Guerra de Deuses - Capítulo 2
Era uma manhã calma e ensolarada. Arskan estava sentado no canto de uma pequena lanchonete familiar, olhando para um copo vazio de café e divagando enquanto escutava uma conversa no balcão.
— Estou dizendo. Por favor, me escute — contou um homem vestido de motorista.
Ele tinha cerca de quarenta anos, tinha um rosto comum, possuía cabelos escuros, com alguns fios brancos e um olhar assustado. Estava com um rosto recheado de preocupação e fazia um show de gestos ao falar.
Do outro lado do balcão, havia um homem bem mais tranquilo, contrastando com o amigo à frente.
— Você quer que eu acredite nisso? Todos de repente sumiram sem deixar rastros. É isso?
— Sim! Por que não acredita em mim? — Ele pousou os braços na mesa e pós as mãos na cabeça. Um segundo depois, levantou-a e apontou para uma pequena tv no canto da sala. — Coloque no jornal, você vai ver.
Depois de um pouco de insistência do motorista, o balconista decidiu ligar.
No jornal, a apresentadora introduziu à notícia. Nem precisava prestar atenção para saber do que se tratava. A própria mulher estava branca e respirava com dificuldade.
“Deve ser nova no ramo… Será que os jornalistas também foram invocados?”, pensou Arskan.
Ela seguiu com a notícia. Milhares de pessoas de repente desapareceram, deixando para trás alguns poucos pertences pessoais.
Entre as pessoas desaparecidas estavam chefes de empresas, governantes, proprietários de imóveis, investidores, reis do crime e chefes de grandes famílias milionárias; a mais alta casta da sociedade.
Em um número menor: médicos, enfermeiros, soldados e parentes próximos deles, também foram levados.
A maior parte dos governos perderam seus comandos, guerras estavam estourando por todo o mundo e ninguém, além do jovem sentando ali, sabia o que estava acontecendo.
Enquanto os dois voltavam a discutir, ele se aproximou do balcão e pagou pela sua refeição.
Quando estava para sair, escutou algo interessante na conversa. Aparentemente, aquele motorista lhe podia ser útil.
— Senhor — chamou-o com respeito, pois não estava em posição de exigir nada de ninguém.
Ainda vestia as roupas do dia anterior, portanto estava sujo de tudo quando é coisa e, ainda por cima, estava com roupas rasgadas.
Ele, porém, respondeu de imediato, com uma educação que nunca vira antes, até quando viu plebeus falando com reis.
— Sim, meu jovem. O que deseja? — Ele deu um cumprimento e, se não fosse pela posição em que estavam, talvez tivesse se ajoelhou no chão. — Quer algum dinheiro ou algum do tipo?
— Não. Escutei que você sabe onde é esse endereço.
Arskan entregou um pedaço de papel ao homem, que o olhou por um momento e, em seguida, respondeu:
— É claro. Trabalhei nesse lugar durante anos. Se quiser, posso levar você lá. Não tenho nada para fazer mesmo.
Arskan planeja pedir para que ele o levasse, mas o homem se ofereceu com tanta rapidez que nem precisou. O homem era tão ativo que sem perceber, já estavam do lado de fora.
— Sabe, jovem, trabalho já anos com isso. Vamos chegar lá em um instante.
Ambos chegaram ao carro dele e Arskan entrou no banco traseiro. Era um carro luxuoso, confortável e todo preto, um tom cromado.
Perto do banco do motorista, havia um par de fotos. Em uma deles delas estava o motorista, um mulher com idade similar a dele e uma garotinha.
Como ele parecia um pouco mais jovem, Arskan presumiu que fosse de alguns anos atrás.
Em uma outra foto, estava a mesma garotinha, porém, alguns anos mais velha, usando um informe escolar. Ela deveria ter dezesseis anos, um ano mais nova que ele.
Logo o motorista entrou no carro, ligou o motor e saiu na direção marcada. Arskan tentou evitar conversar, mas o homem falava muito.
Ele puxou uma série de assuntos em que o jovem respondia com palavras simples como “aham” ou “entendo”. Contudo um ponto da conversa lhe chamou a atenção.
— E foi assim que minha filha ganhou o campeonato! Há. Ela é muito esperta. Eu só queria saber porque o meu amigo está tão feliz. Sabe, dias atrás ele estava muito para baixo.
