Impuro Sangue Real - Capítulo 15
Ele podia camuflar tudo: esconder o cabelo, tampar o rosto, fechar os olhos para se tornar irreconhecível, se esconder em qualquer lugar. Mas não adianta mais. Seu erro foi me deixar encontrá-lo.
— O que pensa que está fazendo? — perguntou o príncipe, a voz arrogante e o olhar julgador, seguido de um sacolejo no braço que me fez soltá-lo.
Ele não esperou resposta, virou-se e tentou mais uma vez escapar, mas eu estava disposta a agarrá-lo novamente, quantas vezes fossem necessárias.
— Não vou deixar você sair daqui sem mais nem menos — falei, segurando seu braço com as duas mãos agora. — Eu sei quem é você.
— Não sabe nada… — murmurou entre os dentes. Ele puxou o braço novamente, mas precisaria me arrastar junto se quisesse sair da feira de troca.
— Quer que eu grite para todo mundo quem você é? — questionei em um sussurro irônico e provocador.
— Você não… — Ele me encarou, travou o maxilar e parou de falar. Devia estar pensando se eu teria coragem de causar essa comoção.
A essa altura, todos deviam saber sobre o desaparecimento do príncipe; é uma notícia antiga e barata. E se eu tinha coragem de fazer bagunça com isso? A pergunta era ridícula na posição em que estávamos, agarrando o braço do desconhecido e ameaçando nas primeiras palavras trocadas. Nunca nos vimos, nunca nem conversamos, e se eu tinha coragem de o ameaçar, não deveria duvidar do resto.
— Meu senhor, vamos perder a carona. — Um ser baixinho de meio metro e tão encapuzado quanto o príncipe chegou, freando bruscamente. Ele parecia apressado, mas parou de falar quando viu a cena à sua frente. — O que ela está fazendo aqui?
A criatura pequena me encarava espantada. O príncipe, por outro lado, chamou ainda mais minha atenção quando abaixou a máscara que usava. Ele parecia uma pedra de cimento, com a pele tão cinza que me fez perceber que seu toque era tão gelado e morto quanto sua aparência.
Ele estava pior do que a imagem que eu tinha guardada. A única coisa igual eram seus olhos dourados, e talvez seu cabelo, mas este estava escondido e só consegui ver uma mecha por coincidência.
— Eu não tenho tempo para você! — exclamou o príncipe baixinho, agarrando minha mão e espremendo meus dedos contra o outro, causando uma dor aguda. — Talvez em outra ocasião eu te aproveitasse mais, vadiazinha.
Não tive tempo de responder à ofensa. Ele me puxou com força, diminuindo o espaço entre nós, e antes que meu corpo se chocasse contra o dele, ele me agarrou e, como se fosse a atitude mais óbvia a ser tomada, me beijou.
Eu estava sem reação alguma. A sensação era como se estivesse beijando uma parede, sem movimento algum. Quando percebi, já era tarde. Estava acontecendo algo mais do que apenas um beijo, e não tinha mais força para separar aquele contato.
Enquanto sentia a pele do príncipe esquentando e ganhando vida, a minha parecia esfriar. Por dentro, meu corpo era uma bagunça: queimando e ardendo, como se fosse entrar em combustão. Ao mesmo tempo, ao meu redor, o vento parecia tão gelado que trazia alívio imediato a essa sensação.
Meu corpo estava enrijecido, e quando senti que estava prestes a desabar, o príncipe se distanciou. Ele cobriu novamente o rosto, mas deu para ver o tom vivo que sua pele havia ganhado: uma cor muito bonita e bronzeada, um pouco mais clara do que a de Triket.
— Pronto. — disse o príncipe, me largando. Eu cambaleei para trás, quase tropeçando nos pés.
— Você me usou… — murmurei com um sorriso pequeno e involuntário, embora soubesse que a conclusão não se tratasse apenas disso. — Me envenenou…
— Não é algo para se dizer com um sorriso no rosto. — disse o príncipe em um tom sério, julgando minha postura.
Eu não podia evitar. De todos os venenos que já provei, nenhum me trouxe uma sensação tão confusa quanto essa, e nenhum foi tão inesperado quanto este.
Era doloroso e aliviante ao mesmo tempo, frio e quente. Eu queria pular e avançar em cima dele, mas meu corpo estava dormente. Ainda assim, sentia tudo ao meu redor; o vento até parecia mais áspero e capaz de cortar quando tocava minha pele.
Toda a sensação era estranha demais para eu dizer tudo que senti, experimentando apenas uma única vez. Eu queria testar de novo para saber o que mais poderia expressar. Porque, colocando na balança tudo que senti, pareceu algo realmente prazeroso.
— Vamos! — disse o príncipe, encarando o ser pequeno e virando suas costas para mim.
— Espera! — tentei segui-lo, mas minhas pernas não funcionaram como deveriam e eu caí. Meu corpo realmente estava uma bagunça.
— Mas, meu senhor… ela… — ponderou a criatura pequena, ainda me encarando espantada.
