Devilish - Capítulo 3
A chegada da professora foi como a descida de uma cortina de palco. O burburinho da sala de aula, uma cacofonia de conversas abafadas e agitação nervosa, diminuiu instantaneamente. Um silêncio se instalou, espesso o suficiente para ser cortado com uma faca. Corri para o meu assento, na esperança de me misturar ao fundo e evitar atenção indesejada.
Todos os olhares se voltaram para a porta, atraídos por uma força invisível. Ela entrou, uma visão de pele bronzeada, olhos de cor de mel e cabelos escuros que caíam em cascata pelas costas. Sua presença manteve a sala presa.
“Scarlett?”, pensei, surpreso. “Dia de sorte.”
Não havia como negar seu fascínio. Pelos olhares roubados trocados entre os alunos, era evidente que seu charme não estava perdido para eles. Mas, por mais cativante que ela fosse, havia rumores sobre a mesma: um coração ferozmente guardado, uma mente tão afiada quanto uma tachinha e um espírito que permanecia inconquistável.
Um sorriso atrevido surgiu no canto dos meus lábios quando me inclinei para Marie.
— Não era matemática agora? — cochichei.
— Henry deve ter saído. A Srta. Brown está substituindo ele. — respondeu em tom baixo.
Isso explicava a inesperada professora de história em nossa aula de matemática. Fiquei muito aliviado.
— Não foi a pior das reviravoltas.
Afinal de contas, história com a Sra. Brown era geralmente considerada uma moleza em comparação com os rigores da matemática.
Nesse momento, a mulher ergueu a bolsa que estava carregando sobre a mesa com um leve baque. Inclinando-se para trás, ela colocou as mãos na borda e examinou a sala de aula com um olhar que parecia manter cada aluno cativo.
Um silêncio se estendeu entre nós, o único som era o farfalhar dos papéis e o zumbido distante da escola do lado de fora. Finalmente, a mulher ergueu uma sobrancelha, com um toque de diversão cintilando em seus olhos.
— Boa tarde, turma. — ela cumprimentou, com uma voz calorosa e convidativa.
— Boa tarde! — responderam todos unidamente.
Apesar de seu comportamento calmo, um ar de autoridade silenciosa pairava sobre ela. Ela não era enérgica, mas havia um senso de energia concentrada que parecia resolver o caos habitual da sala de aula, substituindo-o por um senso de ordem e expectativa.
De repente, o olhar da Sra. Scarlett pousou diretamente em mim.
— Krynt Hughes. — disse ela, com uma voz clara e direta.
— O-oi? — gaguejei, um nó nervoso se formando em meu estômago.
— Por que você esteve ausente na semana passada?
Meu coração rapidamente acelerou.
— Uh, bem, foi… — O suor escorregou em minha testa. — Não foi nada demais, só…
— Está tendo problemas para encontrar a desculpa certa? — Ela cortou minha fala. — Talvez sua mãe tenha a gentileza de vir à diretoria e dar as respostas por você hoje.
O comentário me atingiu como um raio. Meu rosto já pálido pareceu perder toda a cor.
Scarlett retornou à sua cadeira e acomodou-se.
Sob o peso da vergonha, me encolhi em meu assento, buscando refúgio com a testa contra a superfície fria da mesa. A onda de risadas dos meus colegas era como um enxame de abelhas zumbindo em meus ouvidos. Eu não sabia o que fazer, nem como lidar com a situação.
De repente, uma sensação suave e gentil tocou meus cabelos negros, deslizando pelos fios com a delicadeza de dedos hábeis. Levantei a cabeça, buscando a fonte daquele toque inesperado.
Era Marie. Seus olhos me fitavam com uma expressão de compreensão e carinho.
— Fica calminho, tá bom? — ela sussurrou, sua voz suave como um bálsamo para a minha alma. — Vai ficar tudo bem.
Naquele momento, senti o peso da vergonha se dissipar, substituído por uma sensação de paz e conforto. O sorriso de Marie, a sua ternura e bondade me envolveram como um manto protetor, afastando o medo e a insegurança.
Eu queria que aquele momento durasse para sempre, que o calor daquele gesto se eternizasse. Mas, como tudo na vida, a felicidade é passageira.