Inconscientemente, Arskan ligou vários pontos que notara no restaurante e acabou por responder:
— Ele não está feliz. Está aliviado.
— Hã? Como assim?
— Falei demais. — Percebeu — Só siga em frente.
— Vamos! Por favorzinho. Se não me contar, não irei te apresentar minha filha.
— Em que momento pedi para você me apresentar ela? — Suspirou sem ter escapatória e decidiu explicar-lhe o seu raciocínio. — O seu amigo provavelmente estava afundado em dividas.
Um silêncio incomum surgiu no carro. O motorista, antes animadíssimo, calou-se e pareceu também começar a ligar as pontas. Se ele realmente fosse um bom amigo, teria notado as mudanças no balconista.
— Ele realmente me disse que estava com alguns problemas, mas não sabia que era tão grave. Como você sabe disso?
Pelo horário, a lanchonete, que possuía um ótimo ponto, deveria estar cheia, mas estava vazia. Isto sinalizava que os agiotas já o haviam cobrado no recinto, portanto os clientes tinham medo e ir ao lugar.
Outro ponto era o estado precário do lugar. Uma televisão minúscula, nenhum tipo de equipamento eletrônico e apenas um funcionário em todo o salão.
Explicar para ele, todavia, seria trabalhoso demais, então Arskan só lhe contou que havia percebido a sua alegria vibrante, mas ele ainda assim questionou com uma outra pergunta que teve que responder:
— Mas por que tanta alegria? Pessoas sumiram…
Se o mundo fosse preto no branco, Arskan poderia responder que ele era uma pessoa má. Não se importava com nada além do próprio estômago, mas não era bem assim.
— Ele só deve estar feliz por não ter mais uma dívida. Nem deve ter pensado nisso ainda — Ele disse algumas coisas bonitas, mas sabia muito bem o quanto aquele balconista desejava pela morte dos seus agiotas, até porque já estivera em uma situação similar.
Livrar-se do seu problema sem se importar com o que acontecia ao redor.
“Isto resultou no fim da humanidade…”
Um clima ruim foi se criando, mas logo chegaram ao destino. O motorista voltou a falar demais.
Ele parecia uma pessoa gentil, tanto que nem lhe passou à cabeça que a felicidade do seu amigo provinha da desgraça alheia. Além de que, também tinha muito apego à família
Faziam décadas que não via uma pessoa assim com uma aura tão brilhante; um sujeito simples e de bom coração. Contudo, do outro lado, isto não duraria muito.
— Chegamos, jovem. Mas… o que você quer aqui? Eu acho que já disse pra você, mas o meu chefe desapareceu no dia antetonte.
— Eu vou assumir a empresa do seu chefe. Sou filho dele.
Um segundo passou enquanto o homem olhava-o com o rosto em branco e, em seguida, ficou boquiaberto.
— Você é filho do chefe?! Como assim? Me conte mais!
— O que precisa saber? Sou um bastardo e meu pai me escondia da esposa e amigos, mas os gerentes da empresa sabem da minha existência. É só.
Exatamente. O jovem mestre que encontrou no beco era um bastardo, por isso o seu senso de inferioridade era tão baixo apesar de ser o filho de um rico.
Após o seu desaparecimento, deixou para trás uma dúzia de documentos, um endereço e um sobrenome.
Ainda, à noite, Arskan procurou por informações daquele sobrenome e encontrou o pai do garoto. Por meio do documentos e registros, sabia que ninguém conhecia o rosto do moleque, além, é claro, do próprio pai.
Sendo assim, assumir a empresa da família não seria um problema. Só precisava apresentar os documentos que já possuía e o restante poderia resolver com dinheiro.
Com o mundo em um caos, ninguém se preocuparia em averiguar a veracidade dos fatos que apresentaria.
— Então agora você é meu senhor?
Arskan olhou para ele nos olhos e disse:
— Não me chame de senhor e abra os portões. Quero conhecer minha nova casa.
— É claro, senhor!
Mesmo com o seu pedido, seguiu lhe chamando de “senhor” e rapidamente abriu os portões. Arskan acenou para ele dizendo que queria fazer uma caminhada até a mansão, e então o homem seguiu para estacionar o carro.