— Não é quem você pensa que é, nos confundimos. Vamos! — gritou o príncipe em tom arrogante, puxando a criatura pela roupa. — Ela não vale a pena, não quero perder a carona.
— Espera! — exclamei, mas eles não deram ouvidos. — Droga.
Consegui me levantar, mas acho que mesmo se tentasse correr, acabaria caindo novamente. Minhas pernas ainda estavam meio fracas e acho que me trairiam no meio do caminho, não dá para saber. Preciso impedir o príncipe de fugir.
Passei a mão pela cintura, pegando a arma que carrego. Eles não estavam muito longe, não deveriam fugir de mim. Nem sequer nos apresentamos direito para me menosprezarem assim.
Arremessei a adaga na direção do príncipe, e ele se virou no momento exato para impedir que a lâmina perfurasse suas costas, segurando a parte cortante com a mão. Algumas gotas de sangue escorreram pela arma.
O príncipe encarou o objeto e o jogou no chão como se fosse lixo, sem se importar com o machucado. Ele me encarou mais uma vez, desafiando-me novamente. Se eu tivesse outra arma, a arremessaria sem problemas. Se eu tivesse várias armas, jogaria todas em sua direção. Como eu queria ter mais armas.
Ele fugiria, e eu não podia deixar. Não podia aceitar. Tentei avançar, mas algo agarrou meu pé e me fez cair de joelhos mais uma vez.
— Droga! — disse ao encarar o chão, percebendo que uma raiz havia agarrado meu sapato. — Eu ainda estava tonta, não precisava fazer isso… eu cairia no meio do caminho.
Lamentei ao perceber que o príncipe já estava longe. Desistindo de me soltar daquela planta e apenas aguardando. Aquilo havia agarrado no sapato, uma botinha marrom que já estava velha. Talvez fosse melhor deixar o calçado ali… mas acho que o senhor Fixer me mataria e não terminaria o vestido que está fazendo. É meu sapato favorito também e eu já perdi o príncipe de vista…
— Droga… — murmurei novamente. Ainda estava tonta e agora com um grande vazio no peito. Sinto como se tivesse perdido uma briga, e odeio quando isso acontece.
E eu achando que o dia estava perfeito.
Aquele olhar… ele estava esperando que eu lançasse algo mais? Ele sabia que eu cairia, posso jurar que até sorriu por trás da máscara quando aconteceu. Ele não parecia confuso. Estava apenas desprezando minha atitude, como se não fosse nada. Príncipes devem ser assim mesmo, arrogantes e despreocupados. Mesmo que no caso dele, seja um ex-príncipe de um império falido.
Patético. Ele ainda acha que é alguma coisa, por acaso? Mais patético do que ele, apenas eu que deixei que isso acontecesse. Mas como eu adivinharia que ele me beijaria? E que seu beijo não seria um beijo.
Droga, droga, droga.
— Alguém pode por favor me ajudar aqui? — gritei, a raiva permeando cada centímetro do meu corpo.
Os feéricos ao meu redor apenas me ignoraram, como se eu fosse louca naquele contexto. Não estavam enganados, eu estava prestes a enlouquecer mesmo. Como essas criaturas podem ser tão antipáticas? Viram o que aconteceu e mesmo assim ignoraram tudo. Só se importam com o que é seu, com a própria pele e não se envolvem no que não parece lucrativo. É por isso que, após milhares de anos, ninguém reverteu a maldição de Tântalo. Ninguém se importa. São todos tão…
— Társila! — Escutei um grito que interrompeu meus pensamentos. — Que diabos está fazendo?
A senhorita Flinner se aproximava, sua expressão de raiva era tão previsível quanto a de serenidade do Senhor Musk Arlon que estava ao seu lado. Contudo, os dois rostos ficaram apreensivos quando chegaram perto de mim.
— O que aconteceu? — disse o elfo, encostando em minha testa. — Está gelada e pálida.
— O que aprontou? — perguntou a senhorita Flinner, cortando a raiz que prendia meu sapato com a adaga que ela carregava na cintura.
— Nada…
— Como assim nada? — a senhorita Flinner praticamente gritou no meu ouvido. Para ela, essa explicação estava longe de ser suficiente.
Suspirei, encarando a minha arma que estava a poucos metros de distância. A raiva que sentia evaporou tão rápido que nem deixou rastro. Ao contrário, um sorriso despertava em minha face.
Havia um pouco de sangue na lâmina. Seria melhor se tivesse atingido as costas do príncipe e jorrado sangue por toda parte. Pelo menos assim ele pensaria duas vezes antes de me ignorar e me chamar de vadiazinha. Ainda assim, talvez conseguisse fazer algo com esse prêmio de consolação, uma poção simples, quem sabe.
— Eu achei o príncipe e ele me beijou! — disse com simplicidade e animação atuada, apenas para me divertir com a reação de incredulidade dos dois. Aposto tudo que se eu mentisse estaria menos enrascada. — Estou ainda mais apaixonada por ele agora.
Tão apaixonada que na próxima vez que o encontrar darei um jeito de prendê-lo e descontar o que ele fez hoje.