Devilish - Capítulo 1
O brilho intenso do sol da manhã de agosto filtrava-se intensamente através dos buracos nas janelas. O calor do verão, um lembrete constante do retorno iminente à escola, causava-me mais inquietação a cada dia que passava.
As férias passaram sem proporcionar um único momento de descanso ou a oportunidade de visitar lugares como a Disney World. Todavia, não havia escapatória para o dia no qual a volta às aulas não poderia ser evitada.
Consegui me libertar dos lençóis em um esforço insignificante.
A manhã, normalmente um horário predileto meu, banhava a atmosfera com um esplendor etéreo. No entanto, mesmo a calma nesta hora não conseguia eliminar totalmente a sensação de desconforto que pairava no ar.
— Logo cedo… um calor desse.
Estalei a língua, descontente.
Algo no ar indicava que o dia seria singular. O canto dos pássaros do lado de fora parecia mais alto, e as sombras em meu quarto adquiriam um matiz mais sombrio.
Pode ser que tenha sido apenas uma sensação.
Segundas-feiras, para mim, eram frequentemente carregadas de emoções negativas, como se fossem sempre assim. E esta não era uma exceção, especialmente porque, internamente, elas nunca foram minhas favoritas.
Suspirei, ciente de que minha rotina retomava o seu curso. A verdade era que eu não estava inclinado a seguir o cronograma imposto pela escola.
Preguiça? Talvez.
Três meses de férias me fizeram perder a noção do tempo.
Fui ao banheiro, onde escovei os dentes e lavei o rosto, tarefas diárias por questões de higiene
— Hm…
Antes de sair do local, fiquei encarando meu reflexo no espelho.
— Ahaha! Nada mal!
De tempos em tempos, é importante apreciar a própria aparência.
Meus cabelos escuros, apesar de desalinhados, ainda mantinham seu charme.
A pele estava um pouco pálida devido aos dias, na verdade, semanas que passei dentro de casa.
Minhas íris harmonizavam com a cor das raízes do meu cabelo, um toque atraente de castanho.
Às vezes, um toque de ego e orgulho pessoal não faz mal a ninguém.
Chamam isso de autoestima.
Enquanto eu me afastava do espelho, ainda no andar de cima, uma voz irrompeu com um grito:
— Acorda, moleque!
O susto fez meu coração disparar instantaneamente, e sem perder tempo, desci as escadas em direção à cozinha.
— Oi, oi! Tô aqui!
— Olha só, você tá vivo mesmo. – disse de modo debochado, erguendo uma sobrancelha.
— Anda, me diz o que cê quer.
— Sua namoradinha virtual te deu um pé na bunda? Desceu tão cedo.
Aquilo estava corroendo minha paciência, deixando-me à beira de um descontrole.
— Vai à merda, Kate. Tu gritou do nada, por isso vim aqui.
— Hahaha! — Riu-se com sarcasmo. — Eu só tô brincando, seu mal-humorado.
Ao mesmo tempo que estava nervoso, senti um calor subindo pelo meu rosto, enrubescendo minhas bochechas.
Somente queria me esconder de tamanho constrangimento ao que ela acabara de dizer.
— Aliás, você não… precisa me lembrar disso sempre.
— Então tem vergonha da sua própria namorada?
— Não, não é isso, é só que… — Tentei encontrar as palavras certas, mas fracassei miseravelmente. — Ahh, esquece!
Sentei-me à mesa e o prato diante de mim brilhou aos meus olhos famintos.
— Oh… — Minha admiração era genuína.
Era o mesmo prato de sempre: um misto quente acompanhado de suco de laranja. Uma refeição que enchia meu peito de satisfação. Pelo menos, eu poderia desfrutá-la no almoço e no jantar.
— Eu que fiz, tá bom? — disse ela com orgulho.
Revirei os olhos de maneira provocativa.
— Não é como se estivesse à altura do que a mãe faz.
— Você nem provou ainda. Vai, coma.
Kate irradiava confiança com um sorriso estampado em seu rosto, revelando um ar de autoridade em relação às suas habilidades culinárias.
Eu estava pronto para julgar sua destreza na cozinha após a primeira mordida, mas não demorou muito para eu perceber que estava diante de algo surpreendentemente saboroso.
— E aí, pequeno?
Sem responder de imediato, peguei outro pedaço e saboreei-o. Foi uma experiência deliciosa que me surpreendeu.
Kate entendeu, então logo disse:
— Que fofinho ver você comendo assim, parece até uma criancinha.
