Eu, (e) Eu Mesmo e um Mundo Diferente - Capítulo 7
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- Capítulo 7 - Desafiando as Faces da Morte
“Proteja Juliet e os outros dois, mesmo que isso custe sua vida”.
Essa foi a última ordem dada para o seu corpo original e por um momento Ariel pensou se isso realmente estava certo. Afinal, o que aconteceria com ele se fosse morto enquanto estivesse no corpo da Arielle? Mesmo com tais dúvidas, sua consciência foi repassada novamente para a garota do outro lado do conflito.
Arielle abriu os olhos e percebeu que estava diante da tenda do príncipe, ou melhor, já dentro dela.
Ao olhar para fora, conseguiu ver o subtenente Mark e seus soldados enfrentando as criaturas que avançavam contra o acampamento. Mark, percebendo que Arielle tinha voltado a si, gritou para que ela acelerasse seus passos.
A barreira linguística não foi o suficiente para impedir seu entendimento, pois dado a urgência da situação, eles não conseguiriam manter as criaturas afastadas por muito mais tempo, então estava claro o que ele queria dizer com seus gritos.
Arielle apenas confirmou com a cabeça e continuou andando pela tenda, observando seu estado atual: corpos no chão tornavam toda a cena desconfortável e terrível. Como forma de manter seu autocontrole, respirou profundamente – mesmo aquele ar cheio de sangue e morte – e avançou.
Até aquele momento, ela estava apenas no hall de entrada da tenda, e assim como tinha acontecido na tenda dos pesquisadores, esse lugar era muito maior dentro do que seu lado de fora.
Arielle caminhou até chegar nos aposentos do príncipe, ou era isso que parecia dado aos elementos decorativos que destacavam aquele cômodo em relação aos outros.
Ela entrou e pôs a observar, tentando encontrar o próprio príncipe ou qualquer coisa que pudesse ser de valor. Seu objetivo seria encontrar documentos sobre essa incursão ou detalhes sobre as pesquisas – só que esse último, por que estariam aqui e não onde estavam os pesquisadores?
A garota fez um sinal de negação para si mesmo como se esse não fosse o momento para questionar ou gerar dúvidas, porém, como nada estava sendo encontrado, mais as dúvidas cresceram.
— Não há nada aqui… por quê? Talvez no restante da tenda? — Questionava-se de maneira aberta e com palavras aos ventos para que pudesse ajudá-la na tomada de decisão, mas, começou a perceber a situação enquanto isso. — Alguém já passou por aqui antes. Sim! O jeito como as coisas são derrubadas e espalhadas, não parece ter sido devido a um ataque, e sim que alguém tivesse vasculhado antes.
Sabendo disso, Arielle desistiu daquele quarto e voltou para os corredores. Olhou de um lado para o outro e notou uma grande sala do outro lado.
Ao se aproximar, percebeu que aquela sala parecia ser destinada a reuniões e decisões importantes, pois, além da mesa semelhante àquela que conversavam com o velho Pann e Juliet, havia quadros e murais por todo o lugar.
Arielle pegou algumas folhas e observou alguns dos quadros. Ela também não conseguiria lê-los ou entender do que se tratava, ou seja, como poderia recuperar documentos importantes assim?
Talvez devesse ter trazido a Juliet consigo? Ou pedido para que aquele comandante da guarda viesse com ela? Essa missão começava a não fazer sentido e provavelmente não tinha percebido antes por causa do seu “vício pelos jogos”, que o obrigava a completar todas as missões secundárias como se isso fosse um jogo de videogame – o que claramente não era.
Arielle suspirou pois não poderia voltar sem nada nas mãos, e por causa da distração, quase tropeçou em algo que estava no chão. Quando percebeu o que era, era um corpo jogado largado ao lado de uma estante.
Ela quase gritou pelo susto, mas se conteve no último instante. Algo tinha chamado sua atenção: uma estranha adaga estava fincada nas costas daquele homem. “Isso não foi feito por uma criatura, certo?”.
