Guerra, o Legado no Sangue - Capítulo 25
Depois de ser arremessado pelo golpe do vampiro, Lucas apagou. Não saberia dizer quanto tempo se passou, mas, quando abriu os olhos novamente, estava em um lugar completamente branco.
Deu alguns passos, apesar de não haver um chão para andar, naquela paisagem completamente vazia. Além do próprio ambiente, outra coisa também era estranha: tinha certeza de ter ouvido seus ossos quebrando no momento do impacto, mas não sentia dor nenhuma.
Não demorou muito para entender o que tinha acontecido.
— Parece que é isso então… — falou com uma voz cansada.
Por algum tempo, nada aconteceu. Ele apenas ficou ali, olhando aquela imensidão branca, desprovida de qualquer coisa que lhe saltasse aos olhos.
— Lucas.
Uma voz ecoou de algum lugar. Procurando a origem, se deparou com quatro vultos coloridos. Eram apenas formas, contornos de pessoas, sem rostos ou outros elementos. Em seguida, três deles desapareceram. Restava apenas um.
Quando o último vulto ficou sozinho, tomou a forma de alguém que ele conhecia bem.
Era seu avô.
O velho respirou fundo e não disse nada por algum tempo, sua expressão mostrava que estava frustrado.
— Eu não esperava te encontrar tão cedo.
Lucas deu um sorriso amarelo em resposta.
— O que você andou fazendo nos últimos dias foi idiota, irresponsável e perigoso. Tentando fazer tudo sozinho… Você pode não assumir, mas eu sei o que você estava querendo.
— Fiz o melhor que consegui. Arrisquei minha vida e perdi a aposta.
— Diga a verdade, Lucas. — O velho estava com um semblante sério enquanto falava. — Você estava tentando jogar a própria vida fora.
— Nada disso faz sentido, vô. Pra que eu preciso passar por tudo isso?!
— Sei que é uma situação difícil, mas não está sozinho, tem seu irmão, tem seus amigos. O grupo sempre é mais forte unido, eles vão te ajudar a superar.
— Amigos? A gente mal se conhece! Já percebi que cada um deles chora escondido, eu os escuto tendo pesadelos todas as noites, chamando pelo nome de pessoas que com certeza já morreram. Ninguém tem condições de me ajudar.
— Uma pessoa que enfrenta a morte contigo, que te salva e que é salvo de volta, isso gera um vínculo incomparável; um que você não vai conseguir mesmo convivendo cinquenta anos com alguém! Disse que não são amigos, mas, no fundo do seu coração, você sabe a verdade.
— Tudo que fiz foi pra nada. Achei que as forças armadas iriam nos salvar, mas eles estão tão perdidos quanto o resto das pessoas! Que idiota fui esse tempo todo… Achei que se continuasse matando aquelas coisas iria ajudar, mas eles eram pessoas esse tempo todo.
O velho ficou em silêncio, esperando pacientemente pelo neto.
— Desculpa… Eu não aguento mais essa situação, vô. — Lucas desabou em lágrimas, as mesmas que ele estava segurando há tanto tempo. — Só quero descansar.
— Entendo que é difícil. E sei disso porque já me senti assim também. Mas, não importa o quanto as coisas parecem difíceis, você deve seguir em frente. Como fez até agora.
— O que você espera que eu faça?! Acabou tudo! A vida nunca mais vai ser como era antes. Nunca quis ser um soldado. Nunca quis lutar. Não sou como você ou o pai.
Por um momento, o avô encarou o neto em silêncio. — Não conheci meu pai, então não sei se sou parecido com ele. Mas pode ter certeza que, assim como somos diferentes de você, eu e o Sérgio somos diferentes um do outro.
— Eu… Eu não consigo.
— Você consegue.
— Não tenho força pra isso.
— Encontre sua própria força e depois faça o que precisa fazer!
— É fácil para você falar. — Com o olhar fixo no chão, Lucas continuou. — É um herói de guerra, enquanto eu sou apenas mais alguém, um qualquer, que não sabia nem o que fazer da própria vida até tudo isso começar… E eu ainda não sei.
Em silêncio, Heitor o observou por um instante.
— Pode parecer óbvio, mas ninguém nasce herói. Ninguém consegue fazer porra nenhum sem apanhar tentando aprender.
— Tudo que fiz, tudo que vocês fizeram, todos os sacrifícios, todas as mortes… foi tudo pra nada.
