Estranhos Sob o Mesmo Céu - Parte 1
Quando a noite chegava, ela vinha gelada e não havia piedade nela. Isto é, as horas que eu já deveria estar dormindo, não passavam de pensamentos impedindo o descanso. A colcha me cobria, mas seu tecido falhava em aquecer o corpo. Tudo que eu desejava era deitar na cama relaxado e cair em um sono profundo.
Para meu azar, eu estava preso no looping eterno. Perguntando o motivo de eu nascer diferente ao ponto de me sentir um alienígena, havia algo sério de errado comigo. E como eu não encontrei resposta, sair da cama às pressas com essa dúvida latejando a mente.
Por mais estranho que fosse, era óbvio a resposta e ao mesmo tempo continuava ali martelando. Sempre fazia uma retrospectiva, voltando do início. Seria a maneira de meu pai comigo? Ignorando minha presença completamente. Havia pena ou raiva nele, provavelmente. Não desejava descobrir, pois sairia machucado de qualquer jeito.
Decidi afastar esses pensamentos, então, nesse momento eu estava enfiando os braços nas mangas do casaco. Abrir a porta em seguida, fechando-a com um baque tímido. De repente fui para fora de casa.
Caminhei pelos becos, atrás da rua principal, onde era isolado. Meus passos deixaram pegadas desmanchadas na neve durante o caminho.
Entrando no beco estreito, luzes de postes piscavam fracos à frente. Depois de caminhar por alguns minutos, tive a imagem do parquinho. Era um parquinho simples e solitário, o único lugar capaz de me tranquilizar.
Havia uma caixa de areia coberta por neve. E no centro havia quatro hastes de ferro fixados no chão, pendia também correntes segurando dois bancos de balanço. Por fim, atrás da caixa de areia, havia um tronco de cerejeira, seus galhos estavam secos de folhas, pois não nasciam nessa época do ano.
No início da primavera, os galhos desta cerejeira se enchiam de folhas por inteiro. Numa noite como a de hoje traria um tom rosado à minha escuridão, mas infelizmente era inverno.
Então, inconsciente de sentidos, me aproximei lentamente, apesar de estar frustrado. Dei alguns passos na caixa de areia e sentei no banco de balanço, impulsionando para frente e para trás. Era uma sensação misteriosa, o vento tentava animadamente me fazer recuar e não era forte para impedir minha ação. E pensar assim, aliviava o aperto no peito, mesmo ciente da realidade.
Uma realidade puramente cruel, embora seja verdade que eu acabei contribuindo muitas vezes. Por que eu nasci assim, defeituoso? Às vezes me perguntava se meus pais tinham vontade de me levar a passeio para bem, bem distante e irem embora sem mim. Se fizessem algo assim, eu os entenderia.
Eu soltei o ar pela boca em busca de um milagre. Claro que não era como se o suspiro fosse solucionar os dilemas no qual me encontrava, ao menos consegui parar de tremer os ombros. Já era alguma coisa.
— Que frio estúpido. Noite estúpida — de repente eu praguejava tudo ao redor, em voz alta.
Olhei para todos os lados, confirmando se eu estava realmente sozinho. Por sorte, ninguém conseguiria me escutar, ainda bem.
Havia algo entalado na garganta, o ar não entrava de nenhuma forma. Então, exatamente por isso, tive dificuldade em controlar a respiração, que se negava a obedecer. Era uma situação patética.
Continuei sentado no banco de balanço, enquanto flocos modestos de neve pousavam sobre meus ombros em movimento. Era possível ver acima dos muros das casas vizinhas, quando o balanço me jogava lá no alto.
Graças a isso, questionamentos me invadiram de uma só vez, com pura velocidade e dúvidas inocentes. Por exemplo, como eram essas famílias? Os pais e filhos se davam bem? Eram perguntas tolas, vindo sem freio, infelizmente.
Então, quando continuava distraído, escutei um rangido de galho quebrando ao meio, atrás de mim. Não demorei em me lançar de pé.
— Hã? Q-quem está aí? — consegui perguntar, apesar de as pernas tremerem devido à surpresa. — Sei lutar karatê, não pense em me atacar, senão será pior para você.