O homem estava usando o mesmo uniforme da guarda-real, ou seja, parecia ser algum soldado próximo do príncipe. Mas essa arma, ela não era de nenhum soldado ou pesquisador.
Arielle se aproximou e, por um momento, quase segurou o cabo da adaga, porém, sentiu um leve calafrio que a impediu. Era por causa do seu corpo, ou por causa daquela arma? Mesmo sem a resposta, decidiu não tocar no corpo e pôs a observar com mais cautela onde ele estava caído.
“Se ele não foi atacado por monstros, quem deve ter atacado-o? Além disso… esse rastro de sangue…”
Ariel sentiu um leve prazer em investigar a cena do crime – algo que seria absurdo dado a todo o contexto da cena e da situação que estava, mas isso também lhe permitiu ver que o homem não tinha sido atacado naquela posição. Ele foi acertado e arrastou até onde estava.
“Você tentou esconder ou alcançar algo?” perguntou Arielle enquanto direcionava o olhar para o percurso e para o estado do corpo. Ela olhou uma cadeira derrubada ao lado e a pegou. Usando a mobília como uma espécie de alavanca, empurrou o corpo para o lado.
— O que é isso?
Eram pergaminhos e uma “pasta” de arquivos. Os pergaminhos eram como aqueles vistos em qualquer jogo medieval ou típico de fantasia, no entanto, a pasta de arquivos era algo muito diferente e quebrava totalmente a imersão que aquele mundo às vezes tentava mostrar.
— O que uma pasta com folhas sulfite impressas estaria fazendo aqui? Quero dizer, ao lado de um pergaminho antigo?
O contraste era imenso, mas não tinha o que fazer já que ela não conseguiria ler suas informações.
— Além disso, como vou carregar essas coisas? Eu não estou vestindo nada com bolsos e não vi nenhuma mochila ou saco por aqui.
Arielle olhou para si mesmo e viu algo que talvez daria certo? Ela ficou pensativa durante um tempo. “Será que isso realmente funciona? Quero dizer, nos desenhos e nas histórias isso parece dar certo”.
Ela então pegou alguns dos pergaminhos e colocou entre os seios.
— Não acredito que isso deu certo… Ah, caramba, o que estou pensando? — Arielle então colocou alguns outros dentro do roupão e amarrados à corda de antes.
“Ainda devo conseguir colocar mais dentro do roupão” e antes que pudesse continuar verificando a estante, o corpo ou outros elementos da área, a tenda foi sacudida por um impacto violento.
As colunas que mantinham o teto e as paredes desabou no mesmo instante, inclusive ao lado da garota que foi obrigada a se afastar rapidamente. E, depois daquilo, uma gigantesca criatura apareceu diante de seus olhos rasgando a lona da tenda como se fossem nada.
A fera, uma monstruosidade de dentes afiados e ossos expostos pelo corpo adentrou ao lugar com muita presença, apenas para se levantar e emitir um rugido poderoso que reverberou pela tenda e provavelmente por todo o acampamento.
“Merda, merda, merda! E pensar que aqueles cervos já eram um adversário desafiador, por que tem esse monstro aqui?”
Arielle recuou sentindo a adrenalina tomar conta do seu corpo. Aquela situação tensa aos poucos começou a colapsar seu corpo e mente, mas com um respiro profundo, conseguiu se acalmar.
Seria então a vez do corpo da garota lutar, certo? Mesmo que Ariel não tivesse certeza das habilidades dela, era fácil notar que esse corpo era mais fácil, ágil e habilidoso do que o masculino. Porém, ser atingida por um golpe direto da criatura estava fora de cogitação, ou seja, sua luta deveria ser defensiva.
Depois do rugido, a criatura avançou em direção a Arielle com um ataque surpresa e repleto de intenção assassina. Não daria para dizer que a garota pressentiu essa intenção, ou ela conseguiu reagir a tempo. Mas a velocidade daquela criatura não estava condizente com seu tamanho.