Há coisas que me fazem odiar admitir, mas é impressionante o fato que ela consegue se superar em tudo que faz.
— Sua irmãzona é boa, tá?
Continuei mastigando e, com a boca cheia, respondi:
— Para de ficar se achando.
Kate Hughes, cinco anos mais velha do que eu, com 1,75 de altura.
Ela era um tanto extravagante demais para o meu gosto. Pessoalmente, tenho o hábito de ficar em casa e assistir até que meu cérebro comece a se deteriorar.
Ela tem uma pele ligeiramente bronzeada, mas seus olhos e cabelos são semelhantes aos meus, com os fios presos em um rabo de cavalo.
Normalmente a vejo vestindo roupas casuais em tons mais escuros, mas, desta vez, Kate estava usando uma calça legging, um top e tênis.
Observando o seu visual, cheguei a uma conclusão:
— Pensei que demoraria mais pra você entrar numa academia.
— Era necessário. Fico triste quando me olho no espelho e vejo meu corpo atual. É tão… terrível.
Ela fitava com severidade a sua barriga, apertando-a com desdém, como se aquela quantidade de gordura ali presente fosse motivo de profunda aversão.
— Eu quero me livrar dessa pochete. Me dá nojo.
Era evidente que ela estava insatisfeita consigo mesma, chegando ao ponto de se obsediar com seu corpo. Ela se via como uma falha tanto em seu desempenho quanto em sua aparência.
— Pode parecer bobagem, mas há dias em que evito espelhos. Sinto que meu reflexo me julga, entende? Ele parece apontar todos os meus defeitos, como se estivesse rindo de mim. E eu não quero ser motivo de chacota, nem mesmo para mim.
Ela suspirou profundamente como se estivesse carregando o peso de seu próprio fardo nos ombros.
— O que você acha?
Na minha cabeça isso não fazia sentido.
— Você é bem bonita, na verdade. Não entendo por que cê fica tão obcecada com essas ideias. Tá fazendo isso pra agradar algum macho? Porque a maioria parece que nasceram do cu.
— Pfft, hahaha! — Seu humor rapidamente melhorou. — Obrigada. Mas é, enfim, estou cansada de me autossabotar. Talvez, finalmente, eu possa ser uma versão melhor de mim mesma.
O primeiro passo era fazê-la enxergar a si mesma com mais carinho e menos crítica, aceitando que cuidar de sua autoestima estava em suas mãos.
— Vai ser difícil.
— Cala a boca, anticristo. Você também deveria fazer algum exercício ou vai ser um sedentário para sempre.
— Não dá, tenho preguiça de até levantar da cama.
O silêncio implicava o desagrado de Kate. Em seguida, perguntou:
— Como vai o seu relacionamento? Brigam bastante?
— Não quero falar disso agora, mas… tá indo bem. — respondi, hesitando brevemente. — Eu acho.
— Sabe, você pode compartilhar comigo, se quiser. — disse ela, exibindo um sorriso irônico de repente. — Mesmo que eu não seja um bom exemplo. Mas eu sugeriria não criar grandes expectativas.
— Como assim? — perguntei de boca cheia. — Isso soa como algo ruim.
— Talvez. Quando a gente já espera se decepcionar, a dor não é tão ruim. A gente nunca sente a decepção do mesmo jeito. Pelo menos é assim que funciona comigo.
Essa perspectiva de vida, fundamentada em suas experiências pessoais, estava enraizada na crença de que muitos relacionamentos levavam às mesmas desilusões românticas.
— Achei isso meio medonho, mas cê tá certa, valeu.
Levei em consideração suas palavras, afinal, ela tinha mais vivência nesse aspecto do que eu.
— De nada, garotinho. — Sorriu. — Agora me conte.
— Já disse que não. — Olhei-a seriamente. — Fofoqueira.
Ela revirou os olhos em resposta, claramente enojada.
A televisão de tela plana, instalada na parede no canto da cozinha, próxima à mesa de jantar de madeira maciça, estava no programa de notícias que acabara de iniciar.
— Isso de novo… — disse, aborrecido.
— É o que mais está sendo comentado. Você deveria ouvir, pode ser interessante.
— Duvido. Isso só me deprime.
A maioria destas notícias eu considerava sem importância, mas pareciam fascinar particularmente Kate.
Dois jornalistas preparavam-se para narrar uma antiga história.
Sophia, a repórter de fios castanhos, e John, o âncora de cabelos grisalhos, alinharam-se para o programa, ambos plenamente conscientes do significado do que estavam prestes a partilhar com o público.