— Não conseguimos sempre o que queremos… mas é por isso mesmo que seguimos em frente. Enquanto existir um desejo, seguimos. O que você quer?
— Eu… eu não sei. Antes de tudo isso, todo esse inferno, já não sabia.
Heitor cruzou os braços e encarou o neto, depois virou o rosto para o horizonte branco ao redor deles. Parecia pensar em algo, lembrar de algo.
— Quando fui pra guerra, não tinha nada pelo que lutar… Eu não tinha ninguém me esperando em casa; afinal eu nem tinha uma casa, era só mais um pobretão largado nas ruas.
Lucas limpou o rosto e encarou o avô. Ele nunca falava muito do passado e ninguém insistia em perguntar.
— Sem família, sem nome, sem propósito. Até que finalmente chegou o dia em que eu fiquei de frente para a morte.
Lucas abriu bem os olhos. — O que você quer dizer com isso?
— Uma bala de canhão explodiu do meu lado. Com o impacto, fui arremessado por vários metros. Vários ossos quebrados e estilhaços de metal por todo o corpo.
O velho arregaçou a manga e mostrou seus braços. Apesar do tempo ter atenuado parte das cicatrizes, as marcas continuavam lá.
— Quando eu estava lá, sangrando até a morte no meio de uma guerra que não tinha nada a ver comigo, olhei pra cima; e vi que o céu era azul.
Ele olhou para cima, a paisagem completamente branca se transformou em um céu limpo e sem nuvens. Uma brisa suave e quente fluía de um lado para outro.
— O mesmo céu dos dias que eu passei fome, o mesmo céu dos dias que eu apanhei por roubar e o mesmo céu do dia que me alistei por não ter outra opção.
Lucas tinha um semblante confuso ouvindo isso, não entendia o que o avô estava querendo falar.
— E fiquei com muita raiva. — O velho apertou os punhos. — Ia morrer sem ter feito nada, vivendo uma vida de merda do início ao fim! Foi então que eu tive um objetivo de verdade pela primeira vez: decidi que não iria morrer naquele lugar.
O homem se aproximou de Lucas e segurou firmemente seus ombros.
— Cerrei os dentes, suportei a dor e me arrastei pra fora daquele buraco! Rastejei até chegar na tenda médica. O tratamento doeu tanto quanto as feridas, mas sobrevivi.
Lucas olhou para o céu e comentou: — Isso é algo que… Eu realmente não consigo me ver fazendo.
Sentia aquilo no fundo do coração. Sofreu para dormir em cada uma das noites dos últimos dias. Sofreu com a realidade. Era fraco e sabia disso.
Vendo que seu neto continuava com a mente focada na própria desgraça, continuou.
— E quando voltei da guerra, o céu ainda era o mesmo. O mesmo céu do dia em que me casei com a mulher mais linda da região. E o mesmo céu dos dias que nasceram meu filho e depois meus netos.
Lucas afastou as mãos do avô e andou um passo para trás. — Vô, não consigo entender o que você…
— Apesar de tudo, o céu é sempre o mesmo. Quem muda somos nós. — O idoso apontou para cima, depois pousou o indicador no peito de Lucas. — Vá atrás daquilo que você quer.
— Não faço ideia do que quero. Não sei se existe alguma coisa que eu realmente possa fazer.
— Então vai ter que descobrir. Começa pensando naquilo que você não quer! Quer aquelas coisas soltas por aí? Quer que seu irmão e seus amigos morram também?
— Claro que não! — Ele deu um tapa na mão de Heitor. — Ninguém merece passar por esse sofrimento todo… pessoa nenhuma merece perder tudo e ser jogada no inferno.
Lembrou das noites sem abrigo, dos perigos constantes da mata, das lutas inesperadas, do homem que matou com as próprias mãos.
— Então já sabe por onde começar! Um passo de cada vez, nem que precise se arrastar na lama pra chegar lá.
Lucas olhava para suas mãos. Ele conseguia vê-las, mas não sentia nada, sabia que não eram reais. — Mesmo que eu quisesse, agora já é tarde. — Fechou os olhos por um momento. — Acabou pra mim também.
Heitor deu um sorriso debochado, o mesmo que dava quando sabia que ia ganhar uma aposta. — Daqui pra frente, use a cabeça. — Com o punho fechado, lançou um soco na direção do coração.