O golpe cheio de fúria destruiu a mesa e parte da sala. Parte dos documentos foram atingidos e destruídos na mesma hora. E Arielle, surpresa e indignada com a situação, percebeu que mesmo se o atacasse, sem armas, nada aconteceria.
Por isso ela decidiu fugir para o saguão onde estavam os outros corpos dos soldados e suas armas.
Arielle entrou na área do hall com um salto esquivando do golpe do urso que mostrava ser tão rápido quanto ela. Ela rolou no chão e alguns dos pergaminhos que estavam presos na corda escapuliram. “Merda! Se continuar assim toda minha vinda para cá será em vão”.
O urso não parou de atacar, e Arielle foi obrigada a esquivar uma, duas, várias vezes de golpes cheios de violência e força. Até que ela conseguiu se afastar um pouco.
A garota não tinha comido nada até então, e se considerar toda sua aventura até esse momento, era como se estivesse lutando contra o urso e a própria exaustão. O cansaço era visível, e o estresse mental era ainda pior. Por outro lado, o urso monstruoso parecia não se importar com fadiga ou qualquer outro problema aplicado à Arielle.
Ela tremia. Ariel estava com medo. Mesmo que antes tivesse lutado contra inimigos semelhantes e tão selvagens quanto. Isso não impedia que sua cabeça houvesse inúmeras perguntas: “O que vai acontecer comigo se ele me acertar diretamente? Se eu for morta no corpo da garota, será meu fim?”.
Arielle pegou duas espadas, uma em cada mão, e encarou a criatura pela última vez. Mas, antes que o monstro ou Arielle agisse, vultos passavam por ela em direção a criatura.
Era o subtenente Mark e alguns dos seus soldados. Eles gritavam entre si tentando coordenar o ataque contra o urso, mas Arielle não conseguia deduzir ou entender uma palavra. Por um momento observou os homens lutarem, atacarem, se defenderem.
O som da batalha, das espadas, dos gritos e da criatura ecoaram por vários “minutos” na sua cabeça, e mesmo que esse tempo fosse apenas dentro dos seus pensamentos internos, ela percebeu que se não fizesse nada, seria seu fim. Ela se levantou mais uma vez e assim como antes, respirou profundamente para recuperar um pouco de sua energia.
“Esse corpo é mais ágil, e agora eu consegui duas armas. Ao menos deve ser capaz de ajudar aqueles soldados!”
Mark era um exímio cavaleiro e parecia não ter medo contra aquela criatura, mesmo que a diferença entre seus tamanhos fosse ridiculamente aterrorizadora. E assim como ele, seus soldados, pareciam seguir o mesmo espírito de combate.
Atacavam e se defendiam e por um momento pareceu dar certo, mas não o suficiente. Mesmo com Arielle dando apoio e alguns golpes no urso, ele era realmente mais forte e poderoso. Então, pouco a pouco, os soldados começaram a cair. Não importava se agora erguiam escudos e espadas para tentar bloquear seus golpes, eram esmagados como formigas. Além disso, mesmo para aqueles que habilmente esquivavam dos golpes do urso no primeiro momento, logo foram surpreendidos pela velocidade da criatura.
Por fim, apenas Arielle e Mark mantiveram-se de pé, ou eram isso que tentavam passar.
Mark estava exausto, no seu limite, mas ainda continuava pela pura força de vontade. Já Arielle estava com alguns arranhões e alguns hematomas do combate, mesmo sem atingido diretamente por nenhum golpe da criatura, ela também não parecia ser capaz de continuar a luta.
“Que merda… isso é… uma batalha feita para perder, certo?” pensou Ariel observando a cena com a visão já embaçada e deixando cair uma das espadas da mão.
Mesmo que o urso estivesse todo mutilado, partes do seu corpo recusava-se a cair. Era como se houvesse alguma energia obscura mantendo a criatura junta e lutando.
O subtenente Mark olhou para trás e percebendo seu estado, deu alguns passos para frente e ficando entre o urso e ela.