A caminho da gigantesca mansão que, mesmo de longe, poderia ser vista com plenitude, começou a pensar em sua própria situação.
Após a mensagem que surgiu no céu, uma boa parcela de população mundial desapareceu. Muito antes disso, já havia pessoas sumindo misteriosamente, mas nunca em tão grande escala.
Desta vez, apenas os mais ricos e pessoas consideradas “importantes” desapareceram, deixando para trás um mundo caótico.
“Atenas está preparando o terreno para a invocação em massa.”
Atenas, o Mundo Divino. Naquele lugar, bilhões de pessoas lutariam pela própria sobrevivência.
Um mundo onde raças mágicas, vistas apenas em livros de fantasia, heróis, mitos, lendas e deuses eram reais e estavam tentando matar você.
Ele não possuía conhecimento sobre a origem ou propósito real daquele lugar. O seu conhecimento cosmológico de Atenas se resumia a mensagem que tocou nos céus.
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Os Novos Deuses Precisam ser Encontrados
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Este novo mundo funcionava como um jogo. Ao lutar, você se tornava mais forte. Ao quebrar seus limites, você se tornava mais forte. Ao realizar o impossível… bem, não preciso dizer, né?
Uma única teoria, uma sátira, foi disseminada entre os povos.
“Atenas foi criado pelo próprio diabo.”
Apesar da semelhança, tratar aquele mundo como um jogo não era nada menos do que suicídio. Levar aquele lugar na brincadeira era como colocar uma corda no próprio pescoço.
Outras três informações também eram dissiminadas pelas pessoas: Tornar-se um Deus não era uma opção; era uma obrigação; Havia mil Mundos Divinos; e Somente alcançando o último, poderia se descobrir a verdade.
Três verdades absolutas e imudáveis
Além dos seres humanos que foram invocados, outros povos já viviam em Atenas e todos disputavam por poder, dinheiro e sobrevivência. Portanto, os humanos que vieram de outro mundo; um mundo moderno e preguiçoso, já começaram em desvantagem.
Por isso eles levaram os mais “poderosos” na frente. Para ao menos criar um caminho para aqueles que viriam em seguida, mas isso não deu certo.
Naquele ambiente hostil, Arskan foi único humano a alcançar o patamar próximo de um Deus, mas a vingança o deixou cego, por isso… desta vez! Faria diferente.
Lutou contra Titãs Imortais, Deuses Antigos, Bestas Divinas, Anjos e Demônios e contra a sua própria raça.
No final, apenas ele restou. Sozinho, ferido e traído no topo daquela montanha gelada, esperando congelar até à morte.
— Desta vez, tenho a vantagem…
Conhecer o futuro dar-lhe-ia uma chance que nunca tivera antes.
“ Se, no passado, alcancei alturas inimagináveis apenas com esforço, imagine agora?”
Contudo tornar-se um Deus lhe parecia muito pouco. Além de evitar precisar se vingar, salvaria a raça humana, ela querendo ou não, e descobriria o que tem no último Mundo Divino!
Afinal, alcançou a mansão. Entrou no lugar luxuoso e ainda maior de perto. Chegando lá, deparou-se com o motorista.
— Senhor, preparei algumas coisas para o senhor. No que eu poderia ser útil?
Ele ainda o chamava de senhor.
— Quero apenas tomar um banho e, por favor, não me chame de senhor.
— Então como deveria chamar?
— Meu nome? É isso que quer? — Ele acenou com a cabeça feliz. — Chamo-me Daniel, mas gosto de Arskan.
Daniel era o nome nos documentos que roubou do jovem.
— Me chamo Henry, senhor Daniel. Opa, digo, senhor Arskan.
Suspirou pela confusão do homem e apenas perguntou:
— Onde fica o banheiro desse lugar?
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Arskan sentou-se na banheira de água quente, aproveitando o calor e o valor que subia. Terminado o seu banho, encarou o espelho à frente.
Na sua última vida, escolheu duas classes: Berserker, guerreiros que quanto mais lutam, mais fortes se tornavam e Mago de Gelo, bons em defesa e ataque.
Contudo ainda não fora o bastante. Ele deu então um soco no espelho, quebrando-o e deixando para trás cinco reflexos dele.
— Desta vez, precisarei de cinco!