Inimigo das Trevas - Capítulo 04
Após Alonso dar o aviso de início, os dois não se moveram de seus lugares. Igor encarou o sabre por alguns instantes, movendo-o de um lado para o outro e em seguida fazendo dois cortes no ar; Raoni fitou-o e um sorriso de canto apareceu em seu rosto ao notar a hesitação do adversário.
ㅡ Não me diga que não sabe usar uma espada ㅡ debochou o garoto. ㅡ É burrice lutar com uma arma que não está acostumado.
O rapaz parou os movimentos, fez um último corte na diagonal e então disse: ㅡ Não faz mal, irei me acostumar logo, logo.
Sem mais demora, ambos correram em direção ao outro, se encontrando no meio do tatame. Com extrema rapidez, Igor brandiu a espada na direção do abdômen de Raoni, porém, o garoto se lançou no chão, posicionando-se de joelhos e deslizando por entre as pernas do adversário, desviando do ataque.
Surpreso, Igor virou-se para ele, que ficou de pé e deu duas batidas na calça, retirando a poeira que se acumulara.
O rapaz apertou o cabo do sabre com força, ele sabia muito bem o que o garoto queria, e estava conseguindo. Se não fosse um combate amistoso, com aquela esquiva poderia muito bem ter cortado uma de suas pernas e finalizado a luta em um único golpe.
ㅡ Um a zero pra mim! ㅡ Raoni exclamou, se posicionando novamente.
Igor não se conteve e voltou a avançar, desferindo o primeiro golpe assim que tomou a dianteira. O garoto colocou seu braço direito em frente ao corpo e defendeu o ataque com a adaga na horizontal, mas Igor não recuou, invés disso colocou ainda mais força no ataque, pressionando o sabre contra ele.
Ambos faziam o máximo de força que podiam até o ponto de suas lâminas tremerem, mas a desvantagem começava a se tornar evidente ali. Raoni ia sendo forçado para trás e como resposta foi obrigado a buscar apoio em suas pernas, mas não se sustentaria para sempre, a força do adversário era bem superior à sua.
Numa atitude rápida, o garoto girou para o lado e a lâmina de Igor foi em direção ao chão. Aproveitando da imensa abertura feita, preparou-se para desferir um corte com a adaga; porém, o rapaz também usou o infortúnio em seu benefício e, usando da velocidade do sabre, girou no próprio eixo, fazendo suas lâminas colidirem antes que fosse atingido.
ㅡ Bela defesa! ㅡ disse o garoto sorridente.
ㅡ Eu poderia dizer o mesmo, se não fosse pra você! ㅡ respondeu Igor.
ㅡ Tá zangadinho, é? É um inútil mesmo…
ㅡ E quem é você para dizer isso?
Os dois então iniciaram uma intensa troca de golpes e a cada colisão das armas, faíscas eram geradas graças ao atrito. Após mais uma sequência de golpes, Igor aproveitou-se do pequeno espaço de tempo em que o garoto retraiu a adaga e acertou um chute frontal em seu abdômen, lançando-o a alguns metros de distância.
Raoni usou do apoio em seus pés e foi, aos poucos, diminuindo a velocidade com que era jogado para trás, parando quase na beirada do tatame. Ele se ergueu com uma expressão de dor e isso foi o bastante para arrancar um pequeno sorriso de Igor.
Da arquibancada, tanto Alonso quanto a princesa assistiam a tudo com o semblante preocupado, aquilo já estava passando dos limites. Alonso se levantou, apto a interromper a luta; porém, já era tarde demais, os dois adversários se encaravam prontos para desferir o golpe final.
O garoto, com um olhar assassino, ergueu a adaga à frente do rosto numa posição ofensiva; Igor empunhou o sabre com as duas mãos e, antes que desse por si, sentiu uma aura emanar da lâmina para o seu corpo, como se fosse tomado por um calor repentino.
Sem desviar os olhares, os dois avançaram até se encontrarem no centro do tatame. Com um único movimento, suas armas colidiram, o que gerou um grande atrito e fez uma nuvem de fumaça tomar o lugar, impedindo de ver o resultado do combate.
Poucos segundos depois, a nuvem começou a se dissipar e viu-se Igor caído para um lado e Raoni para o outro. No centro estavam Alonso e Elizabete, um ao lado do outro; ele segurava o sabre pela lâmina e ela tinha a adaga em mãos, ambos com olhares de reprovação.
ㅡ Essa rivalidade de vocês não foi nada normal, nem parece que acabaram de se conhecer! ㅡ falou Alonso, fitando Igor enquanto retornava o sabre ao seu formato anterior de graveto. ㅡ É, parece que você não estava pronto para ela… Esses jovens de hoje não sabem pegar leve!
ㅡ E você pode falar isso? ㅡ a princesa deixou escapar um sorriso debochado. ㅡ Lembro bem das suas lutas com o Romão! Você não era dos mais comportados…
ㅡ Isso foi em outra época, agora sou um adulto.
ㅡ Às vezes nem parece… ㅡ disse Igor, se levantando.
Alonso jogou o graveto e o garoto agarrou a estranha arma. Depois foi a vez de Raoni se levantar, e ao ver sua preciosa adaga nas mãos de Bete, com um salto tomou-a para si, recolhendo a arma próxima ao corpo.
ㅡ É minha! Ninguém toma!
ㅡ Raoni! Já te disse, não vou roubar sua arma! ㅡ repreendeu a moça.