— Boa tarde, estimados espectadores. — saudou o homem. — Hoje adentraremos em um marco histórico de grande significado, ocorrido setenta e seis anos atrás, na esteira da vitória da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Um acontecimento que provocou abalos sísmicos nas estruturas geopolíticas globais.
Os eventos catastróficos da Segunda Guerra Mundial foram destacados por fotografias históricas que estavam sendo exibidas na tela atrás dele enquanto falava.
— Após o triunfo alemão, os seus aliados japoneses rapidamente intensificaram seu cerco à China, iniciando uma série de eventos que repercutiram profundamente nas relações internacionais por várias décadas.
A câmera direcionou seu foco para os olhos determinados de Sophia, enquanto ela prosseguia:
— A ofensiva japonesa, marcada por estratégias militares agressivas, não apenas agravou as tensões regionais, mas também influenciou significativamente as dinâmicas geopolíticas globais.
O mapa-múndi tinha setas que apontavam para o poder crescente da Alemanha e do Japão, e o feed de notícias apresentava imagens de seus líderes em conversas para fins administrativos.
— Este período tumultuado marcou não apenas uma mudança nas alianças, mas também o início de uma era de transformações e desafios constantes no cenário internacional.
A evidência visual da influência crescente dessas nações no cenário mundial estava em toda a tela.
— As relações entre o Japão e a Alemanha floresceram, culminando em alianças e acordos que deixaram uma marca profunda na política global, com um impacto que perdurou ao longo do tempo.
Imagens dos líderes apertando as mãos e formalizando tratados foram transmitidas para reforçar o argumento de John.
A próxima matéria foi destacada por uma força-tarefa.
A tela exibia o logo oficial da agência e imagens de seus funcionários em ação.
Sophia tomava a fala:
— Desde a sua criação, a Unidade Expedicionária de Caça tem desempenhado um papel crucial na investigação e resolução de eventos sobrenaturais que assolam nosso país. Estamos falando de encontros com o inexplicável, de criaturas misteriosas até manifestações paranormais. Eles são os guardiões da nossa segurança quando o mundo comum se choca com essa nova era.
Um gráfico detalhado foi exibido na tela, revelando o aumento contínuo no número de casos sobrenaturais nos últimos cinco anos, com um aumento anual de 23% em média.
Isso representa um aumento de mais de 115% no número de casos durante esse período.
— Nos últimos cinco anos, os Estados Unidos testemunharam um aumento notável. Esses fenômenos inexplicáveis têm causado preocupações crescentes, levando o governo a mobilizar recursos e especialistas para enfrentar a situação.
A tela mostrava um mapa dos Estados Unidos, indicando áreas de atividade sobrenatural mais intensa, onde foram registrados mais de 3.000 incidentes em todo o país no último ano.
John prosseguia:
— A Unidade Expedicionária de Caça atua como uma linha de defesa contra as ameaças que não podem ser compreendidas pelos métodos convencionais. Suas operações envolvem investigação, contenção e, quando necessário, neutralização de ameaças sobrenaturais.
Uma operação de contenção estava em andamento na tela, com os agentes da Unidade lidando com uma forma desconhecida. Foram apresentadas informações pormenorizadas, demonstrando uma taxa de sucesso de 86% na solução de suas missões, resultando na segurança pública em mais de 7.000 eventos durante os três anos anteriores.
— Como parte de sua missão, a UEC tem estabelecido parcerias com especialistas e pesquisadores de renome, visando entender melhor essas manifestações. Trabalhando em sigilo, eles garantem que a segurança seja mantida a todo custo.
O quadro mudou para apresentar profissionais que trabalham em um centro de pesquisa analisando evidências de casos sobrenaturais, a partir de gráficos precisos que revelam um aumento de 25% nas descobertas científicas.
— Não importa o quão assustadora seja a ameaça, a força-tarefa permanece firme em sua dedicação em manter a nação segura. Eles representam a primeira e última linha de defesa contra os fenômenos sobrenaturais que desafiam a sobrevivência humana.
O informe foi encerrado com a visão de um esquadrão da Unidade em treinamento.
— Que tédio. — disse, descontente.
Tudo o que ouvi depois foram a respeito de detetives analisando as evidências, mostradas enquanto os detalhes de um roubo eram descritos.
— Sinceramente, quero que esse mundo vá pelos ares. — Kate comentou de forma insultante.
— Caramba, cê não precisa ser tão negativa assim.
Ela revirou os olhos, como se minha reação fosse completamente despropositada.
