Internet Cjaos - Capítulo 1
Charlie morava sozinho desde o falecimento de sua mãe, há pouco mais de um ano. A casa, embora grande, mantinha uma modéstia característica, destacando-se pelo porão reforçado com concreto. Construído por seu avô durante a Guerra Fria, o porão tinha a intenção de proteger a família de uma guerra nuclear que nunca ocorreu. Ao longo do tempo, esse espaço subterrâneo transformou-se em um depósito de bugigangas colecionadas pelo pai da família ao longo de sua vida.
Numa manhã nublada, com nuvens tempestuosas se formando no horizonte, Charlie despertou cedo para enfrentar o dia de trabalho em um escritório de contabilidade no centro da cidade. Descontente com o emprego, sentia que seus seis anos de faculdade mereciam mais do que a remuneração recebida.
Como muitos de nós, a primeira ação de Charlie ao acordar foi verificar o celular, mas estava sem sinal. Desde a tarde do dia anterior, a casa estava sem internet devido a uma manutenção na antena do bairro. Os funcionários não haviam concluído o trabalho, deixando todo o bairro sem internet e sinal durante toda a madrugada.
Ainda frustrado, Charlie seguiu sua rotina até ouvir batidas na porta. Ao olhar pela janela, identificou seu colega de trabalho e amigo de infância, conhecido por todos como Mike, embora seu nome verdadeiro fosse Michael.
— Tenho uma boa e uma má notícia — gritou Mike do portão, ele estava ofegante, o suor escorria no seu lustroso cabelo castanho.
— Conte a boa primeiro — falou Charlie ao abrir o cadeado do portão.
— Fomos dispensados do emprego hoje — respondeu, adentrando a residência.
“Como assim dispensados?”, pensou Charlie e comentou em um tom irônico:
— Qual a notícia ruim? Fomos despedidos?
— Seria bem melhor. — Mike suspirou preocupado.
Os dois se sentaram no sofá, toda a atenção de Charlie estava focada no que Mike falaria.
— Parece que ontem à noite, outro atentado terrorista aconteceu, dessa vez em São Francisco… — O tom de Mike era pesado, cada palavra saía com dificuldade de sua boca.
— É o terceiro em menos de duas semanas, o mundo está ficando cada vez pior… — comentou Charlie cabisbaixo, refletindo sobre a situação. — Comparado aos de Pequim e Moscou, qual a gravidade desse?
— Essa foi bem pior… — Mike ficou calado por um curto tempo, ponderando a veracidade da história. — Uma bomba de cobalto foi detonada.
Charlie saltou do seu assento e começou a andar em círculos pela sala. Sua cabeça girava pelas informações que recebia.
— Qual a chance de ser verdade? — perguntou, com a mão no queixo.
— Cem por cento.
— Não brinque comigo! Essa é uma informação muito forte… — Charlie suspirou, tentando recuperar os sentidos e seguir uma linha de raciocínio. — E como isso afeta a nós? Por que seríamos dispensados do trabalho com algo que acontece no hemisfério norte?
— Não existe mais internet.
Charlie ficou mudo e se sentou sem esperanças. Seus pensamentos se perdiam em um mar de confusão e incerteza. Não existia mais um porto seguro onde ele pudesse aportar seus sonhos e desejos. Seu único passatempo em sua depressão havia se tornado o xadrez online; agora, sem isso, o que seria dele?
— Os ataques a Pequim e Moscou foram apenas o primeiro passo… — Mike começou a explicar o que sabia para tentar acalmar os pensamentos do amigo. — São Francisco foi o estopim para o início do fim, a última notícia que li dizia sobre uma nuvem de cogumelo que surgiu em Washington.
— Isso me deixa muito tranquilo! — ironizou Charlie, já começando a ter uma respiração ofegante.
— Calma, nós aqui no Brasil estamos seguros — Aproximou-se Mike com um tom mais calmo.
Charlie acalmou-se após pensar um pouco; aquilo devia ser apenas um mal-entendido de Mike. O sinal havia caído pela manutenção da operadora, não devido a uma maldita guerra do outro lado do mundo. Olhou para Mike e soltou uma pequena gargalhada por acreditar naquilo por alguns segundos, então disse:
— A internet foi projetada para sobreviver a uma guerra nuclear, acho improvável a sua informação.
— Cara, eu estou te falando a verdade! — rebateu Mike um pouco ofendido — Li na internet!
— Como tu leu isso se a internet caiu, acha que nasci ontem? — Charlie subiu o tom.
— Eu estava lendo isso, quando Rick Astley invadiu minha tela com uma mensagem escrita: “Em manutenção”.
— Mais verídico que o mundial do Palmeiras.
— Eles ganharam mês passado.
— Merda! — Charlie bateu a mão na coxa. — Esqueci disso!
— Veja você mesmo, é só abrir o seu computador — comentou Mike.
Charlie olhou meio descrente e então pensou: “Qual o custo? Mostrarei para ele que tudo não passa de um mal-entendido.”
— Tudo bem, farei isso. — Charlie ligou o seu computador, pronto para desmentir os fatos.
Mike ficou atrás dele em pé e Charlie sentou-se na cadeira da mesinha. Os dois ouviam a própria respiração com o silêncio que ficou na sala ao esperavam o computador ligar.
