Devore o Exorcista - Capítulo 5
“Boom!”, um estrondo ecoou pela região.
Pedaços enormes do teto haviam se desprendido, colapsando o subsolo em questão de minutos. Tudo foi consumido pelos escombros, restando somente a escadaria que levava para aquele buraco.
Uma fina névoa de poeira escondia a silhueta que subia, pouco a pouco, os degraus. Parece que a escadaria não foi a única coisa que conseguiu escapar ilesa (ou quase).
Emergindo da cerração, Erick caiu de joelhos, exausto. Em sua panturrilha, um resquício asqueroso ainda o segurava com seus dedos retorcidos, mesmo que não tivesse mais braço ao qual se conectar.
— Se aquela pedra não tivesse caído em cima dele… — disse, arrancando a mão decepada de sua perna. — Eu com certeza estaria mort…
— AAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHH! — Um grito estridente irrompeu os ouvidos de Erick. Era uma voz humana.
Assustado, Erick recolheu sua espada, ainda imbuída pela energia avermelhada, e seguiu na direção do som.
Quando finalmente virou a esquina do corredor, aquele mesmo cheiro familiar impregnou em suas narinas.
O odor de sangue.
O líquido vívido jorrava pelas paredes, inundando completamente o chão que, por sua vez, estava coberto de cadáveres brutalmente dilacerados e desmembrados. As portas e as grades de ferro das celas haviam sido arrancadas completamente.
E, em frente aos olhos do garoto, os responsáveis pela chacina sequer tentavam se esconder.
“Então, desde o começo, todos aqui serviam só pra alimentar o seu acordo?”, pensou Erick, ao ver as criaturas geradas pelos sacrifícios perseguirem os escravos, abrindo suas celas e os arrancando de dentro.
— SOCORRRO! ALGUÉM… ME AJUDA! — Um cativo gritava e se debatia nas mãos de uma daquelas aberrações, usando suas últimas forças para tentar fugir, mas sendo esmagado pelos dedos enormes.
Do outro lado, outra pessoa era comida viva por uma das criaturas, tendo cada parte do seu corpo lentamente devorada, junto ao seu sofrimento.
No interior das celas, os mais fracos pressionavam as costas contra as paredes, buscando retardar o destino cruel que as aguardava, enquanto os mais corajosos tentavam fugir por qualquer brecha.
Em meio a tudo isso, Erick corria sem olhar para trás. Esse não era mais um lugar seguro, então não servia mais para ele. Não tinha porquê dar uma de herói. Os valentes eram os primeiros a serem mortos, e ele estava vendo isso na prática.
Desviou dos monstros e da destruição que eles causavam, vendo, ao final do corredor, a porta que levava para fora daquele inferno. Só mais alguns metros e poderia sentir o ar puro da liberdade.
Imaginou o que faria depois dali. “Acho que vou voltar pra casa, mesmo que o Tobias não esteja mais lá. Vou continuar a revirar o lixo e a caçar devoradores. Talvez no fim eu tenha uma morte tranquila como a dele, mas, agora…”
— Eu não quero morrer. — Murmúrios escaparam de sua boca.
E como uma faísca, uma lembrança despontou na mente de Erick. Memórias que ele certamente não queria ter lembrado naquele momento.
O seu rumo mudou.
Como alguém que mergulha completamente numa poça de merda, o rapaz correu na direção das monstruosidades, procurando por algo.
Uma, duas, três, quatro criaturas ficaram para trás. “Onde está?”, pensava sem parar. Até que, finalmente, encontrou quem desejava.
Aquelas aberrações mantinham seus traços físicos humanos, mesmo depois da transformação. E lá estava: longos cabelos negros desgrenhados, um corpo longo e fino, além de olhos castanho-claros inesquecíveis.
A garota de mais cedo, mas em sua pior versão.
“Tem que ter um jeito…”, pensou. “Eu não posso…”
Segurou com força a espada. Olhando para a lâmina, viu a energia fluir e, no reflexo da lâmina, enxergou o rosto decrépito do velho, depois de ter sido atingido por aquele ataque misterioso.
“Se ele voltou ao normal depois daquilo, então existe uma possibilidade de eu trazê-la de volta também.”
Erick ergueu ambos os braços com dificuldade. Parece que, quanto mais tempo utilizava aquela espada, mais cansaço seu corpo acumulava.
Seus dedos se entrelaçaram ao cabo com firmeza, ao passo em que sua respiração parecia se normalizar. De olhos fechados, tentou se concentrar para replicar a mesma sensação de antes.
“A palpitação, o medo, o fervor… O que eu senti foi um misto dos três.”, ponderou. “Mas além disso…”
A lâmina incandesceu. Seus olhos abriram e, com isso, veio o fluxo vermelho. Todas as criaturas ao seu redor tomaram o mesmo aspecto translúcido e rubro de anteriormente.
No entanto, a atenção de Erick estava centrada somente na garota em sua forma monstruosa. Agora, olhando com mais atenção, conseguia ver finas linhas entrelaçando-se e percorrendo todo o corpo da criatura, como um sistema circulatório.
No fim, todas essas linhas se encontravam em um mesmo ponto, formando o que parecia ser um coração pulsante.
E a cada pulso, a energia da lâmina parecia reagir.
