Leviatã - Capítulo 17
Guardei a águia abaixo de minhas roupas e levantei com alguma dificuldade. O forte soco do homem me fez ver estrelas, muitos teriam morrido, poucos teriam sobrevivido e só aqueles com uma força de vontade descomunal poderiam manter a consciência.
Naquele momento tudo que eu queria era dormir, mas com o máximo de minhas forças caminhei em direção ao corpo do que tinha sido o meu maior adversário até então. Seu corpo já não tinha roupas, estando apenas com trapos queimados e bolhas de sangue cobriam toda a sua pele, já seus longos cabelos foram reduzidos a cinzas junto com suas sobrancelhas.
— Você ainda vive, não é mesmo?
O peito do homem levantou e ficou claro sua respiração, mesmo com o rosto queimado, notei o sorriso que se fazia em seus lábios: — Você é mesmo um monstrinho garoto, nunca vi alguém com tanto poder e talento em tão pouca idade… Você não precisa se preocupar, aquela força em chamas me destruiu completamente..cof..cof..cof!
— Você tem alguma última palavra?! —Eu não tinha ressentimentos, ódio ou até raiva de meu inimigo. Emoções que atrapalham os pensamentos, mas também não iria demonstrar misericórdia. Esse mundo é uma luta constante, onde a naturalidade dos fortes devorarem os fracos e os mais fortes governarem a terra deve ser compreendida em sua totalidade.
— Cof..Cof…eu tenho sim!
Senti um frio percorrer minha espinha quando o homem quase morto desapareceu de minha vista. Senti uma forte pressão quando braços quentes rodearam meu pescoço: — Ó quê?!
— Fique calmo, garoto, eu só tenho um último desejo antes de morrer. Ajude Yuri, tome isso como pagamento!
Senti uma quantidade absurda de energia tão quente quanto o fogo percorrer minhas costas, atravessando toda a minha pele, músculos, ossos e órgãos! Não apenas isso, a energia era tão grande que senti meu corpo se expandir como um balão.
Quando a pressão chegou ao fim, senti os braços largarem o meu pescoço quando me virei e vi o homem caindo no chão, já sem vida. ” Eu serei tão estranho quando estiver na beira da morte?…. Que saudades suas meu pai”
Naquele momento só queria correr para minha velha casa, onde vivia com meus irmãos e meu pai. Olhei para minhas mãos, agora cobertas por veias inchadas e senti a dificuldade de permanecer em pé.
Queria verificar Jack, mas sabia que ele estaria bem, mesmo estando desmaiado e machucado. Peguei minha espada e corri para o campo de batalha atrás de Yuri. Não sabia como o homem morto podia confiar em um inimigo, mas eu não planejava receber aquele poder imenso sem retribuir. Esse era o meu orgulho como guerreiro!
Quando cheguei no campo de batalha de Yuri, vi o mesmo ajoelhado com sangue escorrendo sobre seu corpo. Como também vi Sotaro segurando o que parecia uma arma de fogo, só que diferente de qualquer outra arma de fogo que já tenha visto.
Corri com minha espada e não hesitei quando a enfiei no pescoço de Sotaro, minha lâmina não encontrou nenhuma barreira quando ceifou sua vida.
Quando percebi Sotaro caindo no chão, tirei minha espada de seu pescoço e logo a frente Yuri caía coberto de sangue. Eu queria andar e ajudar a todos, mas não resisti quando caí no chão e minha visão escureceu completamente.
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Quando abri os olhos, os raios de Sol se apresentaram a mim. Logo em seguida, levantei meu corpo sobre a cama. Não encontrei Thomaz, muito menos Yuri no quarto, apenas Tim que dormia sobre a escrivaninha.
Não quis atrapalhá-lo, quando levantei da cama. Mas ao tentar me erguer sobre minhas pernas, senti novamente a tontura e o desmaio vindo e cobrindo a minha mente, mas me segurei na parede e com dificuldade saí do quarto.
Desci pelas escadas me segurando no corrimão para não cair. Já no primeiro andar, encontrei Hela, John e Paty com rostos apreensivos.
Quando me viram descer as escadas, se levantaram abruptamente, tive que levantar a mão para que não falassem todos juntos. Me sentei em uma das cadeiras para ouvir o que aconteceu: — Como estamos vivos?
