Ithy - Sombras de Eberus - Capítulo 1
“Conhecerei a verdade e ela vos libertará!”
O que é verdade e o que é mentira? Buscamos encontrar uma razão para viver e acreditamos nela com todas as nossas forças. Esta é a história de uma garota que mudou o rumo do universo ao buscar sua razão, seu propósito e a sua verdade.
No meio da floresta negra abaixo das montanhas congeladas do Norte, situava-se a mansão da família Sarley.
Na sala de visitas aquecida pela lareira feita de pedras, dois homens estavam sentados em poltronas, de frente um para o outro.
A serviçal serviu-lhes uma taça de vinho e retirou-se do recinto, deixando-os a sós.
— Senhor Haniball, dou-lhe minha palavra que essa informação é confiável. — Afirmou o homem de meia-idade, vestindo um terno marrom, com o nariz volumoso acima do bigode grisalho.
Haniball, por sua vez, era um homem de ombros largos, vestindo um terno azul-marinho. Seus olhos azuis contrastavam com seu cabelo branco, dando cor ao seu rosto.
— E acredito que você esteja aqui para que eu lhe deva um favor por essa informação. — Concluiu Haniball.
— Não me interprete mal; você sabe que estar sob a proteção dos Sarleys me deixaria dormir muito mais tranquilo, já que estamos expandindo os negócios para o norte.
Haniball tomou um gole de sua bebida antes de colocar a taça sobre a mesa dourada e redonda, ao lado de sua poltrona de estofado preto.
— Sua família desfruta de bastante prestígio aqui no Norte e conta com a confiança do rei de Val’Ria.
A boca de Haniball se abriu como se fosse dizer algo, mas ele desistiu quando o homem retomou a fala.
— Sei que você tem contato com a guilda sombria chamada… — ele se inclinou em direção a Haniball e pronunciou a última palavra em sussurro, como se evitasse que alguém os ouvisse. — “Zuritas”.
Haniball riu com deboche antes de dizer:
— Zuritas? Não imaginei que fosse um homem que acreditasse em histórias, Guilhermo.
— Pode rir se quiser, mas sei que não são apenas histórias. — Afirmou Guilhermo, recostando-se na poltrona.
— Por favor, você deveria temer mais pelos boatos que vêm do Leste. Ouvi dizer que Eberus marcha sobre o deserto de Sar’Lava.
— Também ouvi esses comentários, conversei com Uric Merlâni e com Willian Wollmeister.
— Já lhe disse para não se envolver com os Wollmeister, não é sensato.
— Não entendo sua bronca com eles, pois fique sabendo que o pai dele tem me ajudado muito com as questões de Carcovíck, especialmente se os boatos forem verdadeiros… Sabe que o país mais próximo da floresta de Caria é Pélor, nosso vizinho.
— Eu sei…
— Com certeza Carcóvi será convocada a ajudar e uma guerra na atual situação do Grã-mestre seria uma crise sem precedentes. — Guilhermo abaixou a cabeça e apreciou o vinho em sua taça por um momento.
— Não sofra pelo futuro. Irei verificar a informação que me destes e pode ficar tranquilo que colocarei seu negócio sob meu alvará.
— Está falando sério?
— Sim — disse Haniball levantando-se.
Guilhermo se pôs de pé e acompanhou seu anfitrião, que o guiou até uma porta dupla feita de pinheiro.
— Temos que descobrir o que aquele homem está tramando.
— Com certeza não parece ser algo bom — falou Guilhermo, pegando seu sobretudo pendurado em um cabide junto com seu chapéu-coco. — Até mais, meu amigo e espero seu alvará.
— Enviarei até o final de semana.
— Obrigado e até logo.
Haniball o assistiu colocar seu chapéu e partir pela estrada coberta por neve até sua carruagem, finalmente deixando a propriedade.
— Por que na cidade de Ebraur? Não faz sentido algum ele estar lá. — Haniball conversava consigo mesmo após fechar a porta, chamando por Iris.
A serviçal surgiu de uma das portas do salão de entrada.
— Sabe para quem deve enviar uma mensagem.
— Sim senhor Sarley. — Confirmou, curvando-se e se retirando.
Nos próximos dois dias, nada fora do comum ocorreu na residência. Os serviçais trabalhavam e Haniball realizava suas tarefas, como preencher formulários, realizar seu treino de artes marciais e espada, assim como dedicar parte de seu dia à meditação.
Ao cair da noite, dois homens cobertos por capas escuras e usando máscaras de animais, um com a de uma serpente e outro de um lagarto, chegaram a cavalo. Haniball foi recebê-los no quintal.
— Sejam bem-vindos meus amigos.
— Mestre, recebemos sua mensagem. — Responderam, ajoelhando-se.
— Sem cerimônia, por favor. Entrem. Já vão trazer uma sopa quente para ambos.