Marie parou, retirando sua mão.
— De nada, sua coisinha. — disse ela, antes de se voltar para frente.
Um impulso incontrolável tomou conta de mim, e as palavras escaparam da minha boca antes que eu pudesse pensar:
— Cê tem mãos macias. Bem que vo…
Mas as minhas palavras foram interrompidas quando ela tampou minha boca com a mão, seus olhos arregalados de vergonha e constrangimento.
— T-tá bom, Krynt.
O rubor tomou conta de suas bochechas, e seus olhos se desviaram dos meus. Eu me senti envergonhado por minhas palavras precipitadas, mas também confuso com a reação dela.
Um silêncio constrangedor se instalou entre nós, quebrado apenas pelo som da caneta de Marie rabiscando freneticamente em seu caderno.
Olhei para Edward, que observava a cena com um sorriso divertido nos lábios. Um sentimento de frustração e impotência me dominou.
A professora interveio, atraindo a nossa atenção para anunciar o início da aula.
Mais uma vez, o tema de uma guerra passada foi o centro da aula, reaquecido como uma sopa que perdeu o sabor:
Após a vitória da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, o cenário geopolítico global passou por uma profunda reconfiguração…
— Psst, Ed. — sussurrei, inclinando-me em direção a ele. — Você sabia que uma vez eu parei um carro… com a minha própria mão?
Edward, com a cabeça enterrada na mochila como uma tartaruga descontente, murmurou algo abafado pelo tecido.
— Hã? — Ele finalmente levantou, piscando sonolento. — Do que você está falando?
— Não é brincadeira. — insisti. — Parei. Um. Carro.
Um sorriso presunçoso surgiu no canto dos lábios dele.
— Sim, sim, Krynt. E aposto que você lutou com um urso também, certo?
— Te conto melhor quando essa aula acabar.
A bota nazista varreu o cenário europeu, impondo seu totalitarismo aos povos oprimidos. Os países prósperos cederam ao domínio alemão, pagando altos tributos e fornecendo recursos à máquina de guerra do país.
A França, que já tivera sido o centro intelectual e cultural da Europa, foi humilhada e reduzida a um estado fantoche, governada por uma ditadura colaboracionista chefiado por Pierre Laval. O Império Britânico, considerado imbatível, teve suas estimativas de grandeza frustradas nas ruas empoeiradas de Londres, pois a Kriegsmarine se mostrou formidável demais.
Após um conflito prolongado e brutal, a União Soviética foi derrotada à força pela blitzkrieg no leste. Milhões de eslavos foram reduzidos à servidão ou mortos em campos de concentração quando o Reich e seus parceiros colaboradores dividiram seu enorme território.
A propaganda de seu partido constantemente martelava a ideia da supremacia ariana e do ódio aos “inferiores” por meio de uma vasta rede de rádio, filmes e mídia. A polícia secreta, a Gestapo, vigiava tudo de perto e usava um punho de ferro para acabar com qualquer oposição.
Desde cedo, a população foi doutrinada com a filosofia nazista, aprendendo a desprezar seus adversários com um ódio feroz e a adorar Erich Schneider como um deus. A educação, a cultura e as artes foram usadas como ferramentas de controle para moldar as crenças e os comportamentos das pessoas aos da ditadura.
O Holocausto, que já era um desastre horrível na história propriamente dita, se tornou muito mais massivo e brutal, imprimindo uma marca duradoura na humanidade. À medida que mais e mais armas mortais eram criadas, os campos de concentração se transformavam em terríveis campos de testes para cobaias humanas.
Mas nem todos cederam à opressão. Ainda havia bolsões de resistência em partes distantes do globo. Guerrilheiros atacavam bases nazistas, interrompiam rotas de suprimentos e entravam em combate nas florestas. Redes clandestinas funcionavam no submundo, oferecendo segurança e assistência a indivíduos que se opunham ao governo. A chama da liberdade persistia, fraca, mas inabalável, apenas esperando a oportunidade certa para…
Triiii
O som estridente da sirene da escola cortou o ar, arrancando-me do meu sono com um sobressalto. Levei um momento para me orientar, esfregando os olhos sonolentos enquanto observava os alunos saindo da sala.
