prendendo quatro wones dentro do domo. Sob lentidão os animais não conseguiriam lhes perseguir tão rápido quanto estavam e aqueles que sobraram poderiam ser ignorados — e foram.
Monet acelerou o passo enquanto Bella mancava, ou pulava, sem muito equilíbrio, era difícil para a garota andar, mesmo com adrenalina explodindo seu pé parecia não ter força o suficiente para manter o peso equilibrado.
Tomaram distância dos wones apesar da dificuldade.
— Droga, a adaga! — Disse Bella, sequer havia pensado na arma antes de começarem a correr.
— Só lembrou agora? Era só me- espera, tem alguém vindo pra cá…
Os dois se entreolharam e tentaram esconder seus corpos entre os arbustos e árvores da floresta, no escuro onde o luar sequer alcança e o brilho natural da floresta não consegue alcançar.
Não era sequer o melhor esconderijo, mas ainda sim tentaram ficar rentes ao chão para dificultar ainda mais que fossem vistos.
Ouviram passos cada vez mais próximos, sentirem um odor podre de algo semelhante a fezes e urina e grunhidos semelhantes a um bêbado se engasgando com álcool enquanto tomava mais uma dose. Tão logo esses aspectos surgiam, a visão de uma criatura verde e de baixa estatura (comparado a um humano saudável) tomou conta do campo escuro.
— Por que tem goblins logo aqui? — sussurrou Bella, contraindo sua testa na mesma intensidade que apertava o ombro do garoto.
— Quieta!
Por sorte a criatura parecia não prestar atenção em nenhum dos dois, ao menos não naquele instante. Seus olhos vermelhos pareciam prestes a salta da face enquanto observavam entre os troncos o embate que ocorria metros de distância daquele ponto.
“Que droga de sorte!” — Bella pensava sobre a explosão que ocorreu na frente dos dois antes e torcia para uma acontecer novamente, mas diretamente no goblin.
Isso facilitaria muito sua vida.
A garota teria saltado na direção dos goblins no momento que apareceram, não seria difícil lidar com um de mãos vazias.
“Um goblin sozinho é fraco… ah…”
Ela pôde ouvir mais passos, outros três goblins chegaram naquele local, e os mesmos sons de um bêbado engasgado em algo e rindo ao mesmo tempo aumentaram, aquela aparentemente era a forma de comunicação dos goblins.
“Um colete improvisado, armas e capacete, além de estarem num grupo pequeno… O que era mesmo? Batedores… eu acho.” — pensou Monet, que diferente de Bella não parecia tão preocupado em atacar aquelas criaturas verdes.
Monet foi capaz de pressupor que há uma vila estruturada de goblins na região, pois em seus corpos haviam placas de couro sobre pano esfarrapado, em todos, além de estarem em grupo pequeno e apenas observarem a situação de longe e não notarem a presença dos dois.
Ao menos não no momento que chegaram.
Um goblin farejou o ar ao sentir um odor incomum chegando a sua narina, diferente das demais coisas no ambiente e mesmo seu próprio odor “natural”. Virou sua cabeça e apontou o nariz onde as crianças estavam, sem vê-las, mas sorriu e pegou seu tacape.
Monet e Bella prenderam a respiração, continuando a encarar aquela criatura. Bella estava sem armas e não poderia exercer completa força agachada, principalmente sem um pé servindo como base para impulso. Monet não poderia usar o feitiço da pedra porquê alertaria os demais goblins, e nenhum dos dois saberia dizer quão longe é seu ninho.
Um momento de tensão agir ou não, mais quatro passos e a criatura estaria rente eles, e ainda não decidiram o que fazer.
O borduna da criatura já havia sido erguido e preparado para golpear a moita e Bella segurava uma pedra pequena, um pouco pontuda, prestes a atacar a criatura mesmo sem ter uma base de apoio.
Bella sentia uma gota fria de suor escorrendo através dos fios de cabelo grudados em seu pescoço pelo suor como uma contagem para agir, mas foi impedida pela surpresa gerada pelo som de uma lapada. Não perdeu tempo e buscou a fonte do som, encontrando os goblins restante espancando um wone com seus porretes, pouco antes de serem atacados por outros wones a mordidas.
Wones são fracos num geral, mas possuem presas e garras fortes o suficiente para causar danos em árvores e principalmente em predadores. Bastou uma mordida nos goblins para o sangue negro esguichar ao redor, aumentando a agitação daquelas duas partes.
A garota decidiu atacar naquele momento oportuno, finalizar aquele goblin e depois sairiam de fininho, mas um empurrão não lhe deixou sair do chão.
O goblin, que estava divido entre ir ao combate ou atacar àquilo em sua frente, sentiu algo acertando sua nuca com intensidade o suficiente para impulsionar sua cabeça para frente. Não pôde mostrar qualquer resposta, pois sentiu sua consciência deixando o ambiente conforme despencou para frente.
Monet voou contra a criatura e acertou ela com dois dedos na pequena cabeça do ser, faíscas douradas fugiram através de seu dedo para a cabeça do goblin. Ele caiu.
— Vamos sair daqui — sussurrou Monet, fazendo uma careta de dor em seu rosto.
Bella foi pega de surpresa pela ação de Monet, mas não teve qualquer espanto ao observar a criatura caindo após o acerto e faíscas. Considerou previsível o resultado após o uso daquela energia que ela não consegue distinguir.
Teve um déjà-vu ao ver Monet esticando sua mão para servir de apoio, acabando por não segura-la de imediato e apenas encarar a expressão de dor no rosto dele. E sobre aquela cena, ambos foram paralisados com uma explosiva presença inundando o ambiente
Semelhante a dor que observava no rosto do garoto, um grito deixou o fundo de seu âmago e segurou firmemente o pulso de Monet por impulso.
O que sucedeu aquela cena foi como diversos flashes surgindo no escuro, para Bella ao menos.
Poeira voava sobre o céu estrelado, com diversas lascas de madeira sendo impulsionadas entre ela. Diversas folhas pareciam torna-se pô em pleno ar e pedaços de corpos voavam junto a galhos, enquanto uma garoa vermelha passava pelo local.
Apesar de não conseguir ponderar sobre o que houve, uma forte quantidade de mana parecia ter explodido próximo a ambos. Ela poderia jurar ter ver uma grande pedra negra parada a alguns metros de onde estava, mas aquela pedra parecia respirar e sangrava… Sangrava muito!
Uma forte ventania pareceu ter passado por ali, levando a maioria das coisas voando, como o lobo soprando a casa de palha.
Haviam diversos pedaços de madeira pelo chão, galhos quebrados, folhas espalhadas e pedaços de carne e gordura de wone, igualmente de goblins, sequer era uma cena pacífica de ser observada.
Bella sentiu os fios de cabelo de Monet caindo sobre seu rosto, igualmente viu seu rosto frente a frente com seu, mas com olhos fechados e sangue manchando toda a pele pálida.
Tentou mover seu corpo, mas apenas sentiu uma forte dor na cabeça.
Como houvesse acabado de acordar sobre profunda exaustão, seu corpo estava letárgico e não conseguia sequer fechar suas próprias pálpebras, apenas era capaz de sentir o gosto de cobre em sua boca e algo quente escorrendo sob seu rosto, irritante suavemente seus olhos enquanto tudo ficava mais escuro.
No fim, perdeu a consciência após ouvir uma voz familiar ecoando por sua cabeça, caindo num sono profundo com a figura de um par de íris brilhando num tom magenta em sua visão.