Os dois se levantaram e entraram na casa. Sem tardar, as empregadas trouxeram sopas em tigelas de cerâmica para cada um.
— Por que convocou somente nós? — Indagou o homem que usava máscara de serpente, mas agora a havia retirado, revelando seus olhos verde esmeralda. Seu rosto era quadrado e ele exibia uma cicatriz vertical dos lábios até o queixo.
O outro homem, que era mais baixo, tinha os cabelos encaracolados e o nariz fino. Ele tomava sua sopa, prestando atenção em como Haniball iria responder.
— Não iremos em missão oficial da guilda. Partiremos antes do nascer do sol.
— Então ele foi visto. — Deduziu o mais baixo deles, levantando-se.
— Lagarto! O mestre ainda não terminou de… — Questionou irritado o outro.
— Não há o que terminar, fomos chamados aqui para irmos até o local e capturar o alvo. — Interrompeu seu companheiro, olhando para Haniball.
— Ele está certo. — Confirmou o mestre.
— Com sua licença, irei me retirar para descansar. — Lagarto, como foi chamado, cumprimentou e retirou-se, seguindo uma das criadas até seu quarto.
— Mestre, gostaria de saber quem estamos procurando? — Perguntou o que ficou ainda sentado.
— Eu não sei, Cobra, mas alguém que conhece a verdade desse mundo. — Declarou Haniball, pondo-se de pé.
— Verdade deste mundo? O senhor não está dizendo que é um daqueles lunáticos que buscam os pergaminhos do antigo templo de Ithy?
—Espero que sim, pois temo por algo ainda pior.
— As runas. — Murmurou Cobra.
— Quando terminar sua refeição, Iris o levará para seu aposento; eu já irei me deitar.
— Como desejar, Mestre.
A noite foi tranquila para os três. Como Haniball havia dito, antes do amanhecer, eles já estavam montados em seus cavalos e prontos para partirem. Cada um usava um manto preto que os cobria completamente; um já tinha colocado sua máscara amarela de lagarto, o outro, com sua máscara verde de cobra e Haniball colocou a sua de cor branca com a cara de um lobo.
— Serão dois dias de viagem; trocaremos os animais uma vez na vila de Inah e iremos à margem da Floresta Negra.
Os três partiram a galopes, parando somente para comer e permitir que os cavalos descansassem um pouco. Viajaram durante o dia e a noite.
— Mestre, olhe aquela luz branca. — Apontou Lagarto para a esfera que brilhava acima da cidade.
— Aquela é a cidade de Ebraur. Isso é obra dele? — Indagou Cobra.
— Creio que sim. Vamos, temos que chegar antes que algo ruim aconteça — disse Haniball.
Já era noite, faltavam alguns quilômetros para chegarem à cidade. Eles ouviram um som ensurdecedor, um clarão tomou conta do céu e uma onda de choque passou por eles, derrubando-os de suas montarias, que ficaram atordoadas, relinchando e correndo em círculos.
— Todos estão bem? — Perguntou Haniball, levantando-se, tossindo e batendo a poeira de sua veste.
— Estamos bem. — Responderam Cobra e Lagarto, levantando-se e indo tentar impedir que os animais fugissem.
— O que foi aquilo? — Indagou Cobra.
— Aquilo, meu amigo, era o pior que eu temia. — Explicou Haniball.
Alguns minutos depois, conseguiram recuperar e acalmar os cavalos. Chegaram na entrada da cidade que estava em ruínas.
— Por Eru’Amethy! Que tipo de ritual faria algo assim? — Interpolou Lagarto, sem esperar uma resposta.
Quanto mais avançavam para o interior do que era a cidade de Ebraur, pior a cenário ficava. Vários corpos mutilados estavam espalhados, o sangue tinha ficado preto e viscoso, manchando os entulhos das construções que foram destruídas.
Haniball parou em frente a um sobrado que ainda estava de pé, o que parecia ser impossível devido à explosão que acabara de ocorrer. Um som chegou aos seus ouvidos e ele perguntou se os dois também tinham ouvido. Cobra negou com a cabeça junto com Lagarto.
— Prestem atenção. — Declarou Haniball.
Os dois se concentraram e puderam ouvir, era o som de choro, era de uma criança ou bebê.
— Está vindo da casa — falou Lagarto.
Haniball forçou a porta, mas parecia emperrada. Cobra não o esperou falar nada e chegou dando um pontapé na mesma, que tombou levantando poeira.
No interior da casa, Haniball seguiu o som até o segundo andar. Havia um corredor e uma porta. Ele entrou em um quarto, o chão estava coberto com sangue e pedaços do que sobrou de roupas de um homem e de uma mulher, mais a frente, viu um berço, dentro dele estava uma bebê, embrulhada em panos.