Lucas quase deu um passo para trás pela força, em seguida reclamou: — Porra, doeu.
— Enquanto o sangue correr nas suas veias, o legado continua. Agora é contigo… — Heitor começou a desvanecer, sumindo como fumaça ao vento. Quando quase todo seu rosto já era névoa, um último sorriso apareceu. — … E se lembre que dia é hoje.
Quando o rosto do avô sumiu completamente, tudo ficou escuro. Na escuridão, o jovem já não via mais seu corpo. De repente, dor. Uma agonia excruciante se espalhava por toda a parte.
— Aaargh!!! Aaaa!!! — gritou em agonia. Seus braços e pernas se debatiam, mas algo o impedia de se mover direito.
Abrindo as pálpebras bem devagar, viu a parte de dentro de uma carroça. Estava deitado. Moveu seu olhar em direção ao peito, um homem e uma mulher seguravam seus membros.
— Deu certo! Deu certo, Doutor!
— Essa é sempre a pior parte! Voltam gritando e se debatendo. Não sei se em um último esforço para escapar das garras da morte… ou por ter se assustado com o que viram do outro lado.
O homem soltou Lucas, depois falou de forma calma e clara: — Respire devagar, com muita calma. Você está com diversas costelas quebradas, que por pouco não perfuraram algum órgão.
O jovem respirou profundamente e então fez uma careta de dor.
— Eu disse pra respirar devagar!
— O que aconteceu com… aquela coisa? — perguntou, tentando se sentar.
O médico fez uma expressão de preocupação e olhou para a enfermeira ao lado dele. Nenhum dos dois disse nada.
Os ouvidos de Lucas ainda estavam se adaptando, conseguia ouvir algo do lado de fora, mas os sons eram confusos e se misturavam a um zumbido incessante.
Pela fresta que abriu ao atingir a carroça antes, o rapaz viu o brilho de chamas não muito distantes. Ao mesmo tempo, seus ouvidos voltaram ao normal. O som da chuva continuava, mas havia mais alguma coisa.
“O Arthur está enfrentando aquele monstro.”
Lucas se apoiou nos bancos e tentou se levantar.
— Ei, você não pode. Está com muitos ossos fraturados — falou a enfermeira.
— Eu preciso ver o que está acontecendo.
O médico tentou segurar o jovem, mas não foi rápido o bastante. De pé, o primogênito confirmou o que estava acontecendo: Arthur estava lutando sozinho contra o vampiro.
O fogo era perigoso, o monstro não podia se aproximar de forma impensada. Contudo, o ambiente estava contra seu irmão. A chuva diminuía o poder das chamas e o lamaçal que virou a estrada piorava ainda mais sua pouca mobilidade.
— Preciso fazer alguma coisa. Não vou ficar parado esperando!
O médico saltou diante de Lucas e protestou: — Você não pode fazer nada desse jeito!
O jovem procurou suas armas, mas não conseguiu encontrar nenhuma delas. Enquanto olhava ao redor, pensou: “acabou a munição da winchester… preciso do meu revólver.”
— A minha arma — questionou aos dois na carroça.
— Deve estar no meio da lama — disse o médico — Você saiu voando! É um milagre não ter morrido. Se acalme logo antes que rompa alguma artéria por ser imprudente.
Lucas olhou para a luta e mordeu o lábio inferior. Pouco a pouco Arthur estava sendo pressionado a recuar.
— Eu preciso…
— Você não está em condições! Além das costelas, seu indicador direito também está quebrado. Mesmo que pegue alguma arma, não vai conseguir sequer dar um tiro! — xingou o médico
Sem opções à vista, começou a refletir. “Droga… Vamos, Lucas, pensa. Use a cabeça!” Do lado de fora, o combate continuava. Ao lado dele, o sabre de seu pai repousava em um dos bancos.
Tateou suas roupas, procurando qualquer coisa. Pôs as mãos nos bolsos da calça e acabou encontrando uma única pedra vermelha, que havia colocada lá quando matou um dos vampiros pouco antes.
Lembrou de quando estava quase sendo morto pelos monstros no quilombo, na ocasião em que Arthur comandou o fogo pela primeira vez.
“Com certeza a situação não é a mesma, mas consigo pensar em tentar outra coisa agora”.
