Impuro Sangue Real - Capítulo 11
O comboio de carruagens balança muito enquanto segue para o sul. O senhor Musk Arlon lidera, acompanhado pela senhorita Flinner. Não há animais puxando os veículos; ambos emprestam sua magia para isso. As rodas giram sozinhas, seguindo o caminho desejado.
A paisagem aos poucos vai se modificando. O deserto da região central ganha outro formato, com a areia se tornando mais grossa e as dunas sendo substituídas por montanhas. Elas deveriam ser esverdeadas, mas no momento estão vermelhas e cobertas de troncos marrons, árvores mortas.
No caminho, encontramos casas espalhadas e algumas vilas pequenas. Mas não vale a pena parar nelas, então continuamos até a cidade mais próxima. Creio, com meu pouco conhecimento geográfico e péssimo senso de localização, que demoraremos mais dois dias para chegar a uma cidade de verdade.
Estou tão entediada que suspiro a cada dois segundos. Enquanto me largo no topo de uma carruagem com espaço para deitar, encaro o céu escaldante. Será que vai demorar muito para a próxima parada? Preciso me alongar, sinto que meus membros vão atrofiar a qualquer momento.
— Tárrrsila! — Escuto uma voz masculina chamar meu nome com mais ‘r’ do que o normal. Ainda deitada, pondero se respondo ou não ao chamado. Será que fiz algo errado dessa vez? Acho que a questão não é essa, a pergunta é: o que será que descobriram que fiz dessa vez?
— Táaaarsi! — Outro grito, desta vez feminino, chama meu nome. O sotaque é o mesmo, mas a animação na voz disfarça o número de erres. Sento, deixando meu corpo visível.
Olho ao redor até encontrar os donos das vozes e aceno quando percebo que desta vez não é nenhuma bronca. Os dois irmãos pulam e fazem acrobacias entre as carruagens, e me animo quando eles chegam mais perto.
— Ficamos sabendo que você está devendo duas apresentações para o senhor Arlon — comenta Arken, o mais velho. O encaro ainda sentada, observando ele enrolar seu longo cabelo vermelho em um coque bem apertado, deixando as orelhas pontudas à mostra, com vários brincos enfeitando-as.
— Sabemos também que você dançará a primeira com o Vult, e a outra? — Hasey pergunta animada; sua voz é tão engraçada quanto a do irmão. Ela prefere deixar o cabelo solto. O loiro dela contrasta com o ruivo dele, mas as orelhas são idênticas, assim como o formato fino do rosto e os olhos em um tom castanho-claro. — Não quer fazer com a gente?
Os dois eram os melhores trapezistas daqui, mas nem sempre foram do nosso circo. O senhor Musk Arlon os acolheu após se perderem. O antigo circo deles estava de passagem no continente da Lua na época em que o desastre começou, então eles não conseguiram voltar com os outros para o continente de origem.
— E o que estão pensando? — Normalmente, as apresentações deles são em duplas. Fazer um trio e testar acrobacias para a próxima parece complicado demais; não temos tanto tempo para treinar. Mas sem minha poção para encantar a voz, não tenho outra ideia de apresentação para fazer por enquanto.
— A gente queria montar um espetáculo com apenas dois trapézios e três pessoas — Arken explica de maneira rasa, e eu volto a me deitar. Apenas imaginar a ideia me deixa tonta. A conta não bate; tem que ser um trapézio para cada, caso contrário terão que lançar alguém para lá e para cá, e eu já imagino quem vai ser a cobaia. — Claro que vai ter uma dança no meio das acrobacias. Aí a gente fica revezando os trapézios na apresentação. Você pode pousar em uma das torres caso ache que vai cair.
— Pedimos até para o senhor Fixer combinar nossas próximas roupas. Ele disse que está fazendo um vestido para você, já deu uma olhada? — Hasey tenta chamar minha atenção. — Está tão bonito que talvez eu peça emprestado para outra apresentação.