— Oh, pare de ser tão dramático. É apenas a verdade nua e crua. Esse mundo tá indo de mal a pior, e ninguém parece se importar.
Kate balançou a cabeça, ainda parecendo cética.
— Sei que você pensa assim também, te conheço. A gente não vale merda nenhuma, criança miúda.
— Criança miúda é meu ovo, cacete!
Ela exibiu um sorriso sarcástico.
— Tá, tá, anda logo, você não pode faltar hoje. Não vamos criar um vagabundo aqui em casa.
— Foi só uma semana. Ainda tô longe de reprovar. Além do mais, são os primeiros dias. Quem é que vai à escola nos primeiros dias? Só tem apresentação. Eu dispenso tudo isso.
Embora eu não tenha comparecido à escola durante esse período, o mundo continuou a girar, e os dias continuaram a passar.
— Sabe… — Aproximou-se lentamente. — Já são onze e meia, peste!
Com um tapa na nuca, engoli os últimos pedaços de pão de uma só vez.
— Por que não me disse antes!?
Kate estreitou os olhos com aversão.
Minha rotina matinal era uma corrida contra o tempo, priorizando o essencial. Deixei o banho para depois, exceto pela escovação de dentes.
A minha mente estava turva, e a falta de memória continuava a me atormentar.
Devorei rapidamente um prato que era reconfortante, apesar de não ser a opção mais saudável.
Apressei-me a ir para o meu quarto, subindo as escadas a correr, dada a urgência.
Notei, porém, algo de estranho: um gato de pelo escuro posicionado com gosto à janela. Estava lambendo metodicamente cada pêlo conforme procedia com sua limpeza habitual.
— Você parece se sentir bem à vontade aí.
O felino não se incomodou com minha presença e continuou seu ritual de limpeza.
Decidi acariciá-lo, então me aproximei. Antes que minha mão pudesse tocá-lo, o gato reagiu de forma abrupta. Seus pêlos eriçaram, e ele assumiu uma postura defensiva, prontamente interpretando meu gesto como uma ameaça em potencial.
— Epa! — Rapidamente recuei. — Nem queria mesmo.
Relaxou gradualmente, mas mantinha um olhar vigilante, como se não estivesse completamente convencido de que eu não representava perigo.
Considerei não forçar a situação e virei as costas, murmurando:
“Por isso que prefiro cachorros…”
Logo ele se tornará um querido afilhado exclusivo da família, basta Kate ou minha própria mãe encontrá-lo.
— Calma aí…
Olhando para trás, todavia, notei que o animal havia desaparecido assustadoramente da janela. Minha surpresa foi ainda maior pelo fato de que não havia nenhuma maneira evidente de ele descer.
“Como foi que esse bicho subiu até aqui?”
Pus essa dúvida instigante de lado a fim de pegar meu celular na cama para verificar as horas.
[11h34]
— Bem que ela disse.
Não havia tempo a perder porque o horário se esgotava. A situação era urgente, e ainda assim não consegui resistir à necessidade de checar as mensagens, concentrando-me em uma pessoa em particular.
— E-eita… Deu ruim.
A preocupação aumentou imediatamente quando vi suas mensagens, enviadas há duas horas.
“Ooi, bom dia, dorminhoco! ♡”, enviado às 9h12.
“E aí, ainda tá na soneca?”, enviado às 9h22.
“Ah, tá bom, me avisa quando decidir levantar da cama”, enviado às 9h30.
Meu coração estava batendo forte. Por um momento, senti-me culpado por ter demorado tanto para responder.
“E aí, desculpa, acabei dormindo demais (ꏿ﹏ꏿ;)”
“Espero que não esteja bolada com isso”
“Uhm… Tô indo pra escola, aula hoje, tô sem muito tempo. Deixa alguma mensagem depois, tá?”
Embora eu estivesse feliz por ter respondido a tempo, eu tinha apenas 15 minutos até o fechamento dos portões da escola, e o fator rapidez era essencial.
Abri às pressas as gavetas do guarda-roupa e selecionei uma camiseta escura, folgada e com capuz, uma calça jeans no mesmo tom a um par de tênis branco.
A vaidade era um dos meus pontos fracos, por isso, não tive vontade de pentear o cabelo nem decidir o meu estilo.
Descendo as escadas, no entanto, observei que havia deixado minha mochila no quarto.
Cerrando os dentes de frustração, voltei rapidamente para pegá-la.
Talvez meu cérebro estivesse me sabotando ao fazer uma faxina rápida e, acidentalmente, excluindo minhas necessidades básicas. Se essa não fosse a explicação, eu não sabia como lidar com a situação.