Com a gema em mãos, apertou com toda a força que tinha e o cristal quebrou como se fosse feito de vidro. Fumaça vermelha se espalhou ao redor de seus dedos e entrou em suas feridas abertas, ardendo como se fosse álcool.
Essa misteriosa névoa vermelha se juntou a adrenalina que já estava presente em suas artérias e veias. Química e magia percorreram sua corrente sanguínea, esquentando seu sangue e seu corpo de dentro para fora.
Seus músculos começaram a se contrair e convulsionar por todo o corpo. Um gemido de dor escapou por seus lábios, enquanto a enfermeira e o médico olhavam sem saber o que acontecia.
Quando a convulsão passou, e a dor diminuiu para como estava antes, uma ideia surgiu em sua mente.
E uma faísca acendeu em seus olhos.
── ❖ ── ✦ ── ❖ ───
Arthur encarou a vampira diante dele com alguma expectativa. Os braços dela tremiam com as graves queimaduras que ele havia causado, porém seu rosto não demonstrava qualquer sentimento além de ódio.
Sabia muito bem o quão poderoso o primeiro ataque havia sido, mas também sabia o quanto exigiu dele. Sentiu a energia em seu corpo diminuir, um sentimento muito diferente de qualquer outro tipo de cansaço e ainda pouco familiar para ele.
Há algum tempo refletia que dentro de seu corpo, e também no de Sophia, havia alguma espécie de reservatório que abastecia seus poderes. Como o recipiente de óleo de uma lamparina ou a câmara de combustão de carvão que abastece uma caldeira.
Com seu primeiro ataque, sentia que quase metade do seu “reservatório” havia sido gasto. Além da própria sensação peculiar de vazio, um cansaço também pesou em sua mente.
A vampira continuava parada, observando Arthur atentamente. Analisando o oponente antes de decidir qual ataque faria. O mais novo dos Guerra, ao invés de enviar o fogo e controlá-lo a distância como da última vez, decidiu mudar a abordagem.
Com o cajado erguido em uma das mãos, um gigantesco chicote de quase dez metros, feito puramente de fogo, se estendeu e dominou o ambiente.
Tss. Tss. Tss.
As gotas da chuva evaporavam ao pingar na magia feita de puro fogo, criando a sinfonia que marcaria aquele confronto.
A vampira saltou adiante, os braços queimados à frente do rosto. Seus olhos brilhavam com violência e vontade assassina, conforme ela avançava na direção de Arthur.
Em resposta, assim que a criatura estava quase no alcance de sua magia, Arthur moveu sua bengala. O chicote se contorceu no ar e impediu qualquer passo adiante, espalhando centelhas e brasas para todos os lados.
Sabendo do perigo, o monstro parou imediatamente. Vendo a reação de seu inimigo, o rapaz avançou em sua direção; o chicote estralava a cada movimento, sua extremidade visando cortar e queimar a carne da vampira.
O monstro, por outro lado, manteve a distância ideal para não ser atingido. A cada passo adiante do humano, ela mesma daria um passo para trás. Seria fácil se manter segura, imaginava ela.
O que ela não esperava, entretanto, era que o próprio chicote mudasse. Diferente de uma arma convencional, Arthur moldava absolutamente tudo com a própria vontade; a direção em que ia, a intensidade do fogo e até onde alcançava.
Quando notou seu erro, já era tarde demais para fazer qualquer coisa além de minimizar os danos. As chamas a atingiram com violência, arremessando-a contra o tronco das árvores no acostamento da estrada. Seus ossos rangeram com o impacto, e a carne de seus braços ficou ainda mais queimada.
O garoto abaixou seu cajado e deixou o fogo se dissipar. Respirava com dificuldade, enquanto observava com atenção os próximos movimentos do inimigo.
A vampira, entretanto, se levantou novamente.
E a luta continuou.
Alguns minutos se passaram e a briga continuava praticamente em um impasse. O garoto conseguia afastar e machucar a criatura todas as vezes em que ela avançava, mas não era o bastante.
Arthur estava no limite. Seu corpo não respondia mais seus comandos e a energia que fluía por suas veias era cada vez mais fraca. Seus primeiros ataques foram fortes e eficientes, porém havia alguma coisa estranha com o oponente.
Apesar de todas as feridas causadas antes, nenhuma delas estava visível agora. Como se nada daquilo jamais tivesse acontecido.