— Vestidos não combinam com as apresentações que vocês querem fazer; a saia vai atrapalhar minha visão quando eu estiver de cabeça para baixo — comento, prevendo o desastre. — Se eu achar que vou cair, provavelmente já estarei caindo; não tem isso de pousar em uma das torres.
Eu não sou tão louca assim. Se minha especialidade fosse o trapézio, eu até toparia sem hesitar e nem pedir nada em troca. Mas não temos tempo para treinar direito, e tenho certeza de que isso não dará certo. O clímax dessa apresentação será eu espatifando no chão.
— Qual é, Tárrrsila… — Arken senta na carruagem, sendo seguido pela irmã. — Por favor… não te conheci tão covarde assim; achei que fosse a garota que topasse tudo.
— Eu não recusei, recusei? — pergunto. Minhas orelhas balançam animadas, e um sorriso desperta em meu rosto. — Eu apenas não aceitei.
— Ela quer alguma coisa… — Hasey murmura para o irmão.
— É claro que quero alguma coisa. Se eu serei a cobaia de vocês, vocês precisam ser as minhas também… pelo menos por três experimentos cada — proponho, e me divirto com a reação assustada deles.
— Você vai envenenar a gente três vezes? — Hasey nega com a cabeça enquanto fala.
— Minha intenção nunca é criar veneno! — argumento rapidamente, embora isso seja algo recorrente quando tento fazer algo.
É tão frustrante quanto parece. Eu não tenho magia e a única coisa que me resta são as poções. O fato de elas sempre se tornarem veneno não me agrada nem um pouco. Se fosse para fazer algo tóxico, eu seguiria a própria receita do grimório para fazer veneno.
A poção de Cacoete é a única fórmula do grimório definida como veneno de verdade. O mais engraçado é que é a única receita fácil de fazer; os ingredientes são até simples de encontrar. O problema é apenas a precisão nas proporções da dosagem de cada componente.
Ela deixa o usuário dependente; para sobreviver, precisa tomar novas doses de veneno diariamente. A única cura definitiva do veneno é uma rosa vermelha de pontas alaranjadas que pode curar tudo.
Eu pensei em fazer algumas vezes para entregar ao Markson ou ao Triket, mas se descobrissem que o segredo seria ficar tomando constantemente a mesma poção, daria trabalho demais ficar fazendo ela para esses imprestáveis. Então, a receita está guardada e não tenho interesse em fazer agora.
— Uma vez! — argumenta Arken, e finalmente sento novamente. — Seremos sua cobaia apenas uma única vez!
— Uma vez cada? — Os encaro antes de aceitar, e eles concordam com a cabeça. — Mas se na hora da apresentação eu cair lá de cima, vocês vão ser minhas cobaias por um mês!
— Você vai cair lá de cima de propósito com essa proposta! — Hasey se desespera, encarando o irmão com os olhos arregalados.
— Corro muito mais riscos que vocês aqui… é pegar ou largar — disse em um tom sério, cruzando os braços. Talvez tenha exagerado na proposta; eles não pareciam querer aceitar. — Eu só estou falando isso porque também desconfio que vocês querem me largar lá de cima. É apenas uma garantia para mim… Acham mesmo que vou me arriscar cair de mais de quinze metros de altura enquanto tento dar uma cambalhota no ar?
Eles se entreolham e suspiram em seguida. Então, abro um pequeno sorriso quando eles concordam com a proposta.
— Mas só se você se machucar… — comentou Arken, sem querer ceder totalmente. — Ainda tenho a impressão de que arrumaria uma forma de cair sem se ferir, apenas para que a gente se torne sua cobaia por um mês.
— Está bem — concordei, animada. — Assim que pararmos, vamos arrumar um tempo para começar a treinar.
— Enquanto isso… — apontou Hasey. — A gente pode começar a planejar a apresentação.