Junto ao aviso, revelou-se uma silhueta escondida atrás do tronco da cerejeira. Entretanto, ela não parecia querer briga ou algo tipo, pelo contrário – aproximou-se e ficou mais visível. Ela então caminhou em minha direção, afastando-se da cerejeira, lugar por onde se escondia de maneira no mínimo suspeita e ergueu as mãos no ar.
— Não precisa ameaçar uma dama.
A voz suave de quem me respondeu, pertencia a uma moça. Quando a luz da Lua a revelou completamente, eu pude vê-la melhor. Seu gorro deixou escapar alguns fios longos escuros, cobrindo levemente o rosto. Mas não o bastante para esconder a beleza por trás do cabelo. Pelo rosto aparentava ter a mesma idade que eu – ou talvez menos, eu presumi.
— Bem, não quis realmente te ameaçar.
— Ah, sim, foi o que percebi. Suas pernas tremeram tanto quanto a boca.
— Claro, levei um susto… Você surgiu do nada.
— Eu poderia dizer o mesmo de você — ela inclinou a cabeça, deixando algo subentendido. — Estamos quites, né?
Nessa conversa casual, onde conseguíamos nos ver graças às luzes vacilantes dos postes, eu cutucava a mente por essa situação. Havia uma incógnita pairando no ar, pois em meio a dois estranhos, eu sabia o motivo porque tinha vindo parar aqui. Contudo, era misterioso o que ela, em plena madrugada, fazia sozinha num lugar que não tinha um pé de gente – além de nós, obviamente.
Embora eu entendesse a sua insônia em partes, compartilhando da angústia – talvez. A curiosidade também estava acesa em mim. Logo, por isso, de maneira inconsciente eu raciocinava o porquê de ela estar de tocaia. Se não tivesse intenção maligna envolvida, qual a razão ela estaria ali?
— É estranho vir no meio da noite — comecei. — Ficar escondida nas sombras e no primeiro sinal de alguém aparecendo, dar susto na pessoa. Estranho e rude.
Eu, devido ao susto ocorrido instantes antes, acabei despejando as incoerências que me veio à mente. Ela, ao contrário das minhas perguntas, agiu como se eu fosse um péssimo mentiroso e disse:
— Como é? Do meu ponto de vista, eu fiquei assustada primeira. Então, acredito ser sua culpa afinal de contas.
— Bem, é o que dizem… — eu sussurrei para afirmar comigo mesmo.
A garota estranha murmurava sem parar, mas eu estava perdido em pensamentos, já admitindo derrota, então não prestei muita atenção nela. Depois de refletir, percebi que ela queria falar mais algo.
— Sei que, foi como você disse… — ela colocou a mão no queixo. — Ah, sim, rude. Agora estou ciente do meu erro.
Ela parecia estar morrendo de frio, mesmo fortemente trajada com gorro, casaco de pele e par de luvas. Realmente, o frio no momento era congelante.
— Está tudo bem.
— Não tá, eu percebi meu equívoco — negou ela. — Peço sinceras desculpas. Aliás, pode me chamar de Kawana.
Depois de dizer isso, a tal Kawana, colocou a mão direita no coração e se curvou numa reverência – exagerada, claro.
— Gosta de brincadeiras a todo o momento, mesmo na madrugada?
— Ai, ai, sou tão fácil de ler assim?
Embora Kawana fosse fácil de ler, contudo não tinha capacidade de perceber que eu vim exatamente para ficar sozinho. Suas feições eram de alguém disponível para bater papo. Tinha algo a perguntar.
— O que uma garota faz aqui a essa hora? — não resisti à curiosidade.
Temi por agir como uma pessoa inconveniente acabei fazendo sem pensar direito.
— Boa pergunta, mas não sei ao certo — respondeu Kawana. — Minha mãe, contava sobre uma história de uma garotinha perdida na floresta. Quando ela estava prestes a ser atacada por lobos, uma folha mágica da cerejeira caiu no colo dela e a garantiu o direito de fazer um desejo. Então ela escolheu voltar pro castelo.
— Entendi essa história, emocionante por sinal. Só não explica nada.
— Ai, ai, você é insistente mesmo. Em resumo, eu quero dizer que me senti meio com sorte hoje. Quem sabe, se eu pudesse descobrir uma folhinha mágica caída por aqui, tipo, pra realizar um desejo.