“Ela parece ter se recuperado de todos os ferimentos… Enquanto ela está nas mesmas condições do início, eu não consigo mais fazer aqueles ataques de novo.”
Nervosismo puro se alastrou por seu corpo. Suas pernas tremiam e a respiração ficava cada vez mais difícil enquanto o monstro se aproximava vagarosamente.
Vendo a respiração pesada do rapaz, falou alguma coisa incompreensível para os humanos, mas suas feições perversa deixavam suas intenções visíveis — estava desdenhando dele.
Acuado, formou uma esfera de fogo e lançou em direção ao vampiro. Suas forças, no entanto, já estavam muito comprometidas. Sem energia suficiente, a chama era menor e mais devagar do que gostaria.
Sem dificuldade, a criatura desviou para o lado, avançando e tomando terreno no processo. Agora seria a oportunidade de avançar e rasgar a garganta do humano à sua frente.
Vendo o feroz avanço do vampiro, o rapaz recuou para trás. Arremessava chamas sempre que conseguia, mas elas não eram nem de longe fortes o suficiente para machucar o monstro.
Já com as costas para a floresta, não poderia recuar mais. Se em terreno aberto já estava difícil, com obstáculos no caminho a sua morte seria certa.
Pouco a pouco, o vampiro se aproximou de Arthur. Suas presas estavam à mostra em um sorriso distorcido. Sua sede pelo poder no sangue da pessoa à sua frente era evidente e parecia emanar de cada poro da criatura.
O menino demonstrava um grande cansaço físico e psicológico. Seus lábios se moviam, mas a voz não saía de sua garganta. Sua única perna boa também exibia a fadiga, tremendo e não obedecendo sua vontade. Mal conseguia se manter de pé.
“Está acontecendo tudo de novo. Pai, vô, vó… irmão. O que eu faço?”
Quando finalmente passou de seu limite físico, tombou para trás. Sua bengala caiu distante, enquanto o monstro se aproximava com um sorriso de desdém.
O mais novo dos Guerra já não visualizava uma maneira de sair dessa situação e suas esperanças desapareceram. A morte estava diante dele, com um par de presas à mostra. Só poderia esperar morrer sem dor.
Lembrou do pai e do avô. E da violência com que morreram. Uma lágrima imperceptível escorreu pelo rosto encharcado pela chuva, quando entendeu que seria a vez dele.
De repente, um punhado de lama atingiu a cara do vampiro diante dele.
Instintivamente, Arthur olhou naquela direção e viu a última pessoa que imaginava: seu irmão.
Lucas cuspiu saliva e sangue no chão à sua frente. Com o antebraço, limpou as manchas vermelhas do canto da boca e então gritou em direção à criatura que ameaçava Arthur.
— Ei, coisa feia. Se afasta do meu irmão!
O vampiro limpou o rosto e encarou a pessoa que retornou para desafiá-lo mais uma vez. Contudo, para seu espanto, sentiu que algo havia mudado drasticamente.
A surpresa era perceptível em seu rosto pálido. Apesar de ser o mesmo humano, diante dele havia alguém distintamente diferente de antes.
— Arthur, desculpa por só ter lembrado agora — gritou Lucas, com os olhos focados no vampiro. — Mas feliz aniversário.
O garoto estava incrédulo. Não pelo irmão ter se lembrado de seu aniversário de quinze anos, mas pela presença ao seu redor: uma energia vermelha e quente como a dele.
O homem, com um sabre apoiado no ombro, lançava um olhar carregado de convicção em direção à criatura. Uma aura cor de sangue irradiava ao seu redor e as gotas da chuva ferveram ao entrar em contato com seu corpo quente.
A expressão no rosto do rapaz ferido causou um calafrio que percorreu todo o corpo do vampiro. O monstro jamais havia sentido uma pressão tão grande sendo direcionada para ele em combate.
Os olhos de Lucas, apesar da dor em seu corpo, brilhavam com a ferocidade de um caçador diante de sua presa. Imediatamente a criatura soube que ele não iria fugir.
Com um som idêntico à água caindo em uma chapa de metal incandescente, as gotas de chuva evaporaram no instante que tocavam o corpo de Lucas. Névoa se propagou ao seu redor, enquanto a aura vermelha aumentava de intensidade a cada passo.
Contudo, o barulho não podia esconder as palavras desse audacioso ser humano diante da criatura de outro mundo.
— Hora da revanche, monstro filho da puta.