ㅡ De-desculpa… e-eu…
O menino encarou a arma em suas mãos e uma expressão confusa se formou em sua face, a moça se aproximou e prendeu-o num abraço apertado, sentindo seu vestido ser trespassado pelas lágrimas quentes do garoto. Ela afagava os seus cabelos negros enquanto tentava o consolar.
ㅡ Ô bichin, está tudo bem, eu te entendo…
Igor analisava a cena sem entender nada do que ocorria. Alonso lhe tocou o ombro e então o rapaz virou-se para o tio.
ㅡ Esse garoto já passou por poucas e boas… Tenha paciência com ele, às vezes ele pode ser irritante, mas é um bom menino.
ㅡ Falar é fácil… ㅡ falou Igor, ainda confuso. ㅡ Mas e então, temos mais alguma coisa para fazer ou já vamos embora?
ㅡ Só vamos nos despedir e poderemos ir…
Ao ouvir a conversa dos dois, Bete se aproximou com o garoto ainda grudado ao seu lado e então disse: ㅡ Vão embora de bucho vazio? Fiquem para o almoço ao menos…
ㅡ Ai, ai! Sabe que eu não não resisto a comida! ㅡ Alonso abriu um largo sorriso. ㅡ Ficar mais um pouco não faz mal, não é?
*****
Após tomarem um longo banho, os visitantes foram direcionados a uma sala onde uma mesa enorme estava repleta das mais diversas iguarias e comidas típicas. Igor sentou-se enquanto encarava aquele manjar sem saber o que escolher, há meses não tinha uma refeição decente.
ㅡ Fiquem à vontade ㅡ anunciou a princesa.
ㅡ Pode deixar!
Alonso foi o primeiro a agarrar um prato e encher com todo tipo de comida, logo depois os demais fizeram o mesmo. O que mais impressionava Igor era que a mesa também estava lotada com várias pessoas, a princesa fizera questão de convidar todos os serviçais do palácio para juntarem-se ao banquete.
Em pouco tempo o rapaz estava satisfeito, com a ótima comida e o clima leve que emanava do local, uma sensação de bem-estar tomou conta dele como não sentia fazia um bom tempo.
Na tentativa de quebrar o gelo de sua parte, resolveu puxar assunto e sanar algumas dúvidas que ainda martelavam em sua cabeça.
Após alguns segundos de hesitação, então perguntou: ㅡ E então, Bete, se você é a princesa, não deveria ter um rei ou uma rainha aqui?
De repente, todos na mesa ficaram em silêncio e voltaram seus olhares para Igor, que imediatamente arrependeu-se de sua fala.
A princesa o encarou com um pequeno sorriso e então explicou: ㅡ Sou eu que governo aqui, princesa é mais como um apelido mesmo. Meus pais morreram há muito tempo, centenas de anos atrás na verdade.
ㅡ Sinto muito. A maldição não te permite envelhecer, deve ser um porre… Argh!
O rapaz foi interrompido por uma cotovelada nada discreta de Alonso que o fez exibir um semblante de dor, em seguida o tio lhe dirigiu um olhar de reprimenda. Tentando controlar o riso, Bete resolveu intervir.
ㅡ Não tem problema, Alonso. Ele está certo, é péssimo mesmo…
ㅡ Desculpe, esse meu sobrinho é meio idiota às vezes!
ㅡ Olha só quem fala… ㅡ debochou Igor.
Tão repentino quanto o clima anterior, a sala foi tomada por um coro de risos.
O rapaz fitou Raoni ao lado da princesa, era incrível como apenas sua presença conseguia fazer o garoto se aquietar, nem parecia o pequeno demônio de antes. Sem sombras de dúvidas, os dois carregavam uma intensa relação afetuosa.
Entre conversas e risadas, o almoço logo acabou e, graças aos apelos de Bete, os visitantes foram convencidos a passar mais aquele fim de dia no castelo.
Os dois ficaram toda a tarde a passear pelos corredores e visitar as várias salas do lugar, desde a imensa biblioteca, sala de armas, até a sala do trono. O lugar, além de lindo, carregava toda uma história misteriosa, tomada pela misticidade.
*****
Assim que a noite caiu, todos foram obrigados a trancarem-se nos quartos e o clima de tensão voltou a tomar conta do castelo: pessoas apressadas corriam para seus aposentos e viam-se olhares assustados aqui e ali.
Já nem parecia ser aquele mesmo lugar de mais cedo, a aura que dali emanava era totalmente diferente.
Novamente, Igor viu-se preso em seu quarto com Alonso, este que estava sentado na cama enquanto lia um pequeno cordel.
ㅡ O que está lendo aí? ㅡ indagou Igor, jogado sobre os travesseiros.
ㅡ A lenda da Princesa de Jericoacoara…
ㅡ É sério isso?
ㅡ É até engraçado, não acha? As pessoas pensam que não passa de uma lenda, um conto popular…
ㅡ Imagina se elas soubessem que lobisomem e saci são reais. ㅡ O rapaz falou enquanto ria. ㅡ Iam ficar loucos!
ㅡ Pois é…
De repente, os dois ouviram alguém bater na porta e estranharam imediatamente, saltando da cama. A porta emitiu um rangido e o homem que os recepcionou no primeiro dia apareceu por ela, ele parou enquanto apoiava-se nos próprios joelhos, o suor escorria por todo o seu rosto e ele tentava controlar a respiração ofegante.
Só após recuperar a postura ele se virou na direção deles e bradou: ㅡ POR FAVOR, NOS AJUDEM! A PRINCESA ESCAPOU!