— Você não é uma guerreira, mas lutou com honra! — Deu uma singela pausa para que pudesse se recompor das dores do corpo antes de continuar: — Não sei quem é você ou de onde veio! Mas se está disposta a morrer aqui lutando contra essas aberrações, então você é minha aliada…
— Não sei o que você está dizendo… — brincou Arielle, cuspindo sangue e saliva no chão. — Mas pelo seu tom, você está dizendo suas últimas palavras, certo?
— Mesmo sem nos entendermos… — Olhou para ela uma última vez. — Não, eu tenho a certeza de que você consegue me entender, certo?
Ariel, no corpo da garota, observava aquele homem falando em uma língua desconhecida, porém, seu corpo, suas ações e seus movimentos eram tão fáceis de entender. Diante dele um evento clichê das histórias de fantasia: ele usaria seu último suspiro como um ataque total contra a criatura.
“Ele vai se sacrificar para derrotar a criatura? Ou ele está me dizendo para eu atacar quando a criatura se distrair? Não, talvez ele esteja pedindo para que eu aproveite esse momento e fuja…”
Ariel começou a se encher de perguntas. O que ele deveria fazer? O que aquele homem estava pedindo para ele fazer? E foi aí que tudo ao redor desacelerou como se o tempo parasse.
Mas o garoto continuava a pensar. A garota continuava a pensar. Então, o que estava acontecendo?
Eu vejo aquele comandante, eu vejo a criatura, eu me vejo.
Com um piscar de olhos o ângulo de vista mudou. Ele pode ver Arielle atrás daquele soldado enquanto corria em direção a criatura. Ele pode ver a cena de fora, mas não como um fantasma ou espírito. Ele estava vendo aquilo através dos olhos do próprio Ariel, do seu corpo masculino.
O garoto tinha corrido até lá sem perceber. Como? Por quê? E sua última ordem, ele a ignorou? O tempo ainda estava congelado, e mesmo assim Ariel continuava se questionando. Ou seja, tudo isso estava dentro de sua mente, certo?
“Se eu morrer, você morre?” — perguntou Arielle.
Era como se ela conseguisse mover os lábios e a boca, além de estranhamente virar seu rosto para Ariel – no corpo masculino.
“Provavelmente sim” — respondeu o garoto.
Sua consciência estava no corpo da garota, olhando o garoto. Ele estava com o rosto virado para ela, ou para ele mesmo.
“Então a ordem: mesmo que isso custe sua vida, vale tanto para mim quanto para você?” — perguntou ao garoto.
“Temo que sim” — ele respondeu.
E estava agora vendo aquela discussão pelos olhos do garoto.
“Não conseguirei cumprir sua ordem se você morrer, pois se isso acontecer, eu vou morrer” — afirmou para a garota.
Voltou para a garota. Ele estava conversando com quem? Consigo mesmo ou com outros “Ariel”, ou estava conversando com a Arielle daquele sonho?
“Uma regra inválida? Acho que sim, e você tem razão, provavelmente eu não iria conseguir enfrentar essa criatura de qualquer forma” — afirmou melancolicamente a garota.
“Sim”.
“Então, o que vamos fazer?”
“Você sou eu, portanto, já sabe a resposta”.
“É, pelo jeito, sim”. — Mas tinha um problema, Ariel não sabia como entrou naquele estado de “Nirvana” e por isso não sabia como sair dele. — “Mas, como vamos sair daqui?”
“Se prepare!” — ordenou a voz masculina com grande intensidade.
“Certo!” — afirmou a voz feminina com o mesmo tom.
E naquele instante, como se fosse outro piscar de olhos, Ariel teve toda sua consciência passada para o corpo masculino, e como aparentemente já estava correndo em direção ao urso, continuou seu percurso com aquele único objetivo: desferir um golpe direto no urso.
Mesmo que Arielle estivesse lentamente se erguendo, o subtenente Mark já tinha começado a avançar com seu último golpe, porém, o urso parecia preparado para contra-atacá-lo.
— Não vou permitir! — Gritou Ariel pronto para dar-lhe aquele único e poderoso soco direto.