— Finalmente acordou. — Edward disse com um sorriso sarcástico, observando-me com uma expressão zombeteira. — Você dormiu igual uma pedra.
Olhei para frente, minha visão ainda embaçada pelo sono, e notei a ausência de Marie em sua cadeira. Uma sensação de vazio e apreensão tomou conta de mim.
— Cadê ela? — perguntei, minha voz ainda rouca pelo sono.
— Saiu. Disse que ia se encontrar com a Sarah.
A decepção caiu sobre mim como uma onda fria, eliminando qualquer sonolência remanescente.
— Tô com fome. — Forcei minha voz, enquanto procurava uma distração para a inquietação que me consumia. — Vamo’ pegar algum lanche.
Edward simplesmente assentiu, levantando-se depois de mim.
— Eu fiquei te esperando pra isso.
Saímos da sala de aula, mas a sensação de alarme permaneceu. Sabia que não podia deixar minha mente divagar para os piores cenários, mas era difícil não imaginar o pior quando se tratava de alguém tão próximo a mim.
Um pouco mais adiante, o aroma de café e de bolos recém-assados saudou nossos sentidos.
A cantina era um refúgio de aconchego e sustento. Passamos pela fila do almoço e trouxemos um prato de torta de pêssego com uma crosta dourada e tacos com salada de peru dentro de tortilhas crocantes em um cantinho isolado.
— Então, sobre o que eu te disse… — Minha voz foi abafada pela torta sendo mastigada.
Edward ergueu uma sobrancelha, completando:
— Sobre toda aquela coisa de… parar um carro?
Eu acenei timidamente com a cabeça, limpando as migalhas grudadas nos meus lábios com a língua.
— Sim, nem eu achava que era possível.
— Tem certeza de que não está assistindo Jujutsu Kaisen ou Chainsawman? — Riu-se baixinho. — Ou talvez One Piece? Essas coisas são meio viajadas.
— Bem…
Talvez? Eu não podia negar o fascínio dessas obras, mas…
— Eu juro que não tô louco. Apenas… aconteceu.
— Tudo bem, tudo bem. — Edward acalmou, segurando uma mão apaziguadora. — Talvez eu esteja exagerando. Você não é tão obcecado por essas coisas, é?
— Comparado a você? — respondi, um gesto brincalhão escapando de meus lábios. — Sem dúvida. Você praticamente vive nesse mundo a maior parte do tempo. Daqui a pouco, você vai se convencer de que é o Goku da vida real.
Edward bufou, balançando a cabeça em sinal de ofensa.
— Aliás, você ouviu falar do assalto à joalheria? — perguntei.
— Uh… — Ele desviou o olhar para outro canto, hesitante. — Um pouco.
— Bem, digamos que eu cuidei da situação. Mas nem mesmo um obrigado da polícia eu recebi.
Ele assobiou, um som baixo e impressionado.
— Que vacilo. Isso com certeza vai ser notícia local.
— É por isso que, a propósito, você não pode contar uma palavra sobre isso para ninguém.
Edward espelhou meu gesto, simulando um zíper fechando seus lábios.
— Por falar nisso, quero que veja uma coisa. — disse, estendendo o braço para ele. — Juro que parecia estar quebrado antes, me deu um susto danado.
Ele me deu um olhar conhecedor, com um brilho malicioso dançando em seus olhos.
— Então é isso que você tem feito, não é? Usando suas pequenas… habilidades?
— Habilidades? — fingi confusão.
Isso só o levou a um ataque de riso.
— Não se faça de burro comigo!
Nesse momento, a tranquilidade da cantina foi abalada. Um aluno irrompeu pelas portas, com o rosto corado de pânico, enquanto gritava:
— Uma aluna está sendo espancada no pátio! Vários agressores! Precisamos de ajuda!
A sala explodiu em uma enxurrada de murmúrios preocupados. Os alunos se levantaram, uma onda de adrenalina substituindo a preguiçosa calmaria da tarde.
Confusos, mas pegos pela onda de urgência, Edward e eu seguimos o exemplo, arrastados pela corrente de rostos preocupados e passos apressados em direção ao pátio.