Era uma motivação irreal, de fato. Kawana assumiu isso com convicção e pouca vergonha, se aventurar no meio do nada foi irresponsável para sua idade.
— Não estamos num conto de fadas, garota, sai daqui — respondi por impulso.
Como se eu tivesse escolhido as palavras erradas, Kawana me encarou ferozmente, os olhos queimavam em resposta.
— Onde tá o respeito, fiz dezenove neste mês, sendo assim sou mais velha que você.
Kawana disse isso, assumindo uma pose firme abaixo de mim. Parando para observar ela mal alcançava meu torso, além de possuir o rosto de adolescente. Pelo visto, se era realmente verdade, outra vez meu jeito atrapalhado afetou.
No início eu tinha assumido que essa garota estava me provocando. Parecia, mas Kawana levava seu olhar para mim, aguardando resposta. Ela continuou com feições de alguém falando sério, por isso limpei a garganta e disse:
— Er, nossa — busquei coragem nas palavras. — Peço desculpas… Senhorita Kawana?
Eu era assim na escola também, não importava onde estivesse – causava alguma confusão ou constrangimento –, essa era a verdade que tanto tentava escapar. Afinal, estava naquele parquinho exatamente por isso. Mesmo planejando fugir dos pensamentos nebulosos, no fim eu acabava trazendo novas ocorrências.
— Ai não é pra tanto, eu tava brincando, não precisa formalidades — ela cobriu a boca, escondendo os lábios sorridentes. — E também, é bom saber que me confundem com uma jovenzinha, faz bem à alma.
Mesmo acreditando que a personalidade de Kawana estava longe da idade que ela afirmava ter, uma centelha de dúvidas sobre ela pairou na mente. Tanto seu bom humor quanto a razão de estar aqui no meio da noite.
Estranhamente, relaxei os ombros em desistência. Não importava o motivo, Kawana era mais corajosa do que eu.
Então cortando a conclusão, ela continuou:
— Tem noites assim — Kawana caminhou até o banco do balanço. — Acho que assustamos o sono, irônico, não?
Apesar do jeito exagerado dela, eu concordava com a lógica de Kawana.
— A propósito, esqueci de me apresentar, me chamo Yuri.
— Prazer, então.
A esse ponto não sabia o que fazia, o sono estava longe de chegar. Então pensei em voltar para casa e ignorar o que me passaria na cabeça. O melhor método era fugir da realidade, com certeza dias melhores chegariam futuramente.
— Bem, é uma pena a cerejeira estar seca nessa época do ano. Quero encontrar uma folha mágica, sonhar nunca é demais.
— É sério isso?
— Tava certa de achar, mas esqueci de que estamos no inverno. Só eu mesmo, pra fazer algo assim.
— Faz dias nevando, como você consegue a proeza de esquecer isso?
— É que–
— Não, não quero saber.
Apesar das palavras sérias, havia um tom relaxante exalando no ar. Esse tom deixou os ombros mais relaxados junto às suas palavras. Kawana estava esperando algo a mais para mim, então eu adicionei:
— Volte na primavera — eu afundei as mãos no bolso. — Essa cerejeira dá folhas lindas.
— Imagino que sim, eu me mudei há pouco tempo. Espero ansiosa por esse dia então.
Dito isso, Kawana parecia satisfeita, então eu pensei em retornar para casa.
— Te deixarei em paz agora — eu curvei os ombros e fiz menção de ir embora.
— Espera! Pode me dar uma forcinha?
Assim ela disse, meneando a cabeça para o balanço. Por acaso ela queria minha ajuda para empurrar o balanço? Já não bastava forçar que eu fizesse companhia, agora era isso.
— Mas senhorita, minhas mãos estão congelando–
— Que não seja por isso, toma.
Usando o mesmo tom despreocupado, Kawana disse sem peso na voz. Logo em seguida ela levantou do balanço e se virou.
Ela com calma – fora do comum –, puxou as luvas dedo a dedo até estarem soltas das mãos. Concluindo essa tarefa, Kawana as entregou a mim.
— Resolvido. E já disse, não precisa ser formal comigo, quanta seriedade.