O golpe veio do ponto cego e por isso a criatura não teve capacidades para reagir. E aquele soco foi tão violento que gerou uma onda de choque e ar que atingiu todo o arredor, levantando poeira, terra e sangue para todos os lados. O próprio Mark foi atingido pelo ataque sendo lançado para longe.
— Merda, não pensei que o golpe seria tão forte… Acabou atingindo o soldado também.
— Preste atenção! — gritou Arielle.
— Ah! Minha cabeça! — aquela maldita dor de cabeça acertou Ariel e Arielle ao mesmo tempo.
Os dois quase foram derrubados, mas conseguiram resistir de alguma forma e permaneceram de pé. Os dois corpos estavam ao mesmo tempo enviando e recebendo estímulos diferentes. Não era tão agudo ou violento quanto na primeira vez, porém, dessa forma seria incapaz de continuar.
O urso, por outro lado, levantou-se em seguida e voltou a ficar de pé e ameaçador.
“Vamos ter que lutar dessa forma?” Pensou Ariel ao resistir a dor mental enquanto Arielle se ajustava para lutar ao mesmo tempo com ele.
“Não sei quem está controlando ele” pensou Arielle.
“Não sei quem está controlando ela” pensou Ariel.
“Mas, seja como for, vamos ter que lutar dessa forma se quisermos continuar vivos!” pensou os dois.
— Arielle! Eu vou servir como chamariz, e assim que o momento surgir, aproveite para atacar a criatura com seu golpe mais poderoso! — gritou o garoto.
Apesar de ela não ter respondido com palavras, ele percebeu quando ela sinalizou com a cabeça e mentalmente pode escutar um “sim”.
A dor diminuiu um pouco, mas ainda era como um zumbido agudo de uma estação de rádio cheia de estática, ou seja, muito desconfortável.
A força da criatura continuava avassaladora, a cada golpe que desferia, tanto Ariel quanto Arielle precisavam escapar da fúria dos seus ataques.
“Esse urso é absurdamente forte, mesmo no estado que ele está” pensou Ariel, esquivando outro golpe com dificuldade.
Seus braços provavelmente estavam com alguma fratura ou duas, além de estar sangrando. O máximo que podia fazer era bloquear ou esquivar. E mesmo quando os golpes não o atingiam diretamente, a dor dos impactos eram sentidos, assim como compartilhados com a garota.
O embate tornou-se um teste de resistência.
O urso com suas garras afiadas e presas mortais começou a minar a força de Ariel, que para cada novo golpe, começou a ser atingido de maneira mais direta e perigosa, causando ferimentos mais profundos. Apesar de ter uma noção maior de sua força e resistência, Ariel estava sofrendo com a falta de uma arma adequada. Seus socos eram de certa forma eficientes, mas não o suficiente para causar estragos naquela carcaça ambulante.
E Arielle estava conseguindo desferir golpes na criatura, mas a espada por si só não era capaz de fazer mais do que já tinha feito antes.
— Se isso continuar, nós dois vamos morrer aqui.
— Cuidado Ariel!
Os corpos pareciam estar pensando e agindo em conjunto, mas tinham momentos em que esses pensamentos eram compartilhados de maneira aleatória e confusa, o que não só intensificava a dor mental como também afetava os movimentos dos corpos. E como Ariel não era capaz de controlar essa situação, o que ele podia fazer era não receber um golpe mortal daquele adversário terrível.
Finalmente a batalha culminou em um confronto direto de força bruta. O urso ergueu-se sobre suas patas traseiras e lançou-se em direção a Ariel. Como suas patas estavam avariadas pelos golpes de Arielle, restou-lhe apenas sua mandíbula e seus dentes. Porém, Ariel mostrando uma determinação feroz, conseguiu segurar as mandíbulas da criatura evitando por pouco ser mordido.
Ainda assim, se ele não conseguir resistir a imensa força exercida pelo monstro, será seu fim. Arielle que até então estava agindo “sozinha” parecia ter chegado ao seu limite outra vez.