— Eu não acredito que vou tentar salvar uma mina que nem sei o nome… — sussurrou consigo mesmo, antes de inclinar o tronco e descer com a espada no ar.
O miasma vermelho concentrou-se na ponta da lâmina e seguiu num extenso corte vertical.
O corpo da aberração foi partido ao meio, estilhaçando o coração formado pelas linhas.
Como se tivesse sido atingido por um ataque fatal, o monstro paralisou e desabou, largando até mesmo o cadáver o qual massacrava.
Sem perder tempo, Erick saltou sobre o corpo da criatura. Com o balançar da espada, retaliou a carne abaixo de si, cavando em busca de algo.
Até que, de dentro daquele monte de pele e vísceras, o rapaz puxou o corpo nu de uma humana, completamente intacto. O cabelo caía sobre seu rosto desacordado e sua expressão era tranquila, como se apenas estivesse dormindo preguiçosamente.
Era a mesma garota, mesmo depois de tudo. A única coisa diferente nela eram os dois pequenos chifres que protuberavam do topo de sua cabeça.
Ele suspirou de alívio ao sentir os batimentos da garota, depois de colocar os dedos em sua garganta.
— Parece que pelo menos um eu consegui salvar — disse, descendo da pilha de carne enquanto carregava-a nos braços. — Mas eu sabia que os corajosos morriam primeiro.
Sua última frase veio assim que percebeu ter chamado atenção demais.
Após a queda da criatura, os olhares dos demais monstros se encontraram com os seus. Eles estavam inertes, alguns ainda com sobras humanas em suas mãos, parecendo tentar racionalizar a situação.
Erick deu seu último suspiro…
Antes de partir em disparada na direção da saída.
— GGGGGHZZZZIIIIIIAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA! — O grito gutural das aberrações acompanhou o seu movimento.
Diversos pares de braços extensos e deformados seguiram em sua direção rapidamente. Estava nadando contra a correnteza, então precisava dar tudo de si para vencer.
Baixo, esquerda, baixo, cima, direita – esquivava dos membros com agilidade. Se não fossem tão previsíveis, alguém na situação de Erick jamais conseguiria desviar desses ataques.
Usando o pequeno tamanho e a rapidez, em comparação aos monstros, Erick conseguiu ultrapassá-los. Em um frenesi intenso, as aberrações perseguiram-no, destruindo tudo no caminho com seus corpos imensos.
Quando chegou na recepção, o rapaz sentiu algo o chamando. Olhando por trás do balcão, viu um armário completamente destruído, como se uma bomba tivesse explodido dentro dele. Contudo, havia algo intacto em meio aos escombros: uma bainha.
Desviou do caminho por um segundo e pegou o objeto em mãos, embainhando sua espada.
Instantaneamente, o brilho avermelhado da lâmina foi engolido e as serpentes do cabo desenrolaram-se do punho de Erick. Num estalar de dedos, o baque de estar no limite de seu corpo chegou.
— Ughhrrr… — Caiu no chão, vomitando sangue.
Ao que parece, a espada, quando sacada, criava uma espécie de bloqueio físico que reduzia a dor dos ferimentos, o cansaço e os efeitos da doença. A partir do momento em que é guardada, tudo vem de uma só vez.
— HZZZZYAAAAAAAAAAAAAAAAA! — As criaturas esmagavam umas às outras tentando passar pelo pequeno vão da porta.
“Eu não tenho tempo pra isso!”, pensou Erick, já erguendo-se junto ao corpo da garota. Pôs a espada embainhada entre os dentes e correu para fora.
Assim que saiu do lugar, se escondeu em um dos becos da região. Tudo que ouviu depois disso foi o barulho da destruição e dos berros. As criaturas saíram para a cidade.
— Nenhuma delas me viu, ainda bem… cof… cof…
Erick suspirou em alívio e olhou para a garota apagada em seus braços.
— Eu não posso deixar ela aqui desse jeito. Ainda não…
Tentou caminhar, mas suas pernas desistiram. Continuou indagando consigo mesmo:
— Eu tenho uma casa. Não queria ter que voltar para lá, mas é o único lugar. Porra… São dez quilômetros até lá. Eu tô fudido. Minhas pernas não respondem direito. Por que caralhos eu fiz isso?!
Erick começou a se levantar, entretanto, um obstáculo o impediu de avançar ainda mais.
Três silhuetas bloqueavam os resquícios de luz que emanavam de fora do beco. Dois sujeitos altos de sobretudo e chapéu encaravam Erick com expressões sérias, parecendo acompanhar outro indivíduo que vinha mais a frente.
O líder deles deu alguns passos adiante e retirou o chapéu de sua cabeça. Longos cabelos vermelhos, assim como os de Erick, caíram sobre os ombros. Olhos azuis penetraram sua alma. E um sorriso insondável permeou o rosto feminino.
— Olá! — disse ela.
— O que vocês querem? Me deixem passar!
Ela se ajoelhou em frente aos dois. Seus olhos caíram para a garota e, em seguida, subiram até o rapaz.
— Nós somos da Associação. Viemos conter as ameaças. — Sua voz leve não demonstrava qualquer senso de urgência.
— Então vão! Elas estão nas ruas! Eu só quero sair daqui.
Envergonhada, a mulher coçou a nuca.
— Na verdade, elas estão bem na minha frente. — Com o indicador, tocou na testa de Erick.
E, num instante, tudo ficou preto.