Antes de Kawana esconder as mãos, acabei notando sem querer que havia cicatrizes de queimaduras começando do punho às pontas dos dedos. Linhas grossas semelhantes a rugas chamativas. Tentei disfarçar a surpresa, mas Kawana notou meu olhar.
— Desculpa por ter visto isso.
— Quê? Não precisa se desculpar.
— Hum… Tipo, às vezes tenho pesadelos — o sorriso tinha evaporado de Kawana. — Sempre é do dia que queimei as mãos, a dor vivida na época. Talvez, por isso eu fique tranquila com a neve, ela anestesia, eu acho.
Dava para escutar na voz de Kawana um pesar e repreensão de choro.
— Er, sinto muito.
— Ai, ai, bobinho. Não foi sua culpa. — Kawana suspirou profundamente. — Foi minha.
O clima havia piorado de repente.
— Aliás, para que você me deu essas luvas?
— Pra vestir, ué. E ajudar uma dama, o balanço não se mexe sozinho.
Vesti as luvas como fui ordenado. Ainda possuíam o calor da dona.
Kawana voltou ao balanço e eu, segui empurrando suas costas. As correntes iam para frente e para trás, levando e trazendo Kawana. Ela estava com as mãos nuas, portanto se equilibrava somente com o apoio do corpo.
Claro, eu tinha consciência de como eu era sem jeito com isso, então fiquei preocupado em fazer algo para causar danos a ela. Foi uma tarefa simples para auxiliar Kawana, contudo quando se tratava de mim, eu sempre conseguia estragar. Não era novidade, pois todos falavam isso para mim na verdade.
— Avise se eu te empurrar forte demais e machucá-la… Aí uso menos força, ou se preferir vou devagarzinho.
— Certo, tá ótimo — Kawana tapou a boca e começou a dar risadinhas abafadas. — Além disso, não acha que podem te interpretar errado se alguém, tipo, escutasse esse seu modo de falar safadinho? Pareceu um jovem pervertido, ai, ai.
— H-hã, para de falar besteiras. Você tem dezenove mesmo?
— Eu não minto.
Era bom ver que o humor dela havia melhorado, embora minhas orelhas estivessem queimando com sua provocação, em troca. Era incrível o quanto cada palavra que saia de sua boca, me fazia duvidar se ela era, de fato, a mais velha entre nós dois.
Estávamos cercados por casas, de formatos iguais. Estilo e design seguiam o padrão por todo o quarteirão. Entre as pouquíssimas casas que fugiam do padrão, havia um consenso na sociedade em que o dono da casa diferente era o errado, ou queria chamar atenção.
Ou seja, ser diferente não era proibido, muito menos um crime. Mas eu sabia na pele, a verdade. No meu caso, por exemplo, grande parte dos problemas com as pessoas era também devido à minha altura.
Enquanto estava perdido em pensamentos, Kawana deu um salto para frente. Tive a leve sensação de alguém livre das leis das gravidades. Quando seus pés tocaram o chão, fazendo a neve voar, ela girou formando um redemoinho de areia e neve, e esboçou um sorriso.
— Se a lenda for verdade — Kawana apontou para frente. — O que você escolheria?
Essa pergunta foi direcionada para mim. Eu parei por um segundo no intuito de encontrar algum desejo que resolveria minha vida. Meus pais, colegas e conhecidos. Talvez se eu fosse menor, do mesmo tamanho de Kawana, a vida seria mais fácil.
— Bem, tem uma coisa — eu disse.
— Uaal! E o que seria?
— Não, não é nada.
Ao me ver recuando covardemente, Kawana ergueu a mão direita no ar. Era um voto de promessa.
— Seja o que for, vai morrer aqui.
Então, com a segurança garantida revelei:
— Meu tamanho… Ele traz mais tristeza do que tudo. Eu escolheria ser normal.
Um vento forte soprou, como se também julgasse o que acabei de dizer. Por isso me arrependi em seguida, logo depois de falar meus pensamentos pela primeira vez em voz alta. A vontade nesse momento era de regredir no tempo e dizer qualquer besteira.