“Eu vou tentar fazer isso, mais uma vez!” e com um esforço hercúleo, Ariel decidiu assumir o controle de Arielle diretamente, só que ainda mantendo o controle do seu corpo. Aquela dor foi tão intensa que por alguma fração de tempo ele apagou, mas ao sentir que iria morrer, voltou a si e suportou aquela sensação de sua mente ser rasgada em duas.
A visão dupla, e o esforço para manter a concentração de cada ação simultaneamente era quase demais para suportar. Ainda assim, Arielle largou a espada e correu em direção a uma lança e com um grito de esforço, foi em direção ao urso.
O ataque final foi um movimento coordenado entre os dois corpos: enquanto Ariel, no corpo masculino, segurava as mandíbulas do urso com toda sua força, Arielle com uma precisão incrível avançou e atacou com a lança acertando a criatura em cheio na cabeça.
A luta terminou com o urso caindo no mesmo instante de lado enquanto o corpo da garota era lançado contra ele servindo também como um golpe corporal, já Ariel, o corpo masculino, lançava-se entre os dois para segurar Arielle.
Finalmente aquela luta tinha terminado e o urso corrupto deixava de ser uma ameaça.
O corpo do garoto, ferido e mentalmente abalado pela experiência, caiu de joelhos e simplesmente apagou. Por isso toda sua consciência foi para Arielle que caiu junto a ele.
Quando finalmente percebeu o que tinha acabado de acontecer e observou toda a cena ao redor, ela não conseguiu se segurar ao sentir o alívio que ainda estava viva, porém, pelo jeito isso fez com que o evento importuno de antes tivesse se repetido.
— Acabei de… me aliviar… — Olhou para a poça quente que surgiu embaixo dela — quero dizer, isso não é o importante aqui. — Disse Arielle observando seu corpo masculino caído. — Ele está vivo, certo?
Ela rapidamente conferiu seu estado e apesar de ainda estar respirando, com aqueles ferimentos, bem provável que morreria a qualquer momento e para não se arriscar, prontamente colocou ele em seus ombros e começou a arrastá-lo para fora da tenda.
Apenas alguns documentos tinham resistido toda aquela batalha, mas, tão pouco importava se eles morressem agora, de nada adiantaria. Porém, como passariam pelo todo o percurso de volta para Juliet e os outros?
Arielle continuou arrastando Ariel, indo em direção para fora da tenda quando outra série de tremores e abalos aconteceu na estrutura da tenda. “Outro inimigo? Se for, eu vou morrer!”
Porém, para surpresa de Ariel, era um daqueles vagões, agora sendo guiados por dois dragões da terra – aqueles dinossauros desse mundo.
Para seu alívio, não eram monstros, e sim Henrix e Juliet descendo do vagão.
— O que aconteceu aqui? — perguntou Henrix observando o lugar repleto de corpos, sangue e destruição. No entanto, assim que avistou a carcaça do urso sua expressão de dúvidas se tornou algo mais assustador. — Temos que sair daqui o quanto antes.
— Me ajude a carregá-lo, Henrix! — gritou Juliet.
— Sim, sim.
Com ajuda dos dois, Ariel e Arielle foram colocados dentro do vagão. E assim que o fizeram, Henrix tomou as rédeas daquele veículo e guiou os animais para a saída o quanto antes.
À medida que o vagão ganhava velocidade, puxado pelos poderosos dragões da terra, os sobreviventes olhavam para trás, para o acampamento em chamas, uma última visão de desespero e destruição.
Dentro do vagão, Juliet estava trabalhando incansavelmente para estabilizar Ariel. As mãos daquela jovem pesquisadora moviam-se com uma destreza impressionante, aplicando as ataduras e unguentos mágicos. Apesar do corpo masculino estar totalmente desacordado, parecia que Arielle sentia cada toque e os cuidados, assim como a ardência dos produtos.
Quando o perigo iminente cessou e Ariel parecia estar sem risco de vida, Juliet foi até Arielle que estava, de certa forma, desligada da realidade.