— É sério isso? Outra coisa que gostaria de esquecer ou fazer, cérebro?
— Me divertir.
A voz, arrepiante como um presságio sombrio, soou em meus ouvidos, envolvendo minha mente em um calafrio terrível.
O susto, tão inesperado, quase me fez perder o equilíbrio enquanto descia as escadas precipitadamente.
Por pouco evitei uma queda, que poderia ter resultado em um acidente grave, agarrando-me desesperadamente ao corrimão.
— Tá…? Isso não foi legal.
Examinei cautelosamente meus arredores, mais perceptivo do que um predador em perigo, sem conseguir identificar o que explicava a voz aterrorizante que ecoava em minha cabeça.
Com passos hesitantes, continuei seguindo em frente, repleto de perguntas sem resposta.
Em direção à sala, Kate estava sentada no sofá, os olhos fixos na tela da televisão
— Isso não tem graça, viu? — disse, enfurecido.
Praticava um afundo com elevação de joelho enquanto assistia um vídeo no Youtube de exercícios físicos. Parou quando me ouviu falar.
— Como assim? — perguntava, confusa
Desviei os olhos, percebendo que minha cogitação era um tanto infundada.
— Deixa. — Dirigia-me em direção à porta. — Tô saindo.
— Então tá. Cuidado ao andar na rua. Só pra lembrar, tem bandidos à solta.
— Sem problemas, eu sei me virar.
Ou pelo menos é o que penso.
Fechei a porta e respirei ar fresco, mas ao mesmo tempo senti um choque infernal no meu rosto.
Ao longo de minha viagem à pé, eu estava com tanta pressa que ignorei tudo à minha volta. Enquanto atravessava a faixa de pedestre, verifiquei se o meu celular estava em alguns dos bolsos
— Ahh, caramba! — Frustrava-me o fato que não o trouxe comigo. — Que dia bosta…
Refletia sobre essa situação dramática quando dei de cara com um carro em alta velocidade — provavelmente a 80 quilômetros por hora.
Àquela velocidade, o motorista não teria tido tempo suficiente para frear antes de colidir comigo.
Meus pensamentos perderam a consciência em função do susto.
Mesmo assim, meu corpo pareceu reagir instintivamente. Meu braço se ergueu em direção ao automóvel, e a palma da mão roçou o capô, ouvindo-se logo após um baque: o veículo desviou, girou e finalmente tombou na pista.
“Mas o que…?”
O motor do carro começou a emitir uma fumaça cinzenta e espessa no ar, que se elevou até formar uma nuvem negra que se destacava contra o belo céu azul.
Com sirenes que cortavam o ar aceleradamente, a polícia chegara em seguida.
Eu, ainda assim, estava atônito e incapaz de entender o que havia acontecido, especialmente à luz da energia enigmática que interveio por meu intermédio.
Os policiais exigiram que saíssem do carro enquanto brandiam suas armas de fogo.
Os quatro fugitivos retiraram-se do veículo portando máscaras, arrastando-se através das janelas, parecendo não estarem lesionados, apesar do fato de que uma colisão tão violenta geralmente resultaria em ferimentos graves ou até mesmo em morte.
Agilmente, eles foram detidos, cercados e contidos à força pela polícia.
Verifiquei meu braço, procurando sinais de danos causados pelo impacto. Entretanto, tudo o que descobri foi uma mancha negra que se desenvolveu na pele, o que só serviu para obscurecer ainda mais uma ocorrência já bizarra.
— Agora pronto… — murmurei, incrédulo.
Um dos policiais que notou minha presença, virou-se na minha direção, chamando-me.
— Ei, garoto.
Senti um arrepio percorrer minha espinha, e instintivamente escondi meu braço atrás.
— Foi mal, senhor! Tô bem atrasado! — respondia enquanto caminhava em direção oposta. — Vamos falar sobre isso mais tarde!
— Hã? Ei, espere!
Não tinha ideia do que ele queria, mas estava claro que ele esperava respostas sobre o estranho acontecimento que acabara de testemunhar.
Não havia tempo para uma conversa longa, precisava agir rapidamente.
Já estava longe o bastante, então o homem somente desistiu.
“O que diabos foi isso? Eu acabei de me tornar um herói por acaso?”, perguntava a mim mesmo.
Detive os ladrões no seu caminho e deparei-me com um efeito de força anormal suscetível à paragem de um automóvel.
Isso era, sem dúvida, um péssimo sinal.