Tudo estava normal na tela, as pastas no seu devido lugar, a tela de fundo em estilo medieval, mas ao abrir o navegador, as coisas ficaram estranhas.
— Mas que… — pestanejou Charlie ao escutar o início de “Never Gonna Give You Up”.
O vídeo tocou por alguns segundos até que uma nova imagem apareceu. Era um brasão tricolor de três cores com uma coroa dourada no centro.
— Olá, Charlie — disse uma voz familiar. — Espero que esteja bem.
— Pai? — Charlie não conseguia compreender o que estava escutando.
Mike olhou confuso para seu amigo e comentou:
— Ele não estava desaparecido?
— Estava… — Charlie estava deslocado, e seus olhos brilharam com a voz do pai.
— Já faz um tempo… — continuou a voz. — Peço desculpas pela dor que causei em nossa família, mas foi necessário para trazer paz ao nosso mundo.
— Do que ele está falando? — interrompeu Mike.
Charlie ficou furioso e deu um soco no ombro do amigo, que gemeu de dor.
— Ei! — reclamou Mike com outro soco.
— Calado! — ordenou Charlie em tom sério. — Eu realmente quero escutar o que ele tem a dizer.
— A agência está recrutando, e eu gostaria de poder trabalhar com o meu filho — falava o pai dele, enquanto a imagem estática do brasão se mantinha na tela. — Você tem potencial. Não o desperdice, você é a junção da beleza da sua mãe com a minha inteligência, exatamente o que os meus superiores procuram.
Charlie estava com os olhos embargados. Ouvir aqueles elogios e saber que o seu pai ainda estava vivo lhe causavam um misto de sentimentos, uma mistura de sentimentos que um jovem de vinte três anos poderia experimentar. O pai dele seguiu com as instruções:
— Deixei uma caixa no porão para quando esse momento chegasse, atrás do velho relógio do seu avô. Se você realmente quiser seguir o meu caminho, é só seguir o que eu digo. Existe uma segunda caixa que preparei para a sua mãe… — Ele ficou quieto por alguns segundos e então voltou a falar — se você quiser levar alguém com você, é só remover as roupas e substituir por outras. Eu te espero filho…
Uma segunda voz se iniciou na tela, logo após a mensagem dele. Era uma voz feminina, calma, mas misturada com um certo desprezo pela oradora:
— Um aviso importante, você não é o único dotado de habilidades, existem outros como você. — O computador começou a transmitir diferentes imagens de Charlie na tela — Muitas não terão escrúpulos para tentar obter o que almejam. No final dessa caminhada, cinco estão no topo, enquanto os outros estarão embaixo, mortos ou com a honra ferida. A pergunta é: você tem a força necessária para vencer? Ou continuará com a sua vida patética de sempre?
Com essas palavras, Charlie correu para a cozinha, onde abriu o pesado alçapão que dava acesso ao lugar. O pó havia se acumulado nos últimos anos; ninguém entrava naquele local desde o falecimento da mãe dele.
Mike foi logo atrás, para auxiliar o amigo, porém foi na maior parte do tempo apenas um empecilho enquanto Charlie procurava pela tal caixa.
— Você vai me levar, né? — questionava ele.
— Cala a boca e ajuda, menos conversa, mais trabalho — ordenou Charlie ao empurrar um velho móvel de madeira que obstruía a passagem.
— Esse porão não parece um abrigo subterrâneo… — comentou Mike ao olhar o local.
— Existe uma segunda passagem para acessá-lo. Mas não sei a localização. — Charlie persistiu em encontrar um caminho entre a confusão para chegar ao relógio antigo localizado no canto da parede, enquanto Mike focava em uma prateleira repleta de garrafas.
— Tem vinho da década de trinta aqui… — Mike pegou um pote com um líquido amarelo com algo escondido no fundo. — Isso é picles em conserva?
— É um rim, guarda isso — respondeu Charlie ao chegar no velho relógio de madeira.
Mike, com uma expressão de nojo, colocou o rim de volta no lugar. Charlie observou o relógio e começou a andar de um lado para o outro, onde estaria a caixa do seu pai? Percebeu um som diferente no chão ao caminhar.
— Escuta isso? — indagou para Mike ao dar um pulo. O assoalho de madeira rangeu um pouco.
— Você deu um pulo, como eu não escutaria? — reagiu Mike como se tal coisa fosse uma obviedade.
— Ótimo, e esse? — Charlie pulou em outro local, na frente do relógio.
— Foi diferente. — concluiu ao escutar o som da madeira ranger em estalos.
— Perfeito. — Charlie pegou uma marreta caída entre a bagunça e golpeou o chão no local em que havia pulado.
— Violento — disse Mike quando viu o grande buraco feito por Charlie.
Os dois removeram os detritos e revelaram um piso falso, de onde retiraram duas caixas cinza de aço. O conteúdo das duas era o mesmo, uma mochila com suprimentos básicos, como comida em lata, kits de primeiros socorros e mudas de roupas.
— Acha que está pronto para conhecer o seu pai? — perguntou Mike ao colocar a mão no ombro do colega.
— Espero que sim…