Na verdade, Ariel, no corpo da garota, estava tentando entender tudo que tinha acontecido com ele até agora e como os eventos tinham se escalado dessa forma.
— Arielle… — Juliet tentava chamar atenção. — Arielle? Arielle!
— Ah, me desculpe Juliet.
— Como você está?
— Eu? Eu estou bem, por favor, priorize o Ariel… novamente.
— Já cuidei dele, por isso quero saber como você está.
— Alguns arranhões… eu acho.
Juliet começou a examinar o corpo da Arielle ao mesmo tempo que também começava a aplicar os primeiros socorros e tratamentos necessários.
Arielle observava Cristine descansando, mesmo naquela situação, e Henrix do lado de fora controlando aquele vagão e os dragões da terra.
— Arielle — Juliet puxou assunto novamente.
— Sim.
— Como posso dizer isso… Ariel disse algo muito estranho antes de… agir de maneira estranha. E depois de um tempo, ele apenas ficou desesperado e correu em direção onde você estava… O que eu quero dizer é…
— Sobre ele e eu sermos a mesma pessoa?
— Sim.
— Bem, não tem por que esconder isso agora. Além disso, você é a única que consegue se comunicar comigo. — Ariel olhou mais uma vez para Juliet com aquela aparência infantil e sorriu, pegando a garota de surpresa. — Eu também não sei explicar, mas é a verdade.
— Mas… Como? Ele saiu correndo rapidamente preocupado com você, e… eu vi vocês dois agirem sozinhos e até falarem entre si.
— Tem algumas coisas que ainda não sei como funcionam. Mas, bem, será mais fácil explicar quando ele acordar. Só que se eu pudesse resumir, eu posso controlar os dois corpos individualmente e às vezes ordenar para que um faça coisas pequenas.
Ariel olhou Juliet com um olhar de desconfiança ou medo, ainda assim, um olhar triste.
— Você não acredita em mim, né?
— Não é isso… só é muito difícil acreditar que isso seja possível.
— Bem, você tem seu ponto. De qualquer forma, enquanto ele estiver desacordado assim, eu sou o único que está aqui.
— Então, como devo te chamar? “Ariel”?
— Não é como se fosse fazer diferença agora. Mas, considerando que eu dei o nome para esse corpo de Arielle, e bem, tecnicamente sou a “irmã gêmea”, você pode continuar… me chamando de Arielle.
Aquela carruagem – muito semelhante a um vagão de trem – estava agora passando por uma estrada repleta de cascalhos e chão desnivelado, ainda assim, era como se as rodas tivessem amortecedores já que não era tão ruim quanto Ariel pensava que seria.
— De qualquer forma, esse assunto não vai ser explicado tão cedo, então é melhor conseguirmos mais informações para discutir qualquer coisa.
— Certo, tudo bem.
— E, para onde estamos indo agora?
Juliet olhou pela janela do vagão e por um momento ficou pensativa antes de responder.
— Para o mais longe possível do acampamento e da Antiga Capital. Não queremos ser atacados novamente pelos corruptos.
Arielle olhou os ferimentos no corpo do Ariel, já tratados, e olhou para si mesmo. Depois disso, se aproximou de Juliet ao mesmo tempo que queria ver do lado de fora, aquele “mundo” que tinha magicamente sido transportado.
— Sobre a corrupção, eu… vou me transformar naquelas coisas?
— Não se preocupe. Dado o tempo que já passou, se isso fosse acontecer, já teria acontecido. Além disso, pode ser que vocês dois não sejam afetados pela maldição da corrupção como os outros.
Arielle confirmava com a cabeça e terminava de conversar, sentando-se ao lado do Ariel, seu “eu masculino”. Além disso, observava Juliet olhar para fora da janela do vagão. Aquela garota estava tentando se manter forte diante de toda a situação, só que Ariel já tinha visto seu lado mais fraco. E, pelo jeito, todos ali estavam em uma situação em que, seus “lados fracos” estavam todos expostos.
Para onde quer que eles estejam indo, precisam confiar uns aos outros e a todos seus “lados”.