Foi John que explicou toda a situação: — Seguimos com o plano, logo depois do segundo disparo. Eu e Paty descemos para o campo de batalha enquanto Tim e Hela nos davam cobertura de cima. Tivemos certa sorte de matar muitos dos soldados de Sotaro no primeiro e no segundo disparo, mas seus guardas pessoais foram um problema. Hugo, um dos guardas de Yuri morreu, e os outros três estão severamente feridos, mas não perderam nenhum membro. Mas as perdas teriam sido muito maiores se dois dos guardas de Sotaro não tivessem sido atingidos pelos disparos, eu e Paty também matamos alguns dos soldados restantes com a ajuda de Hela e Tim de cima.
Eu abaixei a cabeça, de certa forma esse foi o melhor resultado possível. Hugo deve ter morrido pela pressão de ter que lutar com os soldados antes que Paty e John chegassem ao campo de batalha. No entanto, aquilo não fazia sentido, mesmo se todos os soldados, com exceção de Sotaro, tivessem morrido. Aquele monstro bastaria para matar a todos naquela noite.
— Continue.
Dessa vez foi Hela que contou o restante da história: — Quando a batalha acabou e John e Paty deram o sinal para descermos. Encontramos todos feridos e desmaiados, com exceção de Hugo que perdeu a vida. Tim trabalhou a noite inteira cuidando de você, Thomaz, Yuri e os guardas de Yuri que sobreviveram.
Paty contou o resto da história em seguida: — Você estava desmaiado e com a mandíbula deslocada longe do campo de batalha, quase próximo ao pequeno cais. Encontramos Thomaz segurando fortemente uma espada muito estranha, Tim quase não conseguiu tirar a espada de sua mão. Mas não era só isso, todo o seu corpo estava inchado, até mesmo as veias de seu rosto pareciam que iam saltar para fora. Por sinal foi ele que salvou Yuri.
— Como?! Thomaz salvou Yuri?!
Paty confirmou com um aceno e John explicou: — O irmão de Yuri carregava o que achamos ser uma arma de fogo, passamos a noite com aquilo e realmente é incrível. Não só não precisa ser carregada com pólvora e chumbo a cada disparo, como a munição por si só já carrega uma certa quantidade de pólvora. Não a testamos, mas o irmão de Yuri a usou para fazer dois buracos enormes nos ombros de Yuri, por sorte, antes que Yuri recebesse outro buraco, dessa vez em sua testa. Thomaz parece ter atravessado a garganta do irmão de Yuri com aquela espada estranha.
Eu acenei para concordar com o relato, mas ainda não fazia sentido: — Não acharam mais nada estranho?
Percebi Hela morder os lábios, mas foi John quem explicou tudo: — Mesmo a espada e a arma não assumiram o primeiro lugar da coisa mais estranha da noite. O homem que supostamente lutou contra você e Thomaz, estava completamente queimado. Em sua cabeça restava apenas alguns fios de cabelo, sem sobrancelhas, apenas alguns poucos trapos de roupas queimados e….
Franzi minha testa, já sem paciência: — Termine!
Hela foi quem terminou, mas seu rosto estava pálido: — É melhor você ver por si mesmo.
— Ver o quê?
Hela, John e Paty se levantaram e seguiram para a porta do porão. Onde ficava a despensa antes da noite de ontem, eu também os segui. Paty abriu a porta e descemos as escadas de madeira, John acendeu as lamparinas quando Hela foi para a frente de uma mesa, na qual tinha um corpo coberto por um pano branco.
— Tim, John e Paty colocaram todos os corpos no estaleiro próximo ao pequeno cais. Com exceção desse!
Hela puxou o pano e a visão fez eu sentir minhas pupilas encolhendo ao ver o corpo daquele que foi a pessoa mais poderosa com quem já lutei, agora estava tão seco quanto um cadáver morto a décadas.
Sua pele era cinza, seu rosto completamente seco, os músculos que antes eram tão grandes quanto possível, agora já não existiam. Foi como se toda a carne de seu corpo tivesse apodrecido em poucas horas.
— Nós o encontramos assim. Tim ficou muito assustado quando o viu e mal conseguiu tocar em seu corpo para fazer um exame. Tudo que sabemos é que algum tipo de poder o queimou e alguma outra coisa o deixou assim. Eu sugeri que Tim o abrisse, mas Paty e John se opuseram e Tim não queria mais ficar perto disso. Sinto que ele não nos contou tudo.
Eu me aproximei do homem que quase me matou e suspirei, não nutria ódio ou raiva dele. Tão pouco ressentimentos, e acreditava que Thomaz também não tinha nada contra ele.
— Onde está Thomaz, Yuri e seus guardas?
Quem respondeu foi John: — Colocamos eles nos quartos de cima, Tim disse que podem dormir por muitas horas ou até dias, principalmente Thomaz.