Não houve resposta da outra, ela me encarava com dúvida. Ou pior, parecia estar observando se eu falava sério ou agir como ela – sempre irônica. Mas não era o caso, antes fosse. Ao lado de Kawana qualquer pessoa me julgaria estranho. Um grande esquisito.
— Era pra ser uma brincadeira, né? Porque seu tamanho não me incomoda nem um pouco. — disse Kawana.
Foi o que ela afirmou, com firmeza de um touro. Ela era uma pessoa gentil, deu para perceber, portanto, Kawana não falaria maldades mesmo eu sendo um estranho. Afinal, apesar de dizer não se incomodar, ela ficou escondida quando me viu aproximando do parquinho.
De repente, o sangue esquentou ao perceber a mentira.
— Até parece, para, por favor. Você ainda diz não mentir.
Com minha acusação, Kawana arqueou as sobrancelhas.
— Quer monitorar minhas palavras, garoto? Desconfiar dos outros assim não é nada legal, pode afetar uma vida, sabia disso?
De maneira sonsa, Kawana negava. Na verdade, nem mesmo eu compreendia a razão de estar prestes a explodir, afinal, ela só tentou ser amigável comigo. Embora estivesse incerto se era a mentira dela ou a verdade que mais me irritava.
Eu estava ciente disso, mas parecia errado. Normalmente as pessoas ao redor, cuspiam a verdade sobre mim. Ninguém nunca havia considerado, em hipótese alguma, esconder esse fato. E, talvez, ouvir isso tão do nada, de uma estranha ainda por cima, fez eu me sentir desconfortável. Uma atitude rude e digna de pena.
— Sem estresse, tá bom? Você é alto, e, só isso.
“Só isso”, eu repeti a última parte na mente diversas vezes. Não deveria ser para me insultar, contudo, Kawana fazia pouco caso de algo que me atormentava havia anos. Então, abandonando a cortesia com ela, lhe fiz uma pergunta:
— Se não te incomoda, por que você ficou escondida no mesmo instante quando eu surgir. Foi para me deixar mais à vontade, não é?
— Ah, sobre isso — Kawana parou de repente.
O raciocínio dela ficou lento, ao que indicava. Kawana demonstrou cuidado, como se procurasse a resposta certa e travava no processo. Eu estava no meio do parquinho, com o estômago começando a se queixar, então já que Kawana não dava explicação, eu cortei o silêncio.
— Pensando bem, esquece. Exagerei, tenha uma boa noite.
Recuei lentamente enquanto a encarava, Kawana, entretanto, não me disse uma palavra sequer no intuito de me paralisar. Isso era um fato, então continuei levando os pés para mais distante dela.
Em segundos, como uma neblina indesejada se dispersando num dia radiante de Sol, eu havia desaparecido no parquinho. Era a ordem natural da vida, e eu era o gigante estranho.
Talvez, devido a essa situação desconcertante, o caminho de volta para casa estava mais frio e por consequência, as mãos tremiam em espasmos. As casas passavam por mim, borradas diante minha disparada, forçando as pernas a todo custo. Existia a pressa de fugir do parquinho, provavelmente para me iludir de certa maneira, sobre mim.
Pelo menos, durante o caminho, o vento assoprava a consciência. E desse modo, naturalmente, o arrependimento cresceu por ter fugido daquele jeito, mas já era tarde demais.
Depois de percorrer algumas quadras, sem medo de as neves na calçada me derrubarem e causar um triste desfecho para a noite, eu avistei minha casa. A porta cinzenta me causava um anseio pior que o próprio inverno. Enquanto tomava coragem para entrar em casa, recuperava o fôlego. Fazia anos desde a última vez a colocar em prova minha resistência física.
Então, depois de recuperado, invadi a casa que era meu lar. Não havia movimento nos cômodos, meus pais – pelo horário –, deviam estar dormindo. De tal forma, não notaram minha ausência. Não que eu fizesse tanta questão assim. Imediatamente subi as escadas e entrei no quarto, silenciosamente.
Quando troquei de roupa notei que saí tão às pressas ao ponto de levar as luvas de Kawana comigo. Outra coisa natural, afinal eu sempre errava, o gigante estranho agiu novamente. Descansei o corpo na cama com um baque ao cair de costas.
“Seria melhor não ter decidido sair da cama”, eu concluí ao fechar os olhos.