— O quê aconteceu com Thomaz exatamente?
Senti a dúvida nos olhos de todos e pensei no que poderia ter acontecido enquanto estava desmaiado. Para mim era impossível Thomaz vencer aquele monstro, mas pelos relatos, não tinha certeza se foi Thomaz quem salvou nossas vidas.
John, Paty balançaram a cabeça e Hela explicou a situação enquanto retornávamos para o primeiro andar: — Tim disse que Thomaz provavelmente sofreu algum ferimento interno, mas notei a dúvida em seus olhos. No final, acreditamos que a mesma coisa que deixou aquele homem parecendo uma múmia, também fez Thomaz ficar como um balão; totalmente inchado.
— Leve-me para ver Thomaz e Yuri.
Seguir Hela para os quartos do segundo andar, enquanto Paty e John ficavam no primeiro de vigia. Todos estavam preocupados que a batalha tivesse chamado a atenção dos soldados da cidade, mas durante toda a noite, ninguém viu nada.
Já nos quartos, encontrei Thomaz e Yuri no mesmo quarto. Fiquei assustado ao ver Thomaz totalmente inchado, sua pele estava roxa e as veias saltavam de seu rosto. Me aproximei para tocar sua pele e não só senti suas veias sobressalentes, como também senti sua pele queimar.
Naquele momento já tinha quebrado as barreiras e tinha me tornado um Mestre por direito. A batalha contra aquele homem me fez compreender coisas que antes eram vagas e difíceis de entender, por isso pude avançar para um nível superior.
Graças a isso pude ver pequenos traços de vapor saindo por todo o corpo de Thomaz. Realmente pude suspirar de alívio ao perceber que Thomaz não corria perigo
— Tim disse que Thomaz sofreu uma fratura na mandíbula, assim como você, mas com as habilidades do garoto, ele vai se recuperar em algumas semanas. Mas infelizmente não sabemos quando ele irá acordar. Já Yuri…
Me virei para olhar Yuri que estava em outra cama, diferente de Thomaz, Yuri estava com duas grandes ataduras em seus ombros que cobriam toda parte superior de seu corpo.
— Tim disse que Yuri perdeu muito sangue e os disparos feitos por aquela arma fizeram um bom estrago em seus ombros. Ele teria morrido se fosse um homem comum, todos vocês teriam.
Me aproximei de Yuri e analisei sua condição cuidadosamente, felizmente Yuri não corria perigo de vida, mas estava visivelmente pálido e muito fraco.
— Me leve para ver os guardas de Yuri.
Fui até onde os guardas de Yuri estavam e todos estavam enfaixados por todo o corpo, mas assim como Hela disse, não tinham perdido nenhum membro. Infelizmente eles ainda perderam muito sangue e sofreram cortes profundos por todo o corpo, provando que não tiveram a mais fácil das lutas. Ainda sim eles iriam se recuperar com o tempo e provavelmente ficariam mais fortes após a recuperação, quem sabe até chegando ao nível Mestre depois de um tempo.
Hela olhou para mim buscando orientações sobre o que fazer, infelizmente também não tinha certeza ou apenas estava inseguro de manter todos em segurança naquele momento difícil.
— Você analisou o mapa?
— Sim, passei a noite analisando o mapa em sua totalidade. É mais incrível do que pensamos, Jack. O mapa traça rotas seguras não só pelos mares que conectam o lado Norte e Sul do Continente, como rotas terrestres entre o Continente Norte e Sul. Toda a topografia do Continente despedaçado existe ali, mostrando até mesmo as cordilheiras, lagos, rios e as principais cidades e seus nomes. Com o mapa tenho total confiança em ir para qualquer canto do Continente despedaçado.
Assenti com a cabeça: — Vá com John e Paty para a cidade e compre tudo que iremos precisar para essa viagem. Podemos ficar meses nas águas, então garanta que tenhamos três vezes o necessário para possíveis emergências. Transferimos tudo que tinha no depósito de Turquesa para o Sparrow, mas talvez não seja o suficiente. Compre outros mapas e construa um novo e melhorado mapa com todos os detalhes, usando esse como base, de toda a parte Norte do Continente despedaçado.
— Tudo bem, o que você vai fazer agora?
— Acordarei Tim e moverei os corpos dos nossos inimigos para o barco deles e antes de partirmos, iremos colocar fogo na casa e no próprio barco, salvando tudo que parece útil.
Hela me olhou com uma incerteza em seu olhar antes de concordar: — Tudo bem.